João Pais Filipe (b. 1980) is a drummer/percussionist and sound sculptor from Porto. His career as a musician ischaracterized by the approach to a wide range of styles and languages, in bands like Sektor 304, HHY & The Macumbas, Talea Jacta, Paisiel, Rafael Toral Space Quartet. Also played with Z'EV, Evan Parker, Fritz Hauser, Steve Hubback, among others.
He is also a Gong maker and Cymbalsmith.
João Pais Filipe - "Pure Zero"
All materials used for percussion in this record are ordinary found objects only.
Revista / Magazine
A4 - papel de jornal - a corres capa e contracapa
72 páginas
Publicação Trimestral
Distribuição Gratuita
Ano V
Nº 19
Junho de 2004
MADE IN JAPAN
São cada vez mais.
Desaparecidos ou não, os músicos e grupos japoneses ganham hoje uma
proeminência reconhecida em terras norte-americanas num fenómeno que lembra a
British Invasion dos anos 60. Mas há que ter cautela com as analogias. Estes
são projectos que nunca alcançaram popularidade, nem no seu país de origem, nem
no de recepção. Fizeram, contudo, o mais importante: ajudaram o rock a dar um
passo estético. Aqui apresentamos três desses projectos: Mainliner, Kosokuya e
High Rise. Contamos, mais tarde, dar conta de outros, até porque no dito passo
existem inúmeras pistas.
Não é novidade o facto de o
Japão se ter intrometido entre os EUA e o Reino Unido na luta pelo domínio e
definição dos caminhos da música popular urbana contemporânea. Inesperada é,
porém, a realidade das trocas culturais que se vão realizando no campo do rock:
os britânicos deixaram de ser os principais interlocutores dos norte-americanos
e cederam o lugar aos japoneses. As apropriações, adaptações ou osmoses
culturais são hoje feitas entre dois velhos inimigos. E se tudo começou nos EUA
(e para lá parece regressar) a verdade é que poucos esperavam que a linguagem
do rock pudesse conhecer novo fôlego ainda mais quando surgido fora do universo
anglo-saxónico. Mas assim aconteceu. Tal como a Alemanha dos anos 70, o Japão
dos anos 80 tragou o género antes de o regurgitar, mas neste caso o processo
aconteceu de forma mais particular.
Não existiam limites ou pelo
menos ninguém os impunha, nem a história, nem a crítica, nem as tradições, o
sucesso ou qualquer voluntarioso cânone. Sem estes constrangimentos, os músicos nipónicos avançaram na sua
recriação de um objecto cultural vindo do ocidental, com um olhar já de si antigo.
O olhar do excesso e das justaposições e cruzamentos. Prolongaram-se até ao
limite as possibilidades sonoras dos instrumentos, juntaram-se elementos de
géneros e épocas diferentes e realizaram-se, de forma não programada, variações
intermináveis.
De entre esses intérpretes
destacaram-se por exemplo os High Rise (cujo legado começa a ser reconhecido em
bandas dos EUA, como os Oneida e os Comets On Fire). Surgidos em meados dos
anos 80 e liderados pelo baixista Asahito Nanjo, começaram como um híbrido entre
o punk e o garage-rock psicadélico. Num sinal curioso de como as evoluções da
música rock acontecem, é de notar que foi exactamente esse género que enformou
muitos dos projectos japoneses da década de 80. Como se, sem porto na Europa,
não lhes restasse outra alternativa que rumar a outras paragens. Assim nomes
como Blue Cheer, Sonics, Count Five, The Seeds, Quicksilver Messenger Service
encontraram artistas que avivariam as suas memórias ao lado do punk e da no
wave dois géneros bem recebidos no país do Sol Nascente. Nanjo reconhece aliás
a importância dos trêss géneros, mesmo quando não consegue esconder uma
predilecção pelo rock psicadélico do qual extirpou características como a
distorção e subsequente criação de espaços sonoros “infinitos”. A guitarra,
acrescentada das suas inúmeras manipulações, é o instrumento central nas obras
dos High Rise, até quando os impede de criar “canções”, cercando-as de uma
densidade e quase impenetrabilidade mais próximas do improviso e do free-jazz
do que do rock. É a recusa quase inconsciente da canção e a tomada
“irresponsável” do riff e dos efeitos sonoros retirados dos diversos pedais que
torna a obra dos High Rise tão marcante. Mesmo sem as sedutoras “tunes”.
Se os High Rise afundam a
melodia numa muralha de som, então os Mainliner significam, de forma abusadora,
o som enquanto experiência total. Formados também por Asahito Nanjo, e Makoto
Kabawata dos Acid Mothers Temple, viram o seu único trabalho 8”Mellow Out”),
datado de 1996, conhecer uma reedição pela mão da casa inglesa Riot Season, e
de modo inesperado voltaram a ser objecto de citações e novos interesses.
Algumas revistas de metal não deixaram passar ao lado o acontecimento, mas foi
no universo do avant-rock (se quiserem fazer uso de outra taxinomia) que a influência
dos Mainliner mais se salientou.
É que tanto Nanjo, como
Kabawata, estruturam uma obra, que apesar de embebida na lava sonora dos Blue
Cheer (Black Sky) e nas convulsões do free-jazz (vale a pena ouvir a intro de
“m2) oferecia a quem quisesse algo de excitante: a electrização da canção. Por
outras palavras as guitarras prolongavam-se até aos amplificadores que, sempre
no vermelho, assinalavam a reverberação à beira do choque. Nada será mais
exemplar nesse sentido que a faixa “Cockmamies”, tema que cinco anos antes já
previa a chegada de um grupo como os Sightings. Com vocalizações repetitivas,
numa espécie de recriação de registos ocidentais, os Mainliner, incorporavam a
voz no ruído e impunham-lhe uma natureza quase rítmica.
Antes de fundar os High Rise,
Nanjo chegou a fazer parte de outro grupo mítico, os Kosokuya, mas até hoje
ainda não se conhece nenhuma gravação desse período. Na verdade, este grupo de
Tóquio acabou por encontrar uma formação base composta por Jutok Kaneko, Mick e
Ikuro Takarashi, que entre 1989 e 1990 acabariam por lançar o álbum de estreia,
ganhando um culto imediato nos EUA. A razão não é para menos, se pensarmos que
não é só o hard rock psicadélico que parece entrar no jogo. Os Flipper, os
Black Flag e os Crazy Horse também podem ser para aqui convocados. Mas o melhor
mesmo é centrarmo-nos no primeiro disco (reeditado o ano passado pela PSF
Records) e travar a tentação das comparações. É que ao fazermos isso
compreenderemos a excelência dos Kosokuya. “The Miracle”, por exemplo, é uma
das mais belas faixas do rock de sempre. Liderada pela voz da única mulher do
grupo (Mick) traduz-se num opus dramático onde as declamações ou citações são
substituídas por acordes, riffs, fluxos de decibéis e uma bateria polimorfa,
enquanto “Removal” perversamente detém uma melodia angustiada que, sem deixar o
campo do rock, se aproxima das convenções da música clássica. Os temas finais,
“The Dark Spot” e “Suffering Broken Song”, por sua vez conjuram todos os
espólios da música mais intensa alguma vez feita (pelos bluesmen, pelos
primeiros Pere Ubu, pelos Black Sabbath, pelos Birthday Party) e esmagam-nos
lentamente, antes de os distribuírem por quem ouve. É caso para dizer que dos
EUA à Europa a expressão banzai se ouve novamente. Agora, felizmente de forma
benigna.
Será o regresso dos Minimal
Compact apenas mais um na euforia de revivalismo oitentista? Parece que não. De
facto esta banda de base israelita, mas muito mais cosmopolita musical e
geograficamente, foi um intenso vórtice cultural entre o Ocidente e o Oriente
na década de 80, e ouvida hoje continua a sê-lo. E há esperança de que a magia
da música de Samy Birnbach, Berry Sakharov, Malka Spigel, rami Fortis e Max
Franken tenha força para construir de novo a Torre de Babel no Séc. XXI.
A história começa em 1981 com
a migração de Israel para Amesterdão de Malka (baixo e voz), Samy (voz e textos)
e Berry (guitarra, teclas e voz). Iam à procura de uma identidade musical. Não
eram músicos profissionais e nem sequer sonhavam que alguma vez iriam ter um
papel crucial no pop-rock europeu dos anos 80. Gravaram em casa uma demo com
dois temas e tornaram-se um dos primeiros projectos a assinar pela Crammed
Discs. A gravação oficial acabou por se estender para um EP – “One” – que deu à
luz os míticos “Statik Dancin” e “Creation Is Perfect”. A new wave cheia de
ritmo e com sabor a Médio Oriente cativou desde logo a imprensa. Surgia assim,
em 1982, o primeiro LP, “One By One”. O baterista holandês Max Franken aderia
ao projecto e começavam as digressões europeias dos Minimal Compact que fizeram
história – curiosamente, a banda nunca tocou nos EUA porque nunca lhes
concederam vistos de entrada no país. “Deadly Weapons” (1984), que abriu as
portas à colaboração permanente do guitarrista Rami Fortis; “Raging Souls”
(1985), o mais popular; “Lowlands Flight” (1987), o mais experimental; “The
Figure One Cuts” (1987), o último de originais; e “Live” (1988), que documenta
a banda ao vivo e já editado a título póstumo, foram os marcos de uma curta
carreira de sete anos com grande sucesso artístico. Os últimos anos não foram
pacíficos e alguns desencontros resultaram num final amargo e mal resolvido.
O regresso começou a
desenhar-se 15 anos depois, com a exibição do documentário sobre os Minimal
Compact realizado por Nathan Mandelbaum, um israelita fã do grupo. Samy
Birnbach revela que já tinham existido tentativas de reencontros no passado,
recusadas por ele próprio, que entretanto se afirmou como DJ Morpheus nas
pistas de dança. Era a negação de qualquer tipo de fenómeno de nostalgia
colectiva. Mas havia entre os músicos a sensação que o fim nunca fora
definitivo. E sem qualquer tipo de racionalização, voltaram à estrada como se o
último concerto tivesse sido ontem. A digressão do regresso passou pela Europa
e por Israel, onde foram recebidos em apoteose. Conta Birnbach que num dos
concertos em Tel Aviv tocaram para 3 gerações e mais de 3000 pessoas em
delírio, onde até se encontrava a sua mãe. Aliás, foi a mesma imprensa
israelita que os baniu nos anos 80 por viverem nos Países Baixos e por não
cantarem em hebreu mas sim em inglês, que hoje os coloca nos píncaros e os
impulsiona para um regresso aos originais.
Quanto à caixa que aqui nos
trás “Returning Wheel (classics, remixes & archives)”, ela recupera a
magistral e solitária epopeia de um grupo que soube renovar o imaginário do
rock e antecipar mensagens extremamente actuais. O primeiro CD é o «besto f»
necessário e sem grandes surpresas, a não ser o primeiro tema “Dedicated”,
nunca antes editado. Os remixes e remakes, comissionados por Samy Birnbach e
sugestivamente intitulados “There’s Always Now”, são na sua maioria electrónica
no seu estado dançável, alguns deles pouco ou nada fiéis aos originais,
destacando-se o último tema, um remake do maravilhoso “When I Go”, aqui na voz
de Efrat Ben-Tzur. O interesse maior para os aficionados está sem dúvida no CD
“Music From Upstairs (Archives)”, as gravações caseiras “perdidas” que Malka
Spigel felizmente guardou. Mais de uma hora de demos inacabadas, música
encomendada para filmes, puras experiências, gravações para uma rádio holandesa
em 1982, e algumas demos gravadas há poucos anos na Bélgica, aquando de uma
reunião efémera em meados dos anos 90. “Protótipos electro da época”, nas
sábias palavras de Birnbach. Arrumada a casa com esta apetecível caixa, parece
que os Minimal Compact vão mesmo passar de projecto semi-abandonado a projecto
assumido em definitivo e para o futuro. N asenda da “banda-irmã” Tuxedomoon que
também foi uma refer~encia do rock avant-garde dos anos 80 na Crammed Discs e
que também se reuniu recentemente. A ver vamos se a Torre de Babel dos Minimal
Compact também tem forças para se reerguer e com a mesma energia do passado.
Vasco Durão
Reedições
GLENN BRANCA Ruídos Sinfónicos
Seriam os Sonic Youth os
mesmos sem a influência directa desse guru chamado Glenn Branca? Seria o
conceito de sinfonia o mesmo, caso este músico nova-iorquino não o tivesse
utilizado para dar nome às suas criações? A resposta às duas perguntas é
negativa. No período efervescente do movimento no wave, Glenn Branca assumiu-se
como paladino da vanguarda de Nova Iorque (com John Zorn, Elliott Sharp ou Arto
Lindsay) e determinou, em grande medida, os cânones estéticos do rock mais
avançado e alternativo dos anos 80 e 90. Branca é daqueles músicos para quem as
fronteiras de géneros musicais não fazem qualquer sentido. E ainda bem. A
propósito da recente reedição do seu primeiro e seminal álbum “Lesson Nº 1”
(1980), Glenn Branca explica alguma das facetas do seu peculiar percurso
artístico nestes últimos vinte e cinco anos. Sempre com uma desarmante
simplicidade.
- A sua relação com a música começou na segunda
metade dos anos 70, com a explosão do movimento no wave em Nova Iorque e com
músicos como Lydia Lunch, Arto Lindsay e Suicide. Olhando para o passado,
considera que esse foi um momento importante para sua evolução musical?
:: Sim, foi uma surpresa para
mim todo esse movimento. Eu vim para Nova Iorque nos anos 70 para fazer teatro
e fazia muita música para teatro, mas não tinha perspectivas de fazer carreira
como músico. Todavia, sempre quis formar uma banda rock desde que aprendi a
tocar guitarra, aos 15 anos. Quando cheguei a Nova Iorque estava o movimento
punk no auge e foi algo muito excitante para mim. Entretanto, conheci um músico
no teatro que também tinha desejo de formar uma banda rock e demos início a uma
banda. Foi um processo muito rápido: formámos a banda em poucas semanas,
arranjámos concertos e audiência num ápice. Ambos tínhamos interesse em todo o
tipo de música experimental, fosse na forma de jazz, de rock ou de música clássica
contemporânea.
- Na verdade, a sua música
nunca se cingiu apenas ao rock. Costuma dizer que o jazz ou compositores
contemporâneos minimalistas como La Monte Young ou Philip Glass, foram
importantes para si. Como lida com estas referências tão díspares?
:: Bom, para mim isso nunca
constituiu problema. Eu estudei música e nunca senti qualquer estranheza em
gostar de diferentes referências musicais. Podia ouvir num minuto os Beatles e
os Kinks e, no minuto a seguir, Mahler e Penderecki, e depois, Miles Davis ou
Brian Eno. Nunca me importei com essas diferenças convencionais entre géneros
musicais, o que importava mesmo eram as ideias, a criatividade dos músicos e as
experiências estéticas que retirava de cada artista, de cada disco.
- Fale-nos um pouco sobre o
seu método de composição. Por exemplo, como é que faz para juntar o minimalismo
e a “teoria da afinação” de La Monte Young com a energia do rock de guitarras?
:: Humm… É uma boa pergunta!
Eu sempre gostei de música rock intensa e enérgica, e o tipo de compositores
contemporâneos que ouvia era gente como Ligeti e Stockhausen. Eram esses os
compositores que eu achava serem aqueles que faziam música mais intensa. Fazia
sentido gostar de música intensa e brutal e deixar-me influenciar por esses
compositores, que eu gostava de ouvir em casa com o volume bem alto. O tipo de
teatro que fazia também comungava dessa intensidade, desse espírito de
confrontação estética.
- Gosta da palavra
experimental para classificar a sua música?
:: Sim, essa é a palavra de
que sempre gostei e que sempre usei para caracterizar o meu trabalho desde os
anos 70. O movimento no wave foi um movimento que eu considero ter sido
experimental, ainda que mais tarde tenha sido chamado de art-rock, uma
designação que eu julgo ser terrível e desajustada, até porque era confundida
com o rock progressivo inglês que na altura estava também a ter muita
aceitação.
- Nas suas criações musicais,
dissonância, consonância e caos representam três conceitos importantes para si.
É um trabalho difícil conjugar estes três tipos de abordagem ao som?
:: Esse tem sido o grande
desafio e a parte interessante da minha actividade musical. Quando me apercebi
que podia misturar esses conceitos – algo que eu procurava concretizar de forma
consciente e deliberada – conclui que o resultado podia ser muito estimulante e
criativo. É um trabalho que compositores clássicos já tentaram fazer há muito
tempo, como Mahler, ainda que a dissonância explorada por este compositor não
fosse muito proeminente, comparando com a minha abordagem que é bem mais
extrema.
- Ao longo da sua carreira
editou diversas sinfonias pelas quais é mais conhecido. A sua intenção ao usar
o termo “sinfonia” vai no sentido de dar outro significado à palavra e de se afastar,
deliberadamente, da conotação rock?
:: Não, eu escrevi sinfonias
simplesmente porque queria escrever sinfonias, e foi o que fiz. Não tive
qualquer outra intenção.
- Contudo, as suas obras foram
já interpretadas por orquestras clássicas como a The London Sinfonietta. Como
lida com esta confrontação entre a música dita convencional e os conceitos
avant-garde?
:: Isso nunca foi um problema
para mim. Os chamados músicos convencionais estão, na verdade, muito
familiarizados com técnicas avant-garde. Aquilo que faço é muito menos
avant-garde do que Xenakis, John Cage ou Morton Feldman. Essa transição e
conexão entre esses dois universos foi sempre, para mim, natural.
- A sua música influenciou
muitas bandas importantes do rock dos anos 80, como Sonic Youth ou My Bloody
Valentine. Disse numa entrevista recente que já não ouve música rock. Significa
que o panorama rock actual já não é suficientemente excitante para si?
:: Detesto dizer que é
verdade. Por vezes ouço uma ou outra banda de que gosto, mas na generalidade
não me interessam muito essas bandas que fazem parte de movimentos de moda,
acho-as extremamente aborrecidas. Por isso prefiro ouvir coisas como Sonic
Youth ou Swans.
- Os seus primeiros álbuns
foram reeditados, “Lesson Nº 1” (1980), e “The Ascension” (1981). O principal
motivo destas reedições tem a ver com a necessidade de dar a conhecer estas
obras às novas gerações?
:: Não! (risos) A editora
original desses discos, a 99 Records, recusou-se a licenciar-me os direitos
para uma reedição., pelo que estiveram muitos anos na gaveta. Quando encontrei
uma editora que estava interessada em licenciar e editar esses discos em CD,
não perdi a oportunidade. De facto foi um processo longo…
- O seu primeiro disco agora
editado em CD “Lesson Nº 1”, revela um trabalho compulsivo na exploração das guitarras
eléctricas. Parece que ouvimos um potente e hipnótico ritual repetitivo de sons
sónicos e intensos. Parece caótico, mas tem como base um processo de composição
meticuloso. É assim?
:: Exactamente. Obrigado pela
observação. Creio que, em poucas palavras, descreveu na perfeição não só esse
disco como a minha música em geral. Eu não costumo categorizar a minha música.
Gosto que as pessoas a ouçam e se sintam bem com ela. As catalogações deixo-as
para os críticos. A revista The Wire disse uma vez que a minha música era uma
espécie de mistura entre “heavy metal symphony” e “punk rock minimalismo”,
rematando dizendo que era, no fundo, “beautiful noise”. Acho que acaba por ser
uma bela descrição da minha música. (risos)
- Continua a viver e a
trabalhar em Nova Iorque. Mesmo depois do 11 de Setembro, esta cidade continua
a exercer grande influência e inspiração em si no que diz respeito à parte
criativa?
:: Bom, eu não costumo ser
influenciado por acontecimentos. É um erro pensar que a minha música é inspirada
pela cidade e seus diversos acontecimentos. A música tem mais a ver com ela
própria, não precisa de mais referências para se justificar. A música que
escrevo deriva de um processo muito técnico e laborioso, e não tem tanto a ver
com conceitos como o mal, a destruição ou o caos. A música que faço tem mais
relação com noções de intensidade, consciência e exploração de novas ideias.
- Sabia que o seu apelido em
português significa “branco”? Por causa disso, um amigo meu costumava chamá-lo
de Glenn White-Noise”, num trocadilho entre o seu nome Branca e um certo noise
que pratica.
(risos) Ah! Gosto dessa
descrição! Branca é um apelido italiano, e já sabia que significava branco
(white), mas esse trocadilho é realmente divertido e, mais importante,
apropriado.
Victor Afonso
GLENN BRANCA
Lesson Nº 1 (CD Acute Records,
reed. 2004)
Durante o último quarto de
século, Glenn Branca, compositor e guitarrista nova-iorquino, experimentou
(praticamente) todas as possibilidades expressivas da guitarra eléctrica. Mas
foi muito mais longe do que isso: procurou entrelaçar a energia do rock de
guitarras com conceitos da música de vanguarda, como a corrente minimal
repetitiva americana (Glass, La Monte Young, Reich) e com a facção mais
experimental (Xenakis, Ligeti). Com estas referências, Branca teve sempre como
objectivo explorar novos domínios sonoros, não se importando com destrinças de
género musicais, e tendo em comum o balançar difuso entre dissonância e
consonância. “Lesson Nº 1” (1980), primeiro disco de Branca, agora reeditado
com uma faixa vídeo extra, permite um revigorado olhar sobre a obra do
compositor de “The Ascension”. É um disco de uma energia compulsiva, catártica,
destemida e austera, devedora ainda dos resquícios noisy da no-wave e dos
ensinamentos teóricos dos minimalistas. O ensemble, constituído por duas
guitarras eléctricas, órgão (com o grande Anthony Coleman), baixo e bateria,
redefiniu a linguagem rock como nunca antes se vira (e ouvira). Nas três longas
peças do disco, Glenn Branca redesenhou as estruturas rítmicas e os alicerces
canónicos do rock. No tema mais longo (16 minutos), “Bad Smells”, tocam os dois
guitarristas dos Sonic Youth: Thurston Moore e Lee Ranaldo. Branca foi o tutor,
o mestre vanguardista, o guia espiritual para muitos jovens guitarristas
daquela geração e de outras posteriores. No fundo, “Lesson Nº 1” serviu de tubo
de ensaio para a imparável experimentação que se seguiria na carreira de Glenn
Branca, nomeadamente, com os subsequentes e igualmente fundamentais discos,
“The Ascension” (1981) e “Symphony Nº 1 – Tonal Plexus” (1983). Ouvir de um só
fõlego “Lesson Nº 1” pode deixar estonteado o ouvinte menos prevenido. Mas
será, com certeza, uma descoberta sonora repleta de sensações fortes e
inesperadas. Em suma, como laguém disse, “just beautiful noise”.
VA
Reedições
LIASIONS DANGEUREUSES
PALAIS SCHAUMBURG
Alimenta os discursos mundanos
da cena musical, que, qual sanguessuga, se contorce em lentos desvarios, mas
continua destituído de um habitat onde possa voltar depois de convenientemente
rapinado. O livro de Simon Reynolds é um parto difícil e assim o pós-punk
permanece corpo não reconhecível e disforme do qual muitos querem vestir a
pele. Se no caso do Reino Unido, alguma clareza lá se vai impondo, no
continente europeu as coisas complicam-se face à diversidade de nomes que entre
1978 e 1981 aí circularam. Os seus trabalhos e legados continuam a impedir que
o certo enquistamento ontológico se realize e porventura perante tal facto não
evitamos sentir um certo contentamento. O pós-punk é um cadáver, sim, mas
esquisito.
Por essa razão vale a pena
viajar um pouco atrás no tempo antes de nos apearmos em território alemão tendo
as mutações sociais e culturais provocadas pelo Plano Marshall como pano de
fundo. Aqui sub-repticiamente, a Neue Deutsche Welle (termo usado para definir
o pós-punk germânico) ia disseminando o seu estranho vírus depois das
anteriores investidas do Krautrock. De entre os vários projectos que se
destacaram ao longo deste derrame musical dois, após relançamentos recentes,
exigem urgentemente novas audições: Palais Schaumburg – “Palais Schaumburg” (CD
Tapete Records) -, e Liasions Dangeureuses – “Liasions Dangeureuses” (CD Hit
Thing Records).
Os primeiros, fundados por um
ex-DAF, deixaram um álbum homónimo no qual as contracções da dança se mesclam
com um uso abusivo da electrónica e do ruído. A estes elementos acrescente-se a
voz do vocalista Krishna Golneau que repete de forma monocórdica em francês e
espanhol incitações à dança ou poemas urbanos e, passados mais de 20 anos, é
impossível descartar os Liasions Dangeureuses como simples nota de rodapé.
Detentores de uma aparente dimensão pan-europeia exalavam um negrume que só
ritmos proto-techno conseguiam atenuar. Em “Mystére Dans La Broiullard” e
“Aperitif De La Mort” a utopia irónica dos Kraftwerk é substituída por ritmos
marciais, misteriosas vozes de crianças e abruptas ondas de ruído. Já temas
como “Los Ninos Del Parque” e “Peut Etre… Pás” assumem uma vertente mais
celebrativa. Em suma assentam perfeitamente no espaço de uma pista de dança (o
primeiro chegou mesmo a ser um hit) mesmo quando rangem os dentes na direcção
de um alvo específico. Apreciados pelas hostes da house e do techno, os
Liasions Dangeureuses vêem hoje uma parte do seu legado ser regurgitado pelo Electroclash,
mas apenas uma parte, pois, porque este só lhe tomou o ritmo. Já as explosões e
as vozes que nelas estalam, depois de tragadas pelo new-beat belga, revolvem-se
hoje na cena electrónica de noise de Miami e do Michigan.
Mais devedores do funk branco
e do dub, os Palais Schumburg não deixaram por isso de abraçar, ainda que de
forma muito particular, a electrónica. Liderados por Thomas Fehlman (mais tarde
dos The Orb) e Holger Hiller, lançaram o seu primeiro e homónimo trabalho no
mesmo ano que os Liason Dangeureuses e foram identificado como os “Pop Group
alemães”. Contudo, e ao contrário da banda de Bristol, eram bem menos abrasivos
e um pouco mais lúdicos. As letras, cantadas em alemão e num registo que lembra
Blixa Bargeld, sublinhavam o absurdo da então RFA e o modo trocista como certos
sons eram elaborados não estava longe do método dos Residents (“Die freude”). O
que contudo ressaltava era o ritmo confiado pelos instrumentos fossem estes o
baixo ou velhos teclados analógicos (“Gute Luft”). Nalguns casos até o trompete
e a percussão eram chamados à liça, propiciando às faixas uma diversidade tão
interessante como aquela evidenciada na Inglaterra pelos Blurt!, 23 Skidoo e A
Certain Ratio. O tema final, “Madonna”, interpelado pelo skronk das guitarras,
os ecos deformados e os espasmos do teclado, exemplifica de forma excelente tal
característica. A colagem e/ou o contágio estéticos e culturais reviram-se
assim, e vice-versa, nos Palais Schaumburg numa realidade paralela aos
“ataques” perpetrados pelos Einstürzende Neubauten em Berlim. Atento às
movimentações verificadas em Leeds, Nova Iorque e Londres, o pós-punk teutónico
antecipava já, sem o saber, o fim da velha Alemanha. Só o muro resistia às
incursões. Por pouco tempo. José Marmeleira.
SPACEMEN 3
Em meados dos anos 80 os
Spacemen 3 eram possivelmente a única banda britânica interessada em prolongar,
a partir do rock, as experiências musicais conhecidas, ainda hoje, como tripes.
Depois de um primeiro disco onde emularam os Stooges e os 13th Floor Elevators
num exercício que já prefigurava a atracção pelo efeito hipnótico do drone e
das notas de um Farfisa, Sonic Boom, Jason Pierce, Pete Bassman, Rosco e Owen
John avançariam mais profundamente numa exploração sonora que era, ora induzida
por substâncias ilícitas, ora por uma afectação pelas noções de espacialidade e
ambiência. Tal passo deter-se-ia com mais evidência em “The Perfect
Prescription” (2XCD Space Age Recordings) e desdobrado em diferentes versões,
demos e versões. Como Sonic Boom escreve nas liner notes, aqui toda a
criatividade dos Spacemen 3 para escrever canções aparece descarnada para
acentuar ainda mais o delicioso roubo que estes jovens músicos descarada e
deliciosamente efectuaram. Terry Riley, The Cramps, The Doors, Suicide, Neu!,
Red Crayola, MC5, Sun Ra, entre outros, viram-se vilipendiados, mas por uma boa
causa. Afinal nenhum destes artistas teve a oportunidade de escrever um tema
tão absorvente, com as suas vibrações dolorosoas, como “Ecstasy Symphony”, ou “Come
Down easy” no qual a voz de Pierce assume tal solidão que a presença dos sons (do
fuzz, tremelo e feedback) acabam por revelar um lado alucinatório. Mesmo nos
temas mais acústicos e suaves os Spacemen 3 emitem uma onda de choque que,
ainda hoje, de forma pungente, nos perturba. Quando, por exemplo, somos
confrontados com a versão da versão de “Starship” não conseguimos deixar de
pensar que esta banda vivia constantemente num limbo. Presa entre um fantasiar
da história do rock e da pop e a realidade exterior que lhes murmurava que
acordassem. Nunca acordaram. E ainda bem. Acordámos nós por eles, lentamente ao
som de “Transparent Radiation” e “Walking With Jesus”.
#60 - "Brian Eno (starsailor)" Fernando Magalhães 08.01.2002 150308 Do período pop: Here Come the Warm Jets (1973) - 9/10 Takin...
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(publicado em 18.09.2023)
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Novo - Volume 2.1 - 1992
(publicado em 23.05.2023)
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Novo - Volume 1.2 - 1991
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Novo - Volume 1.1 - 1988/1990
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LULU (versões mais antigas - com alguns textos em falta, entretanto descobertos. Tal já não acontece com as versões mais actuais, publicadas agora na Bubok - Portugal - ver acima)
Volume 1 - 1988/1991
Volume 2 - 1992/1994 (460 páginas, formato maior que A4)
Volume 3 - 1995 (336 páginas, formato maior que A4)
Volume 4 - 1996 (330 páginas, formato maior que A4)
Volume 5 - 1997 (630 páginas, formato maior que A4)
Volume 6 - 1998 (412 páginas, formato maior que A4)
Volume 7 - 1999 (556 páginas, formato maior que A4)
Volume 8 - 2000 (630 páginas, formato maior que A4)
Volume 9 - 2001 (510 páginas, formato maior que A4)
Volume 10 - 2002 (428 páginas, formato maior que A4)
Volume 11 - 2003 (606 páginas, formato maior que A4)
Volume 12 - 2004/2005 (476 páginas, formato maior que A4)