29.7.11

John Maus - follow this man



Poupar na Abominação

O músico de synth pop John Maus afina pelo espírito retroactivo da época enquanto resiste à tentação de viagens nostálgicas de fácil acesso.

Por Joseph Stannard



Enquanto preparava a minha entrevista telefónica com o erudito pop do Minnesota John Maus, descobri que partilhamos o mesmo entusiasmo por dois filmes de terror de 1982: o anti-corporativo Halloween III: The Season of the Witch, de Tommy Lee Wallace, e o repugnante, apesar de imensamente inventivo, Xtro, de Harry Bromley Davenport.
Insistindo excitado nestes dois artefactos, por volta das duas da manhã, em Los Angeles, Maus refere a sua crença na capacidade da cultura pop romper a sua própria pele. “A banda sonora de Halloween III é realmente um momento sublime, não é? Uma família vê a cabeça do seu filho a explodir quando pega num saco de insectos e serpentes e é comido vivo, tudo ao som do jingle de Silver Shamrock... É um momento de pop radical.”
Xtro – uma das raridades genuínas do cinema de terror Britânico, apresentado a impregnação alien, nascimento de adultos, um boneco Actionman em tamanho natural e, sem razão aparente, uma pantera – impele Maus para ainda maiores encómios e êxtase retórico. “Foi [amigo de Maus e seu colaborador ocasional] Ariel Pink quem primeiro me mostrou Xtro. Ele trouxe-o para casa um dia, dizendo que viu a caixa quando era miúdo e que ela o impressionou bastante, e quis ver o filme. Não fazíamos ideia do que se tratava! O consenso era que talvez fosse o filme mais estranho de sempre a ser feito. Como Lars Von Trier, ou coisa do género, tipo ‘come o teu coração e deita-o fora’! É uma abominação! Eu gostaria de o justapor com estes filmes de hoje que pretendem ser abomináveis, mas que não têm comparação possível. Com Xtro, qualquer que fosse a intenção, é-nos atirado tudo à cara.”
A par de uma carreira académica que tem na música, filosofia e ciência política, John Maus editou música quer como colaborador quer a solo, durante 15 anos, antes de editar o seu primeiro esforço para as massas, Songs, de 2006. Num barítono lúgubre, ele dispara slogans tocando o escatológico (“Oh, a minha avó mijou nas cuecas de novo/E eu tenho isso nas minhas mãos”), o mundano adormecedor (“Preciso de dinheiro para pagar as contas e outras coisas/É tempo de arranjar um emprego”) e o apocalíptico (“Toda a gente sabe que é tempo de morrer”) sobre um synth pop lo-fi cheio de tensão e nuances maleáveis e enganadoras, com pinceladas ocasionais de Barroco. Maus prosseguiu depois com Love Is Real, de 2007, uma obra-prima desamparada mas focada, introspectiva, ainda mais pungente devido aos seus momentos vacilantes de assertividade face à solidão abjecta.
O seu terceiro álbum, We Must Become The Pitless Censors of Ourselves, levou dois anos a completar. Maus confessa que o seu processo de escrever e gravar é muito difícil e penoso – Songs foi elaborado ao longo de cinco anos – e, desta vez, devido a essas dificuldades encontrou o seu caminho nas composições, que frequentemente descambam para latitudes motivacionais de desespero (“Keep Pushing On”, “We Can Break Through”). “Tem sido sempre uma luta, sentar-me em frente ao teclado, ou mesmo afastado dele, tentando que surja alguma coisa que pareça resultar. Fica-se ali a tentar uma e mil vezes, para no final o resultado ser nulo. Eu penso que é essa a dificuldade – tentar o mesmo imensas vezes, e falhar sempre, o que te deixa completamente abatido. Mas eu cometi o erro de dedicar-me por completo a esta tarefa, e se eu tivesse tido qualquer outro tipo de vida fora deste empreendimento, as coisas não seriam tão difíceis. Poderia tirar alguma inspiração disso também. Mas, sabes como é, dedicarmo-nos apenas ao trabalho... é um cliché, bater com a cabeça contra as paredes.”

Álbum 1: Songs - 2006


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Talvez apropriadamente, Maus olha para o seu trabalho mais recente com um grau de ambivalência. “Eu esperava que este disco fosse uma espécie de transição para um período médio, sabes, um género de ‘[sinfonia] número três’. Eu tinha a Eroica do Beethoven na cabeça, no meu modo caricatural e patético. Mas não, acabou por ser mais uma clarificação ou uma consumação do que eu tinha feito nos dois outros álbuns. Mas suponho que isso é bom, pois assim consigo ver os resultados desta coisa esquisita em que me meti, que é fazer pop acerca da pop. Torná-la mais poppy. Seja o que for que isso significa. Mas o erro é que eu tenho uma resposta para isso, em vez de deixar estar a interrogação, em vez de perceber que muitos dos de trabalhos canónicos na nossa tradição são muito experimentais, em sentido literal.”
O título do álbum não denota apenas a angústia ou frustração do perfeccionista. Ele oferece também uma cápsula crítica da tendência da nossa época digital, de ir na direcção de uma autoexpressão livre. A Web 2.0 deu-nos a possibilidade e persuadiu-nos de que não apenas as nossas vozes podem ser ouvidas, mas também de que devem ser ouvidas. A relação sinal-ruído daí resultante continua a alimentar esse debate. Maus admite a sua própria contribuição, mas mantém que está mobilizado para resistir a esse charme. “O título é de um filósofo francês, Alain Badiou, da sua obra Fifteen Theses on Contemporary Art, que me impressionou bastante quando era mais jovem; parecem fazer muito sentido há muito tempo. Foi uma filosofia que me guiou nos dois últimos anos, apesar de eu ter também ossos para aguentar com ela. Mas sim, eu penso que a ideia geral é que numa situação em que tudo é encorajado e permitido, uma das maneiras de ultrapassar isso é lutar para fazer algo para além disso. Lutar para se autocensurar, como oposto a juntar-se à avalanche. Isso requer algum esforço, é uma luta para não se ser arrastado. E claro que eu não reclamo sequer que o tenha conseguido, mas é o meu objectivo.”
Então será que Maus se abstém de tuítar e participar em chats renegando as redes sociais? “não, não, não, eu tenho aqui um telemóvel, tenho página no Facebook e outras coisas. Porque, por outro lado, há esta ideia de misturar tudo e aproveitar ao máximo a situação e as tecnologias, sabes o que quero dizer, de modo a conseguires partilhar a tua experiência única de ser um ser humano aqui a agora. Isso requer que bebas toda esta frutose e comas Doritos e curtas todos os géneros de filmes e música pop. Se queres fazer uso dessa linguagem, tens de estar familiarizado com ela.”

Álbum 2: Love Is Real - 2007


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Maus refere a ‘subtracção’ como um método de trabalho chave, levando a pop até às suas particularidades, em ordem a ganhar proximidade com a sua verdade particular. Mergulhar num kit de ferramentas sónico que eleva a reverberação e o eco a um estado instrumental por direito próprio, enquanto evoca as tropas harmónicas e floreados melodramáticos da synth pop dos anos 80. Maus viu-se colocado no movimento da pop de vanguarda, comprometido com o passado e de peito aberto a descargas de nostalgia, até solipsismo. Apesar de estranha, a sua pop opaca resiste a categorizações, juntando-se um brilho beatífico de onda chill. Provavelmente, o criador refuta firmemente a acusação de que está simplesmente a revisitar os velhos sons da sua juventude. “Não vejo isto como um regresso, vejo-o antes como uma palete com a qual temos de trabalhar. Estes sons já fazem parte do vernáculo. Eu resisto muito à ideia de que, de uma forma qualquer, nós temos de nos mover para sons ‘melhores’. Não é acerca de nostalgia ou qualquer rememoração, pelo menos não de forma consciente, no meu caso; é o que o trabalho que faço precisa. É parte desta linguagem e assim podemos explorar as possibilidades expressivas trazidas por estes sons chamados de nostálgicos ou retro. Eles são simplesmente os que melhor se adaptam ao tipo de trabalho que quero fazer, sabes?”.
De outro artista qualquer, este argumentário pode parecer um passo em falso. Ainda assim a música de Maus desafia a auto-satisfação do retro servil, e a sua convicção é firme. “Penso que é supremamente contemporâneo usar estes assim chamados efeitos ‘nostálgicos’, no sentido em que contemporâneo é ser algo fora do comum num determinado momento. Há certos tipos de ideias harmónicas que ouviste muito nos anos 80 que eu penso justificarem uma exploração neste momento, aqui, hoje. Podemos manter-nos a explorar essas ideias, por isso não é uma questão de nostalgia reminiscente acerca desses tempos, é uma questão de recomeçar de onde se parou e levá-lo mais longe.
Apesar de, até certo ponto, ser cúmplice da sua própria mercantilização, Maus é instado a desfigurar as superfícies polidas da pop, pressionando cuidadosamente as ilusões de suave continuidade, como sublinha no seu amplamente disseminado e discutido artigo These On Punk Rock. Ele exprime ambivalência sobre o assunto em entrevistas, por exemplo, vendo-as (talvez acertadamente) como outro tijolo no edifício monolítico da representação. A nossa melhor esperança, sugere, é corromper intencionalmente esses canais dos media, na esperança de que a fricção possa fazer emergir uma verdade de algum tipo. “Estas identidades que nós destruímos... Em entrevistas, as pessoas perguntam-te de que tipo de música tu gostas e não podes deixar de sentir que estás a praticar todo o jogo económico de ‘Isto é o que eu sou, eu ouço isto e aquilo.’ Não estás, na realidade, a dizer nada sobre ti, estás a definir-te. É um cliché, claro, apontar tudo isto, todos sabemos como é. Por isso eu penso que podemos tentar – e sei que isto parece ridículo – trairmo-nos a nós próprios através destas máscaras. Nunca te vês livre delas, mas talvez possas colocar algum tipo de ruído na sua superfície, um tipo de fantasma vago. ‘Graffitis assombrados’, certo? O regime de representações fodido, todas as conversas estúpidas... São assombradas pelo espectro da subjectividade, não é? De certa forma? Algures, no meio desse tornado, há algo que se dá de si próprio de tempos a tempos.”

We Must Become The Pitless Censors Of Ourselves foi agora editado na Upset The Rhythm

Álbum 3: We Must Become The Pitiless Censors Of Ourselves - 2011



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