31.8.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (123) - Música & Som #59


Música & Som
Nº 59
Novembro/Dezembro de 1980

Publicação Mensal
Esc. 100$00
Número especial de Natal

Música & Som publica-se à 5ª feira, de quinze em quinze dias.
Director: A. Duarte Ramos
Chefe de Redacção: Jaime Fernandes
Propriedade de: Diagrama - Centro de Estatística e Análise de Mercado, Lda.
Colaboradores:
Ana Rocha, Bernardo de Brito e Cunha, Carlos Marinho Falcão, Fernando Peres Rodrigues, Hermínio Duarte-Ramos, João David Nunes, João Gobern, João de Menezes Ferreira, Lobo Pimentel Júnior, Nuno Infante do Carmo, Manuel Cadafaz de Matos, Paulo Norberto, Pedro Ferreira, Pedro Cristina de Freitas, Raul Bernardo, Rui Neves, Trindade Santos.
Correspondentes:
França: José Oliveira
Holanda: Miguel Santos e João Victor Hugo
Inglaterra: Ray Bonici

Tiragem 15 000 exemplares
104 páginas A4
capa de papel brilhante grosso a cores
interior com algumas páginas a cores e outras a p/b mas sempre com papel não brilhante de peso médio.


Crítica de Concertos

Tangerine Dream

Um Concerto Sem Tom Nem Som




À reacção - entre o surpreendido e o conformado - da assistência que, no Pavilhão dos Belenenses, seguiu a actuação dos Tangerine Dream levanta entre outras perguntas, a principal - gostaram, ou não, as pessoas do concerto?
Pelo que me pareceu - e pela minha parte também - nem sim nem não, antes pelo contrário. Como assim? Não sabiam as gentes ao que iam?
Na sua maioria, creio bem que não. O fascínio do hardware, o rock cósmico, os lasers, a ficção musical da ficção científica era o que esperavam. Mas não foi isso que tiveram.
Numa sala que destila punk por tudo quanto é sítio, com um output sonoro muito modesto - em volume e definição - e luzes nada espectaculares, a perfeita encenação dos Tangs para o seu Prelúdio à Música do Futuro falhou rotundamente. Essa frustração não escapou ao ágil público lisboeta, agressivo, primário, mas generoso, sempre pronto a deixar-se maravilhar pela novidade.
Por isso, o show ficou-se pelos ameaços de qualquer coisa que ninguém nunca ouviu. Mas esse espectáculo, cabe perguntar: poderia tê-lo sido?
Tenho algumas dúvidas.
E vamos por partes. Quanto ao público e a sala - nada de grave. Não seriam a audiência ideal. Mas o que é a audiência ideal? Imperdoável, sim, foi o som. A três metros das colunas as sonoridades embrulhavam-se, perdiam definição e recorte. Ficavam uma pasta harmónica, onde as sequências rítmicas enquadravam por vezes melodias de bom traço. A mensagem lá ia chegando aos ouvidos sequiosos da massa humana. Mas a pureza do meio, onde estava ela? A nitidez no desenho das figuras rítmicas e a fidelidade na reprodução dos timbres - tão importantes neste tipo de música - ninguém os percebia.
Aqui, a beleza sonora é um ingrediente essencial. Com meia dúzia de watts e um banho de distorção intermodulacional, para que servem as catedrais electrónicas?
Depois, a pacatez do vídeo não contribuiu para que os clímaxes comparecessem no instante exacto. Bom gosto, sobriedade. Falta de impacto. Frio não quer dizer morno.
E restavam três figuras fantasmagóricas, por detrás de uma cortina negra translúcida, mergulhadas numa penumbra sacudida por relâmpagos. O seu bailado estático tinha algo de insensato para quem aplaudia ou assobiava. Um agitar da perna. Um dar à anca esporádico. Dos três, só Johannes Schmoelling denunciava reflexos orgânicos. E compreende-se. Foi ele quem mexeu mais em teclados. Os outros estavam amarrados aos gestos milimétricos exigidos pelos gigantescos painéis de potenciómetros e relés. Não é possível swingar a rodar botões e deslocar cursores. Toda esta gestualidade é atavismo da prática instrumental que os Tangs irrelevam. Foi preciso o menino Joãozinho descer ao piano a curtir uma de Keith Jarrett para o pessoal sacudir o torpor. (É agora que isto vai aquecer?).
Mas não. Aquilo era mesmo assim. E não era para deitar fora. Mas não dava para levantar voo. Era uma coisinha interessante e inócua. Bem concebida mas mal embalada, perdida num labirinto de equívocos. Sem tom, nem som.
Mas será, por certo, excessivo avaliar o grupo a partir de uma única exibição. Saliente-se, ainda, que um projecto como o dos TD é válido enquanto se mantiver vivo, importante sempre menos pelo que já foi feito, que pelo que vai fazer.
É que, neste tipo de música, as possibilidades são praticamente ilimitadas, embora elas se abram apenas mediante a superação de algumas contradições. A mais importante das quais resulta da lenta aglutinação numa personalidade colectiva das três figuras que, hoje, condensam a criação e produção da música: o compositor, o intérprete e o engenheiro.
O que se passa com os TD é que, por ora, a relação entre estas diversas facetas é conflituosa. Qual é a liberdade do intérprete e quais são os limites da improvisação? De que modo as condições de reprodução (num espaço concreto) afectam o programa preparado? Qual é o efeito retroactivo da resposta do público sobre a actuação? Que tipo de participação suscita esta música na assistência e de que modo pode o grupo integrá-la?
Estas perguntas - problemas simples que qualquer intérprete resolve intuitivamente no palco - não podem ser respondidas por um grupo com as características dos TD senão ao cabo de uma longa e penosa carreira.
Por outro lado, por um ponto de vista estritamente musical, os TD aceitam ainda condicionalismos estruturais especificamente inerentes ao universo da instrumentação clássica e popular, que nada têm a ver com a aparelhagem que manejam e mal conhecem. De momento, as suas composições pouco mais representam que um arsenal de efeitos sonoros com que a música tradicional é ornamentada.
Mas o seu papel - correlativo ao dos músicos que progressivamente vão integrando as novas aparelhagens na música do quotidiano - é da maior importância. São eles quem prepara a (r)evolução do gosto do público e dos seus hábitos de consumo estafados por uma tradição que começa a dar amplos sinais de exaustão.
O que não pode estar em causa num concerto como o dos Belenenses é a apreciação do seu trabalho exclusivamente em termos da música produzida. Mais disco ou menos blues não vem ao caso. É sempre uma proposta concreta, na sua globalidade, que tem de ser avaliada.
O espectáculo falhado nada mais significou que uma experiência frustrante, para os músicos e para o público. Para aprender a esquecer.
Trindade Santos

Entrevista Exclusiva

A Longa Viagem dos Tangerine Dream



M&S - Como se reflectiu na vossa música a evolução do rock?
Edgar Froese - Nós fizemos parte dessa evolução. Em certa medida pode falar-se da nossa própria reflexão nalguma parte do processo de transformação do rock.
Quanto à evolução do grupo - ao contrário do que se costuma dizer - não a sinto como uma revolução. É, sim, um movimento gradual, passo a passo, pelo qual se vai formando e transformando um ideal musical.
Ao levarmos as pessoas a ouvirem, não apenas uma música diferente, mas, sobretudo, de um modo diferente, estamos a contribuir para o aprofundamento das formas de participação individual na criação cultural.
Hoje, pode falar-se de música de dois grandes géneros: uma, a que desperta um reflexo cómodo e descomprometido da parte do consumidor; outra, a que faz com que a audiência se projecte na obra que lhe é proposta, que vá ao seu encontro. E para isso é necessário que se conheça.
O nosso maior ideal é provocar no ouvinte a autodescoberta e um progressivamente maior conhecimento de si.
Chris Franke - Essa exigência decorre, por si, da nossa escolha de um novo tipo de instrumentação. Com ele podemos criar novos padrões, novas texturas, novas atmosferas... Portanto, novos sentimentos na apreciação da experiência musical. É, pois, o indivíduo e, no limite, toda a sociedade que se vêem reflectidas nas nossas propostas de mudança. A tecnologia, a própria capacidade de adaptação do homem ao ambiente pela introdução de novas tecnologias, tudo isso está presente na música que fazemos.
Ironicamente, esse é um dos motivos que nos levam a recusar os textos nas nossas obras. Porque isso seria, de algum modo, fixar a mudança ou convertê-la em directivas precisas.
M&S - Acham, pois, que fazem música para o indivíduo ou para as massas?
EF - Para ambos. Na medida em que é o indivíduo que constitui a massa e das massas se projectam indivíduos...
CF - Naturalmente, falar em música para as massas faz logo pensar em comércio e indústria, porque há uma música logo etiquetada com essa finalidade. Pela nossa parte, começámos por pensar no indivíduo - talvez como extensão de nós próprios - mas temos vindo a sentir, com o crescimento do nosso público, que estamos diante de uma multidão anónima mas diferenciada, constituída por indivíduos conscientes de si, que participam numa aventura cujo fim não se pode conhecer. Nessa longa viagem, tanto o indivíduo como a massa estão na mira da nossa criação.
M&S - Poderiam dar aos nossos leitores um guia da vossa estratégia orquestral? Que aparelhos a integram e como é por eles produzida a vossa música?
EF - Aí está uma diferença - momentânea, talvez - entre a nossa e a música convencional. Porque é fácil perceber como um melhor conhecimento da orquestra pode levar as pessoas a disfrutarem melhor a sua experiência musical. No nosso caso - por muitas razões que é impossível aqui enumerar - essa explicação poderia constituir uma barreira à espontaneidade com que o ouvinte deve poder, com inteira liberdade, (re)construir a mensagem que lhe passamos. Em última análise, explicar o que é inexplicável, ou fornecer informação dificilmente digerível pela generalidade do público, é dificultar a apreensão da música. Faz~e-la mais difícil e pesada que o que, na realidade, é.
CF - Isso seria, até, violentarmos a entrega imediata com que a realizamos. Todo o caminho percorrido, que nos levou a recusarmos a via dos instrumentos convencionais e nos leva a prosseguir e aprofundar esta senda é estritamente intraduzível numa ordem de razões. Pôr aí, para mais, a música e o que estiver por detrás dela é arriscarmo-nos a descrever o iceberg pelo que se pode ver à luz do dia.
As nossas condições de trabalho e os nossos métodos divergem muito dos da generalidade dos músicos convencionais. Há um alto grau de improvisação - face à construção - na música que fazemos. No limite, é uma criação de input directo. O output pesa, sobretudo, nos concertos quando sentimos o calor da assistência procuramos adequar-nos aos seus impulsos e desejos.
M&S - Mas, então, um disco deve ser quase um choque no vosso processo criativo, na medida em que fixa o infixável?
CF - Temos uma consciência aguda dessas circunstâncias. Mas nem por isso podemos trair a nossa aposta. Criatividade-indústria, indivíduo-massa, tradição-progresso. Tudo isso são pólos entre os quais nos movimentamos. Encontrar um equilíbrio, instável que seja, entre essas poderosas forças de atracção, é um dos aspectos mais delicados da nossa tarefa.
EF - Por outro lado, desinteressarmo-nos inteiramente do disco e perder uma valiosa relação com o público seria talvez mais puro, mas diminuiria muito a eficácia da nossa intervenção. Na realidade, o disco, logo que pronto, passa a não nos interessar absolutamente nada. Não é mais do que um fragmento do passado num fluir contínuo em que captar este ou aquele momento - e porquê um ou outro? - não tem qualquer sentido.
Já me aconteceu ter-me esquecido, a ponto de não reconhecer de todo, uma «composição» incluída num disco lançado há três ou quatro anos.
Creio que esta simples diferença documenta bem a diferença entre a nossa maneira de criar e a de um músico convencional, que só se esquece de uma composição sua se não gostar de todo dela.
M&S - Isso implicaria que, por exemplo, uma canção não apenas nunca pudesse acontecer fazerem-na, como, nem sequer teria qualquer significado para vocês?
EF - Não sou tão arrogante que chegue a declará-lo. Há milhões de pessoas para quem uma canção é tudo e o mais que podem perceber do imenso universo da música. Para esses, a nossa viagem conjunta terá de proceder, passo a passo, sei lá por que caminhos...
CF - O que nos interessa é o que flui, o que se plasma nas pessoas e nos locais num determinado instante e depois se vai. Talvez sejamos explicáveis apenas em termos de formas abstractas. E isso pode ter um significado para nós, mas tentar explorá-lo acabaria por cortar-nos do resto das pessoas. Por isso fugimos a explicações. A fantasia - a nossa e a do nosso ouvinte - é um dos aspectos mais preciosos que procuramos preservar.
Porque o ouvinte não pode participar de um modo puramente passivo numa música como a nossa. Ele é, de algum modo, o seu co-criador.
M&S - As «tournées» têm, portanto, grande importância na vossa vida?
EF - A maior. Entre várias razões, porque há muito poucas experiências musicais em disco que consigam interessar-me ao longo de dez anos...
M&S - Por exemplo...
EF - Bach. Que, tal como nós, (salvas as devidas proporções) é um compositor que trabalha com sequências.
M&S - O sucesso tem alguma influência na vossa música?
EF - Se tem! De um modo muito estranho, por exemplo. A partir de um certo momento temos vindo a sentir cada vez mais a presença do ritmo. Aquilo que inicialmente era a atitude de um indivíduo só perante o mundo foi-se deixando tocar pela exterioridade. Haverá aqui uma certa pressão da cena que nos rodeia - embora basicamente continuemos tão sozinhos como sempre -  mas vai-se dando uma abertura ao clima que nos envolve. Vamo-nos tornando mais populares e, enfim, é o sucesso...
De resto, prontamente aplicado na compra de mais material que não é barato. E aqui, mais uma vez, é patente a retroacção.
Foi essa atenção ao público que nos levou a esta «tournée» que terminará em Dezembro, algures nos Estados Unidos. E logo a seguir começaremos outra, a partir da Alemanha, daí para Itália, e talvez aos países socialistas, depois música para um filme e um projecto para a TV e, inevitavelmente, um novo disco. A partir de então, já não distingo com clareza.
M&S - Creio que já chega para encher uma agenda. Adeus e felicidades.
Trindade Santos


Alguns artigos interessantes, para futura transcrição:
. Criação e Comunicação - O Cerco a Vitorino de Almeida - entrevista de Trindade Santos e Pedro Ferreira
. Rick Wakeman - Yes ou Não? - entrevista por Pedro Ferreira
. Os discos esquecidos do ano 80, artigo por João Gobern
. XTC - artigo por Pedro Ferreira
. Plasmatics - artigo de Nuno Infante do Carmo
. Skids - Valquírias sem Hidromel - artigo de Ana Rocha
. Caravan - crítica de concerto por José Oliveira + entrevista por José Oliveira
. Críticas de Discos
.. David Bowie - "Scary Monsters" [RCA - PL - 13647; Distribuição Telectra], Banco de Ensaio por João David Nunes e João de Meneses Ferreira
.. Dexys Midnight Runners - "Looking For The Young Soul Rebels" [11C 076 07319] - Ana Rocha
.. The Police - "Zenyatta Mondatta" [A&M 2PSP 4831] - Jaime Fernandes
.. Anette Peacock - "The Perfect Release" [Aura Records AUL 707 NP] Pedro Cristima de Freitas
. Neil Young - artigo de Bernardo Brito e Cunha
...& Som
- Top-Booster Para Guitarra Eléctrica"
. Vibrato
. Tremolo
. Reverberação
. «Top-Booster»
.. Leitura do Esquema Eléctrico
.. Funcionamento do «Top-Booster»
Jacques Higelin - Uma Arte Policêntrica - artigo de Rui Neves
A Explosão da Música Antiga (I) - O Que É A Música Clássica? - artigo de Trindade Santos




28.8.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (122) - Música & Som #56


Música & Som
Nº 56
Julho / Agosto de 1980

Publicação Mensal
Esc. 70$00

Música & Som publica-se à 5ª feira, de quinze em quinze dias.
Director: A. Duarte Ramos
Chefe de Redacção: Jaime Fernandes
Propriedade de: Diagrama - Centro de Estatística e Análise de Mercado, Lda.
Colaboradores:
Ana Rocha, António Pedro Ferreira, Bernardo de Brito e Cunha, Fernando Peres Rodrigues, Henrique Amoroso, Hermínio Duarte-Ramos, João David Nunes, João Gobern, João de Menezes Ferreira, Nuno Infante do Carmo, Manuel Cadafaz de Matos, Paulo Norberto, Pedro Ferreira, Pedro Cristina de Freitas, Raul Bernardo, Trindade Santos.
Correspondentes:
França: José Oliveira
Holanda: Miguel Santos e João Victor Hugo
Inglaterra: Jorge Cortesão e Ray Bonici

Tiragem 15 000 exemplares
68 páginas A4
capa de papel brilhante grosso a cores
interior com algumas páginas a cores e outras a p/b mas sempre com papel não brilhante de peso médio.




Genesis
Disco a Disco

artigo por Nuno Infante do Carmo


Uma capa negra avara em informações. Apenas um título no canto superior esquerdo: «From Genesis To Revelation» (Decca SKL 4990). No interior treze temas encadeados, com a assinatura de Genesis e produzidos pelo mentor Jonathan King. Um certo classicismo à la Moody Blues, aqui e ali toques de natureza psicadélica e, num ou noutro ponto, pinceladas rock. Um álbum que, timidamente, expressava já algumas características do som-Genesis nomeadamente na abordagem de Banks às teclas, nas teias envolventes urdidas pelas 12 cordas e na vigorosa presença vocal de Gabriel (of. «In The Wilderness»). Dentre os temas destaca-se «Fireside Song» que, com um tratamento conveniente, ainda hoje poderia fazer carreira.



Um ano depois os Genesis voltaram bem diferentes. «Trespass» (Charisma 9103 10z) é, em boa verdade, o primeiro álbum dos Genesis que hoje em dia conhecemos. A evolução foi enorme. O amadurecimento do grupo é visível a todos os níveis em qualquer dos seis temas. A tendência geral é de calmaria - à excepção do esgalhado «The Knife» - mas, de um modo geral, os temas são vivos, podendo dirigir-se, por fracturas abruptas ou gradações sucessivas, a áreas de clima completamente diferentes do inicial.
«Nursery Crime» (Charisma 9103 100) marca nova evolução na discografia do grupo, no sentido de um maior refinamento técnico-instrumental (a chegada de Phil Collins e Steve Hackett, músicos mais experientes que os seus antecessores, vem possibilitar o emprego de estruturas mais complexas) e lírico (os textos entram no campo da fantasia humorada, das fábulas surreais e do grotesco; por outro lado, algumas canções - «Musical Box», «Harold The Barrel» e «Fountain of Salmacis» - são escritas para várias personagens o que permite uma teatralização da música).
A primeira obra-prima do Genesis surgiu em 1972. Chamava-se «Foxtrot» (Charisma 6369 922) e aí vinham desenvolvidas de uma forma brilhante as opções encetadas nos álbuns anteriores - o rock teatral, a imaginação delirante dos textos, os cuidados e complexos arranjos instrumentais. «Supper's Ready», que cobre quase toda a face dois, fica como um dos temas fortes da rock-music onda progressiva.
«Genesis Live» (Charisma 6369 304), publicado contra a vontade dos membros do grupo, devido à fraca qualidade dos registos, trazia versões de «Watcher of the Skies», «Get'em Out By Friday», «The Return of the Giant Hogweed», «Musical Box» e «The Knife».



Ainda de 1973 «Selling England By The Pound» (Charisma 6369 944) que viria a fornecer ao grupo o seu primeiro hit-single através de «I Know What I Like». Álbum sem o mesmo vigor de textos ou espontaneidade de «Foxtrot», este «Selling England...» constitui-se todavia como uma das peças de maior beleza da discografia do Genesis, tal a profusão de climas delicados nele circulantes. Na faixa «More Fool Me» Peter Gabriel cede, pela primeira vez, o papel de vocalista principal a Phil Collins.
E enfim, em 1974, a obra maior do Genesis - o duplo «Lamb Lies Down On Broadway» (Charisma 6641 226). Trata-se de um concept-album sofisticado, intenso, variado e vertiginoso. Os textos são de Peter Gabriel que é, de resto, a personalidade dominante ao longo de toda a obra (e este facto teria certamente a ver com o seu posterior abandono, colocado que foi em oposição (e minoria) relativamente aos restantes elementos do grupo, mais interessados numa via musical na linha de «Selling England...»). Em «Lamb Lies...» participa Brian Eno realizando enossificações.
Aguardado com expectativa «A Trick of The Tail» (Charisma 6369 974) veio a cotar-se como o álbum do grupo mais vendido tanto na Europa quanto nos States. Phil Collins revela-se um bom vocalista, com marcas evidentes do estilo de Gabriel. Os textos são simples. Um álbum despreocupado que não constitui propriamente o começo de um novo ciclo mas sim uma transição.
«Wind and Wuthering» (Charisma 9103 114) é uma obra delicada e inofensiva. Complexo, perfeito, rebuscado, este álbum acumula clichés do próprio grupo.
Em 1977 apareceu o segundo live da carreira do Genesis: «Seconds Out» (Charisma 9199 263/64) que desforra a fraca qualidade do anterior trabalho ao vivo.
Após a partida de Hackett ficaram três: «... And Then There Were Three» (Charisma 9103 121). Um álbum com canções concisas de um Genesis ainda e sempre brilhante mas já sem aquela mágica capaz de espantar o ouvinte de álbum para álbum, tal como acontecera até «Lamb Lies...»

Genesis
Ano a Ano



 1966 - The Garden Wal e Anon, dois grupos rivais da Charterhouse Public School fundem-se numa banda única. A nova formação integra dois ex-The Garden Wall - o jovem cantor/baterista Peter Gabriel (nascido no Surrey a 13/2/50) - e dois ex-Anon - os guitarristas / compositores Anthony Phillps (nascido em 1952) e Michael Rutherford (nascido no Surrey e 2/10/50).
- O Quarteto inicia a gravação de uma demo tape com uma longa peça de 45 minutos, intitulada «The Movement». (Nunca publicada posteriormente em álbum).
1967 - P. Gabriel põe de parte a bateria que, durante os seis primeiros meses do ano, passou a ser assegurada por Chris Stewart.
- Depois de várias tentativas falhadas em busca de editora, são notados pelo cantor/produtor Jonathan King que, após audição de «The Movement», lhes arranja contrato com a Decca.
- Entretanto todos abandonam Charterhouse: Tony ingressa na Sussex University, Michael na de Edimburgo, Peter aqui e ali e m cursos de flauta e oboé.
- Dezembro - É registado um primeiro single com os temas «Silent Sun» e «That´s Me».
- Jonathan King sugere Genesis para designação do grupo.
1968 - Fevereiro - publicação do single, que não faz qualquer sucesso.
- Chris Stewart abandona e é substituído por John Silver.
- A meio do ano, reunião para registo de um segundo 45 rotações - «A Winter's Tale» / «One Eyed Hound» - que também não faz carreira.
- No final do ano, início da gravação de um elepê ainda e sempre produzido pelo mentor J. King.
1969 - Março - Saída, praticamente despercebida, de «From Genesis To Revelation».
- J. King desinteressa-se do grupo e dele se desliga. Idem com a Decca.
- Genesis passa a ser banda «em tempo inteiro». À excepção de John Silver, todos abandonam os estudos. Silver vai frequentar uma Universidade norte-americana e é substituído por John Mayhew.
- Os cinco membros do grupo passam a viver comunitariamente numa casa de campo. Aí repetem continuamente e preparam um espectáculo.
- Novembro - Primeira apresentação pública, na Brunel University de Uxbridge, logo seguida de uma torunée de seis meses pela Grã-Bretanha.
- Guy Stevens, produtor de Mott The Hoople, e os Moody Blues (para a sua nova etiqueta Threshold) mostram-se interessados na contratação do grupo mas nada se concretiza.
1970 - Janeiro - Tony Stratton-Smith contrata Genesis para a recém-formada Charisma.
- Julho - Entrada em estúdio (Trident) para gravação de um segundo elepê.
- Setembro - Publicação de «Trespass».
- Setembro - Abandono de A. Phillips. «Em 69/70 eu senti que já não tinha liberdade de criar integrado no Genesis e preferi partir porque não me dava nenhum gozo estar no grupo. Neste tipo de banda temos sempre que ceder um pouco para manter o equilíbrio com os outros. Mas é muito difícil. Eu estava contente com os resultados que obtínhamos mas sentia que não estava a fazer aquilo que queria. O primeiro ano de tournée foi para mim uma coisa terrível. Na altura eu tinha 17 anos. E parti.(A. Phillips à «Best»)».
- Pouco tempo decorrido abandona Mayhew.
- Dezembro - «Tony Stratton-Smith procura um baterista sensível a música acústica e um guitarrista solista que também tenha prática nas 12 cordas?». Este anúncio no Melody Maker fez aparecer o baterista londrino Phil Collins (nascido a 30/1/51), ex-Flaming Youth.
1971 - Privado de guitarrista o grupo trabalha durante quatro meses em quarteto. Nesse período compõe novos temas, entre os quais «Musical Box».
- Março - Novo anúncio no MM faz aparecer o guitarrista Steve Hackett (nascido em Londres a 12/2/50).
- A nova formação é rodada numa série de concertos britânicos.
- Julho - Gravação de novo álbum nos Trident Studios de Londres.
- Setembro - Sai «Nursery Crime».
1972 - Junho - Primeiras actuações fora da Grã-Bretanha, integrados numa tournée promocional da Charisma que também incluía Van Der Graaf Generator e Lindisfarne.
- Julho - De novo em estúdio. Desta feita nos Island Studios.
- Setembro - Tournée britânica.
- Outubro - Publicação de «Foxtrot», bem acolhido por toda a Europa.
- Dezembro - Primeira visita aos States. Aí é apresentado, com enorme sucesso, um show em que há aproveitamento teatral de cada um dos temas.
1973 - Janeiro - Apresentação do show «Foxtrot» na Europa.
- Abril - Segunda tournée americana.
- Maio - Enquanto é preparado o novo LP a Charisma lança um live contra vontade do grupo, que não acha nos registos qualidade suficiente.
- Phil Collins e Anthony Phillips fazem um single com uma canção de Rutherford («The Silver Song»). A Charisma recusa a sua publicação.
- Outubro - Sai «Selling England By The Pound». Segue-se uma tournée britânica com um show ainda mais cuidado no aspecto visual.
1974 - Janeiro - Tour europeu e ronda pelos States.
- Junho - Retiro em Guilford para preparação do novo trabalho - um concept-álbum inspirado na longa estadia nos EUA.
- Novembro - Publicação do duplo «Lamb Lies Down On Broadway» seguida de tournée nos EUA com apresentação de um notável show.
1975 - Fevereiro a Abril - Espectáculos por toda a Europa e passagem por Cascais.
- Agosto - De há longo tempo remarcado como o homem de ponta do Genesis pelo seu trabalho de vocalista, de performer, de letrista e de flautista, Peter Gabriel vem surpreender os fans do grupo com o anúncio, através de uma carta enviada à imprensa inglesa, do seu abandono. «As tournées constantes foi uma das principais razões. Ficava esgotado após cada cocerto. Era eu quem, sem dúvida, tinha maiores responsabilidades no grupo. Tinha de me ocupar de todos os pequenos pormenores como maquilhagem, fatos, etc., etc. Tudo isso exigia tempo e era fatigante. Por outro lado eu não gostava daquilo em que me estava a tornar, tal como o grupo. e senti que era chegada a hora de partir. As coisas começavam a ir menos bem, finaceira e musicalmente. Nós não conseguíamos criar algo verdadeiramente novo». (P. Gabriel à «Rock & Folk»).
- Phil Collins que já tinha vocalizado a faixa «More Fool Me» de «Selling England...» e que recentemente fizera as partes vocais do primeiro álbum a solo de A. Phillips - «The Geese And The Ghost» - passa a assegurar a voz principal.
- Dezembro - Saída de «A Trick of the Tail» que se constitui como o primeiro sucesso comercial do grupo nos States bem como o que maior volume de vendas atingiu na Europa.
- Phil Collins a par com uma actividade de session man e membro do Genesis, forma a banda de jazz/rock Brand X com Percy Jones (baixo), Robin Lumley (teclas) e John Goodsall (guitarra).
1976 - Abril - Na tournée americana Bill Bruford assegura a bateria já que Phil, ocupado com o seu novo papel, apenas ocasionalmente pode sentar-se atrás das peles.
- Maio/Junho - Tour europeu com um show não tão rico no aspecto teatral mas mais sofisticado nos efeitos - nomeadamente emprego de lasers.
1977 - Janeiro - No primeiro dia do ano, concerto para reabertura do Rainbow com apresentação do novo elepê «Wind and Wuthering». O baterista contratado para espectáculos é agora o norte-americano Chester Thompson que anteriormente esteve com Frank Zappa, Weather Report e Pointer Sisters.
- O grupo mantém-se consecutivamente on the Road: Grã-Bretanha, EUA, Austrália, Japão e de volta à Europa.
- Outubro - Publica-e o duplo live «Seconds Out» resultado de captações efectuadas na tournée de 1976 e 1977.
Outubro - Anúncio oficial da saída de Steve Hackett. «De facto, não há uma razão precisa mas sim um conjunto de factores que se foram acumulando e chegaram a um ponto em que eu já não podia suportá-los. Muitos problemas familiares, causados em grande parte, pelo ritmo de trabalho ao qual estávamos submetidos desde há longo tempo: tournées incessantes e cada vez mais numerosas, somente interrompidas por sessões de gravação também elas constrangedoras. Acabei por, eu próprio, dificilmente suportar esta vida. Além disto, havia problemas com o grupo propiramente dito. Eu sempre estive um pouco apartado dos outros porque cheguei mais tarde e eles formavam uma equipa muito unida. Senti isso quando começámos a não estar em completo acordo quanto às concepções musicais do grupo. «(Steve Hackett à «Rock & Folk»)».
- Novembro - Genesis em estúdio. Michael Rutherford assegura a guitarra principal.
- Antes do novo álbum aparece um EP com três inéditos: «Match of the Day» / «Pigeons» / «Inside Out».
1978/1979/1980 - O ciclo tournée / álbum / curtas férias / tournée... repete-se continuamente. Em Fevereiro de 1978 surge «And Then There Were Three...». O guitarrista norte-americano Daryl Stuermer, ex-Jean-Luc Ponty, colabora nos shows. Em 1979 Tony Banks e Michael Rutherford preparam trabalhos solo que publicam antes de «Duke», décimo segundo álbum do Genesis, publicado no início de 1980.



Peter Gabriel
artigo por Pedro Cristina de Freitas

Passado
Peter Gabriel nasceu no dia não-sei-quantos de um mês qualquer no ano não-sei-quantos, e ainda não morreu, que é o que de momento interessa. Andou numa escola qualquer e foi juntamente com outros alunos dessa escola que fundou um grupo: os Genesis. O primeiro álbum dos Genesis que conheço é «In The Beginning», embora nas notas inseridas nesse álbum se comece logo por dizer: «isto não é um novo álbum dos Genesis», o que leva a concluir que há um álbum anterior. Mas se todos os álbuns dos Genesis tivessem sido como este, eu não estava de certeza aqui a escrever sobre o Peter Gabriel. O único interesse que se pode encontrar nesse trabalho é o facto de ser o primeiro dos Genesis porque no geral o álbum gasta-se logo à segunda ou terceira audição, e não sai da vulgaridade. Mas em «Trespass», o grupo já tem um som diferente, original, e já se nota o que haveria de acontecer em «Nursery Crime» e «Foxtrot» - o grupo ia-se preocupar essencialmente com os arranjos, mais que com a composição em si. É nestes álbuns que se começa já a notar o grande intérprete que é Peter Gabriel. Em «Musical Box» por exemplo. Aparece depois «Selling England By The Pound», que se pode considerar como uma mistura dos géneros que Peter e os restantes Genesis iriam deenvolver depois da saída de Gabriel. A seguir é «The Lamb Lies Down On Broadway» que é considerado por muitos (eu incluído) como o melhor dos Genesis. Este álbum é, segundo as palavras dos outros elementos dos Genesis, quase integralmente um álbum de Peter Gabriel. Não quero dizer que Gabriel fosse o elemento mais importante e o único compositor do grupo. Não era, e por isso é que saiu, pois enquanto o grupo se encaminhava para um lado, Gabriel ia para outro.
Mas para mim «The Lamb Lies Down On Broadway» é o primeiro álbum de Peter Gabriel. Até porque se o compararmos com a restante obra dos Genesis, tanto com como sem Gabriel, não encontramos quase nenhum ponto comum, ao paso que com a de Gabriel já é diferente. Mesmo o próprio grupo não se identifica com a música de «The Lamb Lies Down On Broadway». Ouça-se «The Carpet Crawl» em «Seconds Out». Mas vemos que o tipo de esquemas das canções de «Peter Gabriel» I e II é, mais ou menos o mesmo de «The Lamb Lies Down On Broadway», e que tal como nos álbuns a solo, este último com os Genesis dá maior relevo à composição em si, e à interpretação vocal.
Solo
Em 74, depois da saída de «The Lamb Lies Down On Broadway», e depois da saída de Peter Gabriel, muitos se interrogaram sobre o futuro dos Genesis. Mas o tempo passa e eu (e penso que muitos outros) interrogo-me àcerca do futuro de Peter Gabriel. Para responder a essa pergunta é preciso esperar três anos, para finalmente aparecer a resposta: «Peter Gabriel I». O disco tem duas faixas que soam de maneira diferente e que são talvez o mais importante no álbum: «Moribund The Burgermeister» e «Humdrum». O resto das faixas é mais Rock que outra coisa («Modern Love», «Slowburn») o que o próprio Peter Gabriel explica dizendo que se se com um álbum com um som diferente, teria de aceitação por parte do público. O que é verdade e está mais que provado no segundo álbum que saiu no ano seguinte. Não se pode dizer que seja inferior em relação ao primeiro, mas já há diferenças, algumas difíceis de notar, pois a interpretação e o tipo de composição marcam muito o disco. No entanto não há dúvidas nos casos de «D. I. Y.» e principalmente de «Exposure». E mesmo para quem não gosta do álbum experimente ouvir melhor «On The Air» «D. I. Y.» e «Indigo», por exemplo. Porque no fundo ainda não é este álbum que vem marcar o som Gabriel (como ele lhe chama) e acaba por o fundamental ser o mesmo.
Para esta parte leiam os artigos de José Oliveira em anteriores números de M&S.

Presente
Espero.




Futuro
O futuro próximo é o terceiro álbum. Pela faixa que ouvi no rádio (que provavelmente se chama «Games Without Frontiers, Walls Without Tears») não há novamente grande diferença para o álbum anterior, mas essa diferença já é um bocado acentuada em relação ao primeiro.
Em relação ao futuro é preciso falar também do futuro da música em geral. Por enquanto vamos ter ainda o prolongar do filão da música Rock-o Punk Rock, a New Wave. Claro que há sempre diferenças, mas o tipo de música que vai aparecendo não é tão rica como era (e é) o Rock. Basta ver que dos últimos resultados obtidos apenas a New Wave se aguenta. O Punk e o disco não apresentavam grande profundidade. É como uma estrada principal que se vai ramificando, não indo as suas derivações dar a lado nenhum. É preciso construir uma nova estrada. Mas é claro que não pode aparecer de repente, pois nessa altura está logo à partida votado ao fracasso. É isso que acontece com o Rock Alemão. A mudança tem de ser gradual. O Trindade Santos diz que o futuro da música está na técnica, dizendo que se saísse com um álbum com um som acordo quando ele me mostra um disco feito apenas com sintetizadores e afins que imitam a guitarra eléctrica, a bateria, etc... Para já porque um ou dois discos isolados (eu sei que lá fora há mais, mas mesmo assim não são suficientes) não podem marcar um som e um estilo. Dos que me estão a ler, quem é que comprou álbuns assim? É aí que entra o Peter Gabriel e músicos como ele, e não músicos como o Mike Oldfield, que já deu o que tinha a dar. Depreende-se das entrevistas dadas à M&S que Peter Gabriel pretende desenvolver a utilização de sintetizadores e coisas no género nos seus próximos álbuns. Mas de qualquer maneira também é certo que pode ir dar a mais um beco sem saída. Para já esperemos álbum.




A Música No Dia-A-Dia (coluna)
por Pedro Ferreira

Onde se fala de luzes, de críticos e de algumas coisas mais a descobrir pelo leitor.

Estava eu, muito anti-pacatamente, a delirar com a actuação da Lene Lovich em Cascais, quando me assalta a ideia luminosa de que as luzes poderiam iluminar o próprio carácter do espectáculo - eu explico, eu explico, que isto de começar logo a desatinar a leitura não tem graça nem sentido. A ideia era esta: «que luzes mais espalhafatosas - usadas sem nenhum gosto estético - a contrastar com a economia e precisão das luzes de Joe Jackson, por exemplo - mas tem piada que calha mesmo bem - o uso desregrado dos efeitos de luzes acaba por estar justificado - e corresponde a um gosto pelo berrante e pelo contrastante que encontramos no povo - o que me faz desconfiar de que o povo não tem falta de gosto, mas pura e simplesmente um gosto diferente - e me faz pensar que o gosto Punk e New Wave pelos contrastses de cor, pelo deliberado «mau gosto» acaba por revelar o seu carácter rebelde e me faz crer que a maior barreira que impede as meninas «cake» de lograr a aparência rebelde, é precisamente a sua capacidade de rebentar com os quadros estéticos que receberam da família - pois é um facto que não encontramos muitas cores berrantes ao mesmo tempo na indumentária dessas meninas - já que elas sentem a necessidade de preservar um certo equilíbrio cromático de influência parisiense - estão dentro da moda - estão integradas - mas a enorme riqueza de cor que encontramos em Lene Lovich diz-nos o contrário - a Lene Lovich no palco é a sacerdotisa do rock - a profusão de sons e cores e movimento pode ser interpretada (como o faria Feuerbach) como a concentração no rock de todo o nosso desejo e faculdade de som, cor e movimento - já que a sociedade não está feita para que possamos desenvolver as sementes que somos - e portanto as flores que são as nossas surgem-nos caídas do céu, caídas do rock, caídas do chão - e nós adoramos o espectáculo da Lene - e achamo-lo bonito - na proporção da nossa capacidade de projectar beleza - o mundo é assim - por enquanto - e por enquanto curte-se - o que já não é mau.»

Aproveitamos esta secçãozinha periferico-criticante para saudar a recém-surgida prosa de Miguel Esteves Cardoso, no semanário «O Jornal», que assim enriquece as suas páginas com uma contribuição plena de originalidade. Miguel Esteves Cardoso escreve com brilhantismo e competência, pecando apenas por fidelidade ao seu passado de consumidor exigente - o que não o deve tornar muito popular entre os rockers portugueses.

A propósito de críticos, vocês reparem como é muito improvável encontrar-se um crítico de música «clássica» a falar enquanto consumidor, enquanto conjunto de consumidores ou enquanto um outro qualquer: o crítico «clássico» fala sempre enquanto crítico, isto é, observador-mais-culto-e-mais-alto que os outros observadores. Em contrapartida o crítico «clássico» é, em geral, bastante mais sólido que o crítico de rock; este descura frequentemente o enquadramento do acontecimento que reporta e critica, refugiando-se no imediatismo da descrição ou da apreciação, quantas vezes amputadas por critérios unicamente subjectivos!
Estas características da crítica relacionam-se certamente com as características dos meios musicais respectivos, e com a própria música praticada nesses meios. Voltaremos a este assunto.




Alguns artigos interessantes, para futura transcrição:
Discos em Análise
. The Flying Lizards - "The Flying Lizards" [SPA VV 33039 Y], Ana Rocha
. Kevin Ayers - That's What You Get Babe" [Records 11C 074 63647], Ana Rocha
...&Som
Instrumentos de Cordas
. Antigos instrumentos de cordas
. Instrumentos dedilhados
. Instrumentos de arco
. Instrumentos com cordas percutidas






27.8.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (121) - Música & Som #1


Ano I
Nº 1
11 de Fevereiro de 1977
Música & Som publica-se à 5ª feira, de quinze em quinze dias.
Esc. 25$00
Director: António L. de Mendonça
Propriedade de: Diagrama - Centro de Estatística e Análise de Mercado, Lsª
Este número de Música & Som foi escrito por: A. Amaral Pais, A. Duarte Ramos, F. Costa, H. Duarte-Ramos, Ivan H. Hancock, João Alves Da Costa, João David Nunes, Jaime Fernandes, José Niza, Manuel Bravo, João de Menezes Ferreira, Manuel Cadafaz de Matos, Paulo Gil e Rui Neves.
Fotografias de: J. Lobo Pimentel
Tiragem 30 000 exemplares
56 páginas A4
capa de papel brilhante grosso a cores
interior com algumas páginas a cores e outras a p/b mas sempre com papel não brilhante de peso médio.



NB: Esta capa está recortada. Na altura tinha a mania dos "recortes" :-(



Discolagem
artigo por João David Nunes

Ouvir um disco é uma frase simples. No entanto, é uma actividade um tudo nada complicada.
Tentemos explicar, com maior detalhe, as várias fases necessárias à acção de ouvir um disco. Assim:
1 - Convém que esteja bom tempo, no dia aprazado para se ouvir o disco.
2 - Se estiver bom tempo vista-se desportivamente, se estiver mau tempo arranje uma protecção simples, mas eficiente.
3 - A fim de conseguir um bom lugar deve dirigir-se ao local onde vai ouvir o disco com uma certa antecedência, sobre a hora marcada.
4 - Tente obter rapidamente o bilhete.
5 - Convença o porteiro de que para ouvir bem o disco precisa de estar bem perto.
6 - Se o porteiro estiver de acordo, agradeça-lhe, se não estiver d~e-lhe uma gorjeta maior.
7 - Ultrapassado este obstáculo, deve em seguida preparar-se para ouvir o disco, escolhendo o melhor sítio para a audição.
8 - Verifique se não será perturbado por quaisquer elementos não participantes na audição.
9 - Verifique se quem vai manusear o disco está na correcta posição.
10 - Verifique se quem vai manusear o disco o limpa cuidadosamente, para evitar quaisquer acidentes de percurso.
11 - O disco deve ser virado com cuidado e observado de ambos os lados.
12 - Por sua parte deve verificar se os sulcos estão em boas condições e se o rótulo corresponde ao anunciado.
13 - Se chegar, entretanto, à conclusão de que ouvirá melhor o disco estando um pouco mais afastado pode fazer esse movimento de afastamento, antes do início da audição.
14 - Começa assim a fase mais delicada, redobre de atenção.
15 - Deve verificar se o braço está devidamente colocado.
16 - Deve verificar se o disco está em posição.
17 - Observe cuidadosamente as rotações.
18 - O disco começa a rodar.
19 - Se se manteve perto, deve conservar a posição de EM PÉ, se está a meia distância deve optar pela posição de DE CÓCORAS, se preferiu estar mais longe deve observar rigorosamente a posição de DEITADO.
20 - Neste último caso deve sempre proteger devidamente a cabeça e os ouvidos, devido ao impacto.
21 - Ainda neste último caso deve sempre observar as distâncias convenientes e colocar-se perpendicularmente à linha de som.
22 - Se tiver em frente o número 16, fique de pé, se for o 33 opte pela posição de cócoras, se for 45 deve estar já deitado. O 78 propicia-lhe uma má audição, por falta de condições acústicas correctas e más condições de captação, pelo que deve ser preterido.
23 - O disco roda e você delicia-se com o som.
24 - Primeira posição (perto, de pé) ouve: AAHHhhh! ZZzzzt!
25 - Segunda posição (meia distãncia de cócoras) ouve ZZZZZZzzzzt! com maior intensidade.
26 - Terceira posição (maior distãncia, deitado) ouve longinquamente Aaahh!, com certa qualidade ZZZzzzt! e com ALTA FIDELIDADE: Plof!
27 - Eventualmente, nesta última posição ouvirá um AAAah! final, mais forte e prolongado.
28 - Este AAAah! seria emitido pelo ouvinte que não tivesse respeitado as distâncias e não se tivesse protegido do impacto.
29 - Nesta grave eventualidade seria desejável não chamar «Cara de disco» ao atingido mas preferir designações mais românticas (v. g. «Cara de Lua Cheia»). Em qualquer caso nunca se deverá chamar-lhe chato!
30 - Voltando aos casos normais, depois do PLOF! ouvirá aplausos, como será natural depois da execução.
31 - Terá que observar de seguida se o disco que ouviu é bom ou mau, para isso existe um júri.
32 - Normalmente será constituído por dois juízes: se ambos levantam a bandeira branca o disco é bom, se não é mau.
33 - Não há nesta modalidade de audição discos assim-assim.
34 - Finda a audição deve retirar as protecções e limpar-se da relva (e da lama se estiver mau tempo) no caso da posição deitado.
35 - Ao abandonar o Estádio deve pensar que também existem outros discos, mas nenhum faz PLOF! tão bem como aquele que ouviu.
36 - Os outros fazem CRAQUE! quando você os deixa cair e todos se zangam consigo.
37 - No Estádio você vê o CRAQUE!, ele deixa cair o disco e todos aplaudem.
38 - Acabrunhado com estas diferenças de tratamento, voc~e começa a ficar pensativo.
39 - Ainda pelo caminho toma uma decisão.
40 - Chega a casa estafado, pega num copo e vai... ouvir um disco!

DISCO - (L. discu, G. diskos), m.
Peça circular e chata; redonda e achatada, se muito peso e que era arremessada à distância pelos ginastas antigos; o aspecto redondo do SOL e da LUA.
(in Dicionário Complementar da Língua Portuguesa)


Quarteto 1111
Lança Perguntas À Música Portuguesa





Tudo é uma questão de tratamento. De tratamento musical. Utilizando como banca de ensaio a melodia, achamos urgente fazer reconhcer que a música portuguesa é igual à estrangeira. Repete-se: atenção à forma como o mais novo Quarteto 1111 trata os seus temas, os seus mais recentes motivos de inspiração naciona - vidé Lisboa à Noite e Canção do Mar - aos quais aplica (sem dor) um trabalho de inegável qualidade profundamente associada à tecnologia - roupagem sonora, instrumental, rítmica do funkie. Os músicos deste país que ainda se preocupam com o sinal da evolução devem o seu progresso ao autodidactismo, à carolice, porque, infelizmente, não dispõem de amparo, condições, estímulo, instrumentos, locais de actuação, mercado, cultura discográfica generalizada entre a população, livros, pontos de aprendizagem e intercãmbio. O 1111 consta de uma razoável família em número: Vítor Mamede (bateria), Armindo Neves (viola), Rui Reis (piano), Luís Duarte (baixo), Zé Alberto (engenheiro de som), Moniz Pereira (supervisor técnico) e Coelho Dias (relações públicas). E também no que diz respeito ao som. Da música do single lançado em Dezembro passado. Treze elementos da Orquestra Gulbenkian (nove do sector de cordas e quatro metais) trabalharam - e bem - com os jovens do Quarteto, após algumas pouco felizes peripécias havidas com outro tipo de músicos (?) profissionais (de quê?), os quais, como soe dizer-se na gíria futebolística, não acertaram na borracha... Adiante, porém.
Servidos de excelente aparelhagem, apurada técnica de execução e um dinamismo, tipo sangue na guelra, que nunca será demais sublinhar, o 1111 compareceu ao encontro com o jornalista, a fim de debater com ele a crua realidade musical em que se movimenta. A inércia, a colonização no gosto do que se ouve, os impostos elevados, a falta de protecção de que goza o músico, os aparelhos e instrumentos (ferramentas em linguagem laboral) que atingem numerários exorbitantes - considerados, aliás, artigos de luxo tal qual o champanhe francês, a gravatita italiana, o Chevy americano ou a sopa chinesa... Acrescidos da diminuta habituação das pessoas por espectáculos ao vivo em Portugal, as educações falhadas quanto à viabilidade de conceitos e regularidade prática que assegurem um não-boicote à imaginação individual, uma não ruptura de estímulo ou encanto, e interesse, nas deficientes (poucas) escolas musicais existentes - esta a enumeração arbitrária de ideias conversadas. A identidade do grupo saltou, pois, à tona de água. Que tocam, para quem tocam, onde tocam? Este Governo não deve gostar de música - concluíram - Os músicos também necessitam de comer... pelo menos de vez em quando! As medidas governamentais tudo têm feito para nos fazer a vida cara! Mais cara. Por que não anda a música portuguesa para a frente no nosso país? Ninguém se esquivou a responder: Gostávamos de realizar actuações ao vivo com a nossa música, divulgar o jazz, temas clássicos, o rock, mas não temos dinheiro, nem hipóteses de congregar músicos a sério no nosso concerto para acompanhamento. Os músicos, sabe-se, vivem de ganchos, quase impossível seria juntá-los regularmente, ensaiar com eles, dar de comer às bocas...

Sem Professores, Nem Livros
Métodos de Ensino, Subsídios


Tudo o que se faz baseia-se no autodidactismo e carolice, não existem oportunidades de educação, direcção e aprendizagem. Não dispomos de professores, livros, método de ensino, subsídios e nos campos da técnica de improvisação / harmonia podemos classificá-los de rudimentares.
Depois contaram-me histórias do gigante Adamastor relacionadas com a miséria dourada da música em Portugla. Por exemplo, a chamada de atenção a fazer ao Governo para que cuide da condição de quem tem esta vida. A estagnação de valores é um facto e não é por acaso que continuam na liderança os nomes dos anos 60. São precisas escolas, condições, instrumentos! De que vale o queixume de Mamede: Que me interessa que a minha bateria já em 72 tivesse custado 80 contos, se ela na origem custa 30... É um automóvel que está ali... só não lhe posso é pôr rodas... bem vistas as coisas, nem interessaria, dado o preço da gasolina!...
1111 prossegue no dorido ataque. Mais histórias desveladas: Os 40 por cento de imposto de transacção na compra de uma viola, por exemplo, mesmo que seja produto nacional, quem o explica? A lamentação de não haver locais de estudo apropriados humana e tecnicamente. A Gulbenkian acabou e pena foi, porque tinha acesso a bons professores e métodos - quanto ao Conservatório, o seu sistema rígido, frustrante corta o instinto natural da criança, a sua pureza e entusiasmo, o seu espírito de iniciativa, depois garrotado e desmoralizado. Ou ainda o saber-se que, em Portugal, uma fita de gravação de 1200 pés custa cerca de 1200 escudos, enquanto em qualquer país civilizado ronda o equivalente a 80 escudos... Os bons conhecimentos teóricos que por cá vão existindo não são postos em prática. A técnica de execução é deficiente e ela advém da aludida falta de prática. Entra-se num círculo vicioso - quanto menos se sabe, toca e aprende, menos se avança. Caminha o marasmo, a especulação. Faltam conhecimentos de harmonia e melodia para obter um arranjo de qualidade. E um dedo final na ferida grande: Sem qualidade não se pode pensar em competir com o estrangeiro, de alguém se interessar pelo que se musica no nosso país, mesmo que melodicamente seja mais belo... A lei é esta.
Dura lex, sed lex...
Texto de João Alves Da Costa

Alguns artigos interessantes, para futura transcrição:
. O Prazer de Conhecer (coluna de Manuel Cadafaz de Matos) - Rossini (artigo dessa coluna)
. Artigo de Manuel Cadafz de Matos sobre o lançamento do disco de Júlio Pereira, intitulado, o artigo (Fernandinho (Que Vai Ao Vinho)
... & Som (coluna de Manuel Bravo, neste número:
- Tal como a música não é penas som também som não é só música
. Se o som se ouve é porque existe
. Produção de sons
.. Lãmina metálica em vibração
.. Corda de guitarra em vibração
.. Copo de cristal em vibração
.. Diapasão de pega e de caixa ressonante
.. Circuito eléctrico ressonante
- Alternativa: Música por altifalantes ou música por auscultadores
. Faça você mesmo
- Rádio: O mundo ao seu alcance





26.8.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (120) - Música & Som #39


Música & Som
Nº 39
1 de Outubro de 1978

Sai aos dias 1 e 15 de cada mês
35$00 (35 Escudos)

52 páginas A4, capa e algumas páginas interiores a cores
Tiragem: 18 000 exemplares

Publicação Quinzenal
Director:
António l. Mendonça
Colaboradores:
A. Duarte Ramos, Alberto Júdice, Altino M. Cardoso, António Amaral-Pais, António Pedro Ferreira, Bernardo de Brito e Cunha, Carlos Jorge, David Ferreira, David Pedroso, Fernando Peres Rodrigues, Filipe Costa, Henrique Amoroso, Hermínio Duarte-Ramos, J. Lobo Pimentel, Jaime Fernandes, João Filpe Barbosa, João David Nunes, João de Menezes Ferreira, Jorge Lima Barreto, Manuel Cadaz de Matos, Pedro Pyrrayt, Rui Neves, Trindade Santos.
Correspondentes no estrangeiro:
Colmar (França): José Oliveira
Londres (Inglaterra): Manuel Menezes e Ray Bonici
Utrech (Holanda): Miguel Santos e Victor Hugo Magalhães


Hoje
A Música de Ontem

por Trindade Santos

O Concerto

A designação Concerto refere habitualmente toda a composição instrumental em que se pretende mostrar a perícia de um executante ou grupo de executantes solistas, com acompanhamento da orquestra. A definição deverá, contudo, ser aceite sob reserva, dada a utilização do termo ainda no séc. XVI por Viadana e Banchieri em estreita ligação com a música sacra (Concerti Ecclesiastci), e a considerável importância dos Concertos de Bach para um único instrumento como o Concerto Italiano (cravo) e os Concertos segundo Vivaldi (órgão ou cravo).
Seja como for, e compreende-se facilmente que uma forma que se fixa numa época englobe anteriormente um largo leque de sentidos, são claramente perceptíveis duas intenções do compositor - jogar a perícia do executante contra a expressividade potencial do instrumento e a capacidade de manobra do(s) solista(s) contra a discursividade da orquestra. Mas não constituirá este jogo de contrastes a própria essência da Música? Na verdade, um compositor só tem duas alternativas - som e silêncio.
Por mais variados que sejam os meios de que dispõe, por mais complexo que seja o sistema de sinais de que se serve, nunca pode escapar a essa oposição fundamental. A técnica do Concerto não faz mais que prolongar, em circunstâncias particularmente sensacionais, o jogo básico da criação musical. Historicamente, o concerto interessa-nos pela importância que subitamente adquire. Vivaldi, entre 1710 e 1741, compõe quase meio milhar de concertos para orquestra (Concerto Grosso) e a grande variedade de instrumentos solistas, com realce para o violino, para cuja afirmação contribuiu, como compositor quer como intérprete. Bach, ainda mais prolífico, não cultivou extensamente o concerto, mas cada um dos seus Brandeburgueses (6), concertos para violino (3) e para cravo (14) é uma obra prima.
É, contudo, com Mozart que o concerto, pelas dimensões, estrutura e variedade, atinge o lugar central que até há uns cinquenta anos tem ocupado na história da música - e ainda hoje continua a ocupar, nas salas que, de modo algum por acaso, se chamam de concerto. O seu instrumento mais cultivado foi o piano, tendo composto, entre 1767 e 1791 (ou seja entre os 11 e os 36 anos - data em que morreu), 27 concertos. Para outros instrumentos produziu 7 concertos para violino, e mais 13 concertos, uma sinfonia concertante para sopros solistas, e outra para violino e viola.
Beethoven, entre os vinte e cinco e os trinta e nove anos (1795-1809) escreveu os seus sete concertos (cinco para piano, um para violino e um triplo concerto, para piano, violino e cello). Parece pouco, se compararmos com outros compositores já citados, mas a importãncia destas peças na história da música e, sobretudo, na carreira de um intérprete é ímpar. Importância que não poderá desligar-se das transformações que o instrumento de orquestra, e o piano, igualmente, sofrem durante estes catorze anos, a qual reflecte a introdução de novos hábitos de consumo musical, em que se assistem à fuga dos compositores, do palácio aristocrático para a sala de concertos, frequentada pela burguesia.

Alguns artigos interessantes, para futura transcrição a pedido):
. Uma grande entrevista com Sérgio Godinho, por Bernardo Brito e Cunha e João de Menezes Ferreira
. Artigo sobre Steve Hackett, por João David Nunes
. Críticas de Discos:
.. Rick Wakeman - "Criminal Record" [A&M PPSP4660 (305$00)], por P.P.
. & Som, por Hermínio Duarte-Ramos
.. Discos Microgravados
... A História Continua
... Sulco de Microgravação
... Aumento da Duração
... Melhoria da Qualidade
... Gravação
... Fabricação








23.8.15

Escritos de Fernando Magalhães, Volume II - 1992/1994 - novo livro 460 páginas -


post do Facebook de Miguel Augusto Silva - autor do prefácio e amigo de Fernando Magalhães:

O Fernando Magalhães (5/2/1955 - 15/5/2015) - Espaço dedicado ao legado de Fernando Magalhães - foi um crítico musical que muito me influenciou e de quem tive a sorte de ser amigo durante uma dúzia de anos. O Luis Jeronimo e o Tiago Carvalho, também eles seus seguidores, têm dedicado grande parte do seu tempo - num exercício de amor a uma causa - a recuperar os textos que o Fernando escreveu. O último volume, recentemente publicado, reporta ao período entre 1992-94. Foi uma honra poder participar deste trabalho. Obrigado ao Luís, ao Tiago, e, claro, ao Fernando. O livro está disponível aqui:

No site da Lulu, onde o livro está à venda no formato "em papel" por menos de 10€ (+ portes), poderá explorar (cerca de metade - quem quiser saber o índice na sua totalidade envie email, pf) o índice do mesmo. Também está disponível a versão ebook (pdf).

Também aí está disponível o Volume I, que abarca os escritos iniciais do grande crítico e que cobrem os anos 1988 a 1991.

Entretanto aqui deixo o prefácio de Miguel Augusto Silva para este volume II:
 
O PÓ DAS ESTRELAS

Devia ser um daqueles fins de tarde como o de hoje, em que um Verão atrevido nos dá uma vontade terrível de ir estudar para os exames de fim de semestre… Deixei a Alameda e rumei ao Príncipe Real. Nesse tempo – 1992 ou 1993 – já havia poucas edições naquele formato grande, com capa de cartão… Por entre um lote fabuloso de novas edições de música tradicional em CD – distribuídas pela Etnia, Mundo da Canção ou Megamúsica –, na VGM ainda restavam alguns exemplares em LP de etiquetas irlandesas ou escocesas, como a Claddagh ou a Springthyme.

Detivera-me nos discos mais pequenos, com caixa de plástico. Ao meu lado estava um garimpeiro mais velho. Todos sabemos como vemos aqueles que já passaram os 30 quando nós ainda andamos nos 20; nisso os ingleses são os mais radicais, e lapidam-nos o “teen” antes de lá chegarmos. Os dedos deste colega de aventuras deslizavam rapidamente pelos CDs, como se tivesse com eles uma relação antiga… Mas poderia haver qualquer coisa nova lá pelo meio, que tivesse escapado na última jornada. Não era, para mim, um comportamento estranho. Quando encontrou Kaksi!, de uns tais Hedningarna, falou comigo: “Este é muito bom!”. Parecia saber o que dizia. Acho que apenas sorri. De facto devia ser um belo disco… O Fernando Magalhães já tinha feito uma crítica muito boa no suplemento “Pop/Rock” do Público.

Quando deixou a loja perguntei ao Orlando quem ele era. “Não sabes?”, respondeu. “A sério?!”, perguntei. Talvez a cara me fosse familiar, não sei… Ele tinha trabalhado na Contraverso no final da década de 80, altura em que eu estive no liceu mais bonito de Lisboa, o Passos Manuel. A Travessa da Queimada era logo ali e a Contraverso uma aventura. Os seus textos – nos jornais LP, Blitz e Público – uma alegria que aguardava ansiosamente.
Passados uns tempos voltei a cruzar-me com ele. Achei estranho por estar a apanhar o autocarro na paragem onde eu morava… Recordei-lhe esse dia e fiquei a saber que a sua casa era num prédio atrás do meu. Fomos a caminho de Entre Campos, a falar de música e de discos. Música tradicional, da Hungria, Sebő Ensemble, Muzsikás e Márta Sebestyén… Ficámos amigos. Eram tempos apaixonados em relação às músicas tradicionais, que os festivais Cantigas do Maio, Encontros da Tradição Europeia e, principalmente, o Intercéltico, no Porto, contribuíam para complementar a forte distribuição de discos e consolidar uma paixão. A viagem durou menos do que habitualmente.
Recordo-me quando fomos jantar à Taverna dos Trovadores, em S. Pedro de Sintra. Ao balcão, disse-me que aí preparavam uma bebida especial, em que misturavam Irish whiskey, azeite… Quando viu que eu estava a acreditar, desatou a rir, incrédulo; no fim um sorriso de criança. Almoçámos juntos mais vezes quando o século decidiu mudar. No Mercado do Peixe, nas Picoas, um empregado fazia lembrar o grande José Mário Branco (que ambos muito admirávamos). E dizia-me com um sorriso matreiro: “Ó Sr. José Mário Branco! Pode trazer-nos a ementa, por favor?”. Era o mesmo sentido de humor dos seus amados Monty Python.

Do outro lado do espelho do universo do seu ecletismo musical, onde habitavam todas as músicas, estava aquele que ele mais admirava. Lembro-me que fomos vê-lo uma vez ao Teatro São Luís, em Lisboa. Ele e a Filipa, eu e a Ana. O meu amigo parecia muito ansioso, tal como eu estava – nesse tempo, agora e sempre nos seus concertos. Um dos seus textos que sempre recordarei foi precisamente sobre ele, na coluna “Valores Selados” do Blitz, a 7 de Novembro de 1989. 11/11 estava próximo. “É difícil escrever sobre a perfeição. É difícil, sobretudo, relatar em pormenor e com um mínimo de distanciação aquilo que de essencial existe na música dos Van Der Graaf Generator e de Peter Hammill em particular. Será talvez difícil para os leitores, confundidos por tanta veneração, acreditar na palavra do crítico. Pois é, aqueles que desde o início têm acompanhado o percurso de Hammill e companhia sabem decerto do que se trata. Para esses, na posse de todos os segredos, a música e poesia da banda representam muito mais do que o habitual nestas coisas dos discos, quase se revestindo com as roupagens do sagrado.”

Os discos. Sempre os discos. Um dia disse-me que era “em discos” que lhe pagavam na Contraverso. Mais tarde, vim a saber que a vida dele tinha mudado quando uma amiga lhe ofereceu Liege & Lief dos Fairport Convention. Sobre a diva Shirley Collins, a propósito de For As Many As Will (o disco que tem a mais bela capa de sempre da folk inglesa), só ele teve o dom de conseguir descrever a sua voz: “Uma voz sem grandes predicados técnicos mas que guarda em si uma sabedoria acumulada de séculos. Uma voz com a textura de pano antigo, musgo, mel e madeira”.

Um dia, no início do século XXI, veio ter connosco. Saiu do comboio no Tamariz e veio pelo paredão ao nosso encontro, até ao Jonas. Era um fim de tarde, quente, como o de hoje… Vislumbrei-o ainda ao longe, num tempo em que o Estoril-Sol ainda forçava o entardecer. Ao ombro a gaita-de-foles galega que tinha ficado de trazer; um amigo tinha-lha arranjado em Ourense, no Obradoiro dos Seivane. Era uma imagem surreal à beira-mar. Dizia-me que era um instrumento telúrico, mas o único que mantinha uma ligação constante entre o céu e a terra.

Depois foi embora. Há sempre tempo para partir. No seu caso, chegou demasiado cedo, fez ontem dez anos. Os seus textos continuam a ecoar por aí. Talvez no Castelo dos Mouros, no solstício ou no equinócio – quando o vento leva as cinzas do Verão –, uma gaita-de-foles anime as noites quentes de festins Druidas.

Ao Fernando.

https://www.youtube.com/watch?v=lurkbaKAikY

Miguel Augusto Silva, 17 Maio 2015







4.8.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (119) - Música & Som #9


Ano I - Nº 9 / 2 Junho 1977
Música & Som publica-se à 5ª feira, de quinze em quinze dias.
Director: António L. de Mendonça
Propriedade de: Diagrama - Centro de Estatística e Análise de Mercado, Lsª
Este número de Música & Som foi escrito por: A. Duarte Ramos, António Amaral Pais, António Mega Ferreira, António Pinho, António Sérgio, Bernardo Brito e Cunha, Carlos Jorge, Filipe Costa, H. Duarte-Ramos,

Ivan Hancock, J. Jorge, Jaime Fernandes, James Anhanguera, João David Nunes, João de Menezes Ferreira, M. A. Araújo, Manuel Bravo, Manuel Cadafaz de Matos, Paulo Norberto e Rui Neves.
Correspondente na Alemanha: Jorge Dias
Correspondente na Espanha: Mateo Fortuny
Correspondentes em Londres: Manuel Menezes e Pedro Albergaria
Fotografias de: J. Lobo Pimentel
Tiragem 20 000 exemplares
52 páginas A4
capa de papel brilhante grosso a cores
interior com algumas páginas a cores e outras a p/b mas sempre com papel não brilhante de peso médio.


Começa aqui uma série de postagens sobre a revista Música & Som, que foi das primeiras publicações musicais que comprei. Acho que este é o número mais antigo que tenho, embora não tenha a certeza pois ainda há aqui muito "papel" para arrumar/arquivar. O que me surpreendeu ao reler este número: A colaboração (técnica) de Manuel Bravo, que mais tarde vim a conhecer pessoalmente como director do Museu da Rádio, nas minhas deambulações de visitas de estudo com os meus alunos que faziam parte do Clube de Rádio lá da escola, os artigos do António Sérgio, a participação do António Mega Ferreira, a qualidade da música e dos artigos apresentados, alguns nomes de escribas.
Para já transcrevo dois artigos: uma entrevista com o Quarteto 1111 e um artigo sobre a presença dos CAN em Portugal.
No final do post listo mais alguns artigos que, eventualmente, no futuro merecerão transcrição (se tiverem urgência/vontade de ver algum deles transcrito, é só solicitar por email).

Quarteto 1111 - Para Onde?

Entrevista

Registado e Coligido por J. Jorge e M. A. Araújo




À correspondência nacional do folclore urbano não são estranhas as tonalidades anglo-americanas (Quem o duvida?) nem a adopção despudorada de modelos importados.
De um sabor, se não popularizado, pelo menos característico no seu tentame da vulgarização, a ideia da verdadeira música popular portuguesa subsiste na mira das intenções mais sinceras dos melhores grupos
nacionais - e referimos, em particular, aqueles que lograram arrostar sistematicamente o vazio de uma identificação etnico-cultural inexistente. Sonho quimérico ou apenas de concretização adiada? O problema vai-se arrastando e o público não se mostra sensível às propostas casuais que se lhe apresentam no quotidiano da sua escuta.
O Quarteto 1111, fiel à tradição do seu nome, vem encetando um confessado esforço neste sentido. Na véspera da sua partida para os Estados Unidos onde irá efectuar uma «tournée» pelos núcleos de emigrantes aí radicados, falou a Música & Som de si próprio e da sua interpretação dos problemas gerais da música portuguesa.


M&S - Que vai acontecendo com o Quarteto 1111 que mais uma vez parece ter-se renovado?
Vítor Mamede - O que se passou é que desde Setembro do ano passado, nós ou mais propriamente eu tentei encontrar uma nova formação para o Quarteto - Uma formação que fosse mais ou menos ideal, dentro da minha ideologia musical. O Rui Reis já então estava comigo, e juntos havíamos feito durante seis meses o «Godspell» (portanto desde o começo de 76 até meados de Junho). Foi nessa altura em que o Mike e o Tozé decidiram abandonar o grupo, que eu me decidi que era aquela a altura precisa, para de dentro do 1111 ir buscar para ele, músicos um pouco mais versáteis, já que (a nível musical) o Mike e o Tozé são um tanto restritos. É então que surgem no Quarteto o Luís Duarte (baixo) e o Armindo Neves (violas + guitarra).
M&S - Dos membros que presentemente integram o vosso grupo nenhum é, pois, membro fundador?
VM - Não. Apenas eu já havia tocado no 1111, aí acerca de dez anos, fazendo as chamadas «folgas» de um baterista que nem sempre podia tocar. Mais tarde (há cinco anos aproximadamente) estive então como
baterista efectivo do Quarteto, saindo depois do grupo, para voltar a fazer parte dele, com carácter definitivo, desde há um ano e meio para cá.
M&S - Em relação à própria música, onde é que se pode ressentir mais esta mudança de elementos do grupo, e consequentemente, de caminhos musicais?
VM - Parece-me que isso se poderá reflectir nos trabalhos que iremos fazer no futuro. Acho que o Quarteto 1111 constitui por si só um nome com uma série de responsabilidades ao nível da música ligeira em
Portugal. (Basta para isso recordar trabalhos como «El-Rei D. Sebastião»).
Daí que tenhamos, a todo o custo, conservar o nome do Quarteto num determinado nível, para que não desça. Se isso algum dia suceder, acho que mais valerá acabar definitivamente com o grupo, e deixar que o seu nome morra sossegado.
M&S - Poder-se-á, de facto, encontrar qualquer correspondência entre o que o Quarteto 1111 realizou ao tempo de «El-Rei D. Sebastião» e aquilo que pratica neste momento?
Rui Reis - Parece-me que a responsabilidade que esse trabalho trouxe ao nome do Quarteto continua presente, embora a linha musical do grupo, neste momento, não surja no prolongamento da primitiva.
VM - A nossa ligação com o passado do grupo é, digamos, espiritual. No fundo, hoje em dia somos uma pequena empresa na qual estão envolvidos alguns elementos que integram a formação primitiva do 1111, e
para além disso, continuamos aquela pesquisa da música portuguesa, a que se dedicou o 1111 original.
M&S - Em que momento sentem vocês que a música que fazem tem algo a ver com a música portuguesa, e em particular, com a música popular?
RR - Nascemos cá em Portugal, e tal como as pessoas que fizeram «A Canção do Mar» ou «Lisboa à Noite» e outras tantas, possuímos um mesmo espírito, uma mesma forma de cultura-base; talvez possamos,
pois, a partir daqui estar um pouco mais à vontade para tratar deste assunto. Por outro lado temos uma certa forma de educação musical provavelmente um pouco «requintada», isto é, toda a gente seguiu
determinadas linhas - eu por exemplo no Conservatório, outros através de linhas sugeridas por esquemas que vieram de fora e os influenciaram. É precisamente a partir dessa base e dessa forma de conhecimento, de certo modo importado e adaptado à nossa maneira, que vamos tentar não quebrar a continuidade naquilo que existe e que foi feito até agora, a fim de o levar a um determinado tipo de público, que por princípio tem
relutância em aceitar um certo tipo de música portuguesa.
Mas ainda que estejam nos nossos planos, as raízes folclóricas não constituem para nós um objectivo imediato a realizar.
Luís Duarte - Existe um descrédito relativamente a tudo o que se faz a nível de música cá em Portugal, e isto deve-se fundamentalmente à relativa falta de cuidado de tratamento, quer musical, quer técnico dos
trabalhos que têm sido feitos; e, por outro lado, as firmas de gravação empenhadas nos tais trabalhos, têm descurado uma determinada camada do público (entre os quinze e vinte anos) que é importantíssima,
porque são eles que compram dezenas de discos, na generalidade importados, pois são sensíveis fundamentalmente ao factor qualidade.



Armindo Neves - Creio que isso se deve também à intensa divulgação, através dos meios de informação da música inglesa e americana (muito boa e muito má) - esses são os dois impérios da música. Ora as
editoras sabem que fica muito mais caro editar um disco de música portuguesa (há que pagar o aluguer do estúdio, os músicos, etc.) do que importar gravações.
VM - Acho que a única maneira de levar as pessoas a comprarem música portuguesa será conseguir criar nela uma certa qualidade, contando, é claro, com o incondicional apoio de todas as editoras e de todos os
órgãos de informação na divulgação dessa mesma música e através de uma protecção eficaz do governo.
M&S - O facto é que as pessoas procuram aquilo com que se identificam - a música portuguesa está em crise há muitos anos em consequência, parece-nos, desta realidade ineludível.
VM - ... Estou em desacordo com isso. Realmente acho que as pessoas acabam por se identificar com a música portuguesa, pelo simples facto de que quando há qualquer festividade elas continuam a cantar as
mesmas musiquinhas ditas de raízes folclóricas. Acho que toda a gente conhece o «Manuel Malhão» e canta a «Marcha de St.º António», e aqueles que não sabem as letras, sabem pelo menos trauteá-las e lá-lá-lá.
M&S - Será essa a música popular do nosso tempo? Haverá qualquer possibilidade de escolha nas evocações?
AN - Parece-me que é realmente por não existirem outras. Acerca disso tenho algo a dizer: - em primeiro lugar não existem em Portugal escolas ou sítios onde se possa ouvir aquilo que a música portuguesa tem de
si própria. Na Rádio não se ouve, ou talvez se comece a ouvir agora, mas são os tais trabalhos já um pouco afastados das suas bases, às quais não se tem acesso. Se alguém decide viver só da música em
Portugal, isto é, ser profissional, para além de não ter acesso à cultura musical do seu país (tal como um amador, mas este, pelo menos, pode desenvolver um trabalho de «carolice», e um profissional não se pode
dar a esse luxo), não se tem qualquer espécie de protecção.
VM - Eu já me dei até ao trabalho de consultar as tabelas do Governo, onde os instrumentos musicais são considerados artigos supérfluos... Será sumptuário não ter outro modo de vida além de fazer música?
M&S - Os músicos portugueses têm mostrado uma «capacidade» de adaptação na sua abordagem dos vários géneros musicais, de tal modo precipitada (que se deve, julgamos, à necessidade de satisfazer o
máximo de contratos possíveis), que, ao invés de enriquecer a sua música e beneficiar uma disciplina de aproximação musical só vem agravar a confusão já instalada no público e, o que é mais grave, no seio dos
próprios músicos. O Quarteto 1111 estará decidido a efectuar um salto qualitativo de especificidade? Para onde?
LD - Acho que neste momento é ainda prematuro fazer previsões, visto a nossa formação do Quarteto existir há poucos meses e o trabalho que realizámos no single (editado há pouco tempo) ter o objectivo de
auscultar opiniões. É um trabalho experimental, que contém duas canções populares portuguesas, às quais pretendemos dar uma feição «internacionalista», através de um arranjo nosso, muito particular (o som das
cordas, por exemplo, está dentro da linguagem clássica, enquanto que a guitarra eléctrica segue o estilo Wes Montgomery, e o som do órgão é temperado por um balanço «funkie»), respeitando, no entanto, a
melodia portuguesa original. Pessoalmente, penso que a respeitei bastante, tocando-a até com guitarra portuguesa (que é um instrumento de que gosto e ao qual penso dedicar-me um pouco mais, de futuro -,
autodidacticamente, é claro!).
M&S - Qual é o futuro imediato da vossa actividade musical?
RR - O grupo encontra-se, neste momento, perante uma encruzilhada da qual não é possível ainda decidir as linhas de acção futura. Evidentemente, que a partir da «tournée» aos EUA poderão advir duas situações
totalmente opostas: - a aceitação ou não do trabalho que agora estamos a desenvolver determinará a nossa orientação. Gostaria de não acrescentar mais porque, de qualquer maneira não é prudente falar em grandes
voos, que depois não se venham a concretizar...




CAN em Portugal


Pouco conhecidos do público português, como a maioria dos músicos de rock alemães, os CAN estiveram presentes em Lisboa e Porto, nos dias 27 e 28. A sua tournée europeia de 1977 teve paragens na Suiça, na
França, na Espanha e na Alemanha Federal, naturalmente. A sua presença em Portugal marca portanto o términus de uma volta pela Europa e é simultaneamente a sua estreia ao vivo para os espectadores
portugueses.
Os CAN existem há nove anos. Em 1968, Irmin Schmidt, verificou que a sua prática de dirigente de orquestra em diferentes teatros de ópera não o realizava totalmente e por outro lado sentia-se muito afastado da assistência. Desistiu da sua carreira e procurou novos horizontes. Um velho amigo, Holger Czukay apoiou-o, incutindo-lhe a ideia de experimentar o seu talento com nova música. Holger, professor num Conservatório de música em Zurique, apareceu no dia seguinte em Colónia e fazia-se acomanhar do seu amigo e aluno Michael Karoli. Michael tocava banjo, violino e viola desde os onze anos. Faltava um baterista qualificado para completar o quadro do conjunto que surgiria poucos dias depois, através de um amigo de Irmin Schmidt. Assim se constituiu em 19 de Julho de 1968 o grupo CAN.
Neste momento os CAN vêem o seu número aumentado para cinco com a entrada de Rosko Gee, um negro da Jamaica que já foi contrabaixo de grupos como os «Gonzalez» e os «Traffic». Tal como Rosko Gee, também Reebop Kwaaku Bah, amigo de Steve Winwood e ex-Traffic, pensa juntar-se aos «soudspezialisten» do Reno.
Quanto às actuações do grupo em Portugal, será curioso assinalar que a primeira parte destas serão preenchidas com a actuação do grupo portuense «Arte e Ofício». Trata-se de uma oportunidade aliciante para este agrupamento, autor de algumas interessantes composições de rock português.
Além dos dois elementos que recentemente se juntaram aos CAN, vale a pena referenciar algumas notas sobre os quatro componentes originais.
Holger Czukay, baixo e vocalista, nasceu em Danzig em 24 de Março de 1938. As influências musicais que admite ter recebido vão desde Stockhausen (de quem foi aluno durante cinco anos) até músicas de culturas
nativas de diversos países. Toca vários instrumentos como uma jazz bass da Fender que ele próprio adaptou. Usa também uma Framus Triumph, um baixo duplo acústico e uma Farfisa especial.
Irmin Schmidt, nascido em Berlim no dia 29 de Maio de 1937, toca as teclas do grupo e o sintetizador. As suas influências musicais são demasiado vastas para serem aqui mencionadas. Tal como Czukay, foi aluno
de Stockhausen e de Berio. Os seus variados instrumentos musicais vão desde um órgão profissional Farfisa Duo, um piano eléctrico Farfisa e um sintetizador Alpha 77 desenhado e feito segundo as suas próprias
indicações, pela casa Hermi Hogg Electronics de Zurique (Suiça).
Michael Karoli, nasceu em 29 de Abril de 1948 em Straubing, na Baixa Baviera. Toca guitarra, violino, steel guitar, etc. Admite e reconhece ter influências musicais de velhos pianistas de ragtime, de músicos
indianos, húngaros e romenos, e de guitarristas e banjoistas de jazz, próximos do ragtime. Entre os muitos instrumentos musicais que toca, destacamos: uma Fender Stratocaster modificada por Bob Hickmott, um
violino eléctrico Vitar, uma steel guitar da Framus, um violino acústico da Boémia com 200 anos, duas guitarras bávaras feitas artesanalmente por Hanika e um instrumento turco chamado Baglama. Possui também um pré-amp transformado por Bob Hickmott e um amp. Fender Vibrao Champ. Estes instrumentos estão conectados com um sistema combinado Farfisa / JBLancing que liga directamente com o PA das bandas.
Jaki Liebezeit, nasceu a 26 de Maio de 1938 em Dresden e é o percussionista do grupo. As suas influências musicais vão desde a ópera até ao jazz. Os seus instrumentos de percussão vão desde um kit de bateria
sonoro até alguns címalos de Avedis Zildjian e algum material especial para concertos ao vivo.

Discografia
1 - Monster Movie (1969 - United Artists)
2 - Soundtracks (1970 - United Artists)
3 - Tago Mago (1971 - United Artists)
4 - Ege Bamyasi (1972 UA)
5 - Future Days (1973 UA)
6 - Limited Edition (1974 UA)
7 - Soon Over Babaluma (1974 UA)
8 - Landed (Set 75 EMI)

 
 

Alguns artigos interessantes, para futura transcrição:

Dossier Supertramp (João David Nunes e Jaime Fernandes)
O Rock e o Resto - "1ª evocação das origens: Ginsberg" (coluna/artigo de António Mega Ferreira)
Luis Villas Boas fala dos SOFT MACHINE...
Críticas de discos:
Message - «Message» [DECCA SLPDX - 622213] por J.M.F.
Caravan - «Canterbury Tales» (Volume 1) [DECCA PSKLR-5273], por AAP
Pequenos artigos/colunas de António Sérgio:
. Oh, Qualidade!
. ISPY
. PUNK 3
. BAZAR - OUT
...&Som - secção a cargo de Manuel Bravo:
. Batimentos
.. Batimento de duas ondas sinusoidais
.. Batimento de sons
..Batimentos na técnica
.. Ilustração do Batimento
. A Rádio... O Mundo Ao Seu Alcance
.. Como receber estações longínquas?
.. Sensibilidade do receptor
.. Selectividade do receptor
.. Estabilidade do receptor




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