6.6.12

Livros sobre música que vale a pena ler (e que eu tenho, lol) - Cromo #19: Deborah Curtis - "Carícias Distantes - Biografia de Ian Curtis"


autor: Deborah Curtis
título: Carícias Distantes - Biografia de Ian Curtis
editora:Assírio & Alvim
nº de páginas:197
isbn: 972-37-0185-5
data: 1996 (ed. or. de 1995)


sinopse:
Ian Curtis foi um cantor e autor de letras para canções com raro poder visionário: as suas canções e as suas actuações com a Joy Division transmitiam emoções desesperadas e raivosas, encobertas por uma severa fachada Mancuniana. Eram quatro os elementos que compunham a Joy Division - Curtis, Bernard Sumner, Peter Hook e Stephen Morris - mas, Ian era os olhos e ouvidos deles: era ele que os empurrava para territórios desconhecidos - basta lembrar canções como "Dead Souls" que, gélidas como uma campa, tinham embutidas o infinito de um inferno de Gustave Doré.
É fácil esquecer, agora que Manchester é uma cidade de renome musical internacional, como a Joy Division estava isolada. Numa época em que o meio de comunicação principal se resumia à imprensa musical semanal; a Joy Division esquivava-se a entrevistas: sobreviveram e prosperaram através de concertos, badges, singles de sete polegadas e do boca-a-boca. Durante os últimos seis meses da existência da Joy Division, nasceram os meios de comunicação modernos destinados à juventude: revistas de moda como The Face e I-D Magazine, programas com actuações ao vivo como Something Else, que a Joy Division tomou de assalto com uma actuação maníaca de "She's Lost Control".
A Joy Division não era uma banda punk, mas inspirava-se directamente na sua essência. tal como o punk, usavam a pop music como um meio para penetrar no inconsciente colectivo, só que, isto aqui, não era a Londres de Dickens, mas sim, a Manchester de De Quincey: um ambiente sistematicamente degradado pela revolução industrial, limitado por pântanos sombrios, com o esquecimento e a solidão como única fuga. Manchester é uma cidade fechada, Cancer como Ian Curtis: ele permanece como o maior poeta da cidade, capturando o seu espaço e a sua claustrofobia num gótico contemporâneo.
Manchester é também uma cidade grande da soul: respira-se a música de dança negra americana, com a humidade e a poluição. Convidados a escrever uma canção baseada no tema clássico de Northern Soul de N.F. Porter, "Keep on Keeping On" ("Continuando a Continua"), a Joy Division pegou no refrão original e projectou-o para outra dimensão: ("Tentando encontrar um caminho, tentando encontrar um caminho - para sair daqui!"). Apesar do negrume da letra, laivos de alegria azeda e do optimismo da canção original saltam ao ouvido, como se se tratasse de uma canção guia eliminada na fita master final.
Eu vivia em Manchester nessa altura, um londrino transplantado para o Noroeste. A Joy Division ajudou a orientar-me na cidade. Vi este novo ambiente através dos olhos deles - («Ao longo da rua escura, as casas parecem iguais») - e senti-o através da atmosfera poderosa gerada pelos seus discos e pelos seus concertos. O primeiro álbum, Unknown Pleasures, editado em Junho de 1979, definia não só uma cidade, como um momento de mudança social: segundo o escritor Chris Bohn, eles «gravaram o efeito corrosivo no indivíduo de uma era espartilhada entre o colapso na impotência do tradicional humanismo trabalhista e, a iminente vitória cínica do conservadorismo».
Ao vivo a Joy Division rockava, fortemente, mas não se limitava a isso. Ian Curtis conseguia fazer perfomances tão intensas que éramos obrigados a sair da sala. A maioria dos performers retraem algo quando estão perante o público: aquilo a que chamamos «arte de palco» ou maneirismo é, de facto, a auto-protecção psíquica necessária. Acompanhado lado a lado pelos seus ansiosos e proteccionistas companheiros - Bernard Sumner e Peter Hook - Ian Curtis, levantava-se, olhava em volta e rendia-se totalmente às suas visões. Isto não aconteceia no ambiente controlado de uma sala de espectáculos ou de um estúdio, ams em clubes mínimos e mal equipados onde a violência podia eclodir a qualquer momento.
Quando se é novo, a morte raramente gaz parte do nosso mundo. Quando Ian Curtis se suicidou em Maio de 1980, foi a primeira vez que muitos de nós se encontrou perante a morte: o resultado foi um choque tão profundo que se transformou num trauma sem solução, uma ruptura na história social de Manchester, que permaneceu através da promoção mundial da cidade, como Madchester (Chester louca) e, através do continuado sucesso dos New Order, o grupo formado pelos restantes três elementos da Joy Division. Como Curtis cantava em «Komakino»: «A sombra na beira da estrada / Faz-me lembrar sempre de ti».
Deborah Curtis foi a última pessoa a ver o seu marido com vida. Analisada ao nível mais básico, a sua memória é um exorcismo da perda, da culpa e da confusão que se seguiu após o acto de violência ocorrido na casa que partilhavam em Macclesfield. Fala-nos também sobre o que tem suscitado muitos rumores mas nunca foi conhecido: a vida emocional deste homem tão recatado. Muita da informação contida neste livro vem a lume pela primeira vez - um acto de revelação que mostra como é profunda a necessidade de quebrar a ligação ao taciturnismo Mancuniano.
Também nos diz algo, que embora estando sempre presente, raramente discutimos: o papel da mulher no mundo masculino, muitas vezes machista do rock. Deborah é a mulher que apoiou o seu marido, mas que foi deixada para trás. Há neste livro uma cena arrepiante, em que já perto do fim da gravidez Deborah vai a um concerto dos Joy Division, para ser impedida de entrar por alguém da entourage que não a considerou, naquele estado, suficientemente atraente para se juntar à banda, e isto porque, mnas suas próprias palavras, «como é que podemos ter uma rock star, com a mulher grávida de seis meses à espera nos camarins?» E foi assim, que as crueldades começaram.
Há outra questão que este livro levanta, tão gélida como impossível de responder. Deborah Curtis escreve sobre a relaidade por detrás da persona, o facto de Ian Curtis ter uma doença - apilepsia - que era agravada pelas exigências dos espectáculos. Na realidade, o seu estilo em palco, hipnotizante - os braços agitados, o olhar vidrado, a dança frenética e espasmódica - espelhava os ataques epilépticos que tinha em casa, e que arrepiavam os seus fa,iliares. Será que as pessoas admiravam em Ian Curtis, exactamente aquilo que o estava a conduzir à destruição?
Aplaudo a coragem de Deborah Curtis ao escrever este livro, e acredito que poderá ajudar a sara a ferida de quinze anos. Pode também ajudar-nos a compreender a natureza da obsessão que continua a atormentar a cultura rock: a noção romântica do artista torturado, muito rápido a viver, muito jovem a morrer. Este é o mito que começou com Thomas Chatterton e que ainda se mantém, através de Rudolfo Valentino, James Dean, Sid Vicious, Ian Curtis e Kurt Cobain. Carícias Distantes (Touching from a Distance), revela o custo humano desse mito.
Jon Savage (1995)




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