30.11.06

Ryoji Ikeda - Silêncio, vai-se ouvir o silêncio

















O trabalho deve falar por si, argumenta o compositor digital e de instalações de som, o artista japonês Ryoji Ikeda, quebrando o seu silêncio nos media, para falar acerca de “assuntos relevantes para o trabalho, se não o trabalho ele próprio”. Isso inclui a sua colaboração com Dumb Type, controle e democracia, e usos práticos para os discos dos AC/DC.
Texto:David Toop. Fotografia: Leon Chew. [Artigo WIRE 267 - Maio de 2006]
(ver link útil no fim do post)



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Começando com o silêncio. Há 12 anos, fui abordado no ICA, em Londres, por um japonês dos seus quase trinta anos. Ele falava pouco inglês. O projecto dele era gravar pequenas entrevistas em vídeo sobre o assunto do silêncio.
Susan Sontag, no seu ensaio The Aesthetics of Silence, publicado no artigo O Minimalismo da Aspen Magazine em 1967, escreveu: “Como referiu Oscar Wilde, as pessoas nunca tinham visto o nevoeiro até que os poetas e pintores do século 19 lhes tivessem ensinado como o fazer.”
Um CD intitulado Silence mudou de mãos, uma caixa de cartão branco contendo um livreto e algumas selecções musicais deveras surpreendentes, editado pela Warcoal Art Centre da Spiral Gallery, Tóquio. Vários aspectos do silêncio foram encontrados lá dentro, incluindo o trabalho de Derek Jarman, que falava do silêncio que acompanha sempre um eclipse; o neurocientista e auto-explorador John Lily, que desenvolveu uma crença em seres superiores guardiães em total silêncio e isolados em tanques; a estranha colocação de notas, piano em silêncio, de Paul Bley; o feedback limitado que regressa a zero, de David Cunningham; o swing gentil de Jan Steele, um híbrido de jazz e composição; as notas arrastadas das canas de bambu de Tamani Tono e Ko Ishikawa; a quietude circular de In A Landscape de John cage, interpretada em harpa por Masumi Nagasawa. Coalescente com o conceito de nevoeiro, a colecção parecia uma audição do passado e presente do silêncio e o seu impacto no emergente pós-tudo do mundo dos sons.
O produtor do CD, o entrevistador no ICA, era Ryoji Ikeda. Nos anos seguintes, duma forma insistente apesar de talvez relutante, Ikeda tornou-se num representante de uma metodologia absoluta, uma estética rigorosa através da qual o silêncio é o branco no coração branco da claridade no centro da música digital.
Apesar de explorar modos de apresentação significativamente diferentes, as suas instalações, edições em CD, concertos e colaborações, todos contribuem para uma imagem forte da pessoa e do trabalho. Interpretações (de ambos, pessoa e trabalho) habitualmente falam em características como rigor, controlo e formalismo técnico.
“O silêncio é o último gesto do artista,” escreveu Susan Sontag. “Pelo silêncio, ele liberta-se da servidão torturante do mundo, que lhe aparece como patrão, cliente, audiência, antagonista, árbitro e distorsor do seu trabalho.” Esta foi a estratégia de Ikeda, mantendo polidamente uma distância dos media, das entrevsitas, evitando análises ou sentenças, explicação, elaboração, até fotógrafos. Mas neste momento estamos sentados em Londres, a discutir assuntos relevantes para o seu trbalho, e não sobre o próprio trabalho. Naturalmente, dado esta súbita quebra de dez anos de silêncio, eu estou interessado em descobrir se a estratégia resultou.

Na noite anterior, dois dos seus trabalhos - formula e C4I - foram apresentados no Barbican Hall, em Londres. O primeiro, que ocupou a primeira metade do concerto, foi formula [ver.2.3], agora uma peça familiar que se baseia na revisão do seu álbum de 1995, 1000 Fragments, com a influência do Ambient de Brian Eno / Paul Schütze audível nas suas contribuições em Silence, e o ponto mais focado de +/-, editado pela Touch em 1996. Como algum do material vem de um período em que ele fazia ainda parte da cultura DJ - astronautas no espaço, discos de demonstração stereo, rádio global e batidas de hip-hop - formula expõe agora a sua idade.
As duas peças são muito diferentes entre si, e mesmo pensando que as origens são familiares, eu estou demasiado influenciado pelas mais recentes meditações de Ikeda para questionar os contrastes entre sobrecarga musical, imagearia específica e abstracção reducionista. “Estou na geração depois da pós-modernista, depois da minimalista, depois de tudo.” diz, “Então eu limito-me a usar todos os tipos de técnicas como um artista deve fazer. Sou apenas eu.” Quando vem à baila o que ele faz, principalmente nota-se que ele não o quer discutir, e isso emerge quando lhe coloco uma das questões que me foram dadas por um dos meus alunos, Tetsumi Sagawa. Ela queria saber o que o motivou a fazer um trabalho como C4I.
Um longo silêncio subsiste então: “É muito difícil de dizer porque eu contei tudo através da peça. Por isso, basicamente, em geral, eu não quero explicar nada acerca da minha peça porque os meus trabalhos já contam tudo.”
Estratégias oblíquas são necessárias. Pergunto-lhe acerca do período quando ele era DJ, e o que ele passava. “Abstracções, desde o início, sem batidas,” diz. “Ambient. Eu misturei o teu disco na Obscure. Eu fiz uma mistura na Obscure. A [de Brian Eno] Obscure é uma editora muito importante. Isto mesmo no início, em 1990, ou 1989, no esmo período da House, Acid house e Ambient House, 808 State e tudo isso. Eu era jovem. Eu adorava estar em clubes com os amigos, normal. Eu adorava festas. Eu era realmente novo, 24-25, em Tóquio.
“Tinha acabado de me graduar na universidade. Não tinha emprego. Estudei Economia, não macroeconomia mas sim microeconomia, como marketing. Sei tudo acerca de publicidade, marketing e esse tipo de influência dos media. Isto é-me muito útil como artista porque conheço o sistema, a estrutura e o conceito, o que me serve bastante, mas como produtor é tão útil porque sei o que devo fazer. Como alvo, apenas ajusto a produção aos ouvintes.”
Isto pode ser construído como uma lição em como tirar proveito de uma história pessoal, decisões educacionais mal direccionadas, contudo tangenciais a futuras ambições como parecia naquele tempo. Nascido em 1966, numa família de comerciantes, Ikeda cresceu em Gifu, entre Nagoya e Kyoto. “É apena província, nada, apenas chato” diz. “Quase uma grande cidade, mas apenas industrial, sem cena de artes. Eu fiquei por lá até completar o secundário e depois, para a universidade, fui para Tokyo. A minha família é muito normal. Lembro-me da minha infância muito claramente, tal como uma fotografia. Foi muito normal. não havia nada criativo - apenas a minha cidade, a minha escola, a minha família, eu próprio. Eu gostava de aprender coisas por mim próprio, por isso eu gostava de artistas autodidactas como Takemitsu. Não sei - talvez tenha um bocadinho uma reacção de complexo acerca da academia, poque nunca conheci esse mundo. Não consigo escrever uma pauta correctamente. Não sei tocar piano. Não sei tocar qualquer instrumento, por isso provavelmente eu tenho um complexo, subconscientemente.”
Em 1993, teve um emprego como produtor de áudio e vídeo na Spiral, uma galeria chic em Aoyama, também loja, espaço de perfomances e restaurante, localizada perto do boulevard da moda, Omotesando. “Muito cedo fui alimentado por tudo,” diz. “esse período foi tão intenso, todos os dias, todos os dias, todos os dias. Como produtor organizei mais de 400 eventos em 2 anos, contratando artistas, convidando, trabalhando com promotores, editando CDs, mostrando filmes de arte, como Derek Jarman. Estava completamente submerso e exausto e precisava apenas de silêncio. Este é o meu silêncio. É verdade. Depois cortei todas as comunicações com todas as pessoas da arte, pessoas da música, do espectáculo, aquele tipo superficial de pessoas. Tentei apenas perceber quem era meu amigo e encontrei apenas 3 ou 4.
“Mas foi uma prenda. Quando trabalhei na Spiral encontrei Dumb Type e rapidamente ficámos casados.” Ri-se nesta altura, e através da maior parte da entrevista. “Eu estava naturalmente envolvido em Dumb Type. Então, um dia chegou um fax: ‘estamos à espera no aeroporto de Ljubljana.’ Não havia explicação alguma, apenas me enviaram o fax com o código de reserva do voo. O quê? Fiz as malas e fui. No dia seguinte estava a operar. Depois juntei-me às suas digressões durante 12 anos. foi uma grande experiência. Foi uma enorme sorte para mim sair do Japão. A minha vida foi completamente transformada. Experimetei inúmeras coisas.

Dumb Type é um colectivo artístico, baseado em Kyoto e fundado em 1984. Apesar de geralmente ser considerado um grupo teatral, as suas actividades têm incluido exposições de arte, trabalho audiovisual, publicações e instalações tais como o espectro exposto como parte da colecção permanente do ICC, Tokyo. Numa sala vazia, écrans planos, cada qual do tamanho de uma pessoa, estão em paralelo no chão branco. As pessoas são visíveis, ou não visíveis, nos écrans; sons sussurrantes como um aparelho de TAC a trabalhar. Teiji Furuhashi descreve a peça como uma exploração da fronteira entre a vida e a morte, agora controlada pela tecnologia mas ainda uma assunto profundo para a mente. Os membros centrais dos Dumb Type, Shiro Takatani, Hiromasa Tomari e Takayuki Fujimoto fizeram todos contribuições fundamentais para as imagens e encenação da formula de Ikeda; de forma interessante, Ikeda considera-se a si próprio, pelo menos mentalmente, como sendo ainda parte do grupo. “É como a família,” diz. “É tão ambivalente. Por vezes eu odeio-os realmente, como acontece com os irmãos.”
2 anos depois de Ikeda se juntar ao grupo, Furuhashi, que é um membro fundador e director dos Dumb Type (não que eles tenham um director), morreu de causas relacionadas com a SIDA. Claramente, os objectivos políticos do grupo, confrontando a sociedade Japonesa com assuntos nada bem-vindos como a SIDA ou a distopia de redes tecnológicas, e organizando-se eles próprios como um colectivo anti-hierárquico, parece distante da imagem corrente do trabalho de Ikeda. Aqui, por exemplo, está David Ryan, escrevendo no Art Monthly, ano passado: “Este ouvinte, pelo menos, desejava um pouco mais de risco ou falta e controlo, uma dimensão humana, que Jean-François Lyotard uma vez descreveu como ‘aquele poder analógico, que pertence ao corpo a à alma analogicamente e mutuamente e que esse corpo e alma partilham entre si na arte da invenção’.”
De acordo com Ryan, Ikeda aspira a “um espaço de perfeição”. Eu questionei a este propósito, de que a perseguição do controlo total é profundamente problemático. “Se eu ligar o conceito de controlo ao aspecto social é muito complicado,” diz, mas para mim, o controlo é apenas para ser mais preciso, exacto, iso é garantido. Eu tenho um grande problema com a improvisção. Ainda gosto de muitos tipos de música improvisada - gosto de john Zorn, Fred Frith - mas sinto que não é a minha área. Eu nunca neguei a improvisação na arte e na música. Só que não é o meu ramo. Controlar as coisas é confortável para mim porque agora quando eu crio uma peça, música, instalação ou concerto audio-visual, na minha visão está tão claro que preciso de controlo. Isso é realmente um atalho para atingir o resultado. E ainda, eu sou um bocado preguiçoso. sim, de verdade, sou preguiçoso. É por isso que preciso de estar sob controlo, porque a vida é curta e eu quero fazer o maior número de coisas possível.”
O grande modernismo e minimalismo são ambos reacções que, por sua vez, engendraram reacções extremas.. escrevendo recentemente na guerra interna do modernismo no Guardian, JG Ballard tinha isto para dizer: “As tentaivas do modernismo para construir um mundo melhor com a ajuda da ciência e da tecnologia parecem agora quase heróicas. Bertolt Brecht, que não era fan do modernismo salientou que o lodo, o sangue, a carnificina das trincheiras da 1ª Guerra Mundial deixou os seus sobreviventes desejando um futuro que se parecesse com uma casa-de-banho de chão e telhados brancos.”
Esta reacção pode também ter sido provocada a um nível pessoal, através de um profundo envolvimento com situações incontroláveis e que podem ser inspiradoras mas também provocarem a exaustão conduzindo por isso a uma oposição polar. Apesar de Ikeda ter colaborado com o arquitecto Toyo Ito, com o fotógrafo Hiroshi Sugimoto, com o coreógrafo William Forsyth e, no Cylo, com o artista sonoro Carsten Nicolai, a maioria da sua definição como artista foi conseguida isoladamente. Perguntei-lhe se aprendeu muito com a concepção de teatro que os Dumb Type tinham. “Sim, tecnicamente, conceptualmente, tudo.” diz. “Foi como uma escola para mim, mas Dumb Type foi um óptimo lugar para aprender qualquer tipo de qualquer assunto, porque havia muitos tipos diferentes de pessoas nos dumb type. Performers, eles não sabiam nada de música e de computadores. Eles apenas adoravam dançar. É mais intuitivo, o que é maravilhoso. Os Dumb Type não tinham líder nem director, conceptualmente. O director estava oculto. É totalmente democrático, e por isso um performer pode queixar-se da música e eu posso sugerir qualquer coisa acerca da coreografia ou das luzes. A forma de relacionamento é realmente saudável. É por isso, se nós tentássemos mover uma cadeira daqui para ali precisávamos discutir durante 3 noites, porque tudo era baseado na democracia ideal. É fantástico, mas é também muito cansativo. Esse caminho influenciou-me muito. É por isso que eu agora sou uma espécie de fascista.”
Depois corrige-se a si próprio, percebendo que o uso de uma palavra tão emotiva apenas pode tornar a sua imagem como um freak controlador extremo. “Fascista não,” diz. “Fazer uma peça. Tenho sempre um jovem assistente e sou sempre muito claro quando peço alguma coisa. É realmente concreto: pode fazer esta imagem, esta linha, e quantos pixels de altura? Por vezes esqueço os Dumb Type porque estou sempre sozinho, basicamente, agora, por isso esqueço-me dessa atmosfera.”
Há cerca de 10 anos, os Dumb Type actuaram no Barbican, o que provocou alguma nostalgia em Ikeda. Nessa ocasião o som estava muito alto e todos os técnicos de som fizeram um boicote. “Estava com muito medo e ao mesmo tempo muito excitado,” diz ele. “Era mais uma atitude punk que outra coisa.” Muita desta abordagem confrontacional da perfomance permanece nos seus espectáculos. Ambos formula e C4I contêm momentos-choque de ruído intenso e repentino, luzes psicadélicas, cortes viloentos e repetição rígida e cruel, e seja que ideias sobre o que a luz branca pura do seu trabalho gravado possam trazer à mente, elas são completamente desmanteladas pela imageria, texto e cor que forma o conteúdo de C4I.
Sendo um trabalho que tudo sobre a desigualdade global e destruição ambiental ao imperialismo Americano, ele carrega certas contradições na sua aurora poderosa. Temos de ser um bocadinho de direita ou revisionistas ambientais para discutir a maioria dos textos que aparecem em flashes no écran gigante, mas eu fico sem saber acerca das conexões entre poder, tecnologia, digitalização e natureza, todos inerentemente fazendo parte da peça e projectados como seu assunto.
Há um sentimento residual que os valores de produção sofisticada, textos enfáticos isolados e saturação sensorial se encaixam muito bem na paisagem mediática dominante, sem remeter para qualquer coisa mais profunda que as estatísticas, apesar da polémica que parece muito suave dentro do contexto do debate Europeu mas que se poder ler de forma muito diferente em relação ao programa de segurança da América, ou do consenso Japonês. “As pessoas no Japão pensam que eu me tornei um activista ou qualquer coisa desse género.” diz Ikeda, “mas não.”
Num momento chave, precedido por um impacto áudio massivo, as palavras de Ad Reinhardt - “Nenhum livro aberto, apenas tacto” - aparecem no écran. elas foram tiradas da Time, de uma pequena secção das notas não publicadas e não datadas de Reinhardt, escritas pouco antes da sua morte em 1967. Nos últimos 10 anos da sua vida, ele pintou apenas pinturas em preto, e as suas notas exploravam as implicações do negro quer no contexto da história e função da arte, quer como símbolo, filosofia e qualidade intrínseca. Esta linha que precedia aquela que Ikeda usou é “A linguagem serve para escondermos os nossos pensamentos”, o que nos leva ao território dos colegas estudantes e amigos de Reinhardt, o poeta Robert Lax e o monge trapista e escritor Thomas Merton.
Todos os três escreveram sobre o silêncio nas suas variadas formas e exercitaram versões de reducionismo, um uso de palavras para confundir palavras. “As noções de silêncio, vazio, redução, dão-nos novas prescrições para o olhar, o ouvir, etc.,” escreveu Susan Sontag, “especificamente, quer para ter uma mais imediata, sensitiva experiência da arte ou para confrontar o trabalho da artístico duma forma mais conscenciosa e conceptual.”
Isto parece resumir o sentimento de Ikeda: que o seu trabalho deve ser experenciado o mais directamente possível, em vez de tomados como instrumentos de teoria, e ele está maispreocupado com o indíviduo, a subjectividade de resposta aberta do que com significados fechados.
Depois, lá está a prática de como apresentar os trabalhos em concerto. Em Maio de 1997 actuei no Stadtgarten de Colónia, num concerto organizado por Frank Schulte. Também aí actuaram Scanner, David Moss, Burnt Friedman e Ikeda (nos teclados). Este concerto é agora listado na sua biografia como o primeiro. Como na altura todos lutávamos para encontrar maneiras de traduzir as gravações digitais em actuações ao vivo, estou curioso por saber quantos destes concertos a solo houve, antes de chegar até à sua presente formulação, que é a de eliminar todos os traços de presença humana física no palco.
“Fiz o mesmo tipo de coisa 3 ou 4 vezes mas depois tive uma grande dúvida,” diz. “A minha grande questão foi, será isto um concerto? Qual é o conceito de concerto? Normalmente as pessoas vão para ver o concerto. Não ouvir música mas ver - olhar para o que está a acontecer. Mas quanto a isso eu não podia fazer nada. Não sei dançar, não sei cantar. Não sei entreter as pessoas, e por isso pensei seriamente sobre o que poderia fazer. Decidi usar imagens.
“Mais do que tudo,” continua, “a peça chamada C4I é como eu posso compor a imagem e o som e como posso orquestrar os elementos, por isso em certo sentido é um tipo de imenso rascunho na minha cabeça ou um tipo de estudo, um estudo de composição para mim, e então a parte política é apenas um dos elementos a ser orquestrado por mim. Provavelmente, claro, poque eu vivo em Nova York e sinto muitas coisas em Nova York, isso reflecte-se directamente na peça, mas eu não consigo avaliar esse ponto por mim próprio. É por isso que os críticos é que o devem analisar. É o seu trabalho; não é o meu.”
Outra grande gargalhada.

Porta aberta, porta fechada; entra a teoria. Christoph Cox, por exemplo, publicou um artigo na Artforum de 2003 intitulado “Return To Form: On Neo-Modernist Sound Art”. Ele propunha um revivalismo da abstracção modernista na Arte do Som, citando Carsten Nicolai, Richard Chartier e Ryoji Ikeda como líderes do neo-modernismo. “Contra o assalto da inestética da vida do dia-a-dia, “Cox escreveu, “Ela reclama uma função básica da arte: a afirmação e extensão da sensação pura.” Quando eu trouxe à baila este assunto do revivalismo no interesse no modernismo e minimalismo, Ikeda ficou enfadado. “Eu na realidade não sei nada dessas categorizações.” disse. “Claro que é útil mas para os artistas é realmente difícil aceitar ser apelidado de minimalista. Até [Donald] Judd recusou ser um minimalista, e também Steve Reich. Eu percebo. As pessoas não são assim tão simples. Têm muitos, muitos aspectos, como seres humanos que são.”
Opostos situados nos 2 extremos são simplesmente versões um do outro. Pensando nas citações impressas no seu livro e DVD formula - “Menos é mais”, de Mies Van Der Rohe, e “Mais é mais”, de David Tudor - sugeri-lhe então que os músicos minimalistas americanos soam a maximalistas. “Sim.”, disse. “Philip Glass é totalmente um maximalista. Mas alguém disse uma vez algo de muito interessante. Que se tu ouvires um CD de Ryoji Ikeda, sentir-te-às minimalista mas se fores assistir a uma sua actuação sentirás que é um maximalista, fisicamente.”

Talvez alguma desta fisicalidade maximalista advenha dos seus anos de teenager. Perguntei-lhe sobre a primeira música que realmente o excitou. “Tenho de ser honesto,” disse. “A minha primeira experiência musical realmente chocante foram os Kiss e os AC/DC. Ao vivo, muito alto, é como se se tratasse de uma “parede de som”. Eu tinha 13 ou 14 anos quando fui a uma sala de concertos enorme e aí estava uma parede de amplificadores Marshall no palco. Fui com um amigo e com a família e era apenas um rapaz do campo. Fiquei impressionado. Fiquei de boca aberta. Com os AC/DC, a engenharia de som nos discos era muito boa e quando faço soundcheck ainda uso o Back In Black. como pessoa, sou definitivamente rock. a experiência é espantosa. Se fosse um pouco mais velho, gostaria de ter visto os Led Zeppelin e o Jimi Hendrix.”
Na altura não gostou do punk devido à sua simplicidade, e até odiou todos os sons electrónicos. Perguntei-lhe se tinha ouvido música electrónica japonesa dos primórdios; peças tais como My Blue Sky (No. 1) de Joji Yuasa, Water Music de Toru Takemitsu, ou Music For Sine Wave de Toshiro Mayuzumi, os quais podem ser ouvidos como tendo uma relação directa com o seu próprio trabalho com tons puros. “Mais recentemente,” diz, “porque a música deles foi totalmente abandonada. É muito complicado para eles e para mim. Aquela geração experenciou a guerra e odiavam realmente qualquer coisa tradicional japonesa, como uma coisa de direita, estavam tão contra elas quando eram jovens. Agora, retornaram ao básico e isso é muito difícil de aceitar por mim. Joji Yuasa, porquê? Ele era tão abrasivo e o seu ruído branco [Projection Esemplastic For White Noise and On The Source Of White Noise] foi uma ideia louca e tão fascinante. Agora está a trabalhar para o teatro tradicional Noh e para coisas japonesas e não consigo entender o porquê. Conhece Yuji Takahashi? Ele foi o primeiro aluno de Xenakis, e agora...”
A sua frase termina em desapontamento. Talvez tenha a ver com o tornar-se velho, sugiro eu. Ikeda fala por momentos de bandas sonoras que o seu pai costumava tocar todos os Domingos de manhã. O assunto deriva para John Zorn e os seus gostos musicais sem fronteiras. Ikeda diz que por vezes o vê em Nova York, mas que é demasiado tímido para tentar uma abordagem. “Ele é um herói,” diz. Conto-lhe a história do tempo em que Zorn veio até minha casa, em meados dos anos 80. Na altura eu estava a trbalhar numa série de televisão e a investigar bandas Britânicas de dança dos anos 40. Passei-lhe uma gravação primeva de Mantovani, o líder de banda nascido em Itália, cujas cordas oceânicas tiveram grande sucesso em 1951 com o clássico easy-listening “Charmaine”. Zorn sabia tudo sobre Mantovani, claro, assim como, pareceu-me, Ikeda. “Eu tenho muitos discos do Mantovani,” diz. “Mantovani realizou gravações em quadrofonia - é música easy-listening super-sofisticada.”
Voltando ao silêncio, e a Susan Sontag; “... observamos quão frequentemente a estética do silêncio aparece lado a lado com uma dificilmente controlada repulsa do vazio.”
“Muitas pessoas podem dizer muitas coisas acerca do silêncio,” diz Ikeda. “Haverá milhares de teorias acerca do silêncio - teoréticas, filosóficas, científicas. É uma questão muito difícil. Mas uma coisa eu lembro. Desejo começar tudo do silêncio. Claro, comecei a fazer música como DJ, mais como uma cultura de estrada, e aprendi muito caecrca da arte contemporânea, música, arquitectura e filosofia. Então encontrei a palavra, silêncio. Ainda estou sempre a pensar no silêncio, todo o tempo. Isto é fundamental e muito importante para mim. Posso falar do silêncio como metáfora e silêncio real, sem som. Digamos que é por isso que eu faço arte, para encontrar respostas. É muito filosófico e claro que está ligado com o pensamento Zen mais profundo.Pode ser perigoso dizer isto mas é apenas um estado da tua mente. Não é psicologia, é muito difícil.”
A referência ao Zen é surpreendente, pois a maioria dos novos músicos Japoneses prefere evitar o assunto. “Eu também era assim,” diz, “então eu compreendi. Eles tinham tanto medo que lhes perguntassem sobre isso, porque o Zen é tão profundo e inexplicável. É como a música: Zen é Zen, logo é impossível de discutir. É um cliché, e também no Ocidente é objecto de moda. Sempre sofri muito, especialmente em França. Muitos intelectuais perguntavam-me apenas acerca do Zen. Eu não sou um mestre Zen, e eles entrevistavam-me como se eu fosse Japonês e só depois como Ryoji. Houve tantos casos desses, até que eu desliguei. É tão superficial.”

Ideias de controlo (perdido), silêncio e o vazio estão embebidas no último CD. Um dos mais belos e refinados de todas as suas gravações, dataplex é também a exposição mais clara da sua fascinação crescente com a matemática. Em particular, a última faixa, a estranhamente irritante “data.adaplex”, contém dados que nem todos os leitores de CD conseguem ler ou tocar. A música está lá, apesar de não estar lá.
“Honestamente, foi um acidente,” diz. “Há uma muito específica forma de onda e por isso o estúdio de masterização não conseguiu lidar com ela, mas o engenheiro não tinha experiência acerca disso e garantiu-me que tudo estava ok. Então a fita master foi enviada para a fábrica. Ninguém tinha nenhuma dúvida acerca isso mas então houve verficou-se que havia um erro de leitura em alguns leitores de CD. tentámos descobrir a razão. a Philips e a Sony inventaram o Compact Disc - eles investigaram tudo, mas não encontraram nada, por isso decidimos abandonar a questão. Pensei que era um conceito muito atractivo - apenas dados. Foi realmente uma estranha forma de onda que usei. Editei a taxa de amostragem de 44.1khz como 441000 quadros. Tirei alguns quadros, por acidente, e então houve muitas manipulações e o laser não conseguiu ler tudo apropriadamente. Em leitores de CD profissionais tudo funcionou bem mas em leitores de CDs em carros ou em leitores caseiros normais existe um buffer para onde são lidos os dados em avanço. Talvez este buffer tenha causado o erro. A composição era muito matemática, e a última faixa foi composta através da matemática.
Uma vez que falamos neste assunto, ele fala subrepticiamente em Bach, depois em Merzbow. “Gosto do fenómeno da invisibilidade no som,” diz. “Dados que tu podes ver como resultado num monitor de computador, mas o conceito de dado é tão abstracto que não podes tocar-lhe. Este tema é muito excitante para mim. Tu não consegues ouvir, apenas sentes. Ou nem sequer sentes. É como uma coisa do subconsciente, das tuas células. Também, num certo sentido, o silêncio e o ruído branco são, por vexzes, a mesma coisa para mim. Máxima aleatoridade da frequência, densidade, pinta tudo de preto e o silêncio vazio e branco.”

dataplex foi recentemente editado na Raster-Noton; Ikeda actuará na Tate Modern, Londres, em 29 de Maio.
link útil: http://differentwaters.blogspot.com/2006/10/brinkmann-and-ikeda.html
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Die Tödliche Doris - Aconteceu em Berlim e ninguém soube


Uma série ocasional que se centra em lugares ou sons específicos.
Isolados nas profundezas da Alemanha de Leste comunista, Berlim Ocidental cultivou, nos anos 80, uma cultura musical altamente idiosincrática, nihilista até, antes da queda do Muro, mas foi o carácter irrequieto dos dadaistas Die Tödliche Doris que melhor incorporou a identidade instável da cidade.
Texto: Biba Kopf [Artigo WIRE 269 - Julho 2006]
(ver link útil no fim do post)














Fazendo jus ao seu estatuto de lugar marcante da subcultura dos inícios dos anos 80 em Berlim, a sala de espectáculos SO 36 em Kreuzberg não tem nada que se destaque a partir do exterior. A sua nada convidativa fachada enquadra-se perfeitamente no território circundante. Com as habitações, pátios, fábricas reconvertidas e oficinas amontodas à força, Kreuzberg é onde a antiga Berlim Ocidental esgotu o espaço e entra pelo Muro; o bairro é morada da maior comunidade Turca na Alemanha e de sucessivas gerações post-1968 de artistas e músicos, para não mencionar anarquistas, autonomistas, descontentes, okupas, fugitivos e objectores de consciência prontos a sair para as ruas à mais pequena provocação. Baptizado a partir do códio postal de Kreuzber da era do Muro, SO 36 está escrito no exterior através de um logo em tira de néon irregular, apesar de o lugar ser ainda facilmente localizável quando caminhamos pela Oranienstrasse, cujas fachadas cor de ferrugem estão pejadas de graffitis de campanhas de rua anteriores. Ainda mais fantástico para uma cidade que ficou em ruínas depois da segunda guerra mundial, um local de entretenimento mantém-se nesse local desde 1860, quando uma cervejaria abriu aqui para matar a sede dos trabalhadores que invadiram Kreuzberg durante a expansão de Berlim; nos anos 30 tornou-se num cinema; por alguns anos, na década de 70, o artista germâncio martin Kippenberger comprou-o e estabeleceu aqui uma sala de concertos. Depois disso, por um breve período durante os primeiros anos da década de 80, tornou-se no ponto de encontro do desenvolvimento de Berlim como um dos mais revigorantes destinos musicais da Europa, alojando grupos como The Dead Kennedys e Throbbing Gristle, assim como o Berlin Atonal Festival em 1982, que juntou grupos locais como os Einstuerzende Neubauten, Malaria! e Sprung Aus Den Wolken.
O interior muito limitado foi terrivelmente ajustado para tais eventos, um bunker de betão capaz de resistir ao pior que os primitivos Einstuerzende Neubauten podiam atirar cá para fora durante uma perfomance que atingia o climax com o seu membro mais destrutivo, Andrew Unruh, empunhando um martelo pneumático contra as paredes. Com as suas olheiras quimicamente esculpidas, olhos encovados e cabelo desgrenhado, a audiência era também eles parte do espectáculo - ou cadáveres andantes - tal como os grupos. Ainda assim, nada te podia preparar para o choquede dar de caras com um par de ratos castanhos e brancos passeando pela cabeça do assíduo do SO 36, “Ratten Jenny”.
Acontecimentos tais como o Atonal funcionavam como reuniões para uma geração à procura de um escape e uma cultura da Alemanha Ocidental post-guerra, cinzenta e pesada, marcada de silêncios desconfortáveis. A esta geração os hippies de 68 já não diziam nada e foi ela que primeiro começou a transformar zonas mortas como Kreuzberg.
As audiências e os artistas do Atonal marcavam ambos o seu espaço revelando-se primeiro e depois deambulando pelas, sempre em mudança, capelinhas culturais das margens da cidade. Mas se era intenção do atonal mapear este novo underground emergente, uma entidade em particular, Die Tödliche Doris, mostrava-se conspícuo pela sua ausência. Concebido como um grupo e um carácter pintalgado algures entre uma madame de bordel e uma dona-de-casa filósofa, os deadly doris nunca foi o tipo de rapariga para fazer o que lhe mandavam. Ela tornava-se invariavelmente naquilo que ninguém esperava dela. Imperiosa, coquette e punk no seu coração, ela apenas não era muito social. Entre 1980 e 1987 - os 7 anos que ela alocou para a sua missão na Terra - os Die Tödliche Doris tocaram em Berlim como um quadro de jogo dadaísta, detonando por toda a cidade nos sitíos mais improváveis numa gama desconcertante de máscaras, trepando por escadas e deslizando por cobras, enquanto mudavam de pele como quem muda de camisa - aqui uma borboleta, ali uma lagarta cega, raramente vestindo a mesma roupagem 2 vezes. Ao contrário dos seus contemporâneos Einstuerzende Neubauten, que se automarcaram com uma imagem singularmente poderosa, ela advogava mudança constante. Contudo, criou o seu próprio logótipo invertendo o sinal ‘S’ pontuado oriundo de Sparkasse (banco). De pernas para o ar, parecia um ponto de interrogação - um adequado símbolo para os Die Tödliche Doris se abrigarem.
“Uma das convenções principais da música é que tens de criar uma imagem,” diz Wolfgang Müller, que co-fundou os Die Tödliche Doris com o colega estudante de arte Nikolaus Utermöhlen, “e essa imagem é a base do sucesso, mas aquela era do post-punk era muito aberta para fazermos algo de diferente. Ou seja, uma imagem pode consistir em centenas de diferentes aspectos, por isso, de facto, os Die Tödliche Doris não é uma não-imagem. É uma imagem completa. Mas a coisa fixada - que eu sou aquilo e aquilo e aquilo - é apenas interessante se colocares um ponto de interrogação depois dela. Então podes continuar a fazer sempre coisas novas.”

Durante o seu tempo de vida. Die Tödliche Doris não foi propriamente o grupo mais conhecido de Berlim mas o auto-questionamento inquieto e revoltoso da formação que se estabeleceu em torno de Müller, Utermöhlen (que morreu de causas relacionadas com a SIDA em 1996) e a sua terceira baterista, Kathe Kruse, tornou-a a mais emblemática de uma cidade construída sobre areia e lutando para encontrar uma identidade depois da sua divisão pot-guerra em nas zonas Este e Oeste. Logo desde o início, ela permaneceu indiferente a acusações e elogios como artistas fazendo música ou músicos não treinados fazendo arte. Pelo contrário, ela abraçou o amadorismo dos Geniale Diletanten (Diletantes Engenhosos [sic], acerca dos quais mais tarde) como o seu verdadeiro caminho muito depois dos seus contemporâneos terem racionalizado as suas abordagens em ordem a esculpir as suas carreiras. Die Tödliche Doris estava apenas interessada em desenvolver as suas capacidades o suficiente para realizar um dado projecto, fosse ele uma canção, um filem Supe-8, happenings, escultura ou artes visuais. Mas a música foi sempr o seu campo principal de operação, e Müller e Utermöhlen foram muito claros acerca do que pretendiam. “Foi sempre importante termos uma julher na banda,” diz Müller. “Nós víamos aquela coisa dos Neubauten de forma um pouco negativa por terem apenas 5 homens, um pouco macho...
“Die Tödliche Doris é muito parecido a Tödliche Dosis, o termo alemão para dose fatal, overdose, “diz ele. “Isso quer dizer morte. Não significa nada. Porisso tivémos de trabalhar com essa ambivalência entrte Doris e Dosis em ordem a descobrir a personalidade de Die Tödliche Doris. O sentido de humor no nome é também engraçado. Eu gosto que em inglês Doris não soe como um artista, mas a uma normal dona de casa.”

Antes de 1980, o carácter musical de Berlim Ocidental era definido a partir do exterior, por visitantes ilustres como David Bowie, Iggy Pop e outrso pesquisadores das noções de decadência divina do Cabaret. Tais mitos, combinados com o estado de Guerra Fria, tornou Berlim numa pragem obrigatória para os grupos Britânicos e Americanos, apesar de a cidade ter um ritmo mais lento que o resto da Alemanha Ocidental na resposta aos manifestos DIY do punk, a menos que contemos com os PVC de ‘Wall City Rock’.
“A música rock foi sempre um meio para a juventude identificar e ientificar-se com algumas ideias do mundo,” pondera Müller, “ e no final dos anos 70 as pessoas já não acreditavam mais na verdade da música rock... penso que foi na realidade um período de abertura. Talvez tenha sido a base para o que veio a seguir. Foi um tempo de incertezas.”
Depois do romantismo de Bowie em ‘Heroes’, a canção que captou o mito da cidade do muro que dançava muito perto do abismo foi “Kebab-Träume” (“Sonhos de Kebab”), primeiramente tocada como “Militurk” pelo grupo punk de Düsseldorf, Mittagspause, mas melhor editado na versão single de 1980, pelos Deutsch-Amerikanische-Freundschaft (DAF). Parodiando alegremente os medos da imprensa dos trabalhadores turcos e a paranoia anti-comunista, a canção ofereceu aos graffiters de Berlim 2 slogans: “Alemanha, Alemanha, está tudo acabado” e “Nós somos os turcos de amanhã”. O primeiro invertia o hino nacional alemão, o segundo a canção cabaret mais querida dos nazis, “Tomorrow Belongs To Me”.
Quando, em Novembro de 1980, os DAF foram cabeças-de-cartaz de um Festival alemão de new wave, na Berlin Free University, apenas as Mania D, o trio feminino que actuou com Gudrun Gut, estava suficientemente desenvolvido para oferecer uma presença local que não desmerecesse. No final do ano seguinte, as posições cimeiras estavam completamente invertidas. A entrada dos DAF no mainstream como um duo pré-tecno, fazendo música electrónica-sexy fez com que a cena punk da Alemanha Ocidental se voltasse para a indústria musical que a conduziu ao fenómeno da Neue Deutsche Welle (New Wave Germânica). Em Setembro de 1981, entretanto, alguns artistas com muito mais ambições actuaram ao vivo no Die Grosse Untergangsshow: Festival Genialer Diletanten (O Show da Grande Queda: Festival dos Engenhosos Diletantes) que teve lugar numa tenda de circo chamada Tempodrom perto da Potsdamer Platz, em tempos a zona mais ocupada de Berlim. A maioria a partir das ideias de Blixa Bargeld, o festival apresentava Einstuerzende Neubauten, Sprung Aus Den Wolken, Gudrun Gut e a Die Tödliche Doris, entre outros, como um revisão do fim dos tempos formalmente alojados pelo actor Wierland Speck e esgotou com uma multidão de 1200 pessoas.
Um número substancial dos presentes no festival desempenharam um papel importante no desenvolvimento das contraculturas, pela primeira vez realmente idiosincráticas, da cidade.
Os Einstuerzende Neubauten são provavelmente os artistas germânicos mais conhecidos depois dos Can e dos Kraftwerk; Westban e Mancunian desterraram Mark Reeder (dos Nekropolis e Die Unbekannten) ajudara, a estabelecer o Tecno como a banda sonora de Berlim pós-1990; Gudrun Gut foi a força condutora por detrás dos Mania D, Malaria! e Ocean Club; ela também fundou a editora de sucesso Monika; e assim por diante. Mas o errático CD, DVD e LP editado no ano passado pela Vinyl On Demand para comemorar o 25º aniversário do evento trouxe à liça a asserção de Bargeld segundo a qual a maioria da música não era realmente muito boa. Na verdade, apenas as contribuições dos Neubauten eos Die Tödliche Doris se mantiveram no espírito da ideia inicial do festival de privilegiar o amadorismo insano acima da criatividade estéril da cultura industrial profissional. E o seu desmesurado e alegre manifesto foi melhor articulado em Die Geniale Diletanten, editado e co-escrito por Müller e publicado em 1982 pela Merve Verlag. Aquele espírito é especialmente manifesto no documentário em DVD em que podemos ver os Die Tödliche Doris a tocar “Schuldstruktur” (“Estrutura Culpada”) e “Der Tod Ist Ein Skandal” (“Death Is A Scandal”). Na primeira, Müller sabota qualquer esperança de virtuosismo no violino através do uso de penas nos dedos ao mesmo tempo que grita a letra fundamental do punk germânico, “Ich bin schuld / Du bist schuld / Das ist die Schuldstruktur” (“Eu sou culpado / Tu és culpado / Essa é a estrutura da culpa”), enquanto Utermöhlen ataca a sua guitarra original (feita com 2 cordas de baixo e 2 de guitarra eléctrica) com uma baqueta de bateria. Tal como a baterista Dagmar Dimitroff, o par está emplumado, vestido de peles e pintado, para desespero de Matthias Motte, mais tarde aka Dr. Motte, fundador da Love Parade de Berlim. Voltando atrás a 1981, como membro da DPA (Deutsch-Polnische-Aggression), contudo, ele toma a exuberância dos Die Tödliche Doris como uma oportunidade para exercitar a sua capacidade para atirar, como relatado, com ódio, a Müller uma chuva de garrafas de cerveja.
“Uma semana mais tarde fui encontrar-me com ele num bar chamado Risiko,” relembra Müller. “Eu não o conhecia e ele não me conhecia porque a minha cara estava pintada na altura da actuação. Ele contou-me que na semana anterior tinha atirado tantas garrafas de cerveja ao cantor dos Die Tödliche Doris que ele não tinha podido continuar a tocar o seu violino, e eu disse, Oh, eras então tu!” Alguns meses mais tarde, Müller vingou-se de Motte duma maneira muito à Die Tödliche Doris de fazer o castigo corresponder ao crime.

Subir escadas e deslizar para baixo como cobras... O progresso dos Die Tödliche Doris diferiu radicalmente do claro extremismo que estava a emergir para definir o som de Berlim. Declinaram um convite para se juntarem aos Neubauten, Sprung Aus Den Wolken e MDK numa digressão pela Alemanha Ocidental debaixo da bandeira Die Berliner Krankheit (A Doença de Berlim), para descobrir que a Zickzack (a editora independente que editou o primeiro 12” dos Doris, Seven Deadly Accidents Around The Home, e um álbum, ” “) também os anunciou para uma actuação no SO 36 em Novembro de 1981. Além disso, o programa de TV da Alemanha Ocidental, Rockplast pretendia filmá-los inseridos num documentário especial acerca de Berlim.
“Pensá,os que se era só o nome que queriam, poderíamos pôr 3 pessoas desconhecidas no palco,” sorri Müller. “Assim, escolhemos 3 pessoas que não conheciam a nossa música, incluindo Dr Motte, que nos havia atirado as garrafas de cerveja no Tempodrom, demos-lhes 3 textos e o nosso apartamento para ensaiar, e dissémos, podem compor qualquer música que quiserem para estes textos. E depois fomos para os bastiadores com eles. Quando fomos anunciados, fomos para o palco com estas 3 pessoas e depois saltámos para a udiência entregando cartões explicando que havíamos dissolvidos os Die Tödliche Doris por uma hora no SO 36 e no nosso lugar estavam os Die Tödliche Doris In An Alien Body. Eu fiquei de pé na audiência olhando para nós e ouvindo a mulher que estava ao pé de mim a dizer, ‘Oh sim, eles fazem sempre este tipo de música barulhenta, isto é típico!’
Nós não trabalhávamos com essas coisa da personalidade como o Kiddy Citny dos Sprung Aus Den Wolken ou Blixa ou os Malaria!.
Nós trabalhávamos com o oposto, imagem não fixada... Assim éramos livres de vestir e parecer o que queríamos.”
A ideia da identidade instável dos Die Tödliche Doris foi muito díficil de engolir para o público do Rockplast. “Eles pensaram que nós tínhamos sido tão sacanas e que não tínhamos querido aparecer na televisão,” diz Müller. Acreditando que a Doris estava a fazer-se difícil, o Rockplast não se deu de imediato por vencido. De facto, quanto mais ‘díficil’ ela se tornava, mais concessões eles lhe faziam. O programa sugeriu filmar os Die Tödliche Doris no Muro. Afinal, era para um especial sobre Berlim. “Eu disse, OK nós ficamos em frente ao Muro,” ri Müller, “mas nós escolhemos o local.” Ele escolheu o fim da Adalbertstrasse, onde o Muro estava escondido por detrás de um monte de areia. À sua esquerda, tu vês os edifícios de Berlim Leste, à direita, a Kunstlerhaus Bethanien, mas sem o Muro à vista, os dois sectores foram simbolicamente reunificados.
Para o programa de TV, os Die Tödliche Doris filmaram Naturkatastrophen (1983), que marcou uma mudança radical do tremendo ruído punk e ‘avon garde’ posto nas suas primeiras edições. No seu lugar, dançaram um ballet bizarro representando as catástrofes naturais descritas por um locutor car-de-pau por Müller, chocalhando chávenas, batendo os joelhos um no outro e pateando num charco. Numa segunda secção, Kruse pegava fogo ao microfone mantendo-o aceso, enquanto Utermöhlen cuidadosamente dedilhava um acordeão, cujas teclas eram pnos desenhados. Após alguns minutos de chamas, o microfone era desligado mas a emissão continuava por alguns segundos antes de, finalmente, decair em luz branca.
“Tivémos de lutar arduamente com a estação de televisão para termos mais uns segundos de silêncio,” relembra Müller, “porque eles estavam com medo que alguém telefonasse a dizer que algo de errado tinha acontecido com o microfone. Um tema que sempre nos interessou foi a informação. Era um tema principal também para os Throbbing gristle. O que era um verdadeiro desastre para a sociedade de informação era quando a informação não estava a funcionar. Assim, a ideia era mostrar o som a desaparecer de repente à medida que Kathe deitava fogo ao microfone. O que ele estava a fazer era acelerar o colapso do sistema de informação.”
Os microfones queimados nas perfomances de Naturkatastrophen eram mostrados como uma relíquia tipo Beuys no desastre numa pequena exibição na gelbe MUSIK, uma loja de discos de arte e galeria a alguma distância de Kreuzberg na Schaperstrasse, que publicou um catálogo e uma peça única. Em colaboração com a editora de Dusseldorf Pure Freude, a gelbe MUSIK ajudou os Die Tödliche Doris a editar Chöre Und Soli, uma série de oito discos de 2”, tocável num aparato normalmente encontrado embebido no interior de bonecas de brinquedo. O conjunto marcou outra mudança na sua interrogação da sociedade de informação - desta vez da música para o media e sua disseminação. Composta com a reprodução de som pobre do aparato em mente, os Die Tödliche Doris conceberam uma canção ‘à capela’ em ciclo, em partes de 16 a 20 segundos cada, cantadas por uma formação embelezada por um colaborador ocasional, Tabea Blumenschein, uma estrela de cinema underground de Berlim, também modelo e designer.
Os Die Tödliche Doris continuaram a reconfigurar o formato de gravação com as suas 2 edições eguintes, Unser Debut (1984) e Sechs (1986). Ambas tinham tamanhos de faixas sincronizados, e assim podiam ser tocadas simultaneamente criando um terceiro álbum invisível. O plano original era editar Unser Debut através da Atatak (a casa editora dos Der Plan) e Sechs na editora Amiga da ex-Alemanha Oriental. Infelizmente, a última deixou o grupo cair, dizendo, “’já temos todas as nossas edições planeadas para os próximos 5 anos’,” ri Müller. “Um resultado engraçado desta troca de correspondência foi que 2 anos antes do Muro vir abaixo, fomos incluídos numa enciclopédia de música popular da Alemanha Oriental, que escreveu que nós éramos uma banda anti-capitalista da Alemanha Ocidental, mas escreveram o nome como Die Tödliche Doris, Deadly Dose. Eles não captaram o nosso elemento subversivo, de que éramos não apenas contra o sistema capitalista, mas também contra o socialismo do modo que ele era praticado na Alemanha Oriental.”
Para o Ocidente, Unser Debut foi concebido como U-Musik - Unterhaltungs Musik (música de entretenimento) - enquanto o seu companheiro Oriental, Sechs foi E-Musik (Ernste Musik, música séria). Unser Debut era mais orientado à canção, enquanto Sechs era mais abstracto, abrasivo, até atonal. The Invisible 5th LP que se materializa quando são tocados simultaneamente serve como outro ritual de reunificação Este-Oeste - antecipando a queda do Muro em 3 anos - assim como a integração entre alta e baixa cultura. Os Die Tödliche Doris sempre recusaram reconhecer tais distinções entre alta e baixa cultura. As suas canções cabiam numa definição lata de cultura popular. O seu trabalho anterior inscrevia-se no imediatismo punk com elementos derivados da música de propaganda, informação governamental e filems industriais de risco. As suas canções posteriores abraçavam as baladas de rua, reproduzíveis em teclados de fancaria, acordeões, tambores de marchas, clarinetes e tudo esse material. Por alturas da edição do álbum final da sua carreira, um álbum ao vivo chamado Liveplaybacks (Die Tödliche Doris Records 1986), quase toda a música foi transferida para fita magnética, deixando-os livres para se concentrar na perfomance. A sua nova estratégia era gravar a primeiro concerto e tocá-lo na actuação seguinte, gravando-o outra vez, e assim sucessivamente. Por alturas da data final, a fita magnética foi enterrada debaixo da atmosfera densa, abafada de 14 actuações anteriores. Liveplaybacks mostrava a sua degradação de som à medida que a digressão progredia.

Um título dos Einstuerzende Neubauten dizia, “Draussen Ist Feindlich” - o extriro é hostil. Eles deviam estar a referir-se à má recepção dada aos Berlinenses quando deixaram o santuário da cidade murada. Os centros punk germânicos como Hamburgo geralmente engarrafavam os artistas de Berlim, desprezando-os como arty e pretensiosos. Mas escapar da atmosfera claustrofóbica de Berlim, onde apenas ficas preso para actuar sempre para a mesma audiência, foi essencial. No seu tempo, os Die Tödliche Doris tocaram em Paris, Varsóvia, Budapeste e por toda a Alemanha. Por cada dia magnífico fora, ela escapava e fazia as suas paostas levando a sua audiência consigo, 20 fans numa viagem de autocarro e ferry-boat pela Helgoland, uma pequeno rochedo em frente de uma ilha no Mar do Norte, para hastear a bandeira dos Die Tödliche Doris num local caregado de significado histórico: foi aí que o poeta Hoffmann Von Fallersleben escreveu o texto do hino nacional alemaõ. Mais habitualmente os Die Tödliche Doris eram duros suficientemente para enfrentar audiências médias - e ela não estava minimamente importunada com isso. Para a sua parição de 1 minuto no Festival de Jazz de Moers, em 1985, numa edição curada por Heiner Goebbels, ela actuou apenas para incluir todos os elementos que free jazz abomina. “Encontrámos uma data de coisas,” ri-e Müller. “Num minuto não conseguimos mostrar tudo, mas pudémos fazê-lo parcialmente: máquina de fumos, peep show - o sexo é absolutamente tabu no free jaz. Playback, também tabu... Das 50 bandas que estavam no festival, fomos os únicos que não obteve sucesso, os únicos vaiados pelo público.”

Para os die Tödliche Doris, a mobilidade não era só atravessar o espaço e o tempo, era um assunto transcultural acerca da liberdade de movimentos entre media. Para o show de moda de Durchbruch, na Deplana Art Gallery, ela levou um diálogo entre uma pilha de fitas magnéticas com ruído e standards Easy Listening, tocados pela The Gerry-Belz-Show-Band, que contrataram através da troca local de empregos. Pode ser ouvido em Welten-Worlds-Ohontsa’shön:’A, editado no ano passado pela Vinyl On Demand. Em paralelo com a música, Die Tödliche Doris foi uma prolífica realizadora de filmes em Super-8. A maioria dos seus filmes foi feita à volta de Berlim Ocidental, mostrando áreas tais como Gleisdreieck, uma mancha de terreno do lado ocidental mas controlada pelo leste, onde os Die Tödliche Doris foram à procura da lenda da galinha de Hailberry no filme de 24 minutos Das Graupelbeerhuhn (1981-1982) “A ex estação central de Berlim (destruída durtante a guerra) permanecia na área onde este filme foi feito,” explica Müller. “Por entre linhas e plataformas destruídas e enferrujadas, árvores e plantas raras cresceram, e os cientistas descobriram espécies de insectos raras ou desconhecidas, trazidas não intencionalmente com a carga dos comboios oriundos do leste.” Uma secção anterior foi dada a um comboio invernoso correndo ao longo do corredor oriental ligando Berlim Ocidental à Alemanha Ocidental juntamente com uma vistosa peça de ‘música de mobiliário’ em muzak, desenvolvendo um ritmo de teclas préprogramado e uma melodia barata em clarinete. A mesma peça foi usada sempre pelos Die Tödliche Doris quando quiseram captar votos na tentativa de ser eleitos para o senado d eBerlim, e como música de fundo para o tratado filosófico bilingue Die Uber-Doris (A Super-Doris, 1986).
Os filmes em Super-8 dos Die Tödliche Doris são incrivelmente evocativos de uma era em desaparecimento. Um documenta as ruminações de uma rapariga ‘às direitas’ renascida através do punk, filmada num típico quinal de traseiras de Berlim (Sabine: Aus meinem Tagebuch / From My Diary, 1980); em John Heys Sings (1984), um Americano que parecve uma figura animada de uma pintura de Otto dix sussurra uma canção de teatro na sua pensão, acompanhado ao piano pelo seu senhorio, num estilo que evoca Isherwood e Weimar; no cómico, mas perturbante e final filme Das Leben Des Sid Vicious (A Vida de Sid Vicious, 1981), o filho de três anos de Dimitroff, Oskar faz de Sid, correndo pela estrada abaixo com a sua t-shirt de suástica estampada.

Como entidade, os Die Tödliche Doris deram-se a si próprios uma longevidade de 7 anos, que cumpriram dissolvendo-se numa garrafa de vinho Die Tödliche Doris, em 1987. Mas isso não foi de todo a sua transformaçõ final. De facto, ela tem conduzido uma pós-vida cheia e activa, tendo assentado arraiais num atelier nas traseiras da Kumpelnest 3000, um bordel transformado em bar com a decoração original intocada pelo futuro produtor da Basic Channel e Rhythm & Sound, Mark Ernestus. Por algum tempo, Müller, Kruse e Utermöhlen continuaram a operar individualmente como alunos da “escola Die Tödliche Doris”. A Die Tödliche Doris, ela própria, rematerializou-se em 1989 para uma actuação em Berlim Leste, uma peça em Tóquio, e como uma personagem de banda desenhada japonesa vagamente relacionada consigo, a Die Tödliche Dolis. Mas ela sofreu a sua mais radical metamorfose em 1998, no Volksbühne de Berlim, quando o seu àlbum de estreia de 1982 “ “ foi transformado de som em movimento e silêncio numa actuação adaptada para uma audiência de surdos. O evento foi um dos muito sprojectos de Doris/Müller envolvendo a comunidade de surdos.
“ A transformação do disco num novo media foi um grande salto para mim,” assinala Müller no documento em DVD da actuação, Gehörlose Musik (Música Sem Som). “Coloca-lo num disco, o som enche a sala, e dois intépretes de linguagem gestual, Andrea Schulz e dina Tabbert, transformam a música e as letras em gestos. Este salto é como aquele que se dá ao passar da pauta de música para o som real.” O evento trouxe de volta a Die Tödliche Doris para o tema predominante da sua carreira: a sociedade de informação e a sua chuva de sinais.
“Abrimos uma brecha e trouxemos estes tópicos através dos sons e do modo como os sons se desenvolvem,” continua. “A este respeito, foi um passo lógico para desenvolver esta ideai e levá-la mais além, para transfromar os sons em outra cosia qualquer...
Quando os 2 intérpretes transformam a música da Die Tödliche Doris em gestos, em movimentos corporais num dado espaço, isso não significa que a música desaparece. Apesar de não a conseguires ouvor, ela ainda está ali. A Die Tödliche Doris nunca ligou muito a definições rígidas ou amarras que te afundam. Como nunca nos compretemos com nada, comprometemo-nos a nós próprios inteiramente com uma coisa ou com outra. A interpretação ou definição, acontece nas cabeças dos ouvintes de qualquer modo.”

Gehörlose Musik sai este mês na Edition Kröthenhayn;
Os livros da Die Tödliche Doris estão disponíveis em http://www.martin-schmitz-verlag.de/ ;
Uma compilação, Kinderringellreihen Für Wahren Toren Des Grals, saiu na Psychedelic Pig ;
Website da Die Tödliche Doris: http://www.die-toedliche-doris.de/ ;
Agradecimentos a Ursula Block e Martin Schmitz.

link útil: http://tofuhaus.antville.org/stories/1505421/#1505427
Problemas com o link ? mailto: mig.pand@netc.pt




27.10.06

Conrad Schnitzler - O Eremita do Krautrock



Conrad Schnitzler, pioneiro germânico do “som electrónico frio, duro”, recusou ficar inactivo nos últimos 35 anos, desde as suas colaborações com os Tangerine Dream e Kluster, assim como com o seu lendário grupo, Eruption. Deitou cá para fora uma quantidade fenomenal de som e ruído, em todos os formatos, desde registos para pianistas até MP3.
Texto: David Keenan. Photography: Andy Rumball
(ver link útil no fim do post)

“Boof! Doomph!” Conrad Schnitzler senta-se na consola de controlo do seu estúdio na cave e começa a esmurrar botões. “Ouça isto,” emite ele, lutando com uma série de bloops atonais e gordos a partir de uma tira de luz sensível ao toque posta à frente do seu computador. “Já fiz os meus sons especiais para Moog. E então isto?” Ele conduz-nos num túnel de feedback antes de deixar-nos cair num único drone devorador-do-tempo. “Ja! estou sempre a tentar fazer sons que não são normais. A evitar sons a partir dos quais se pode fazer música real.” Faz girar a sua cadeira e desliza um fader aleatório, cortando o drone com uma série de arpeggios comparativamente adocicados. “Bah. este é um som comum,” recua. “Não que eu tenha alguma ideia, não pense, apenas carrego em botões, eu apenas regresso do futuro!apenasapenasapenasapenasapenasapenas,” simula ecos, “Futurofuturofuturofuturofuturofuturo...”
Há ainda algo do homem que desceu à Terra em Schnitzler. Graças às suas experiências pioneiras no “som electrónico, frio e duro” como membro dos Eruption, Kluster e Tangerine Dream, e através de uma ainda prolífica - ainda que muito escondida - carreira a solo, ele é largamente creditado como o padrinho da música Industrial Europeia. Encontra-se agora sediado no seu bunker, na pequena aldeia de Dallgow, situada na antiga Alemanha de Leste, onde passeia os seus cães, de roupas pretas, no intervalo das suas sessões de estúdio que lhe ocupam todo o dia e visitas ocasionais da sua mulher, Gil, que trabalha em Berlim e gasta muito do seu tempo vivendo sózinha no apartamento que o casal mantém na cidade. A sua única janel de contacto com o mundo exterior mantém-se a sua música, grande parte da qual é baseada em fatias massivas de ruído electrónico alienado, como documentado numa discografia a solo espalahada numa cada vez maior série de CD-Rs auto-editados que actualmente atinge as centenas.
“Oh, ele é um eremita”, concorda Gill. “O original home-de-preto. Por aí ele faz o papel de vizinho simpático, toda a gente fala com ele aquelas conversas de circunstância e ele conversa acerca de jardinagem, dos cães e de problemas com a casa, mas isso não é, de todo, a sua essência. Mas é impossível tê-lo na cidade, onde as outras pessoas estão, por isso encontrei esta casa aqui, perto de Berlim, onde pode estar só e trabalhar com o som tão alto e pelo tempo que quiser.” “Bem vê, ninguém me conhece,” adiciona Schnitzler. “Todos pensam que sou um tipo normal. Pode não acreditar, porque estou a rir e estamos a divertir-nos, mas eu odeio pesoas. A sério. Não sou um tipo do “flower power” Não sou de olhos suaves. Sou do tipo com bananas nos olhos. Tenho Xs nos meus olhos.”

O perfil recente de Schnitzler foi bastante melhorado, devido à importância que lhe foi dada pelo programa fluído de edições de luxo de material de arquivo dos anos 70, pela editora italina Qbico. O último é Zug, uma reedição da edição limitada de Red Cassette, de 1974, como LP picture disc, tendo na capa um Schnitzler completamente pintado, ao bom estilo dos Kiss. Na sua combinação presciente de modulação-em-anel codificada e aço frio metronómico, parece um percursor do death-disco dos Throbbing Gristle assim como alude à lógica usada à época de Spiral Insana pelos Nurse With Wound, tendo ambos, aliás, citado Schnitzler como influência. Também funciona como tiro de propulsão para o pesadelo eléctrico dos seus primeiros álbuns, Rot and Blau, editado em 1972 e reeditado este mês pela editora japonesa Captain Trip. Mas é as suas gravações a solo de 1972 no Synthi A, um sintetizador de mala revolucionário lançado pela EMS em 1971, que funciona como o fulcro de todo o seu catálogo anterior. Editado pela Qbico como Con 72 Parts One & Two, Schnitzler fala do conjunto como se fosse uma gravação de demonstração de stereo uma “dedilhar” aleatório através das propriedades mais básicas do instrumento - e decididamente não-musical.
Mas na sua absoluta recusa de alguma aproximação, por pequena que seja, da linguagem musical comum, na sua insistência de habitar na vanguarda da electrónica, como oposição ao mimetismo da tradição, dos aspectos do instrumento, ele surge-nos com uma personalidades com uma obra das mais desafiantes a emergir da cena de rock experimental da Alemanha do início dos anos 70.
“Quando adquiri o Synthi A em 1972, tudo mudou para mim,” confirma Schnitzler. “Vi rapidamente que esta era a voz que eu procurava há muito. Com a peça com o Synthi A para a Qbico não há qualquer pulsão, trata-se apenas de mexer nos botões, e eu não o conhecia muito bem na altura e por isso ele fazia toda a espécie de coisas que não esperas, como por exemplo quando rodas um botão e tudo pára sem tu saberes porquê. Mais tarde comecei a combinar o Synthi A com muitos outros sons, cadeias de fitas magnéticas, rádios, órgãos. Eu ficava no órgão e tinha programador por etapas (phaser) e fazia orrer o órgão sobre o Synthi A e disparava uma infinidade de sons usando moduladores em anel.

Originalmente um violoncelista, apesar do tipo autodidacta, a aquisição do Synthi A por Schnitzler focou, pela primeira vez, a sua atenção nas possibilidades dos instrumentos electrónicos e espoletou um caso de amor que dura até hoje. A cave da sua casa está cheia até ao tecto de velhos computadores, mesas de mistura, racks de efeitos especiais, fios de ligação e teclados, e “parte de leão” da sua música é ainda originária obsessivamente de electricidade esculpida. Ao abanar uma caixa de CD-Rs coloridamente empacotados, cada um dos quais está apenas disponível por encomenda directa a Schnitzler, ele selecciona aleatoriamente uma mancheia de edições. Estão todos codificados com certas frases, a vibração individual a servir de categorização exacta. Ele tira o primeiro para fora, Solo Basso, um drone de uma nota só com um final clíndrico e táctil. “Veja, tenho 4 leitores de CDs aqui, “ explica. “Assim, pomos 4 CD-Rs diferentes e iniciamos alguns a ver o que acontece. Vamos para o primeiro som, um drone pesado, que traz o seguinte, uma espécie de pulsar que não muda muito. Mais tarde poderei ir buscar algo como ritmo. Mas é assim que eu trabalho. Crio fontes de som único muito detalhadamente e depois mituro-as todas, combino-as. Na realidad eu não as misturo muito, apenas as ponho lá. Mas todos os dias eu estou a trabalhar em algo e a maioria destas coisas acabam em CD-Rs apenas disponíveis através d mim directamente.
“Eu não estou nada interessado em ter uma editora algures que me edite o material,” continua. “Se alguém estiver realmente interessado em editar as minhas coisas - tal como a Qbico, por exemplo - então OK, eu envio-lhes o material. Mas com uma grande companhia, eles quereriam que eu falseasse o meu trabalho, andar por aí a sorrir, fazer entrevistas felizes, todas essas coisas que um artista tem de fazer se quer vender a sua arte e ser famoso. Não estou interessado nisso. E, além disso, com a Internet e os CD-Rs, temos aí uma revolução na cultura musical. Sempre estive interesado na cultura das cassettes e ediçõs privadas, e assim editei uma grande quantidade de material dessa forma, mas nunca foi o melhor formato. Mas os CD-Rs soam tão bem como qualquer CD. E editando-os eu mesmo, bem, torna-se como um pequeno jogo. Eu envio os discos e recebo emails de pessoas, recensões, contando-me o que gostaram. É o suficiente para mim. No princípio tinha a minha prória webpage com montes de detalhes e factos, mas depois disse ‘Por favor, pára com isto. Eu apenas quero uma página que diga o meu nome e o meu endereço de email. Nada mais. Há tanta informação pr aí. Todas essas homepages têm tanto nelas. O que realmente tens a dizer não se cruza por aí. Assim, não jogo esse particular jogo nunca mais.”
De facto o site actual de Schnitzler consiste apenas em 3 linhas, irradiando há uns anos: “Conrad Schnitzler diz-vos olá. Feliz 2000 a partir da Torre de Marfim de Con. Enviem email.”

De longe, a consequência mais profunda da adopção, por Schnitzler, do Synthi A foi que finalmente se pôde libertar do apoio de outras pessoas, quer fossem colegas de banda ou mebros aleatórios da assistência, para o ajudar a realizar a sua visão. Desde o princípio ele era o pior dos instrumentistas da equipa. “Abandonei cada uma das bandas em que estive envolvido,” ri-se ele. “Com os Kluster e com os Tangerine Dream, era apenas a situação, nada de grandes complicações. Talvez eles não quisessem tocar comigo também, porque eu sou realmente um tipo rude, sabes? Mas eu descobri que não podes empurrar as pessoas e dizer-lhes o que têm a fazer, seja a quem for. Isso não eé bom. Então, depressa compreendi que devia estar só. Sou um artista solitário e sinto isso mesmo no coração. No início todos fazíamos música, todos fazíamos sons, sem pensar em fazer dinheiro com isso. Mas depressa começámos a entender que era possível fazer dinheiro com este tipo de material. Mas isso significava actuar perante o público, o que significava, por sua vez, caminhar no sentido da pop, como o que aconteceu com os Cluster. E isso não era a minha cena.” O envolvimento de Schnitzler com ambos, Kluster (o duro K dando lugar a um mais suave C com a sua saída) e os Tangerine Dream deu-se por via da sua pertença ao anterior grupo de improvisação Gerausche, que se pode traduzir por Ruídos (Noises), ao lado de Hans-Joachi, Roedelius e Boris Schaak, e a sua colagem com um dos locais chave do Krautrock, o Zodiak Free Arts Lab.
“Começámos o Zodiak quando conseguimos uma ligação ao dono de um teatro restaurante que disse que podíamos gerir uma das salas das traseiras se conseguíssemos trazer suficientes pessoas para fazer dinheiro no bar,” relembra Schnitzler. “Era uma grande oportunidade, mas era sobretudo um local hippie e eu não queria isso. Queria-o mais cool, tal como preto e branco e nada mais. Então colocámos lá montes de máquinas de flippers - isso era normal - mas também montes de jukeboxes, cinco ou seis, e uma grande quantidade de rádios. O que queria isto dizer? É claro, não? Boop boop. Assim, a audiência podia ela mesma tocar!” Ele bate a sua mão fechada na mesa, em triunfo. “Assim, ligávamos os rádios todos e as máquinas de flippers começavam a ser utilizadas, e o quadro de mensagens tinha todo o tipo de mensagens, tais como, “Estou à procura de uma rapariga” ou “Sou seguidor de Mao”, ou o que quer que fosse, era espectacular. O espaço para concertos, ele próprio, era absolutamente preto e com aquelas luzes de néon quadradas no tecto e eu até as pintei de preto com o meu marcador. Era um espaço fantástico e tocámos aí durante cerca de um ano e toda a gente deu espectáculos lá, Ash Ra Tempel, Tangerine Dream, Klaus Schulze. Foi nessa altura que fundámos os Eruption, cujo conceito fundador girava todo à volta de ssair de tudo, soltar as amarras, erudir!”
Para além disso, sendo o título do terceiro e último álbum dos Kluster realizado pelo trio Schnitzler, Roedelius e Dieter Moebius em 1971, Eruption era também o nome dado ao improvisado grupo de improvisação liderado por Schnitzler que integrava uma composição muito giratória desenhada a partir de grupos contemporâneos como os Embryo, Amon Duul e Agitation Free. Apesar de não terem editado nada no seu tempo de vida, a Qbico editou recentemente uma actuação ao vivo de 1970 e que serve para enfatizar como a mente de Schnitzler era completamente fora de tudo, comparada com com os estilos “cósmicos” prevalecentes da maioria dos seus colaboradores. Na verdade, combinações de abstracções de violino, vocalizações de asociações-livres e ruídos embotados analógicos alinhava-o mais com os primitivos punks da altura, como Dylan Nyoukis’s Blood Stereo e Decaer Pinga do que com tipo surfar-no-espaço da maioria do restante Krautrock. “Por falar nisso, eu tomava também membros do público,” adiciona Schnitzler. “Eu sempre tive estes esquisitos autocolantes agarrados com cordas de guitarra e amplificados, e eu dava-os e dizia, ‘Façam alg!’ Era impossível tocar essa coisa com qualquer tipo de abordagem convencional, o que era importante, porque acabavas sempre por ter alguém no palco que anunciava que sabia tocar. assim eu fazia estas coisas de modo a que ninguém pudesse tocar. No início das actuações eu perguntava frequentemente se havia algum músico na sala, e se sim, se podiam levantar as mãos? ‘Desculpe,’ dizia eu, ‘não posso trabalhar consigo. Você não é um músico? Ainda bem, vamos.’”
Schnitzler traça as raízes deste tipo de impulso artítico democrático com o seu envolvimento com Joseph Beuys - com quem estudou quando Beuys era professor de escultura monumentalno Dusseldorf Staaliche Kunstakademie em 1961 - assim como influência em John Cage e Jimi Hendrix. “Beuys foi muito importante para mim,” relata. “Eu era seu estudante e ele fex-me repensar todas as ideias que eu tinha. Ele dava a volta a tudo na sua cabeça e foi o primeiro a ter a ideia que toda a gente era um artista. No entanto, eu tenho de dizer, as suas ideias não tiveram qualquer impacto na maneira como eu fazia música. Eu já sabia que tínhamos que ser livres, e claro eu vi Hendrix e isso teve o mesmo efeito em mim, algo como o romper com tudo. Quando comecei a fazer sons com os Gerausche, os outros dosi membros não tinham nada a ver com arte. A coisa era apenas começar com ruído a aprtir de qualquer coisa, dum frasco a uma colher, qualquer coisa. Trabalhávamos com tudo o que estivesse à mão. Apenas colocávamos um microfone de contacto nessa peça. Depois começámos então a tocar com instrumento, violoncelo, viola e bateria, mas eu ainda queria que oasse inustrial, e assim púnhamos microfones dentro da bateria, a viola através de um amplificador, a ideia era que eu queria fazer algo como ruído industrial, mas ruído industrial feito por humanos. Edgar Froese, dos Tangerine Dream, gostou da ideia. Ele gostava de mim e pensou que eu estava louco, por isso disse-me, ‘Tu és suficientemente maluco para tocar com os Tangerine Dream.’ Nessa altura ele estva também a trabalhar com electricidade por isso a coisa resultou bem. Eu diss, ‘Sabes que eu não sei tocar?’ Ele apenas disse ‘Isso é bom.’ Isto era quando Edgar Froese e Klaus Schulze estavam a tocar juntos. Eles tocavam música rock e eu estava ali para disromkper a música rock, para fazer tudo falhar. Fiz tudo contra aquilo, colocando o maior ruído posível e o Schulze estava sempre um bocado aborrecido, ‘ O que é que este gajo está a fazer?’ mas o Edgar sempre gostou.”
Schnitzler apenas participou num disco dos Tangerine Dream: O seu primeiro, de 1970, Electronic Meditation. É o que tem formato mais rock da sua carreira, com o violoncelo de Schnitzler a cortar fitas de tom diamante-negro directamente através do coração da bateria e guitarra monolíticas de Schulze e Froese, duma forma que apenas encontrava paralelo com o drone de John Cale no primeiro disco dos Velvet Underground. “O Froese tinha amplificador Marshall e ele tirava feedback dele e o Schulze estava apenas realmente amartelar, omo uma máquina. ele não parava,” ri-se Schnitzler. “Era como fogo. Era cool.”
Mas as bases de Schnitzler na arte moderna teve uma influência muito mais forte na maneira de fazer música do que ele habitualmente quer admitir. Notória e publicamente tímido, desde há décadas que não actua em público, preferindo delegar os direitos a dois ‘procuradores’, um em Nova Iorque e outro em Berlim, a quem é dado um conjunto de CD-Rs pre-gravados e o livre-trânsito para fazer a mistura que queiram naquela noite. Na realidade, acções artísticas altamente conceptuais foi sempre a forma preferida por Schnitzler para apresentar a sua música. Ele actuou mascarado à Otto Muehl, com pintura corporal, e participou em acções de rua envolvendo-se num capacete de mota especialmente construído para o efeito, com altifalantes incorporados, cujos pontos fortes foram incluídos na obra CONvideo 70s, por pouco tempo disponível através da Qbico e agora esgotado.
“Oh, isso foi uma história simpática,” Emite Schnitzler. “Isso foi no tempo em que eu fazia isso para ganhar dinheiro para me alimentar e tentava trabalhar fora para fazer a minha arte mas ainda assim ganhar suficiente dinheiro para comer. Eu tinha uma bicicleta em que me transportava, com um amplificador anexado, assim como um gravador de fita, e depois o meu fato de cabedal branco e o meu capacete com uma corneta alto-falante monatada nele. Se eu tocasse a minha música na rua, a polícia vinha sempre ter comigo e dizia-me para sair dali, e assim eu apenas podia andar mas mantinha a música a tocar para fora do capacete. As pessoas diziam, “O que é isto? Música maluca? Posso comprá-la?’ Eu apenas ia à minha mochila, onde tinha um monte de cassettes feitas à mão por mim. Fazia cerca de 100-a20 marcos apenas andando por ali e estava realmente a ganhar dinheiro todos os dias. Era fantástico. Por vezes os meus amigos reconheciam-me e vinham ter comigo, dizendo, ‘Hey Con, o que estás tu a fazer?’ Eu apenas falava com eles num tom de voz robotizado através dos alto-falantes. ‘Eu não percebo. Eu não sou o Con. Querem comprar uma cassette?’”

Desde os finais dos anos 90, Schnitzler mantém uma carreira paralela como compositor para piano, usando princípos do acaso para extrapolar da prática de John Cage e feitos via uma notação aleatória compilada através de uma série de sequenciadores. Os resultados são impressionates, um poliglota modernista que soa como um cruzamento entre os agrupamentos de potência improvavelmente físicos de Cecil Taylor e a música de cartoons hipercinética de Carl Stalling. Vagabundeámos depois pelo andar de cima, a sala de estar de Schnitzler, mais apropriadamente dizendo, a sua sala de audição, onde ele me conduz através de uma selecção de composições para piano recentes, rindo maniacamente durante todo o tempo. “Houve sempre um cheirnho a som de piano nas minhas composições para sintetizadores,” relembra ele. “Normalmente eu uso isso matando o som de piano e transformava-o em algo diferente, mas a acerta altura adquiri este sequenciador com notação musical e comecei a sequenciar coisas usando a notas musicais normais, apesar de não saber nada de música. Comecei a pôr notas nas linhas, aprendi acerca de quartos de nota, comecei a disparar o gravador de 8 pistas usando sinais. Não tinha a mínima ideia de como as notas soariam, apenas as escrevia aoa acaso, para aver como soariam, porque me estava a interessar com esse processo. Isso foi o início de disparar notas reais para um sintetizador e com o passar do tempo estava a separar o piano e as electrónicas, porque queria ter um piano que soasse como um piano.
“Aí está o C de qualquer modo,” anuncia ele, dando ao teclado um poderoso murro. “Então comprei um piano verdadeiro. Foi realmente caro mas fiquei tão excitado por o ter. Fiz uma grande quantidade de composições para piano sem nenhuma ideia de comoo tocar e eu sei que o Glenn Gould choraria se as pudesse ouvir. Ele estava zangado porque fosse o que fosse que tentasse compor ficava tudo perdido na sua cabeça. Estava paralisado pela técnica. Eu não! Eu pensei para mim próprio, ‘Tu és merda, aqui estás tu a compor p+ara piano, devias imprimir a música, e talvez alguém pudesse tocar as tuas composições,’ Mas depressa compreendi que era impossível qualquer pessoa tocá-las, apenas em termo de velocidade e alcance do braço requeridas. Então, há 2 anos atrás tive uma galeria a paresentar os meus trabalhos de piano durante 3 semanas com um pianista a tocar durente todo o dia. O tipo telefonou-me e disse para eu aparecer por favor, a imprensa estava lá e tudo. Disse que não iria, mas na realidade fui lá sem dizer nada a ninguém, de modo que ninguém sabia quem eu era. A galeria era um espaço enorme vazio com janelas de vidro enormes, por isso fiquei lá fora a ouvir através do vidro e soava realmente bem. Claro que nos meus sonhos mais selvagens eu ganho a lotaria e alugo a sala de concertos com o melhorpianista - um branco, infelizmente. Eu não gosto disso - e temos montes de publicidade, muito forte, e montes de pessoas a ir lá e dureante 12 horas por dia temos a música a ser tocada. Já escrevi material suficiente para 3 ou 4 dias. Estou a trabalhar tão duro e tão forte nisso há tanto tempo. E depois podia sentar-me na audiência e ver a minha música tocar.”

É um tema recorrente na carreira de Schnitzler, esta ausência constante do centro da música, a gradual redução do seu próprio papel em favor do que ele descreve como “puro, duro, frio” som electrónico, quase as mesmas palavras que Steve Stapleton dos Nurse With Wound usa para descrever o que ele gosta nos Kluster (The Wire 160). De facto os paralelos com Stapleton são impressionantes, com ambos os músicos a refugiar-se lentamente numa forma de exílo auto-imposto e ambos desenvolvendo várias técnicas de ‘automação’ em ordem a o mais completamente possível apagarem qualquer indício de personalidade que doutro modo poderiam influenciar a sua música. “Nunca ouvi os Nurse With Wound,” diz Schnitzler encolhendo os ombros. “Mas alguém uma vez me fez ouvir os Throbbing Gristle. Eram OK. Mas as pessoas que eu mais gostava eram os Hawkwind. Eles tinham um Synthi A na linha da frente! Aquilo poderia ter sido eu! Isto é a minha parte! Apesar disso nunca encontrei aquela part. Ninguém se aproximou de mim desde então e me pediu para me juntar a um grupo. Ninguém me pediu para cantar com eles também, porque eu consigo fazer isso também.
“Mas o que me separa da maior parte dos outros músicos e instrumentistas é que eu sou muito mais velho que eles e as minhas influências vêm de diferentes locais,” explica ele. “O início de tudo para mim foi o espaço incrível e barulhento da minha infância. O primeiro ruído real que me impressionou foi o bombardeamento, o bombadeamento de cidades. Nasci em 1937 e isso significa que tinha 2 anos quando a guerra começou. O meu pai trabalhava em Essen e por isso ele tinha um tempo cruel com montes de bombardeamentos. Por vezes nós saíamos depois de um bombardeamento e o ruído era incrível.” Ele lança ambas as mãos directamente para o ar. “Ouviam-se pessoas a chorar e a gritar e tudos isso, e nós saíamos da nossa cave e toda a rua estava em chamas. Então podias ver directamente através destas janelas. Havia luz por detrás delas. Esta foi a impressão que mais se me colou dos meus anos de criança, ver todas estas grandes janelas com nada por detrás delas. especialmente a visão dos caixilhos da janela, com todas as luzes e todo o barulho por trás delas. Mais tarde, quando tinha 15 anos, trabalhei numa fábrica de texteis alimentando as máquinas e, mais uma vez, havia todos estes ruídos altos e inumanos, estas grandes salas com guindastes a correr ao seu longo, movimentando todo o material metálico dum canto para outro. Havia espaços muito diferentes entre si e muitas maneiras de ouvir os sons. Havia áreas em que todos os ruídos se cruzavam e isso era o que me impresionava mais, ouvir todos esses sons juntos. Era como se estivesses sob a influência de uma droga, tu trabalhavas lá e aquilo era como um transe, estavas tõ por dentro do teu trabalho, tão dentro dos sons.”

Mas por todas as infindáveis oportunidades analíticas permitidas pela combinação da sua obsessão com ruído Industrial e os acontecimentos traumáticos da sua infância, Schnitzler é rápido a negar qualquer sugestão de que a sua música pode reflectir em algo autobiográfico. “É som puro que eu faço,” conta ele. “E eu não estou a expressar-me a mim próprio de qualquer forma quando o faço. Quando muito, expresso-me mais quando ouço o que fiz, quando vou até lá acima e ouço e tenho uma hora de prazer. Mas tenho de dizer-te que não faço sons a partir de fotografias, nem sequer de fotografias no teu cérebro, nem sequer de memórias.”

Zug já foi agora editado na Qbico. Contactem Schnitzler em http://www.conrad-schnitzler.net4.com/

Link útil: Conrad Schnitzler & Michael Otto - Micon In Italia
Em caso de problema ou para qualquer esclarecimento adicional, contactar.















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