21.12.09

Renegade – The Lives and Tales of Mark E. Smith


Renegade – The Lives and Tales of Mark E. Smith




Mark E. Smith apresenta neste livro algumas das peripécias por que foi passando ao longo de toda a sua vida com o grupo musical inventado por si: os The Fall.
Os The Fall são uma instituição musical britânica, banda criada no período pós-punk e que desde então apenas conheceu um líder, apesar de ter passado até aos dias de hoje por milhentas formações, num corrupio de músicos sem par.
Existe até um livro que conta a história dos “outros” Fall.
A ideia generalizada é que essa instabilidade acontece devido ao carácter irascível do seu timoneiro.



Ora, aqui Mark E. Smith dispõe-se a desmistificar essa “verdade” apresentando o seu lado da história. Uma história composta por largas dezenas de edições de álbuns de originais, muitos concertos e muitos equívocos.
Segundo Smith, o problema é que os seus companheiros ou pretendiam ser estrelas rock, ou não suportavam a pressão, ou pretendiam obter créditos de coisas que não haviam feito, ou simplesmente as relações degradavam-se com tempo, entre outras razões para as várias cisões verificadas ao longo da história do grupo.
Conta ainda a sua longa luta para manter sempre os The Fall em actividade, a sua exigência na qualidade do seu trabalho, quer artística quer técnica, os muitos baixos por que passou.
Não tenhamos dúvidas que Smith é realmente uma personagem. Com uma personalidade muito forte, traçou desde o início uma estratégia de vida, que passava pela manutenção da banda em actividade, e tem lutado contra ventos e marés para continuar a perseguir esse objectivo.
O livro está escrito numa forma cronológica, acompanhando essencialmente as sucessivas edições dos trabalhos mais marcantes da banda, que comenta, mas servindo isso também para recordar os factos contextuais em que cada uma dessas obras foi escrita, desde a sociedade à política, passando pelo futebol e a sua vida privada (mulheres e família), até à indústria da música e aos livros, telemóveis, drogas e bebida.
Destas suas memórias escritas ressalta um homem que podia ter sido uma estrela rock se quisesse, mas optou por manter a sua integridade pessoal e estética, lutando sempre por mudar e evoluir, fazer a música que gosta e não vender-se à indústria musical, como várias vezes teve oportunidade. Nesta aspecto Mark sublinha até que as editoras ditas independentes são muito piores que as majors, aproveitando-se muito mais dos artistas e explorando-os sem qualquer dose de vergonha., dando exemplos concretos que se passaram consigo.
Também sempre preferiu manter os velhos amigos de sempre, nunca se misturando com a socialite musical, aproveitando aqui para pôr a nu o comportamento de algumas stars, como David Bowie e outros.
Filho de pais pertencentes à classe operária (o pai era canalizador) nunca renegou esse passado que lhe incutiu os valores que ainda hoje mantém e que o têm posto a salvo de todas as tentações que a profissão que exerce proporcionam.
Chama ainda a atenção para a podridão em que o futebol, a música, a política e a sociedade têm caído, por comparação aos tempos em que era criança e jovem, mas sem qualquer mágoa nostálgica, limitando-se a apontar factos indesmentíveis.
E a todos os que sempre o acusaram de suicidário, depressivo, alcoólico, entre outros mimos, apenas responde que enquanto ele ainda por cá se mantém, e em plena forma artística, muitos desses já desapareceram há muito, literal ou artisticamente.
Uma personalidade fascinante que este pequeno livro de duzentas e poucas páginas permite conhecer: Mark E. Smith, o “dono” dos The Fall, de quem o saudoso John Peel não se fartava de dizer serem a melhor banda de rock do mundo.

Citações do Livro

Fiquem agora com algumas citações respigadas ao acaso do livro, por forma a sentirem minimamente o tipo de atmosfera criada pela descrição de alguns factos e opiniões de Mark E. Smith.
“eu sempre acreditei fortemente no casamento. Não há nada pior que viver com uma mulher se não se for casado com ela – pelo menos, segundo a minha experiência. Porque nunca se tem a certeza do que se passa. Sou um conservador com um ‘c’ pequeno nestas matérias. Para começar, não ficas tão lixado – podes dizer, ‘esta é a minha mulher’, e os tipos deixam-na em paz. E ela sente-se bem também.”

“Eu não julgo as pessoas pela aparência. Nunca encontrarás ninguém interessante se o fizeres – essa é a minha filosofia. Qual é o gozo de andar com pessoas que se parecem contigo? Em todo o caso, ninguém se parece comigo. Na realidade são todos iguais – todos diferentes mas a mesma coisa: hippies, góticos e todos os outros.”

“Sempre pensei que na sua pura essência do rock era completamente uma forma-não musical. O rock não é de certeza uma forma de música. Odeio quando as pessoas dizem: ‘Oh. Mas a produção é tão má que nem conseguimos perceber as letras.’ Se é só isso que querem, então deviam ouvir música clássica ou o Leonard Cohen”

“… Foi a mesma coisa com o The Culture Show. Eles entrevistaram-me em Wolverhampton no dia em que fiz 50 anos. Apareceram três deles a olhar como o Mork e a Mindy e o meio-irmão do Mork. Não tinham a mínima noção acerca da banda, nem sequer tiveram a preocupação de ouvir o novo álbum. Faziam perguntas como: ‘O David Bowie também vai fazer cinquenta anos este ano mas eu não o estou a ver a celebrar em Wolverhampton num Domingo chuvoso à noite. Isto é muito à Fall, não é? Celebrar o seu aniversário desta forma? ‘ Quer dizer, que merda de pergunta é esta? Primeiro, eu não sou o David Bowie – é uma comparação sem sentido. E o facto de estarmos a tocar em Wolverhampton é porque simplesmente tínhamos um concerto marcado para Wolverhampton num Domingo à noite”.

Obter mais informação

Este interessante site apresenta dezenas de críticas e classificações aos álbuns mais significativos do The Fall:
http://www.adriandenning.co.uk/thefall.html

Link site official
E o site oficial dos The Fall, muito completo e com uma navegação sóbria mas muito eficiente e cativante. Encontram lá toda a informação acerca do grupo:
http://www.visi.com/fall/



Álbuns importantes dos The Fall (pequena amostra)

Dragnet (1979)



LINK

Hex Enduction Hour (1982)



LINK

Wonderful And Frightening World Of (1984)



LINK (Vídeo)
LINK (disco 1)
LINK (disco 2)

The Fall - 50.000 Fall Fans Can't Be Wrong. 39 Golden Greats (2004)



LINK (disco 1)
LINK (disco 2)

Reformation Post TLC (2007)



LINK







12.12.09

Memorabilia (I)

















4.12.09

“Zeuhl” Parte 1 – A História dos Magma






Depois da questão “O que é o RIO?”, a próximo mais complexo, e diabolicamente difícil de responder é “O Que É o Zeuhl?”. De facto, esta questão ainda é, provavelmente, mais complicada de responder, pois o “Zeuhl” nunca foi uma categoria “definida” ou um estilo de música. Assim, numa série de 4 artigos, eu (Alan Freeman) vou tentar revelar o mistério deste género musical único, explorando as suas raízes e as suas ramificações.



Jazz e Underground
Este fenómeno musical único cresceu em França nos inícios da década de 70, centrado no baterista de jazz parisiense Christian Vander e da sua banda Magma. No decurso da segunda metade da década de 60 Christian foi um explorador na cena do novo jazz, capaz de acompanhar na qualidade do seu trabalho muitos dos músicos de jazz americanos que se centravam nessa cena. Neste dias de pré-rock, ele trabalhou em todos os géneros de campos do jazz, com Jean-Luc Ponty por algum tempo, e com o altamente influente Jeff Gilson (onde conheceu um inovador músico polaco expatriado, Jeff Seffer), e numerosos outros.
O catalisador para os Magma parece ter sido a banda de rhythm ‘n’ blues, Chinese, em que participava Christian e um aventureiro baixista chamado Bernard Paganotti. Um virtual discípulo de John Coltrane, Christian era dessassogegado pelos seus mentores precocemente falecidos, que criou um objectivo na vida que consistiu em criar uma música visionária que ele pensava que era capaz de emular o mesmo espírito.
Mas pareceu-lhe que teria de fazer tudo de uma maneira diferente. Juntou-se com músicos para formar uma banda chamada Zorgone, que se transformou depois em Magma. Mas o catalisador mais esquisito na banda foi Klaus Blasquiz, um cantor com formação clássica da região basca do sul de França, adepto e explorativo como cantor de blues na parte final da década de 60. Klaus foi o cantor líder na primeira banda de Richard Pinhas: Blues Convention. Conta-se que Klaus se juntou aos Magma por puro acaso apenas porque era amigo do guitarrista daqueles: Claude Engel. O estilo único da forma de cantar de Klaus ajudou muito a definir os Magma. O grupo também contava com o prestigiado multi-talentoso Teddy Lasry, filho do famoso criador de esculturas sonoras.

Uma Nova Linguagem




A banda transformou-se um conjunto de músicos muito diversos, com uma grande variedade de influências. Mas Christian não queria que os Magma fossem como as outras bandas de Paris tal como os Triangle ou os Martin Circus, que adaptaram o psicadelismo Inglês para a música francesa. Essas duas bandas obtiveram, paradoxalmente, muito sucesso em França mas não no estrangeiro, apesar de algumas das suas canções serem escritas em inglês.
Os Magma, por sua vez, não cantavam em francês ou inglês! O passo radical e sem precedentes foi criar a sua própria linguagem, uma forma híbrida fonética de alemão, francês, inglês e latim, que se tornou conhecida como “Kobaiano”, idealmente adequado para uma concussão operática de blues/rock/jazz avant-garde.
À parte este conceito surgiu uma música única também, com uma série de regras diferentes das formas normais do rock e do jazz.

Magma – Zeuhl Wortz Kosmik



Os Magma foram sempre ambiciosos. O seu epónimo álbum de estreia foi um duplo LP, uma obra conceptual elaborada agora frequentemente referida como “Kobaia” (o título da faixa de abertura) que conta uma história de ficção científica estranha.
Começando numa veia jazzística psicadélica, as vocalizações ‘bluesy’ de Klaus conseguem-se quase sempre compreender como em inglês, algo como “Kobaia, nós temos de deixar este mundo, e ir na direcção do Sol…”, mas aí de novo – talvaez não seja bem isso. Nesta canção temos grooves complexos, pedaços de jazz em fora de ritmo, até peças que soam a algo como um híbrido de Chicago (Chicago Transit Authority, para ser mais preciso), The Mothers, Funkadelic e Sun Ra. Sim, realmente fora de tom, jazz-rock com Groove e esquisito também!
Muito underground, forçando novas fronteiras da invenção e criatividade, é uma singular engendragem que funciona na perfeição. Pensem nas Malaria, por exemplo, que apresentam aqueles elementos de jazz de comédia fora de tom, elementos esses que são característicos da maioria do underground francês mais antigo, tal como os Red Noise, Komintern, Mahjun. Com letras que são apenas muito levemente inteligíveis a história/conceito não obstrui a música, que é altamente complexa, carregada de drama, cheia de solos e mudanças inesperadas. Verdade que alguns bocados vocais são um pouco extremos e leva algum tempo até nos habituarmos. Afinal, o álbum inicial dos Magma carrega um trabalho de pura inventividade – um rock/jazz/psych completamente estranho com todos os tipos de criatividade, avant-garde, clássica e pedaços semi-operáticos, etc. Mas ainda não estávamos na presença do verdadeiro zeuhl, era apenas o início das suas muitas facetas.
Continuando a história, temos 1001º CENTIGRADES, de 1971, que nos leva para terrenos ainda mais inóspitos, com apenas três longas faixas, largamente focadas à volta de estruturas de jazz bizarras numa música centrada na bateria, pontuada pelas vocalizações únicas de Klaus. Aqui a música é composta num nível quase sinfónico, com todo o tipo de movimentos, passagens e estranhas criações sónicas entranhadas no tecido da música.
Estes eram os Magma no seu ponto mais fora do limbo e surreal e, por causa disso, é ainda uma música fresca e única nos dias de hoje.
Um desvio que ajudou a definir o “zeuhl” foi o projecto Univers Zekt, dirigido por Laurent Thibault, um músico, produtor e engenheiro, profundamente envolvido na história dos Magma, que dirigia então os estúdios no chateau d’Hérouville. O álbum THE UNNAMEABLES saiu na pequena editora de Laurent, a Thélème, com a participação dos membros dos Magma de então contendo o jazzer latino Tito Puentes no trompete e aparições de convidados de membros das anteriores formações dos Magma (entretanto não documentado na história das gravações dos Magma), nomeadamente: Lionel Ledissez (também dos Ergo Sum) e Zabu (mais conhecido como cantor de blues). Aqui podemos encontrar as raízes jazz e blues dos Magma, para além de um número de trechos noutros campos musicais. Trata-se de um álbum muito diversificado.
Contudo, esta foi a etapa final da primeira fase da história dos Magma e o início de uma outra. Foi também o começo de uma expansão da família “zeuhl” dos Magma. Francis Moze dos Gong, Jeff “Yochk’o” Seffer formaram um combo de fusões jazz underground, chamado Perception, que mais tarde se transformaram nos ZAO, com o teclista dos Magma, Fraçois Cahen. Mais acerca deles mais tarde neste artigo. Por volta de Março de 1972 temos também a ligação Belga, com os ex-membros dos Arkham: Daniel Dennis e Jean-Luc Manderlier que se juntaram ao grupo. Ter dois bateristas nos Magma não resultou e Daniel deixou o grupo após dois concertos, mas levou consigo a inspiração para a sua nova banda: Univers Zero.

Magma – O “Zeuhl” Definido



Aparentemente, foi o improvável evento de jamming com Michel Colombier e Herb Alpert na festa do produtor de topo Giorgio Gomelsky, em Julho de 1972 que levou Herb a assinar com os Magma pela sua A&M Records. Uma oportunidade para este grupo radical atingir um nível internacional? Bem, sim, apesar da primeira tentativa para a companhia, MEKANIK DESTRUKTIW KOMMANDOH ter sido rejeitada. Era uma versão negra com um grande coro (tal como editado em CD como MEKANIK KOMMANDOH), e obviamente não o híbrido “rocky” funk/soul/clássico que a editora queria. Os Magama rearranjaram o trabalho de acordo com os desejos da editora.
De acordo com um artigo no primeiro número da Aura (uma fanzine de volta de 1978) a maioria da imprensa britânica criticou asperamente os primeiros trabalhos dos Magma e foi precisamente MDK que provocou em alguns deles, como Steve Lake, da Melody Maker, os enalteceu e considerou os Magma como “importantes!”.
Estranho, pois para mim MDK foi um grande desapontamento, muito pretensioso e operático para o meu gosto. Apesar disso, ele desenvolveu o género Zeuhl. Mas eu não o considero como um primeiro passo de sucesso neste novo género musical.
De acordo com a capa do LP, MDK foi o terceiro movimento de “Theusz Hammttaahk”. O quê? Bem, “Theusz Hammttaahk” ele próprio foi um grande trabalho composto por Christian Vander em 1971 que nunca apareceu como trabalho de estúdio (apesar de numerosas versões ao vivo terem apareceido em CD, dos quais, o recentemente editado Theusz Hammttaahk na edição BBC IN CONCERT, classifiquei como a melhor de todas. E a segunda parte? Era “Wurdah Itah” que apareceu depois de MDK, não como um álbum dos Magma, mas como banda sonora de “Tristan & Iseult”, por Christian Vander. Trata-se de uma versão esquelética da dos Magma, centrada na percussão, piano e baixo, com complexas partes vocais. Notoriamente cativante isso deveu-se em grande parte à adição de um novo herói do Zeuhl, o extraordinário baixista Jannick Top.
Para mim, o álbum seguinte, KOHNTARKOSZ é o Magma definitivo e a sua quintessência do Zeuhl, pois as maiores obras do álbum funde as melhores partes do anterior trabalho numa complexa fusão, com tudo de Carl Orff até ao avant-garde rock, que funcionam muito bem em conjunto, numa música cheia de complexidade e dinâmica. Esta foi a primeira vez que as partes multi-vocais funcionaram realmente bem, com as vozes masculinas e femininas conduzindo brilhantemente o fundo de pianos e órgão, ou cantando de forma ritualística contra o esqueleto sonoro formado pelo baixo e bateria, no qual vários teclados e a guitarra (de um inglês, Brian Godding). E tudo isto fundido numa forma definitiva de música. E depois, havia também Ork Alarm, de Jannick Top’s a mais extraordinária peça de Zeuhl até ao momento.
Um duplo LP ao vivo apareceu pouco depois (1975) mostrando como os Magma eram uma banda constatemente mutante, com Bernard Paganotti no baixo (imitando muitos dos estilismos que Top trouxera para o som dos Magma) e o violinista de jazz Didier Lockwood fazendo a ponte entre as partes de guitarra e de violoncelo. Hoje em dia há muitas edições em CD documentando várias formações dos Magma desta época, mas a mais extraordinária é o álbum INÉDITS, o qual (com algumas das primeiras gravações) capta algum do som mais experimental dos Magma liderados por Jannick Top.
Provavelmente o mais diversificado e experimental álbum de estúdio de todos, é UDU WUDU, que apresenta muitas encarnações dos Magma em apenas um disco. A faixa de abertura era decepcionantemente brilhante a jazzy, em grande contraste com a escura e ameaçadora Troller Tanz e Zombies.
Apesar de reduzidos a um trio na opus que ocupa a totalidade de um dos lados do disco, De Futura, este é, sem dúvida um dos melhores momentos dos Magma. Aqui podemos escutar uma complexa multi-pista conduzida com potência extrema pela equipa instrumental de Vander & top, na qual a utilização da electrónica é extraordinária, com Blasquiz a adoptar algumas das vocalizações mais agressivas de sempre. Apesar de se tratar de um álbum marcante, era óbvio que os Magma estavam em estado de grande desorganização interna por esta altura. A faixa Weidorje precedeu uma ramificação dos Magma com o mesmo nome, que acompanharam extensivamente os Magma nos seus concertos e que editaram um dos mais refinados álbuns de Zeuhl. Mas, UDU WUDU foi também o fim de uma era, e (para mim) os Magma nunca mais voltaram a ser os mesmos.
Como sempre, Christian Vander estaria envolvido em numerosos outros projectos, tal como combos experimentais, grupos de jazz e variadas ramificações dos Magma. A história completa é muito complexa. Gradualmente, por causa disto, e também porque toda a troupe anterior dos Magma se dispersou, os álbuns subsequentes: ATTHAK e MERCI, ambos muito mais melodiosos e cada vez mais afastados da música inovadora que era a dos Magma anteriores. Soul, gospel e elementos de funk aqueceram demasiado a música, e sem Klaus Blasquiz, até as vocalizações únicas em kobaiano foram sacrificadas. Os Magma acabavam aqui.

O Legado



Inevitavelmente, as reuniões dos Magma foram regulares. A mais importante delas foram os concertos de 1980, intitulados “Retrospektiw”, em que grande parte do clã Magma se reuniu e tocou de novo junto. Mais recentemente, houve outras versões dos Magma, e o projecto Offering, vários discos a solo de Vander e uma enorme quantidade de gravações de arquivo dos Magma emergiram na própria editora dos músicos, seventh Records e AKT. Um novo grupo, “Electronic Magma” actuou recentemente nos EUA e na Alemanha, com críticas a serem bastante favoráveis.
Mas o verdadeiro legado dos Magma é toda a música que espalharam. É um vasto e único mundo de música fazendo a ponte da electrónica com o jazz puro e o soul, com híbridos de tudo o mais que se conseguir imaginar no meio. Há muito para ouvir e descobrir, por isso espero que estes artigos vos simplifiquem a vida!

Em números futuros a Audion apresentará mais três artigos…
Parte 2: A família Magma e as ramificações
Parte 3: O legado do Zeuhl francês
Parte 4: O mundo alargado do Zeuhl




Edições dos Magma…

1. MAGMA “KOBAIA” (2LP: Philips 6395 001/002) 4/70 1970 (2CD: Seventh Rex IV-V) © 1988
Hamtaak/Tendai Kobah (7”: Philips 6009 145) © 1971


LINK (Parte 1)
LINK (Parte 2)

2. 1001º CENTIGRADES (LP : Philips 6397 031) 5-10/4/71 © 1971 (CD : Seventh REX VI) 1988


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3. Univera Zekt – THE UNNAMEABLES (LP : Thélème 6332 501) 8/71 © 1972 (CD:Musea FGBG 4086.AR) © 1993

4. Mekanik Kommandoh editado na: PUISSANCE 13+2 (2LP: Thélème 6641 037) 7-8/71 © 1972 (CD: Musea FGBG 4087.AR) © 1993 – versão ao vivo!

5. Mekanik Kommandoh/Klaus Kombalad (7” Philips 6009 185) © 1972
MEKANIK DESTRUKTIW KOMMANDOH (LP: Vertigo 6499 729) © 1973 (LP: A&M AMLH 64397) © 1973 (CD: Seventh REX VII) «LP transcription + bonus» © 1988 (CD: Seventh REX VII) «das fitas originais mas sem faixas bonus» © 1994?


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6. Mekanik Machine/Kohntarkosz [Extract] (7”: Vertigo 6061 800) © 1974
7. KOHNTARKOSZ (LP: A&M AMLS 68260) © 1974 (CD: Seventh REX VIII) «transcrição do LP + bonus» © 1988 (CD: Seventh REX VIII) «a partir das fitas originais mas sem faixas bonus» © 1994?


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8. Christian Vander – TRISTAN ET ISEULT (LP: Barclay 80528) 4/74 © 1974 (LP: Egg 90.171) © 1978 – aka: WURDATH ITAH (CD: Seventh REX IX) © 1989


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9. LIVE (2LP Utopia CYL2-1245) 1-5/6/75 © 1975 (2LP: Itopia DUTS 001) © 1975 (CD: Charly/Decal CD 118) «versão incompleta» © 1988
10. LIVE-HHAI (2CD: Seventh REX 10/11) «o de cima + 2 faixas bonus» © 1989


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11. UDU WUDU (LP: RCA Utopia FPL1 7332) 5-6/76 © 1976 (2LP: Decal LIK 18) © 1988 (CD: Charly CD 105) 1988 (CD: Seventh REX 12) «1 faixa bonus» © 1990


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12. INÉDITS (LP: Tapioca TP 10001) 1972-75 © 1977 (CD: Seventh REX XIX) © 1996
13. ATTHAK (LP: Eurodisc EUR 913.213) 1978 (LP: Decal LIK 26) 1988 (CD: Charly CD 111) © 1988 (CD: Seventh REX XIII) © 1990


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14. RETROSPEKTIW III (LP: RCA PL 37481) 9-11/6/80 © 1981 (CD: Seventh REX XV) © 1993
15. RETROSPEKTIW I-II (2LP: RCA PL 37497) 9-11/6/80 © 1981 (2CD: Seventh REX XVI/XVII) © 1984
16. MERCI (LP: JA&RO 08-4120) © 1984 (LP: Label du Bon Indépendant 2404411) © 1985 (CD : Seventh REX III) © 1988


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17. You ?/editado na: ENNEADE (LP : Musea FGBG 2005) 6/82 © 1987 (CD : Musea FGBG 4005) © 1989
18. MEKANIK KOMMANDOH (CD: Seventh REX VI-2) 1/73 © 1989
19. CONCERT 1992 “LES VOIX” (CD: AKT I) 2/8/92 © 1993
20. CONCERT 1975 : THEATRE DU TAUR (2CD : Seventh AKT IV) 24/9/75 © 1994
21. CONCERT : BOBINO 1981 (2CD : AKT V) 27+30/5/81 © 1995 (VHS : AKT VI) «ligeiramente mais longo que o 2CD» © 1995
22. CONCERT 1971: BRUXELLES – THÉATRE 140 (2CD: AKT VIII) 12/11/71 © 1996
23. CONCERT 1976 : OPÉRA DE REIMS (3CD : AKT IX) 2/3/76 © 1996
24. SIMPLES (CDS : Seventh REX II) © 1998 – as suas 5 faixas originais !
25. BBC – RADIO – LONDRES 1974 (CD: AKT XIII) 14/3/74 © 1999


LINK

Aparentemente o livro definitivo sobre os Magma foi escrito nos anos 70 por Antoine de Caunes (sim, o francês tolo preferido dos britânicos), apesar de nunca ter visto uma cópia. Gostaria de saber se existe alguma versão em inglês.







31.8.09

Cassandra Complex - "Hello America"


Os The Cassandra Complex foram uma das bandas pioneiras do cyberpunk, electro-goth, EBM, ou como queiram chamar a uma música que surgiu nos anos 80 como mais uma variante do post-punk.
Uma música que se caracaterizava pela alta taxa de bpm (batidas por minuto), a partir de drumboxes, criando um ambiente sintético apelativo, não para as pistas de dança, mas para as andanças das mentes mais dark.
Foram uma das bandas que ouvi bastante na altura, a par dos Front 242, Front Line Assembly, Skinny Puppy, entre outras do mesmo género, marcando uma fase curta da minha formaçõa musical, que abandonei há muito.
Mas, como diz o outro: "Recordar é viver", por isso...
Parece que ainda hoje se mantêm activos mas, embora faça a afirmação com reservas pois deixei de acompanhar a sua música, cheira-me a que se arrastem aplicando os mesmos truques que, de tanto usados se tornaram clichés. Como muitas das bandas da altura, diga-se.





LINK

Título: "Hello America" (LP)
Lado C
1. Moscow Idaho
2. Beyond Belief
3. Datakill
4. Clouds
5. Fragile
Lado X
1. Wintry Weather Song
2. David Venus
3. Three Cities
Gravado em Inglaterra 1985-86
Editora: Rouska Records
Nº de Catálogo: CXRA 002
Ano de Edição: 1987



Para quem quer saber mais, visite o site oficial da banda em http://cassandracomplex.co.uk/

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Odeon Munster - 14.11.1986



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Feel The Width - 2LP

LINK (Lado A+B)
LINK (Lado C+D)

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Something Come Over Me - 12"



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Theomania - 1988



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26.5.09

Gudrun Gut: Entrevista e links




Gudrun Gut ocupa 30 anos de actividade underground em Berlim, sendo que a sua longevidade liga a experimentação post-punk com o aparecimento do tecno e o seu desaguamento na electrónica de quarto. Philip Sherburne ouviu-a acerca do papel por si desempenhado nos primitivos Einstürzende Neubauten e nos seus próprios grupos Mania D e Malaeia!, o Ambient “estado pacífico” da sua estação de rádio Ocean Club e do seu espaço social, para além de como a sua editora, Monika, encoraja os jovens artistas a viver as suas fantasias na música. Fotografia: Olaf Unverzat

Esta é a história acerca de uma “diletante genial”: uma punk e “new waver” e uma das primeiras a adoptar a pop computorizada; uma rapariga do interior da Alemanha que um dia veio para Berlim para se tornar uma das suas figuras centrais – agitadora feminista, organizadora de festivais, artista performativa, DJ, apresentadora de rádio, organizador de clubes, embaixadora cultural e dona de editora. E ela fez tudo isto mantendo a sua independência. Não da maneira reducionista e individualista que é habitual na América, mas, em vez disso, explorando nichos e espaços de possibilidade nos interstícios e nas margens. Operando nas periferias, ela não se distanciou, e em vez disso fazendo parecer o centro hipotético – ou mais adequadamente, centros – eles próprios, remotos e fora de prazo.
Entrevistar Gudrun Gut pode ser uma tarefa assustadora. Não que ela seja sisuda ou austera – é o contrário disso -. Se tentar pensar nas entrevistas que conduzi ao longo dos últimos anos, apenas consigo recordar umas poucas entrevistas que tenham sido mais francas. Não, é precisamente porque ela é tão genial, tão aberta – e tão cheia de energia. Como pode alguém conseguir acompanhá-la? Gut e os seus pares post-punk nunca tiveram uma pausa para respirar, e ainda não a têm agora. Não durante o curso da nossa entrevista, na qual ela cozinhou, fumou no chão, escavou na sua “memorabilia” e desbobinou vertiginosamente uma série de nomes, datas e intersecções. Nem depois de a entrevista ter terminado, altura em que bebeu por baixo da mesa enquanto elaborava planos arquitecturais para a sua casa de campo que recentemente adquiriu, nos arredores de Berlim.
Imaginemos, por um momento, que você não sabe quem é Gudrun Gut. Talvez tenha ouvido já o nome, saiba da sua ligação com a editora Monika Enterprise ou talvez com o Ocean Club, a estação de rádio que detém com o seu companheiro Thomas Fehlmann. Sabe que ela no ano passado editou um álbum a solo com o curioso título “I Put A Record On”, que passou despercebido inicialmente mas que no final do ano seduziu o editor da nossa revista. Viu uma recensão ou duas que mencionavam uma mão cheia de grupos em rápida sucessão, um pesadelo de grupos com nomes como Malaria!, Mania D, Mutabor, Matador, Miasma. Mas para além disso, imaginemos, por um momento, que não faz realmente ideia sobre quem seja Gudrun Gut. Voltemos atrás então.

Gudrun Gut nasceu em Lüneberger Heide, nas charnecas do norte da Alemanha, “numa pequena cidade onde tudo era controlado”, tal como ela a descreve. “Fui para Berlim porque tinha um namorado que vivia na minha cidade e que era meio gay – mas não totalmente, porque era meu namorado! Ele era um pouco mais velho e tinha montes de amigos em Berlim porque trabalhava num alfarrabista. Levou-me a Berlim pela primeira vez e conheci toda aquela gente gay. Lembro-me claramente de dar uma volta por Schlesisches Tor e respirar todo aquele ar a cheirara kebab e outros cheiros ainda mais estranhos – foi uma sensação de liberdade, cidade liberdade. Berlim tinha aquela coisa de poderes fazer tudo o que te apetecia e pensei logo: tenho de vir viver para aqui.”
Gut – ela declinou a partilha do seu nome de nascimento – veio para Berlim para estudar comunicação visual no Hochschule der Künste em 1978, e rapidamente conheceu as cenas punk, post-punk e outros criativos marginais da escola de arte. “Na escola, quando eu vivia na periferia,” lembra, “trabalhava numa loja de distribuição de encomendas por correio chamada Flash Shop. Eles tinham todo o tipo de discos underground de todo o lado, Henry Cow e todas essas coisas. Eu empacotava as encomendas depois da escola. Por isso, em Berlim, entrei novamente, duma forma natural, em contacto com as pessoas da música.” Foi na rede de salas de concerto improvisadas de Berlim-Oeste e nas lojas de discos underground que encontrou Bettina Köster, Beate Bartel (mais tarde das Liaisons Dangereuses) e Blixa Bargeld, todos futuros companheiros de banda. Foi Bargeld, na realidade, quem a alcunhou de Gut, que quer dizer ‘bom’ em português. Se o punk foi tão famoso graças à sua negatividade, o quepoderia ser mais punk do que uma afirmativa – isto é, uma dupla negativa – um nome como Gut?



Gut e Köster abriram uma pequena loja nas vizinhanças de Schöneberg. Chamada Eisengrau (ferro cinzento), a loja vendia cassetes, fanzines e roupas. “Eu tinha uma máquina de costura lá,” relembra Gut, que manufacturava algum do merchandise ela própria. “A loja era mais um ponto de encontro. Tínhamos uma máquina de flippers. Não vendíamos muito, na realidade, apenas andávamos por lá.” Mas como ponto de encontro a Eisengrau provou ser um local central para os auto-denomidados ‘geniale dilettanten’, o grupo de maltrapilhos de ‘diletantes aprentados de génios’ cujo famosos festival Grosse Untergangsshow de 1981 lançou efectivamente uma nova cena underground em Berlim: membros dos Einstürzende Neubauten, Die Tödliche Doris, Gut e os seus colaboradores. “Eu queria ter a minha própria banda porque estava farta de ouvir apenas música feita por outras pessoas,” diz. “Porque o punk era: tudo podes fazer tudo por ti próprio.” Gut passou mais ou menos um mês em Londres, emersa no punk. “E depois comecei o meu primeiro ‘grupo feminino’,” ri, recordando a inocência da cena. “Se ensaiávamos sequer? Penso que apenas tirávamos fotografias, não sei.”
A formação inicial dos Einstürzende Neubauten cresceu a partir desta mistura, com Blixa bargeld (guitarra), Gut (Kork MS-20) e Bartel (baixo). Gut já estava entretando envolvida com outro grupo, totalmente feminino, Din A4, assim como com o seu “irmão gémeo”, Din A Testbild, mas foi o seu projecto seguinte, Mania D., que venceu definitivamente.





A formação dos Mania D era Gut na bateria, Köster nas vozes e saxofone e Bartel no baixo; também usavam fitas gravadas – “gravações atmosféricas, como barulhos da selva,” lembra. Em vez de canções, os Mania D e os primitivos Neubauten concentravam-se em improvisações desenhadas para evocar um tema ou um sentimento. Os Mania D e os Neubauten coexistiram durante algum tempo, até que Gut abandonou os Neubauten para se focar exclusivamente nos Mania D. Não gravaram quase nada, apenas um single de 7” com três faixas para a editora Monogam, em 1980. Mas uma canção, “Track Four” – reeditada em 1991 na compilação Als Die Partisanen Kamen, na Zensor – sugere que estes geniais diletantes tinham algo para dizer. É uma confusão suja de baixo eléctrico fora de tom, efeitos electrónicos, a batida tribal de Gut na bateria e o roncar atonal do saxofone de Köster, relembrando os Contortions e Blurt. Estranhamente as vozes deslizam como se estivessem dentro de um túnel. Para uma largamente esquecida parte da história do post-punk, ainda transporta um certo poder.
A maior exposição dos Mania D foi obtida quando actuaram na primeira parte de um concerto dos Siouxsie & The Banshees. “Ela era a fotografia de uma nova mulher para mim,” diz Gut. “Era forte, não uma hippie, parecia fantástica. Assim, tocar e servir-lhes de banda de suporte, wow, pensei, cool! E depois o que aconteceu? Uma semana antes do concerto parti a perna.” Gut passou a semana anterior ao concerto na cama, a programar ritmos numa máquina de ritoms alugada. Na noite do espectáculo, uma colega de banda empurrou-a numa cadeira de rodas para o palco e ela complementou as batidas electrónicas com padrões tom-tom ao vivo. Este sentido de inventividade era, definitivamente, uma característica daquele tempo e local.
Os Mania D tocaram mais alguns concertos e desistiram. “Entrámos numa pequena guerra, mas nem sequer me lembro porquê,” diz Gut. “Estúpido”. Ela e Köster, que era mais entusiasta para tocar ao vivo do que Bartel, formaram os Malaria! – assim denominados devido a um gato que andava sempre pelo seu espaço de ensaios. Editaram o seu primeiro 12”, Malaria, em 1981, para a Zensor. A editora era um projecto de Burkhardt Seiler, uma das pessoas que cunhou o termo Neue Deutsche Welle, que inicialmente vendia discos no mercado ao ar livre de Berlim Oeste antes de abrir a loja Zensor na Schöneberg’s Belzigerstrasse.

Com os Mania D, Gut e Köstner passaram algum tempo em Nova Iorque, onde se envolveram na No Wave. “Era mais interessante que o punk”, afirma Gut. “I não gostei da comercialização, pensei mesmo que era uma falsidade. Gostava dos Clash por causa da sua atitude política, mas musicalmente, quando comecei com as minhas próprias bandas estava à procura de algo diferente – não repetir o que já andava por aí.”
Os Malaria! Solidificaram as suas conexões com Nova Iorque quando o grupo conheceu Christine Hahn, que tinha tocado bateria com Glenn Branca e Barabara Hess in The Static. Recrutaram-na para tocar bateria no primeiro disco dos Malaria!, e ela tornou-se depois membro a tempo inteiro, assim como Susanne Kuhnke dos Die Haut e o músico holandês Manon P Duursma.
Os Malaria! existiram até 1984 mais ou menos, gravaram uma mão cheia de singles e um álbum para editoras como Les Disques Du Crépuscule, New York’s Cachalot e ROIR, que em 1983 editou …Revisited, uma cassete documentando sessões ao vivo na Danceteria, em Nova Iorque e no 9:30 Club, em Washington DC. A primeira apresentação do grupo no último dos locais, alguns anos antes, foi significativa por outra razão: foi onde encontraram os Birthday Party. “Era suposto termos um espectáculo no 9:30 Club,” relembra Gut, “e eles escreveram-nos dizendo, ‘Vocês não são assim tão famosos, mas existe esta banda, os Birthday Party, que também não é muito famosa – será que querem partilhar o cachet?’ Devido a ter trabalhado na loja de discos eu conhecia-os; penso que tinham editado um single com um bolo de anos na capa, e eu toquei-o para as raparigas e disse, ‘penso que devemos aceitar, Há algo de interessante neles.’ E assim encontrámo-nos com eles e isso transformou-se numa longa relação, eles mudaram-se para Berlim. Foi fantástico, esta pequena coisa que aconteceu. Eles eram da Austrália, nós éramos de Berlim, ambos de países que não estavam muito marcados para ver nascer carreiras musicais. Tínhamos de ser de Inglaterra ou América para podermos ser alguém nesse meio.”
Ouvindo os Malaria! hoje, é difícil perceber como o grupo não recebeu a atenção devida na altura, como por exemplo receberam os The Slits ou os The Contortions; as suas canções minimalista cool são como choques aguçados de uma borracha afiada. Canções como “Kaltes Klares Wasser” e “Your Turn To Run” têm um balance hipnótico, grooves mântricos com chispas caóticas saídas do saxofone e piano. O grupo voltou ao activo, por pouco tempo, no início dos anos 90, tendo gravado então um novo EP e um álbum, Cheerio. E em 2000 e 2001, remisturadores tais como as Chicks on Speed, Barbara Morgenstern, DJ Koze e The Mosernist, deram uma nova vida a “Wasser”.
Depois de os Malaria! terem terminado, durante uma das suas numerosas turnées pelos Estados Unidos, Gut ressuscitou os Matador, um projecto performativo lançado com Duursma e o antigo colega nos Mania D!, Bartel, no Kassel’s Documenta 7, em 1982, como um trio synth-pop com um lado negro, quase gótico. Gut lamenta que esta fase da sua carreira seja frequentemente esquecida, apesar de, na verdade, a música dos Matador não tenha sobrevivido tão bem ao tempo como a dos Malaria!. Feita com sintetizadores e samplers do final dos anos 80, inícios dos 90, ela carrega o ar indubitável daquela época que será sempre recuperada como kitsch. Mas os Matador marcou o início da relação de Gut com a música electrónica. Com os preços dos estúdios a crescerem, o grupo investiu num computador Atari e num sampler Casio e aprenderam por eles próprios a programar e também capacidades de produção suficientes para montarem o seu segundo e terceiro LPs em casa.
Apesar de a música dos Matador ter fugido da origem dos seus músicos, permanece uma lição dos dias de Eisengrau: a importância da colaboração de outras mulheres. “Trabalhei com homens nas primeiras bandas,” relembra Gut, “e foi perfeitamente óbvio que há sempre competição entre eles. Eu não gosto desse ambiente, desse sentimento. Quero ser criativa e ser livre. Tenho de me abrir à experimentação e não se consegue se estamos a competir com alguém. E é isso o que se passa com os homens, na maior parte das vezes. Talvez eu é que seja uma pessoa mandona ou isso…” ri-se ela. “Na altura não era. Tornei-me assim com o passar do tempo.”
Para músicos feministas, o punk abriu um caminho. “Para mim foi como começar tudo de novo,” afirma. “Do início. Mesmo com as bandas de raparigas, eu não pensava nisso como se fosse algo de especial porque éramos raparigas, pensava, ‘Tudo começa agora. Tudo é novo e tudo é igual’”.

Se 1978 representou um primeiro ‘ano zero’, seguiu-se um segundo em 1989. O Muro foi abaixo e a juventude dos dois lados da cidade começaram a juntar-se sob a bandeira do Tecno. “Antes do derrube do Muro,” diz Gut, “Eu queria deixar Berlim. A cena estava a ficar redundante. Muito negr, muito machista – tipo depressiva. Nisto começa este tipo de luz-branca do Tecno. Fazia sentido na altura, porque tudo tinha ficado muito escuro.”
Tal como no punk, houve que alterar alianças. “Quando o tecno começou e eu comecei a ir ao E-Werk e ao Tresor, foi uma mudança natural para mim,” diz Gut. “Mas muito poucos dos meus antigos amigos foram por esse caminho. Era do tipo, ‘Ugh, Tecno, isso é horrível’.” Tanto como a música, o sentido de abertura a possibilidades sociais que o tecno engendravam apelara a Gut. Começando em 1994, ela juntou um grupo de colaboradores de longa data – a colaboradora ocasional nas letra dos Birthday Party, e com posterior carreira a solo, Anita Lane, a artista performativa canadiana Myra Davies, Duursma, Danielle de Piccioto, Bargeld – para gravar Members of the Ocean Club, um álbum vocalizado de Tecno mesclado com pop, ambient e batidas downtempo. “As pessoas pensam que é uma compilação, mas não é”, clarifica Gut. “Eu andava sempre a trabalhar em material a solo, desde o princípio. Mesmo nos Malaria!, eu compunha sempre as minhas pequenas peças musicais. Mas penso que prefiro trabalhar com pessoas do quê sozinha. Já tinha a canção com a Anita feita, e assim surgiu a ideia de realizar todo o projecto convidando amigos.
“O Ocean, para mim, foi uma palavra de fantasia,” continua, “Não era um espaço ocupado. Porque quando vais mergulhar, é um mundo novo. Essa era a ideia do Ocean Club.” O Ocean Club tornou-se um espaço real – e um clube de um outro género – quando Gut e os amigos apresentaram a festa de lançamento do disco numa cave do Tresor, de Berlim, em 1996. De Piccioto, um artista multimédia e co-fundador da Love Parade de Berlim, usou uma pilha de fluido e materiais brilhantes para redecorar a sala como uma espécie de ambiente subaquático; um outro artista adicionou efeitos de luz reflectindo a rotação dos gira-discos. A Tresor ofereceu a Gut e aos seus amigos uma presença fixa, e passaram a ocupar os Domingos à noite, onde os membros do Ocean Club Gut, Thomas Fehlmann, Mermaid Jaculin, Mike Vamp e Chica Paula e seus convidados como os Sun Electric produziram shows na onda leftfield. Para além de fazer de DJ, alguns membros também realizavam espectáculos ao vivo bastante idiosincráticos, tais como as experimentações de Gut com loops e delays, ao lado de outros DJs. As fronteiras entre géneros e práticas performativas, apropriadas ao nome do evento, permaneceram fluidas. “Uma noite, por exemplo,” sorri, “apenas passámos CDs das compilações Wire Tapper”.



Passando depois a residir no clube berlinense WMF, com espectáculos também no Club Maria, o Ocean Club também começou a transportar as suas ambiências ao longo da Europa Ocidental. Mas o seu impacto foi muito importante, redesenhando o que era a cena ‘oficial’ de Berlim em dois aspectos. Um foi a rádio. Com início em 1997, Gut e Fehlmann começaram a emitir uma vez por semana um programa radiofónico Ocean Club na estação de rádio Eins, todas as sextas à noite. Tal como as noites no clube, o programa recusava-se a ter fronteiras convencionais – um programa recente emitia não só música de colaboradores regulares e música electrónica (barbara Morgenstern, Supermayer, Junior Boys) mas também Miles Davis e The Zombies. Esta vasta gama é típica do programa, que Gut e Fehlmann produzem em estúdio, em oposição ao directo. “fazemo-lo como uma compilação,” explica. “Gravamos como se fosse um disco, e fazemos toda a pós-produção. Não somos pessoas da rádio, somos artistas, por isso pensámos, vamos fazê-lo do modo que sabemos.” Ouvido na cidade e arredores, o programa tornou-se um ponto importante de divulgação de frequências alternativas num tempo em que a cena musical de Berlim entrava num estado crucial. Hoje, o programa de rádio é emitido também, por sindicância, em estações de Frankfurt, Nuremberg, Hamburgo, Pequim e Siberia.

O festival Mark B tornou-se numa outra incursão importante de Gut no círculo oficial da cultura da cidade. Quando, em 2000, o teatro Volksbühne, na parte Este de Berlim, convidou o Ocean Club para preencher todo o espaço, o colectivo decidiu estender esse convite a todos os seus colegas do underground de Berlim. A primeira apresentação introduziu a editora de Colónia, Kompakt, à audiência de Berlim, enquanto no ano seguinte a Stummute serviu como lançamento da German Mute. Mas a ideia coalesceu realmente em 2002. “Pensámos, Hmm, não queremos outra demonstração de uma editora – porque não olhamos para a nossa própria cidade?” diz. “A Kompakt foi fácil, a Mute foi fácil, mas Berlim tem tantas etiquetas interessantes, porque não fazer algo com elas? Não tinha aquele estilo limpo da Kompakt, mas Berlim era uma mistura de subcenas diferentes umas das outras.” Um momento marcante para a cena das editoras independentes de Berlim dos anos 00, Gut assegurou um fundo da câmara municipal. Curiosamente, o dinheiro veio não do Ministério da Cultura, mas do das Finaças – legitimando assim a força económica das editoras independentes, numa cidade que se estava ainda a reinventar, 44 anos depois da divisão.
Dando o nome de Barenmarken ao festival (referência ao símbolo oficial de Berlim, um urso), eles depararam-se com um problema. Barenmarken era uma marca registada detida pela Nestlé; depois de uma acção intentada, os organizadores decidiram mudar o nome para Marke B.
Gut tem um investimento pessoal quando falamos do estado das editoras independentes de Berlim, sendo dona de duas delas. Em 1991 começou por relançar a Moabit, que havia sido iniciada em 1982, para edições em CD de títulos dos Malaria! já esgotados há muito, assim como edições dos Matador e Miasma. E em 1997 lançou a Monika Enterprise, a editora à qual ela está agora mais ligada. Nas suas origens, Monika – o nome é uma homenagem a um peixe que ela tinha e que saltou do aquário durante uma noite – está ligada à cena de Wohnzimmer / Living Room, dos finais dos anos90. Com o declínio do tecno e com a maioria das editoras e clubes de rock a optarem pelo rock, Berlim oferecia poucas opções para artistas mais esotéricos, digamos assim. Frustrados com os canais oficiais, os músicos e promotores começaram a oferecer eventos nas salas de estar – “pequenas festas nas suas casas, e onde alguém vendia bebidas pelo preço de custo, um ambiente muito calmo, com um moderador,” diz Gut.
“Vi Barbara Morgenstern numa sala de estar pela primeira vez,”continua, “e fiquei… wow. Porque penso que é muito mais difícil – para mim é muito mais fácil tocar para uma grande audiência do que para uma pequena. E eles estavam na sala e ela tinha os seus teclados e caixa de ritmos, cantando para as pessoas sentada mesmo ao pé delas. Ela tem uma voz estranha, também, e eu pensei, O que está ela a fazer? Era uma atmosfera muito amigável, bonita, em oposição – não contra, mas uma reacção ao tecno.”
Um artista Wohnzimmer era também Jovanka von Willsdorf, cujo duo Quarks com Niels Lorenz atravessava uma sensibilidade pop com melancolia e guitarras eléctricas e arranjos electrónicos subtis. “Eu pensei que aquilo valia mesmo a pena,” diz Gut. “Tentei arranjar-lhe uma editora mas descobri que não havia nenhuma para este tipo de música, todas preferiam o rock de estádios. Isto era o oposto.” O 7” “Widerkomm” / “Geklopft”, dos Quarks tornou-se pois a primeira edição da Monika. A compilação Musik Fürs Wohnzimmer saiu pouco depois, com artistas como Quarks, Morgenstern, Haus meister, Schlammpeitziger, Harald ‘Sack’ Ziegler e até DJ Koze (na sua veia Adolf Noise).
A Monika mantém uma reputação de editar sobretudo artistas femininas – de facto Gut está neste momento a preparar a terceira edição da compilação 4 Women No Cry. Para além dos géneros, a série também tem em conta o lado centralista da indústria musical e, para o evitar, procura artistas distantes das capitais musicais habituais – as primeiras duas edições mergulharam nas cidades de Buenos Aires e Tiblissi. Gut afirma ainda que é essencial dar uma plataforma para as mulheres. “Não que as mulheres apenas toquem juntas – eu acho que é óptimo se for uma banda mista – mas ter uma voz feminina,” continua, “O mundo pop é realmente conservador nesse aspecto. É quase 50/50 no mundo do trabalho, ou talvez um pouco pior, mas no mundo da música, basta olhar para as revistas – é um clube de rapazes. Eu não gosto disso.” Não que a Monika seja uma loja fechada – entre os seus artistas encontramos James Figurine, aka DNTEL e o Robert Lippok, tal como Laurenz Pike, cujo Drums For Fun And Fitness é um solo de bateria de nove minutos.

O dia-a-dia de gerir uma editora, para além do Ocean Club e dos compromisso com a Mark B, significaram que Gut passou a última década sem editar a sua própria música. Isso alterou-se no ano passado com a sua 55ª edição – I Put A Record On. É rugoso, pop baseado em loops de computador, misturado com acordeões, ritmos de Schaffel, electrónica glitch, samples de órgão e vozes serenas, o que constitue uma continuidade com o seu trabalho anterior. Enquanto os beats são tão pronunciados como a sua bateria nos ManiaD, o álbum tem uma indubitável insistência rítmica. “Eu adoro uma banda de ruído”, entusiasma-se Gut. “Quero tocar bateria de novo, depois de ouvir tantos singer-sonwriters e música folk.” E tal como no Ocean Club, há uma qualidade aquática nos seus loops e camadas: samples mascarados, percussão escovada e delays filtrados ocorrem juntos, com a sua voz nadando de forma cool entre eles.
O hit do álbum é a faixa de abertura “Move me”, uma colisão em camâra lenta de tango e dub que apareceu primeiro em 2005 como 7” na editora irlandesa Earsugar Beatbox, com uma remistura de Thomas Fehlman no lado B. A ideia para essa canção veio em parte de uma festa da Monika em Buenos Aires que terminou numa tournée pelos bares de tango da cidade, e parte de um CD de misturas de velhos discos de 45 que Gut pois de pé para a sua mãe. “gosto da ideia de usar música que não é normalmente usada,” explica, “como o blues, tango, polka – excertos nostálgicos de um mundo de música diferente fora de moda, colocado num novo vestido. Mas não ser kitsch ao mesmo tempo, o que é de uma grande dificuldade.



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Terminámos a nossa entrevista com uma garrafa de vodka vazia. Gut fala de artistas de Berlim que são promessas mas que precisam de focagem. “É por isso que dá muito trabalho,” diz. “Trabalhar em música, precisas mesmo de criar a tua própria concha e viver nela por algum tempo. Doutra maneira, não resulta. Eu costumava ter este tipo de problema de desfocagem. Porque já não acabava nada há muito tempo, era realmente importante para mim acabar o álbum, e agora quero realmente segurá-lo. Penso que encontrei uma espécie de porta, com uma chave minúscula e há muita coisa por detrás dela. Não quero ficar muito confusa e depois nunca mais conseguir entrar lá. Tens de ter esta coisa interior a funcionar. Se a encontrares, não deves perdê-la. Mas quando trabalhas em música, encontras esse ponto onde pensas, Oh, estou realmente perto agora. Quando estás mesmo perto isso é muito interessante e tu sente-lo. Não ignorar esse sinal e ir deixar-se ir simplesmente é interessante. Mas penso que é importante lembrares a ti próprio quando estiveres nesse estado – porque de outra forma será muito difícil lá regressar e perde-lo.”
I Put A Record On está disponível na Monika Enterprise. Para ouvir música de Gudrun Gut, vá a www.thewire.co.uk



Site Oficial: http://www.m-enterprise.de/gut.html
Canal no Youtube: http://www.youtube.com/user/gudrungut





15.5.09

A minha lista de existências


Aqui fica a minha lista (um pouco desactualizada) de existências audio (CD, LP e K7).
Se estiverem interessados em alguma coisa, apitem!


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8.5.09

Jeff Greinke - Places of Motility


J. Greinke
"Places of Motility"





Lado A
1. Urprising
2. Suspended In Darkness
3. Polarities
4. Dropped
5. The Fallacy of Peace In Our Time
6. Spoken With Authority

Lado B:
7. A Danke Place
8. Centuries Passed
9. Oceanic Lift
10. Unfamiliar Voices
11. Billowing Smoke
12. Swayed

J. Greinke: Electronics, Guitar, Piano, Processing
Composed and produced by J. Greinke
Gravado entre Outubro de 1985 e Julho de 1986 nos Simultaneous Studios

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Contacto: 612 1/2 N. 43rd St., Seattle, WA 98103
Editora: Dossier Records - Dossier ST 7530
Prinzenallee 47B
D-1000 Berlin 65

Jeff Greinke foi um dos patriarcas do ambient industrial que iniciou a sua carreira nos anos 80, altura em que aquele género musical chegou a alcandorar-se a uma difusão mais que reminiscente.
Oriundo de Seattle, cidade do posteiror grunge, Greinke pratica uma música que pode inscrever-se no grupo dos ambient(alistas), também americanos, Steve Roach, Michael Danna, Robert Rich, e outros.
No entanto, enquanto aqueles praticavam um ambient etéreo e sonhador, Greinke optava pelos pesadelos que assombram as nossas mentes na noite escura. Música assustadora, rude e agreste, ao contrário dos seus parceiros planantes.
Música ideal para filmes de terror passados na nossa memória enquanto dormimos.
Tenham medo, muito medo. Mas não deixem de ouvir a electrónica escura que Jeff Greinke nos proporciona como poucos.





27.3.09

Paul Haig - "Rhythm of Life"


Paul Haig - Rhythm of Life





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Lado A:
1. Heaven Sent
2. Never Give Up, (Party, Party)
3. Adoration
4. Stolen Love
5. Don't Rush In
Lado B:
6. Blue For You
7. In The World
8. Justice
9. Work Together
Letras - Paul Haig
Música - Paul Haig, excepto Adoration - Paul Haig and Jack Waldman; Blue For You e Don't Rush - Paul Haig e James Locke
gravado nos estúdios Sigma Sound Studios, New York e nos estúdios Rak Studios, London
Ano de Edição: 1983
Editora - Portugal: Dacapo - ILPS 9742 P
Editora original: Les Disques du Crèpúscule

Teclas - Jack Waldman, Bernie Worrell e Tom Bailey
Guitarras - Paul Haig
Programação da Caixa de Ritmos - Paul Haig e Jack Waldman
Percussão - Anton Fier, Tom Bailey, Mike Nocito, J S Subero
Vozes - Paul Haig
Coro - Tina Baker, Nikki Lauren, Karen Brown e Paul Haig

Paul Haig foi um dos nomes que chegaram a ganhar alguma notoriedade na ressaca do punk, naquele período que ficou conhecido por "post-punk" ou "new wave".
A sua música pode ser definida como uma mistura de alguns nomes escoceses em voga na altura, como os Orange Juice e a "cold wave" dominada pelos Human League, Heaven 17, Gary Numan, etc.
Neste álbum é isso mesmo que mostra, numa colecção de melodias pop dominadas pelos teclados, algumas mais conseguidas, como por exemplo "Justice" e, sobretudo, "Blue for You" que chegou a entrar nas playlists das rádios mais alternativas.
É um disco que não se pode considerar de "música esquisita", antes pelo contrário, é pop até mais não, mas como estamos a entrar na Primavera tudo se perdoa.
Dancem como se dançava nos anos 80...

Duas notas finais:
- A faixa "Blue for you" tem alguns picos e pequenos saltos do vinil (por ser a mais tocada, lol);
- o lado B é melhor que o A.




26.3.09

Relembrando GERMAN CALLING e DEUTSCH ROCK


O artigo aqui publicado é uma tradução de um artigo original da autoria de Davy McDonnell, que analisa exaustivamente os dois primeiros artigos conhecidos, da imprensa britânica, acerca da cena emergente do rock alemão. Esses artigos foram publicados, no início da década de 70, nos jornais Melody Maker e New Musical Express.

O artigo original de Davy McDonnell pode ser encontrado em http://www.sci.fi./~phinnweb/krautrock

Os sublinhados são meus e pretendem destacar algumas das características que fazem do krautrock um tipo de música especial.



LINK (para ir exploarando...)

Relembrando GERMAN CALLING e DEUTSCH ROCK
Por Davy McDonnell

Amon Düül II

Os fãs do site pHinnWeb na internet perguntar-se-ão sobre a razão deste título e especificamente sobre qual será o seu conteúdo.

Bem, talvez sem surpresas, ele trata de dois aspectos, ou antes pontos de vista sobre o Krautrock expendidos já há bastante tempo, mas que merecem ser publicados: um deles pelo seu negativismo geral e injustificado, e até pela sua hostilidade, e o outro pela razões opostas.

German Calling deu título a uma série de artigos publicados no semanário britânico New Musical Express (NME), entre 1972 e 1973, que eu li na altura, acerca da aparecimento da nova cena de rock experimental na então Alemanha Ocidental. Escrevi a maior parte do presente artigo fazendo um resumo do pessimismo geral daquela série de artigos escrita no NME por um certo jornalista, que se chamou a si próprio Ian McDonald, mas cujo nome real acredito ser Ian McCormick, irmão do baixista fundador dos Matching Mole, Bill McCormick. Muitos anos depois, decidi ir até ao arquivo de jornais da British Library em Londres para obter fotocópias da série e relembrar-me do que li, com espanto, naquela altura. Da mesma secção, obtive uma fotocópia do primeiro artigo sobre Krautrock, que eu tinha lido em 1972 no semanário musical rival Melody Maker. Intitulava-se Deutsch Rock e foi escrito, a julgar pelo próprio artigo, por um honesto jornalista chamado Michael Watts. Em contraste, este era muito positivo e refrescante. Depois da minha análise da série de artigos de MacDonald, resumi o conteúdo do seu único artigo, com satisfação.

Então, começando com a série de MacDonald, coloquei as suas palavras entre comas duplas invertidas, enquanto todos as outras utilizações de comas invertidas estão na forma simples. Os meus comentários surgem alternados pelas declarações de MacDonald em algumas ocasiões, mas quando isso não ocorre, não quer dizer que eu concorde com ele; aliás isso dificilmente aconteceria face ao negativismo que ele manifesta. Os fãs do Krautrock na internet irão também facilmente espantar-se com os bizarros pontos de vista e as inúteis descrições erróneas de MacDonald.

A primeira parte do German Calling apareceu na edição do NME de 9 de Dezembro de 1972 e foi publicada nas páginas centrais com três títulos representativos da série:

(1) A primeira análise profunda da mais estranha cena rock no mundo; (2) Rock alemão desafia virtualmente o rock inglês e americano; e (3) Muitos grupos consistem em dois artistas ou até um. Quanto tempo demorará até que as máquinas tomem o controlo? Havia ainda cinco fotografias que acrescentavam fascínio ao artigo: (1) O duo Cluster de Berlim que se preparava para se separar; (2) Os Neu!, de Dűsseldorf ponderando o que fazer a seguir; (3) os Tangerine Dream inspeccionando o Muro de Berlim; e (4) e (5) captados juntos, Popol Vuh e Can – orando na Igreja da sua opção. As duas últimas fotos foram de facto tiradas em igrejas.

Ironicamente, MacDonald fora imparcial e até positivo nesta primeira parte da sua série de artigos. Ele descreveu o fundo social e político que conduziu ao crescimento da nova música e isso valia a pena ler na sua integridade, mas ele é demasiado detalhado para efeitos de resumo no presente artigo. Além do mais, alguém que leia as duas páginas da primeira parte, e não sabendo o que viria nas partes seguintes, teria a impressão que MacDonald era um fã convertido à nova cena rock germânica. Em todo o caso isso estaria muito longe de acontecer, apesar de ele não desprezar tudo dessa cena.

Relembrando Germany Calling divulga o que é parte da história primordial do Krautrock, e concentra-se principalmente nas críticas de MacDonald às bandas e artistas – o aspecto subjectivo – em vez de detalhar o material histórico e factual da cena rock germânica na sua série de artigos – o aspecto objectivo.

O seu retrato desta última é, em geral, aceitável e muito útil aos fãs do Krautrock que estejam interessados na história da música. É toda a sua parcialidade na primeira, que dá razão à colocação em questão da sua credibilidade e lógica através do presente artigo.

MacDonald elogiou as diferenças entre o rock germânico e o típico rock anglo-americano, especialmente no aspecto da improvisação, no qual “as bandas germânicas tendem a executar as suas ‘composições’ ao vivo até as terem como as querem, seguindo-se então a gravação e a cessação da execução dessas músicas”, explica ele. E imediatamente acrescenta: “Nós perguntamos qual a razão para essa lógica não poder igualmente ser aplicada pelos grupos anglo-americanos.” Ele realça ainda o que quer dizer citando o baixista e manager da banda britânica Nektar sediada na Alemanha. ‘O público alemão’, nota Moore, ‘não deseja a reprodução cuidadosa em concerto, de alguma coisa gravada em estúdio. Ele gosta de discos, mas pensa que as actuações ao vivo devem ser experiências diferentes. Eles não estão com a perfeição, estão sim com o sentimento”.

MacDonald volta à carga. “Alguns grupos, como os Can ou os Kraftwerk, estão tão ‘dentro do sentimento’ que, quando vão para o estúdio gravar um álbum, simplesmente actuam durante um certo período – seleccionam as fitas que preferem – e editam-nas para um tamanho manejável.

Isto é extraordinário considerando a raridade com que a média dos grupos germânicos empreendem uma sessão de gravação. No seu lugar, uma banda britânica até se esganaria para definir as canções a serem confiadas para a posteridade, ou (pelo menos) utilizariam todas as possibilidades do estúdio para capturar take após take as músicas que haviam planeado previamente”.

MacDonald sublinha outra diferença entre algumas bandas germânicas e as suas correspondentes anglo-americanas através da sua válida declaração que “uma considerável facção dos grupos germânicos, incluindo os Cluster e os, no topo, Tangerine Dream, confinam-se nos seus álbuns a uma totalmente livre improvisação sonora sem compasso. É seguro dizer que, dentro da esfera anglo-americana de influência, nem a Third Ear Band pôs cá fora três quartos de hora de música sem tema ou pulsão regular. Na Alemanha esses procedimentos ruidosamente avant-gard são garantidos pelas audiências ordinárias do rock.” Ou, nas suas outras palavras: “Muita bandas germânicas não têm bateristas (aquelas que o têm, frequentemente relegam-no para uma função estritamente metronómica, que seria mais facilmente preenchida por uma máquina, uma ideia seguida à sua conclusão lógica por Ralf Hutter dos Kraftwerk), e a ausência geral de guitarras em andamento livre (solo) conduziu a uma acentuação nos teclados e instrumentos de efeitos sonoros.” Daqui, ele passa para um possível futuro cenário. “Assim é, que muitos grupos germânicos consistem em apenas dois, ou até apenas um artista. O passo final – uma banda sem qualquer membro – está mais perto de se materializar num futuro próximo.”

A seguir MacDonald explica que o aparecimento da música foi principalmente devido ao empreendimento de umas poucas pessoas que fundaram as etiquetas Ohr e Brain. Elas foram o escritor Rolf-Ulrich Kaiser e o editor Peter Meissel no caso da Ohr, e Bruno Wendel e Gunther Korber no caso da Brain, que eram dois dissidentes da Ohr. Uma indicação da importância de ambas as etiquetas é dada por ele através das seguintes palavras: “Até agora a etiqueta [Brain] tem dezasseis discos a seu crédito e está a trabalhar muito bem – assinalável, sendo que a Ohr [com mais de trinta, declarou ele antes] possui todos os grupos de topo sob contrato exclusivo excepto uma mão cheia deles já repartidos pela Polydor e United Artists.” Ele poderia ter acrescentado a Philips ao último reboque.

No final da primeira parte, ele dá-nos alguma informação útil acerca dos estúdios de gravação. “As técnicas de gravação germânicas estavam num estado primitivo quando o presente boom começou, há três anos. Hoje em dia, os padrões de produção são mais que adequados, mas o número de estúdios equipados para trabalhar com grupos rock é pequeno e a maioria das bandas limitam-se ao Conny Plank’s Starstudio em Hamburgo ou ao Dieter Dierks’ 16-track em Stommeln, nos arredores de Colónia. Amon Düül II gravaram no Peter Kramper´s, um pequeno estúdio em Munique, na Bavaria; Os grupos ‘cósmicos’ [ele quer dizer Ash Ra Tempel, Popol Vuh, Klaus Schulze e Tangerine Dream] num estúdio de 8 pistas em Berlim; e os Can têm o seu próprio Inner Space Productions estúdio em Colónia, no Schloss Norvenich, um castelo convertido em cinema. O estúdio mais avançado, no entanto, habita numa ex-escola em Wumme, algures na estrada entre Hamburgo e Bremen, na província, perto de Luneburg Heath.” E passando para a sua última frase, ele de repente insinua, para os leitores atentos, que talvez não seja fã da cena rock germânica em geral: “Aqui o espectacular sucesso do rock germânico está perto de fazer a sua própria mitologia – mas leiam mais acerca disso na próxima semana.” Os leitores do NME daquele tempo ficaram desconhecedores da banda a que ele se referia, mas os fãs do Krautrock que lêem o presente artigo saberão qual é. Em todo o caso, será na terceira parte que ele descreverá a música dos Faust.

Com mais história do que talvez opinião musical, começa a segunda parte da série de MacDonald no número de 16 de Dezembro, ocupando quase três páginas completas: aqui estavam os títulos das origens da história primeva dos Can assim como do seu primeiro álbum Monster Movie e da comuna dos Amon Düül, ambos sem criticas. Depois vem o começo do seu desrespeito pela cena rock germânica: “dois terços delas consistem em imitações do rock anglo-americano com objectivos lucrativos se bem que obtusos, das quais os Birth Control são o expoente máximo. A banda mais rica do país... [que] tem um álbum editado aqui na Charisma, enquanto os seus vários seguidores estão todos na Brain, todos em vários graus, todos a vários níveis, lavrando o mesmo sulco entediante como os Uriah Heep, Black Sabbath e Deep Purple, e entre os quais estão os Gomorrha, de Colónia, Jane, de Hannover, e os Grobschnitt, de Dortmund. “Aqui só para nós, comparar os progressivos Grobschnitt, só com base no seu primeiro álbum, com as citadas bandas de hard-rock Inglesas, está fora da minha compreensão.

Os originais Amon Düül estaria em breve na linha de fogo.

“As [bandas] menos necessárias são aqueles grupos Vanguardas Revolucionários, os quais, longe de aprenderem a tocar os seus instrumentos, nunca tentaram aparecer senão com as mais primitivas ideias musicais. O protótipo deste movimento é o colectivo Amon Düül ... [o qual] começou por mostrar 20 horas de improvisações instrumentais pacóvias, algumas das quais apareceram, infelizmente, em duas edições da Ohr, Collapsing e Paradieswarts Düül.”

Outros aderentes da Vanguarda Revolucionária, continua ele, incluem Ash Ra Tempel, “um género de Hawkwind pré-diluviano (cujo segundo álbum, Schwingunger, é um avanço ao seu primeiro, o qual é tocado em instrumentos eléctricos em vez de acústicos e é, por isso, mais barulhento), e os Mythos, uma imitação de meia-tigela dum grupo inglês de meia-tigela chamado Continuum”.

É claro que, em relação aos Ash Ra Tempel, ele estava errado acerca da diferença electroacústica, e poderia ter percebido isso facilmente se ouvisse o disco adequadamente.

A banda a seguir não colheu melhor. “Igualmente a ser evitado é um disco chamado Mandalas feito em 1970 por um quarteto de estudantes da Universidade de Heidelberg, auto-intitulado Limbus 4, que é um pouco como a Incredible String Band debaixo de um ataque de gás lacrimogéneo.

MacDonald volta-se depois para os Guru Guru e menciona os seus primeiros três álbuns, UFO, Hinten e Kanguru, explicando que antes consultou o seu colega do NME, Tony Stewart, que tinha sido baterista na Alemanha em 1967, pedindo a sua opinião sobre como estava se estava a desenvolver a cena alemã nesse momento. A resposta de Stewart foi: ‘Se existissem bandas inglesas que estivessem há cinco anos fora de moda, elas teriam feito furor na Alemanha no momento’. MacDonald continua então: “De facto há bandas Inglesas que estão fora de prazo há cinco anos (maus manipuladores da teoria de Hendrix nos seus primeiros estádios, como os Pink Fairies e os Groundhogs) e os Guru Guru soam notavelmente como eles, apesar de um adicionado disfarce de simplismos electrónicos. Assim, esta banda forma a ligação entre os grupos ‘cósmicos’ mais chatos da Vanguarda Revolucionária de Berlim e os plagiadores do Heavy Rock de Inglaterra, que operam principalmente entre Hamburgo e o Ruhr.” Guru Guru foi uma das primeiras bandas que eu ouvi, e a minha opinião acerca deles, depois de passados todos estes anos, é que eles estiveram bem à frente das bandas de hard-rock britânicas. Talvez MacDonald simplesmente não goste que isto seja verdade.

Ele colocou os Embryo, Xhol e Annexus Quam na mesma categoria apenas porque eles estavam entre os grupos alemães que incluíam instrumentos de sopro no seu line-up. Na descrição de Opal, o primeiro disco dos Embryo, ele diz que “Apesar de a música que aqui ouvimos não poder ter sido feita por ninguém de outra nacionalidade, falta substância, exceptuando, eventualmente, o apelo romântico semi-competente, que partilha com os Velvet Underground dos primeiros tempos (com os quais este grupo não suporta qualquer outra semelhança)”.

Uma análise mais profunda certamente lhe revelaria o segundo álbum da banda, Embryo´s Rache, e possivelmente o terceiro, Father, Son and Holy Ghost, ambos editados pela United Artists antes da sua série de artigos.

Referindo-se aos Xhol, baseado nos seus três álbuns – com Electrip, gravado com o nome de Xhol Caravan, sendo contado como o seu primeiro – ele resumiria que “ é muito propenso a longos interlúdios de delírio monocórdico, pontuado por súbitas e anómalas entradas pela “soul music”. Não é dada por eles qualquer explicação nem eu recomendo estes discos.” Mas por que carga de água haveriam os Xhol de dar qualquer explicação e porque ficaria o MacDonald tão surpreendido pela sua ligação à “soul music”, para ele que tinha conhecimento que o seu nome original era Soul Caravan? De qualquer modo, para mim, os Xhol foram, e ainda são, das bandas mais intrigantes de sempre. A sua musica é soberba e a falta de recomendação de MacDonald não tem significado para mim.

E sobre o terceiro dos grupos com instrumentos de sopro: “ Bem melhores são os Annexus Quam de Dusseldorf, que, tendo lançado o horrível Osmose, o seu primeiro álbum, estão agora a tocar free-jazz amnésico num novo disco, Beziehungen, com um som agradável a uma distância razoável mas com um duvidoso prospecto publicitário.”

O que significa realmente isto?

No lado folk-rock, dois duos foram as próximas vítimas. A sua descrição dos Witthuser and Westrupp foi “um par de repulsiva aparência, cuja ocupação (aparentemente) consiste em obscenas e satíricas canções executadas com o acompanhamento de vários instrumentos acústicos. A menos que entendam o alemão vão achar a sua música, tal como nos é apresentada em álbuns como Lieder von Vampiren e Tripps und Traume, banal ao máximo; até com um curso de formação em disparates seria improvável qualificar-se como um hierofante de Sturmischer Himmel, a primeira gravação de Paul e Limpe Fuchs, um Duo de Virgens Teutónico cujos interesses centrais aparentam ser os sons de ovelhas, cornetas alpinas e ainda mais uns bongos.”

Nem tudo foi negativo na parte dois, tendo MacDonald organizado a coisa de modo a oferecer alguns elogios. Para MacDonald foi quase humilhante descobrir a música e filosofia radical dos “excelentes Floh de Cologne”, assim introduziu ele esta banda marxista. “Fliesbandbaby’s Beat Show, realizado em 1970 é uma áspera e radical combinação da teatralidade de Brecht-Weill e rock’n’roll de menor escalão, enquanto Profitgeier, ironicamente lançado como ‘a primeira ópera-rock alemã’ no ano seguinte, representa um considerável avanço quer na música quer nas letras, contendo um libreto que compreende, para além das letras das canções e palavras ditas, pequenos ensaios sobre vários aspectos da exploração capitalista e uma lista de leitura marxista sobre um leque muito alargado de tópicos. “ Contudo, num outro aspecto, ele sentencia: ”Os Floh são, sem dúvida, uma experiência confortável (eles até organizaram as coisas de modo a impressionar os personagens da moda alemã, abandalhando no meio da sua primeira e única conferência de imprensa, derrubando as mesas, e enfrentando as câmaras gritando ‘Fuck for money’)”; mas ele conclui dizendo que “Apesar do comum fã do rock pouco conseguir perceber dos discos dos Floh, qualquer pessoa que fale alemão e que seja socialista considerará Profitgeier inesquecível, quer musicalmente quer como meio de propaganda sofisticada.”

MacDonald achou encorajador que nenhum dos sub-géneros do Rock Alemão existia em completo isolamento.

“Ligados entre as mais convencionais bandas rock e os grupos radicais ‘cósmicos’ como os Tangerine Dream, Popol Vuh, e Cluster, está uma música que retém, não obstante numa forma muito simplificada, as referências organizacionais dos primeiros (como o tempo regular, uma base temática, ocasionalmente até material temático), enquanto retira completa vantagem da liberdade de conceito e da prática dos últimos.” Duas bandas essencialmente similares são aqui classificadas: Primeiro, Kraftwerk, cuja história pessoal que passa por uma separação que conduziu à formação do segundo, Neu!, foi rapidamente descrito e sentenciado ser “um frio e mecânico grupo, parecendo inclinado em eliminar todos os traços de expressão emocional da sua música”.

Isto não é necessariamente uma crítica, mas rapidamente se evidencia como tal: “Para mim, a música [dos Kraftwerk] é difícil, sem estrutura convincente, sem coração, sem dignidade redentora, e finalmente um entorpecimento aborrecido – quase ao contrário do primeiro álbum dos Neu [ele não escreve o nome do grupo correctamente, como ‘Neu!’, com o seu ponto de exclamação], construído usando princípios semelhantes, mas perto do cume da expressão emocional teutónica.”

Com referência ao álbum dos Neu!, MacDonald continua: “Sonderangebot mantém interesse no som dum címbalo em fase durante 5 minutos, Weissensee e Lieber Honig têm tanta ternura como aquela que um grupo germânico pode dar e mesmo as faixas mais Kraftwerkianas, como Hallogallo e Negativland, projectam um conforto e imaginação que, teoricamente, não deviam estar ali. Nos Neu, um pretenso anterior desenvolvimento no rock germânico começa a explicar-se por si próprio – mas, ainda assim, recomendo uma escuta cuidadosa antes de ser feito qualquer investimento”. É MacDonald que deixa os leitores mistificados.

Ao que ele tinha escrito anteriormente na segunda parte seguiu-se uma análise mais detalhada e parcialmente crítica ao progresso dos Can, desde Monster Movie através de Tago Mago até Ege Bamyasi, mencionando também Can Soundtracks.

“A mania deles é improvisarem livremente sobre motivos deliberadamente simples. Em certas ocasiões, em períodos de tempo completamente desordenados, esta auto-limitação bastante arriscada (Os Can preferiam vê-la como liberdade total) apenas produz algo consistentemente ardente em Monster Movie. Do álbum Mary, Mary, So Contrary, permanece uma das mais poderosas declarações do Rock Alemão [apesar de ele não dizer porquê], fazendo da hora de improvisação modal em Tago Mago, o seu segundo disco, parecer ainda mais empobrecida do que realmente já é. Ege Bamyasi, o último da banda, contém mais dois longos exercícios em repetição gelada, mas também contém um número de pequenas, mais controladas, músicas que roçam as secções audíveis dos álbuns precedentes – e estes, como Outside My Door (Monster Movie), Oh Yeah (Tago Mago), and Vitamin C (Ege Bamyasi) provam ser tão hipnóticos na sua maneira de ser, como, digamos, um longo blues dos Taj Mahal, ou Sad-Eyed Lady of the Lowlands.” Ele resume os Can do seguinte modo: “Uma banda de intelectuais, estranha e única, lutando para fazer música popular num clima dominante anti-cerebral. Can são a epítome da contradição central do Rock Germânico, produzindo alguma boa e alguma horrível música, parecendo descabidamente felizes como um bando de esquizofrénicos incipientes. Pelo menos são honestos e articulados e não podem ser ignorados. Tentem Ege Bamyasi por iniciativa própria. Eu não sou um fã dos Can, mas é bem possível que o mundo esteja com deles, pelo que não devem ser negados.” Por que é que ele não mostrou esta objectividade, como na última frase, ao longo de toda a série?

No lado cósmico, os Tangerine Dream foram aceitável e interessantemente descritos como “parecidos com uns Pink Floyd sem batida, desde Fly and Collision of Comas Sola, do seu segundo álbum Alpha Centauri, não existe batimento regular em qualquer parte da sua música – um facto que pode afastar os ouvintes mais orientados para o ritmo”. Ele prossegue a inegável justeza desta afirmação com outra: “No entanto, para qualquer pessoa, para quem A Saucerful of Secrets permanece uma avenida longa de exploração, achará os Tangerine Dream fascinantes.”

Depois entra na onda negativa outra vez resumindo os seus três álbuns daquele tempo. Electronic Meditation... “foi um esforço pobre, concebido pretensiosamente e executado confusamente com base no fraseado blues da guitarra de Froese soando risível e anacronicamente contra a retaguarda de som sintetizado.” Dos outros dois membros, ele chama a atenção que Schnitzler “imediatamente partiu para formar um grupo ‘cósmico’ rival, Eruption, que ainda não gravou, enquanto Schulze saiu para prosseguir uma carreira a solo, cujos primeiros frutos floriram em Irrlicht, a sua montagem sonora duma orquestra sintetizada”. Esta última frase podia ser um elogio, embora MacDonald talvez quisesse apenas empregar o verbo ‘florir’ como um sinónimo do verbo ‘aparecer’. A dúvida subsiste.

Sobre a faixa que dá título ao álbum Alpha Centauri, disse ele com um provisório criticismo, “ é um extenso ensaio na tranquilidade da flauta de Udo Dennebourg e o sintetizador de Roland Paulyck e assim forma uma ligação entre este álbum e o mais recente projecto da banda – o enorme ‘largo em quatro movimentos’ para moogs, VCS3, orgãos, vibrafones e violoncelos massivos: Zeit”. Contudo, segue-se uma afirmação errada, acerca duma mudança de pessoal para este duplo LP: “Aqui Franke foi substituído por Peter Baumann e pelo artista convidado Florian Fricke, o mais famoso expoente alemão do sintetizador. Eu fiquei entediado; vocês podem ficar em êxtase”. De facto foi Schroeder que foi substituído por Baumann, mas Schroeder ainda tocou em Zeit como convidado, assim como Fricke, e uma observação atenta das capas do álbum ajudariam MacDonald a não cometer aquele lapso dando informações erradas aos leitores do seu NME. Apesar de este erro poder não ser tido como muito significativo por si próprio, ele ainda sugere – especialmente em conjugação com as suas outras afirmações – uma atitude de desmazelo ao assumir-se como o responsável por esta análise profunda.

Comentários sarcásticos acerca dos Tangerine Dream e dos Cluster, e da sua parafernália de instrumentos electrónicos, vieram a seguir. “Mesmo tendo em conta que são um dos grupos mais bem pagos, o equipamento dos Tangerine Dream é tão caro que todos eles têm outros trabalhos durante o dia para pagar os instrumentos. Os Cluster de Frankfurt não são de forma alguma tão bem conhecidos e têm de lutar para conseguir que as companhias lhe aluguem a grande massa de ‘gadgets’ electrónicos, órgãos e violoncelos eléctricos.” Apesar disso ainda sobram alguns elogios para os Cluster: “Dieter Moebius e Joachim Roedelius fazem um som menos passivo que os Tangerine Dream – de facto, Live in der Fabrik, do seu álbum para a Brain, Cluster II, é reminescente da brilhante electrónica de The Ipcress File – e, por esta razão, eles emergem como mais encantadores que a generalidade das contemplações bovinas de Zeit.”

Preferível aos Tangerine Dream e Cluster na pasta da electrónica, diz ele, está o trabalho de Wolfgang Dauner e do seu grupo, com a edição de Output em 1970 na editora ECM, e um novo, Rischkas Soul, que apareceria em breve na Brain.

“O tema aqui é o jazz sintetizado com humor e uma tremenda energia – recomendado.” Com estas afirmações MacDonald insinuara aos leitores do NME que tinha ouvido Rischkas Soul antes da sua edição – como poderia ele recomendar algo sem ouvir? – porém, as suas palavras posteriores indicam, como eu fiz notar, que ele ‘mudou de opinião’ (?) acerca desta recomendação.

O último parágrafo da parte dois introduz os Amon Düül II e o facto de eles terem gravado cinco álbuns, apesar de os dois primeiros, Phallus Dei e Yeti, “serem ásperos e pesados, muito mais interessantes que a média do Rock Alemão da altura, mas pobres pelos padrões de hoje”. Em todo o caso, estavam guardados mais pontos positivos – assim como negativos –para a terceira parte acerca dos Amon Düül II.

A parte dois continha fotografias de três bandas já mencionadas: Floh de Cologne, Amon Düül II e Can; e havia ainda um cabeçalho sobre os Faust: não tão bem conhecidos mas autênticos leaders Germânicos. A música dos Faust seria descrita na terceira e, em princípio, última parte, que apareceria no dia 23 de Dezembro e ocupava cerca de meia página.

Continuando com os Amon Düül II, MacDonald refere a liderança bipartida da banda, por parte de Chris Karrer e John Weinzierl, e ao álbum Dance of the Lemmings, com as suas respectivas composições Syntelman’s March of the Roaring Seventies e Restless Skylight-Transistor-Child – “ambas faixas que ocupam um lado inteiro do disco com correntes de ideias contínuas, mas sem que qualquer delas seja totalmente convincente, apesar de imediatamente distinguíveis, estilisticamente”. E acerca do segundo disco deste duplo LP: “Das faixas improvisadas, a forma livre Marilyn Monroe Memorial Church faz lembrar os Tangerine Dream no seu próprio campo, enquanto o resto permanece sem traço na memória.” É estranho como ele pode ver nada de positivo acerca de três excelentes e intricados instrumentais baseados em sons de guitarras, que completavam o restante do último lado do disco duplo. Depois ele refere-se a Carnival in Babylon: “Se bem que mais doce e luminoso apenas por comparação com os três discos precedentes, é certamente um disco mais relaxado, mostrando os Düül, para o pior e para o melhor, tentando casar certas ideias composicionais Anglo-Americanas com o seu som Germânico único. O produto final, em parte resultante de débil trabalho em conjunto (secções rítmicas Germânicas tendem a ser de igual forma inflexíveis ou muito vacilantes, e os Amon Düül conseguem gerir as coisas de forma extraordinária de modo a serem ambas em simultâneo), deixa um admirável dúvida se o grupo teria uma ideia clara do que quereria ser. Pessoalmente, eu teria preferido que eles tivessem optado pelas harmonias e gestão do tempo de faixas de Weinzierl como CID in Uruk
Os restantes comentários acerca dos Amon Düül II são ambos positivos e negativos, em simultâneo, descrevendo-os como “ uma organização forte e inventiva, e Wolf City mostra-os ganhando confiança e capacidades a passos largos”, mas acrescenta: “A única reserva que tenho é que eles ultrapassaram um ponto a partir do qual não é possível ouvi-los inadvertidamente e identificá-los instantaneamente como Germânicos, mas esta tendência modesta pode ser apenas a manifestação aparente de umas longamente merecidas férias por terem carregado a causa do Rock independente Germânico ao longo destes cinco anos. Ainda, não podemos deixar de desejar que alguns dos seus melhores títulos (Gulp a Sonata, Flesh-Coloured Anti-Aircraft Alarm, Rattlesnakeplumcake, Overheated Tiara, Sleepwalker´s Timeless Bridge, and A Short Stop at the Transylvanian Brain Surgery) conciliem música de inspiração comparável. Pelos standards mundiais, um grupo a ter em conta, ainda assim.”

Assim, com os Amon Düül II tendo sido vagamente elogiados, ele então assertoa: “O melhor que vos será dado a ouvir ficou reservado para o fim.” Eram os Faust; e fotografias pequenas e individuais dos seus cinco membros são as únicas ilustrações da parte três. Dizendo que os Faust “ são a única justificação do hype que se levantou acerca do Krautrock nos anos mais recentes,” menciona ele, sem opinião, o seu segundo álbum, So Far, que apenas foi editado na Alemanha, e um terceiro álbum, um duplo, cuja edição tinha sido projectada para o princípio de 1973. Mais tarde ele acrescenta que “escuta prévia de algumas das fitas que poderão fazer parte do álbum convenceram-me que pode ser uma obra-prima”. Ele ficou também bastante impressionado quando ouviu Meadow Meal do primeiro álbum dos Faust: “Usando apenas equipamento concebido por si próprios (sem sintetizadores), o grupo, nesta faixa, produziu o primeiro exemplo genuíno de Rock que a Grã-Bretanha e a América não poderiam apenas nunca ter concebido, como também, não poderiam, no presente, imitar tecnologicamente. Esta é verdadeira música avantgard, tocada com classe e um humor amigável e da qual nenhuma outra banda Alemã se aproxima..” Outra vez, está para além da minha compreensão como pode ele ser tão fanático em relação aos Faust e ainda assim ser tão contra quando se trata das outras bandas alemãs. Ainda assim, estranhamente, apesar do seu grande interesse nos Faust, ele não lhes proporciona um espaço condizente com esse interesse. Ele dedica muito mais espaço aos Can, por exemplo, e não era “uma pessoa dos Can”.

Esta era, pretensamente, a finalização do voo de MacDonald – pelo menos para essa fase. Contudo, em contraste com o geral positivismo eminente da parte três, uma parte mais negativa chamada “Late Arrivals” foi adicionada no fim, onde ele voltou à sua atitude habitual. “Um breve relance nas novas edições e importações da Alemanha deixa pouco para alterar à, no geral, sombria cena fotografada no artigo precedente”, foi a sua introdução; e depois ele destaca as várias edições individualmente no seu mais que esperado e menos que cortês modo, começando com os Amon Düül e o seu trabalho Disaster. “Soando pior que Collapsing e Paradieswaarts, ele faz jus ao seu nome.” Os Broselmachine de Duisburgo, uns Steeleye Spain Teutónicos, “Fazem o que fazem com competência e limitação, mas o resultado final do exercício desilude-me”. Porque é que terá de haver um objectivo final? Outras três bandas foram depois rapidamente e desfavoravelmente despachadas numa única frase: “Blitzkrieg dos Wallenstein, editado pela Pilz, é uma exibição sensaborona de flash-rock à maneira dos ELP; Gash soa, talvez, como uma grandiosa German Wishbone Ash; e Os Mundi, no seu álbum para a Brain, 43 minutes, apresentam uma indigesta evocação dos primeiros Colosseum e Graham Bond.” Ficamos então a saber: os Wallenstein soam como os ELP.

Acerca da próxima banda ele não foi capaz de dizer nada de informativo aos seus leitores: “Os Kraan de Stuttgart não soam como ninguém em particular, nem tão pouco como eles próprios – mas a sua companhia discográfica, Spiegelei, é nova para mim e tem um ovo estrelado como logotipo. Eu sou bastante parcial no que toca a ovos estrelados.” Os leitores do NME prefeririam, tenho a certeza, saber algo de concreto sobre os Kraan, em vez de terem o espaço preenchido e desperdiçado com uma das paixões gastronómicas de MacDonald. E, assim como o primeiro álbum dos Kraan, com o mesmo título, será que ele ouviu o seu segundo, Wintrup – gravado em Novembro-Dezembro de 1972, pouco antes da sua série de artigos surgir, mas não editado senão em 1973 – para ter a lata de dizer que eles nem sequer soavam como eles próprios? Eu duvido. Ou melhor, eu sei... ele nem se deu ao incómodo de ter um interesse real – uma técnica recorrente dele ao longo da série de artigos.

Seguem-se dois comentários para concluir a série de artigos. “Do que eu ouvi dele, o disco inicial dos Popol Vuh , In Pharao’s Garden, é conceptualmente parte da facção cósmica, se bem que mais suave que os seus companheiros de estábulo. O tocador de sintetizador Florian Fricke falha em trazer à luz a sua reputação e Holger Trulzsch é um chato e tosco percussionista na sua performance.” Eu gostaria de saber o quanto ele ouviu este disco – uns minutos aqui, outros minutos ali? O procedimento dele: Pousar a agulha do gira-discos uma boa meia polegada à frente e ver de imediato se a música agrada? Não. Tentar outra vez, meia polegada mais à frente, e assim sucessivamente. Ainda não? Então, polegares para baixo. E a seguir e finalmente: “Canaxis 5 pela tripulação Technical Space Composers é uma Inner Space Production, datada de 1970 e editada na etiqueta privada Music Factory. Participam Roland Dammers e Holger Czukay dos Can, tocando loops, electrónica e gravações de campo de canções de camponeses Vietnamitas – o que poderia ser muito interessante, mas devido à auto-indulgência não é.” Depois o seu nome aparece no fim, e este foi o final da sua série de artigos – ou assim pensaram os leitores do NME.

Que ele tenha pretendido ou não prosseguir a sua série de artigos, não era do conhecimento dos leitores, mas uma quarta, e finalmente uma quinta, parte apareceram na Primavera e Verão de 1973. O que se tornou, com efeito, a quarta parte da série de MacDonald sobre Krautrock no NME foi incorporada entre uma série de 2 partes chamada Common Market Rock, classificada como ‘Um Guia do Consumidor do NME’ e também negativamente subintitulado ‘Ou apenas o que nos deixaram, Part 1’ da sua série, é um artigo de 23 de Abril de 1973, em que fala da França, Itália e Alemanha, enquanto na parte 2, saído na semana seguinte, em 5 de Maio, refere-se à Dinamarca, Holanda e Irlanda. MacDonald cobre a França, Alemanha e Dinamarca, e os seus colegas do NME Armand Gallo (Itália), Tony Stewart (Holanda) e Steve Clarke (Irlanda), completam a série. A secção sobre a Alemanha era ainda mais pequena do que a parte 3 da série original e repetia a fotografia dos Faust da parte 2, sendo a única ilustração Germânica.

Então, MacDonald vem outra vez, mais negativista do que o habitual. ” Tenho pouco para dizer acerca do Krautrock, que não tenha já dito na minha série de 98 partes ‘German Calling (NMEs de Dezembro), excepto que as edições mais recentes parecem indicar que – com o prejuízo das companhias discográficas – o rock Germânico está a ficar complacente. À parte breves audições de novos grupos como os Brainstorm e Tomorrow’s Gift, ambos com potencial para produzirem algo de interessante, e a promessa igualmente estimulante de nomes como os Agitation Free e Association PC, a maior parte dos produtos recentes da cena Germânica parecem consistir, em graus variados, cópias dos estilos anglo-americanos. A energia parece ter desaparecido do lado experimental do país – que é, ao fim e ao cabo, a faceta particular da música que os ouvintes Britânicos acham mais intrigante. Rejeições neste quadro incluem as novas edições dos Drosselbart, Iblis [sic], Wlapurgis, Hoelderlin, Wallenstein, Ihre Kinder, Emtidi, Emergency, Message, Epsylon [sic], Marz, Jeronimo, Wyoming, Pell Mell, Frame, Sameti e (apesar da presença na sessão do extraordinário pianista de jazz, Mal Waldron) do segundo álbum dos Embryo, Steig Aus.”

Outra vez, em adenda à análise profunda de MacDonald falha a revelar a existência do verdadeiro segundo álbum dos Embryo, Embryo’s Rache, e do seu terceiro trabalho, Father, Son and Holy Ghost, a sua opinião sobre Steig Aus é estranha, para este distinto e inovador álbum de jazz-rock que possui definitivamente um som europeu. Ironicamente, três americanos – Mal Waldron, Jimmy Jackson e Dave King – contribuíram para ele.

Curiosamente, MacDonald menciona aquela banda denominada Scarecrew, “que recentemente assinou pela United Artists, e está a gravar o seu primeiro álbum na Alemanha”, e, “protegida em mistério, a única informação acerca deles é que na sua formação estão incluídos ex-membros dos Tangerine Dream.” Ele fez um razoável palpite acerca deles: “Eles podem ser, de facto, os Eruption de Conny Schnitzler debaixo de um novo nome.” Em todo o caso, parece que a banda a que ele se referia como Scarecrew era uma chamada Scarecrow, que foi formada pelo notório John L (nome real, Manfred Bruck), previamente na conexão Agitation Free e Ash Ra Tempel, apesar de os Scarecrow, afinal, nunca terem editado qualquer disco.

O seu aviso para os leitores do NME foi que o primeiro disco que ele estava a pensar comprar era o primeiro dos Faust. “A melhor compra em relação a qualquer banda Germânica, melhora a qualquer nova audição e pode estar entre os discos mais importantes de sempre. O seu disco seguinte, So Far, não tem a mesma qualidade mas ainda bate facilmente aos pontos qualquer outra banda Alemã.” Ele acrescenta que uma colectânea, a mid-price, de algum material não oficial dos Faust, intitulada, The Faust Tapes estará brevemente nos escaparates através da nova etiqueta Virgin Records”.

MacDonald sumaria a sua opinião geral com estas palavras: “Numa observação geral, contudo, o Rock Germânico parece ter falhado no seu próprio campo: o qual era que ele pode apenas ter sucesso fora da área musical anglo-americana, à qual chegou demasiado tarde e sem tradição nem originalidade suficiente para subir acima do plagiarismo comercial. Nós não pedimos nacionalismo, Herren und Damen. Apenas algo novo e real.”

A, realmente, última parte de German Calling – pelo menos que eu recorde – apareceu no número de Julho de 1973 e estava contida numa secção separada, entre críticas a álbuns em geral. Apenas ocupava um quarto de página, mas porque a fonte tipográfica era mais pequena que o habitual, o seu comprimento não era menor que o da quarta parte. Não havia fotografias.

A negatividade de MacDonald era ainda evidente, mas havia algumas surpresas também, e uma delas foi descrita logo à cabeça – pelo menos, depois de ale afirmar que 20 por cento dos novos discos seguiam as pisadas das primeiras aventuras experimentalistas do país, com os restantes operando entre o rock mainstream tal como ele fora estabelecido pelos Ingleses e Americanos nos anos 60.

O negativismo de MacDonald continuava evidente mas com algumas surpresas. Uma delas foi quando ele constatou que 20% dos novos álbuns seguiam as antigas aventuras experimentais do país, enquanto os restantes se integravam no rock convencional da Grã-Bretanha e dos EUA da década de 60.

Então porque razão não estava eu interessado no rock convencional anglo-americano dos anos 60 e dos princípios dos 70 e estava fascinado pela nova onda de rock alemão? Para mim havia uma diferença entre a música anglo-americana e a alemã. Os fãs do krautrock concordarão sem dúvida comigo. Porém, MacDonald não conseguia aparentemente discernir a diferença.

“Os Tangerine Dream”, aqui ele surpreendeu-me logo, “ foram acusados no passado de uma excessiva solenidade e de pretensiosismo, mas o seu quarto álbum Atem (Ohr) fez desaparecer uma grande parte destas acusações. O diálogo sobre Fauni-Gena é uma pequena obra de arte e a atmosfera geral é menos trabalhada do que as suas peças mais antigas. Todos os fãs dos Pink Fluid (sic) bem como os aficcionados da música electrónica ficarão boquiabertos.

O positivismo de MacDonald continuou a marcar os dois parágrafos seguintes.

“Ash Ra Tempel, no seu terceiro álbum Join Inn, limparam a sua incompetência ranhosa anterior e agora estão mais rápidos e com muito mais jam, ressoando aos The Grateful Dead. É melhor do que as suas primeiras tentativas, mas vale a pena realçar que esta espécie de melhoras teria mais cedo ou mais tarde de acontecer”. Agora estava a aplaudir uma banda alemã por se parecer como uma americana.

Porém, num parágrafo intermédio, MacDonald vem referir que não ficara impressionado com os Neu! (já escreveu o nome correctamente).

“Houve alguns agradáveis e perturbadores momentos no primeiro LP dos Neu!, mas no segundo álbum o seu ímpeto esgotara-se ao deslizarem para a lentidão inimaginativa dos seus progenitores Kraftwerk. A aridez descuidada do lado A é estranhamente equivalente à secura do lado B que consiste inteiramente na reprodução do single da banda de 1972 (Neuschnee e Super), tocado no estúdio, num gramofone portátil, em diferentes rotações e completado com ruídos de superfície e agulhas que saltam. Aparentemente Andy Warhol está vivo e bem de saúde e vive num gravador de cassetes em Dusseldorf.”

MacDonald também se mostrou pessimista em relação à editora Cosmic Courier:

“Recentemente, os Ash Ra Tempel mudaram-se para a nova editora de Rolf Ulrich Kaiser , a Kosmischen Kurier, para gravar um monte de lixo chamado Seven Up com o velho brejeiro do Dr Timothy Leary. O avôzinho anda a tripar. A Kosmischen Kurier promete ser a empresa mais insípida na história do mundo se o seu segundo lançamento, o Lord Krishna von Goloka, for algo que passe despercebido.

Aqui um alemão de idade pseudo chamado Sergius Golowin dirige um programa de misticismo com suplemento colorido para inconvencionais de fim de semana, ajudado por jovens alemães pseudo chamados Walter Westrupp, Bernd Withhuser,Klaus Schulze e Jurgen Dollase, dos quais falei algures. Pulverizar, literalmente, com DDT antes de manusear”.

MacDonald tinha mencionado na terceira parte que o líder (vocalista) dos Wallenstein, Jurgen Dollase, apregoava ser a reincarnação do famoso general com o mesmo nome, vestindo-se tal como ele.

E agora, o negativismo em relação a um artista a solo:

O duplo álbum Vertigo de Peter Michael Hamel evidencia um teutónico Terry Riley. Todos os seus procedimentos esotéricos de escalas modais, improvisos, aparelhos aleatórios e de modulações de toques estão aqui bem patentes com uma secura académica que infelizmente passaram das notas para a música. É a Vila da Maçada.

Estranhamente, a análise “profunda” de MacDonald sobre a nova cena rock germânica não revelou a existência de um álbum da editora Wergo, chamado Einsteig, de 1971, o primeiro álbum dos Between, a banda multinacional de Hamel. Os Between incluíam um cavalheiro na flauta que dava pelo nome de James Galway (ou Jimmy J Galway, flauta, Irlanda, como comprovam os créditos no álbum). Pergunto-me o que é MacDonald teria feito deste intrigante facto. Talvez não muito mais, exceptuando algo, provavelmente, depreciativo.

MacDonald virou-se então da “investigação consciente para os tipos que estão simplesmente a passar um bom bocado”, tal como o próprio descreveu numas quantas edições que ligavam a cena germânica ao jazz e aos blues.

“O álbum Passport de Klaus Doldinger editado pela Atlantic teve sucesso na Alemanha, e não é difícil saber porquê. Soando à linha stream da Graham Bond Organisation, Doldinger (tenor, moog), Jimmy Jackson (órgão), Udo Lindenberg, baterista dos Atlantis, Amon Düül II, e os veteranos Olaf Kubler (tenor) e Lothar Meid (baixo), estão juntos de uma forma empolgante.

Jackson, que conjuntamente com Mal Waldron foi de alguma maneira encoberto pelo recente e vaporoso ensaio de Embryo, Steig Aus, aqui aparece simples e límpido, a entoar cantos de tenor (muitas vezes em uníssono). Não são um conjunto de provocar grande agitação, mas são completamente convincentes na onda jazz-blues. O disco saiu com uma bela capa, também.”

Mais uma vez, um estranho comentário. No Steig Aus, que na capa diz “featuring Jimmy Jackson”, ressaltam os soberbos sons do órgão Hammond. Quanto é que MacDonald ouviu deste álbum?

A seguir uma banda que ele tinha mencionado na segunda parte.

“O oblíquo Passport de Bond/Hiseman não é uma coincidência, como se comprova pela presença actual de Hiseman num álbum que está para sair dos The Wolfgang Dauner Group, o qual apresenta Larry Coryell como convidado. De vez em quando temos novamente um lançamento da Brain. Rischkas Soul, com a banda de Dauner a deixar as agressivas experiências electrónicas de Output, o primeiro álbum pela ECM”

Mas o que ele tinha dito na segunda parte sobre o Rischkas Soul? Bem, ele dissera que era “um jazz sintetizado com humor e uma tremenda energia – recomendado.” E o que diz ele agora? Bem...”Rischkas Soul está no mesmo saco do jazz-blues e é de alguma forma um desapontamento.”

Prosseguiu com mais negativismo. “Outras bandas que tendem a ficar no mesmo saco são os Gorilla, uma resposta germânica a Chicago, e os multinacionais Sinto. Por nenhum deles vale a pena perguntar o preço. Atrás deles, temos os Electric Sandwich, Cornucopia, Lava e Novalis, todos em linha a tocar precisamente o mesmo rock de sempre. Os Thirsty Moon escapam por pouco deste conjunto, mas de forma pouco significativa. Aquele aborrecido trio Guru Guru reaparecem pela quarta vez com um arrastado medley de rock and roll pela editora Brain.”

MacDonald nem se deu ao trabalho de informar os leitores dos títulos destes álbuns, porque não estava interessado neles.

MacDonald também não sabia o que fazer de uma banda que já tinha mencionado. “Os Kraan, cujo segundo álbum (Wintrup) alcançou recentemente esta margem, são actualmente a melhor nova banda da Alemanha, e tornam-se um problema no que respeita a estimar o seu valor.

Interessantes atributos esquadrinham a perfeição nos seus dois álbuns, mas não há nada que possa ser posto em evidência para justificar a sua alta reputação. Oiçam vocês mesmos os Wintrup”.

Talvez devesse ter acrescentado “... porque eu não me quero dar a esse trabalho”.

Os comentários finais do Germany Calling vão para os álbuns de Frumpy. “Conhecidos agora como Atlantis, eles foram uma das bandas alemãs de topo entre 1971 e 1972. Gravaram quatro discos pela Philips e ganharam alguns pontos. Tanto o All Will Be Changed como o Frumpy 2 consistem num flash tecno dominado por órgão, mas com a achega do guitarrista Rainer Baumann, a banda assentou raízes num rock alinhado, de influência blues, dando hipótese à masculina voz da vocalista Inga Rumpf distender a sua laringe para além da habitual espécie de material agradável ao ouvido da plateia.

Porém, o seu terceiro álbum By The Way retém a tensão entre o que eram essencialmente duas bandas diferentes e é uma espécie de resultado de uma afortunada fertilização cruzada. Frumpy Live revela que a transição ficou completa e que foi a última coisa que a banda gravou antes de mudarem de nome. Com uma amplitude estranhamente aparentada com os Stone the Crows, os Frumpy fizeram o que fizeram mas não abriram novas portas.”

MacDonald resumiu depois os seus achados na quinta e última parte. “Ouvir estes álbuns tem, globalmente, reavivado o meu interesse no rock alemão. É uma cena tão louca por lá que vale a pena passar uma esponja por cima de todos os disparates para saber o que lá se passa. No caso, os Tangerine Dream e Klaus Doldinger valeram mais ou menos o esforço. É tudo cavalheiros. Mantenham-se alertas quanto aos voos rasantes dos Messerschimitts.”

Será que MacDonald entendeu, por esta altura, que o krautrock estava realmente a ir de encontro ao gosto do público e que ele deveria começar a reconhecer que ali havia realmente qualquer coisa que valia a pena? Não merecia ele aquele Spiegelei, ou ovo estrelado, na cara? (‘Egg on the face’ é um anglicismo que significa ‘ ser deixado com cara de parvo’).

E assim teminou o Germany Calling, tanto quanto sei, porque MacDonald até pode ter feito outras referências ocasionais depois disso, nomeadamente em secções críticas, sem que eu tenha dado por elas.

Mas obviamente que ele não era um fã do krautrock. Não precisava dele na sua vida musical. E qualquer coisa positiva que dele tenha extraído teria sido simplesmente um bónus inesperado.

MacDonald não ouvia os álbuns com objectividade, provavelmente até mal os ouvia, ou porque não tinha interesse ou porque não queria dar-se a esse trabalho. Mas, depois, fazia grandes afirmações, a maior parte sobre a inadequação da música, querendo fazer crer que seria muito entendido sobre o assunto.

Ele não era a pessoa mais adequada para produzir uma série de artigos sobre a cena rock germânica, devido à sua falta de interesse. Como jornalista, deveria ter apresentado uma visão objectiva sobre esta nova música, mesmo não gostando dela pessoalmente. Em vez disso, espalhou pelas páginas do NME(New Musical Express), opiniões negativas e sarcásticas para afastar os leitores. Será que era um caso de “Não percebo sobre o que é e, de qualquer forma, nunca irá de encontro ao gosto do público– por isso não deve prestar”?



Bem, o krautrock acabou por conquistar o gosto do público, tendo-se difundido por todo o globo neste último quarto de século desde que MacDonald emitiu os seus péssimos e quase ofensivos comentários – primeiro quando o vinil era rei e mais recentemente com a maior parte dos discos a serem reeditados em cd juntando-se-lhe mais algum material que ainda não tinha sido editado.

Utilizei a expressão “quase ofensivos “ quando defini os comentários de MacDonald porque ele de facto atacava os artistas do krautrock injustificadamente. Em primeiro lugar eles não o tinham ofendido; em segundo, lutavam de forma inventiva e notória contra uma indústria meramente comercial e de mainstream ao produzirem música artística e altamente criativa que, aparentemente, não possuía valor comercial.

Ninguém tem dúvida que os músicos do krautrock conseguiram obter sucesso, não necessariamente em termos comerciais mas em termos artísticos e criativos. E também conseguiram obter sucesso noutro campo: na longevidade. Não só a profundidade da música conseguiu assegurar o seu valor como também algumas das bandas e alguns dos músicos continuam no mesmo meio, ou seja com a habilidade de fazer esta música.

Os dois maiores exemplos de longevidade são os Tangerine Dream e os Embryo, que desde o período da série de artigos de MacDonald, continuam a editar discos e a tocar ao vivo para muitas pessoas pelo mundo fora.

Os corajosos Tangerine Dream, sob a liderança de Edgar Froese, o seu único membro constante, merecem muita aclamação pela sua dedicação e atrevimento, os quais levaram a música rock a uma distância considerável, ainda mais do que os inventivos Pink Floyd.

A grande dose de coragem dos Tangerine Dream reside em terem a audácia em oferecer música rock sem batida, tanto em disco como em concerto, e os fãs adorarem.

Os Embryo também merecem esses créditos. Christian Burchard, o único membro constante da banda, outrora na onda do jazz-rock progressivo, conseguiu um impressionante colectivo de muitos e variados membros e produziu o que agora se chama world-music, integrando músicos de diversas partes do planeta e acabando, através da música, com as habituais e muitas vezes absurdas barreiras humanas.

Só para que conste, apresento-vos alguns dos outros krautrockers que duraram mais do que fora vaticinado por MacDonald ao permanecerem na música durante os anos 90 ou por reaparecerem em anos recentes tais como Faust, Ashra(Tempel), Cluster, Guru Guru, Amon Düül II, Popol Vuh, Agitation Free, Conny Scnitzler e Klaus Schulze. Muitos outros continuavam de boa saúde nos anos 80. Para além disso, não deve ser esquecido o facto de que a essência do krautrock ainda hoje se encontra em muitas das actuais bandas.

O que teria Ian MacDonald a dizer de tudo isto?

Então quem é que riu por último? Certamente não foi Ian MacDonald, que riu primeiro. Para além disso, e melhor ainda, o riso pertence aos animados e inventivos artistas do krautrock, cujo sucesso se encontra testemunhado pela sua impopularidade junto do mainstream, e pelos seus leais fãs que têm gostado da música (especialmente aqueles que digeriram o presente artigo e que agora sabem o que tem sido dito de forma gozada e pessimista através dos anos por um crítico através do NME.

Michael Watts, era um jornalista melhor informado do Melody Maker (MM), rival do NME, e foi ele que escreveu o primeiro artigo que eu li sobre krautrock.

A cobertura que Watts deu à cena do rock alemão, intitulada Deutsch Rock, na edição de 15 de Abril de 1972 do MM foi provavelmente a razão pela qual as séries de MacDonald foram classificadas como as “primeiras análises profundas”, insinuando que a de Watts não era.

No entanto, para um só artigo ele até foi bastante profundo no assunto.

Apesar de ter apenas ocupado uma página no MM, o tamanho da página era maior e o texto mais pequeno do que o do NME. Com um subtítulo afirmando que a nova música da Alemanha era possivelmente mais interessante que qualquer uma na Europa, o artigo continha três imagens: Kraftwerk, na verdade só Florian Schneider-Esleben; Lucifer’s Friend; e Amon Düül, i.e. ADII.

Watts iniciou o seu artigo parafraseando Michael Karoli dos Can ao afirmar que os grupos europeus de rock tinham deixado de ser influenciados pela Grã-Bretanha e pelos EUA. “Ele tem razão” -afirmara Watts - “tal e qual como as audiências britânicas haverão de verificar em breve quando os Can chegarem, seguidos a breve trecho dos Amon Düül II. O facto de estas bandas serem germânicas não é uma coincidência. De todos os países do continente que estão a tentar criar o seu próprio rock, a Alemanha é o país que parece ser mais fértil e mais inclinado para o experimentalismo. É um exagero afirmar que os músicos alemães formaram a sua própria cena de rock, independentemente de influências externas, mas ao menos uma mão cheia delas estão a ir por caminhos não menos aventureiros do que a maioria dos seus parceiros anglo-americanos ou virtualmente dos restantes parceiros europeus”.

As opiniões principais no seu próximo parágrafo, sobre as bandas germânicas, também contrastam com a atitude de MacDonald:

“É importante que estas (as bandas referidas) sejam encorajadas, que obtenham sucesso, pelo qual desesperadamente ambicionam, nos mercados britânico e americano. Numa altura em que o rock britânico insiste em voltar ao passado, estas são boas sugestões para o futuro. Contudo, não se trata de uma tentativa de encorajar um movimento de rock and roll de massas, mas apenas para anunciar a existência de boa música do outro lado do Canal (da Mancha), a qual não está a ter uma boa aceitação no nosso país, apesar de o mercado alemão ser considerado o quarto maior do mundo.”

Que hipóteses de encorajamento, sucesso e reconhecimento teriam com as atitudes de MacDonald? No entanto, apesar do seu negativismo, as bandas alemãs triunfaram.

Os próximos parágrafos do artigo de Watt centralizam-se nas similitudes do rock alemão com o estilo anglo-americano, e logo aqui adveio um dos poucos comentários negativos de toda a sua análise: “Deverá ser referido logo de início que a maioria das bandas alemãs são na sua essência uma imitação da pop anglo-americana. Não se trata de uma regra absoluta, mas estas bandas tendem a adoptar nomes ingleses como Birth Control, Lucifer’s Friend e Epitaph”. Contudo, deve ser relembrado que havia muitas bandas alemãs - e que as mais inovadoras e experimentais combinaram com as melhores daquelas cujo estilo era menos daquela natureza mas mesmo assim boas em termos do rock anglo-americano – e que se afiguraram uma mais valia.

Mas, mais uma vez, diferenças significativas começaram a ressaltar. Ele (Watt) explicou que os jovens alemães estavam ansiosos para expressar os seus próprios conceitos, e por acabar com a ligação à pop anglo-americana, pelo que viram a via do rock como o caminho mais conveniente para alcançar esse seu objectivo.

“Isto aplica-se a músicos com motivações políticas como é o caso de Ton Steine Scherben, Ihre Kinder e os marxistas Floh de Cologne. O seu ênfase encontra-se mais nas letras do que propriamente na música, sendo o assunto frequentemente a crítica ao sistema capitalista. O caso mais representativo é o de Floh (Ing. Flea; Port. Pulga) de Cologne, que lançaram um álbum cujo título traduzido em inglês é “Conveyor Belt Baby’s Beat Show” “.

No artigo encontravam-se listadas as bandas alemãs que melhor representavam a nova música: “Os que carregam a tocha pela inteligente música rock alemã são um núcleo de grupos liderados pelos Can e Amon Düül II. Nele se incluem Embryo, Kraftwerk, Guru Guru e Tangerine Dream. Neles define-se o melhor do rock alemão.”

Uma abordagem relativa ao problema dos custos dos equipamentos musicais foi também efectuada de forma mais simpática por Watts do que por MacDonald, quando o assunto derivou para a natureza vanguardista da cena germânica:

“Apesar de muitos grupos de rock alemão não possuírem o suporte financeiro para se equiparem com VCS3 e Moogs, que as bandas aqui (em Inglaterra) entendem como materiais obrigatórios, eles mostram um grande fascínio pela electrónica e usam os efeitos especiais não como acessório de embelezamento mas pelo seu próprio valor. Não será demais apontar Stockhausen como a figura paterna do rock alemão. Irmin Schmidt, teclista dos Can e Holger Czukay, o baixista, são ambos antigos alunos do compositor. Ambos são figuras intelectuais e provavelmente vêm o rock como meio de reunir música que esteja mais próxima do vanguardismo do que do Top20”.

Tendo afirmado, com implicações positivas, que já tinha sido escrito o suficiente sobre os dois albuns dos Can, “Monster Movie” e “Tago Mago”, editados pela United Artists, Watts descreveu, de forma louvável, os dois lados do album de electrónica “Canaxis 5” de Czukay e Dammers, sob o nome de Technical Space Composer’s Crew. Após ter explicado que o álbum se encontrava disponível pela editora de discos privada Music Factory de Munique, declarou: “Vale a pena.” Depois continuou a louvar os Can, tendo relatado que os tinha visto a tocar ao vivo durante quatro horas: “ As actuações dos Can são tão cheias de vigor como o seu ritmo. No Pavilhão dos Desportos de Colónia, no passado mês de Janeiro, eles deram um concerto gratuito para 10 000 pessoas – a Câmara Municipal tinha dado a sua benção em nome da cultura moderna. Ouvi-los a ribombar como um expresso sem paragens é uma experiência única, mas a repetição do seu acto sem final, acabou por ser demais para estes ouvidos ingleses. O entusiasmo dos Can parece resultar melhor dentro de um contexto de um álbum.”

Os substanciais parágrafos remanescentes do artigo de Watt consistem principalmente na descrição de cinco outras bandas que ele tinha listado como as que carregavam a tocha pelo novo rock alemão, e estas eram descrições que no geral não continham aspectos negativos significativos – contrastando com as opiniões de MacDonald – mas valem a pena ser citadas na íntegra:

“Os Embryo têm um album chamado Embryo’s Rache (A Vingança de Embryo), pela United Artists, a qual com a Philips e a vanguardista da Ohr editaram a maior parte do produto alemão mais conhecido. Estão mais orientados para o jazz, com sax soprano, flauta e órgão mas são sem sombra de dúvida alemães, com aquele ritmo de batida pesada e insistente. Quando cantam em inglês são basicamente instrumentais, mas não são adversos a canções de intervenção política como “Espagna Si, Franco No”, com o lema “A ( R )evolução é o único caminho”. No entanto, a faixa mais interessante é a última (Verwandlung) com a utilização do mellotron e de piano para fazer a ligação ao violino de Edgar Hofmann, o qual parece que tem andado a ouvir Don Harris” (Não é feita menção ao primeiro album – Opal – mas, ao menos, e ao contrário de MacDonald, Watts tinha descoberto o segundo album dos Embryo e escrevera o seu artigo oito meses antes das séries de artigos de MacDonald).

“Pelo que sei os Kraftwerk (Powerstation), editaram dois álbuns, um deles, Organisation, pela RCA; e o outro, homónimo, pela Philips (os escritórios ingleses desta editora nunca ouviram falar deles). A banda é composta por Ralf Hutter no órgão e Florian Schneider-Esleben na flauta, violino e percussão electrónica. Apesar do álbum que foi editado pela Philips reflectir um uso trivial do som, existem na verdade estranhos momentos, como o pesado ribombar no Ruckzuck que se desvanece e torna a soar nas colunas com a gélida precisão de uma máquina. De facto, eles têm o som enérgico mais mecanicista que eu já ouvi. O seu nome encaixa que nem uma luva.”

“Tangerine Dream, por seu turno, um grupo berlinense, estão menos ligados à terra. Se a designação música espacial não for uma expressão muito desproporcionada, ela é a mais adequada para descrever a sua música. Uma espécie de Pink Floyd em tom menor misturado com King Crimson do século XXI. Os TD lançaram dois álbuns pela Ohr, Electronic Meditation e Alpha Centauri, e há pouco tempo ouvi o single, Ultima Thule (Parte Um e Dois), que, se não estou enganado, é uma expressão de Virgílio que significa um lugar muito longínquo (“Furthest Thule”). A maior parte da substância musical parece ser feita com um mellotrone um órgão mas é bastante eficaz, apesar da Parte Dois conter uma certa semelhança a Set the Controls.”

“Os Guru Guru também estão na Ohr (que significa ouvido) com um álbum chamado UFO, e devem ser tomados em conta devido ao seu baterista Mani Neumeier, que toca percussão electrónica tal como outras bandas (Can e Kraftwerk por exemplo).”

Antes de descrever Amon Düül II, Watts menciona “um conjunto de outras bandas que também valem a pena tomar em conta”. Referia-se a “Parsival (sic) que tocam algo parecido a rock de câmara e são muito leves, etéreos e bucólicos; George Deuter que combina uma mistura de sons electrónicos, bongos, guitarra pura e cítara – uma das faixas chama-se “Krishna Eating Fish and Chips”; Klaus Weiss, um proeminente baterista na Alemanha e que recentemente gravou um super álbum de percussão – Niagra (sic) com outros bateristas dos EUA, Inglaterra, Alemanha e Venezuela; os Eiliff, que têm um baixista chamado Bill Brown e são dominados pelo órgão com arranjos ortodoxos; e depois há os Et Cetera, Gila, Xhol, Cluster, Popol Uuh (sic), que é suposto serem ferozes” . Mas os Amon Düül II eram a banda favorita de Watts e ele dedicou-lhes a maior parte do artigo:



“Porém, de todas as bandas alemãs, a que tem maiores alicerces são os Amon Düül II. Se eles conseguirem manter o equilíbrio entre a banda e continuarem a permanecer não afectados pelas mudanças de pessoal, não há razões para que eles não venham a tornar-se uma força positiva na cena rock internacional. O seu sentido organizacional é uma interrogação que perdurará sobre o seu futuro. Desde há dois anos que planeiam vir a Inglaterra mas até agora nunca o fizeram. Se as actuações forem como os discos eles demonstrarão ser uma revelação para as audiências inglesas”.

“Em termos da expressão do rock eles estão a uma larga distância de todos os outros. Têm um som menos alienígena do que os Can ou os Kraftwerk; absorveram o vocabulário musical dos Transatlantic. Mas a música permaneceu muito deles próprios apesar das referências aos primeiros dois albuns – Phallus Dei e Yeti - dos Dead and the Airplane ou ao Dance of the Lemmings dos Hendrix and the Floyd.

Eles conseguem rodopiar surpreendentemente à volta de um vasto leque de sensações, desde o excêntrico rock espacial até ao rock ácido de Archangel’s Thunderbird no álbum Yeti, um dos melhores singles de hard rock de sempre. Conseguiram retirar ideias, de várias maneiras, do pop anglo-americano mas conseguiram ir ainda mais longe.”

“O seu mais recente álbum, Carnival in Babylon, é aquele que é mais calmo. É até agradável com os sons bucólicos da vocalista, Renate, que recentemente voltou para o grupo. A música não é tão experimentalista como no álbum anterior, tem antes uma maior textura: bonitas linhas de baixo, em particular no All the Year’s Round, e tacadas inteligentes por parte dos dois guitarristas, John Weinzierl e Chris Karrer. Nestes dois reside o futuro dos Amon Düül.”

“Quando há três meses estive em Colónia, Weinzierl explicou-me que o objectivo deles não era “alcançar um ligeiro sucesso e depois serem celebrados como super pop stars”. No entanto, na Alemanha a sua reputação tem proporções míticas. São profetas no seu próprio país.”

Depois Watts finalizou o seu artigo, de forma instantânea e simples: “Se o rock & roll for realmente tão homogéneo [i.e. se for igual em todo o lado tanto na sua origem como na sua derivação] como toda a gente afirma que é, então nós em Inglaterra também nos deveríamos aperceber desse facto” [i.e. que os Amon Düül são uma banda de qualidade]



A diferença de atitudes entre os dois jornalistas era muito evidente. Michael Watts, através do seu artigo detalhado, mostrava ter uma mente aberta e tinha uma grande admiração pelo novo movimento de rock alemão. Ian MacDonald, pelo contrário, parecia que não ouvia bem, e apenas condenava a grande maioria da música na sua longa série de artigos, querendo atribuir um menor enfâse ao facto de a popularidade do krautrock ter começado a aumentar. Na verdade, e ironicamente para MacDonald, o krautrock floresceu na época após os artigos dos dois jornalistas.

Tenho de aplaudir Michael Watts por ter divulgado a música de forma tão positiva. Para mim estes dois jornalistas, sem eu ou eles termos dado conta na altura, estavam a dar uma grande contribuição, apesar de indirecta, para a história do krautrock.

Os seus artigos no MM e no NME estão muito atrás no passado literário do krautrock, mas eles são os mais significativos porque os fans do kraturock não sabiam da sua existência até os lerem agora.

Esta era razão por que desejava publicá-los na internet. Talvez possa haver alguém que venha a produzir, algures no futuro, uma cronologia detalhada da história do krautrock, integrando os artigos de Ian MacDonald e de Michael Watts.

Agradeço comentários ao Recalling Germany Calling e Deutsch Rock e ficaria também grato se me informassem da existência de outros artigos antigos em inglês sobre o krautrock.




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