5.9.11
Fichas Teóricas: Mas o que é então o post-rock? A propósito de "Beat" dos Bowery Electric
by Fernando Magalhães
28.05.1997
Bowery Electric
Beat (8)
Kranky, distri. MVM
Relâmpagos no Nevoeiro
Não é por acaso que existe uma relação estreita entre dois movimentos separados quase trinta anos no tempo, o Krautrock, que eclodiu na Alemanha no final dos anos 60, e a actual vaga pós-rock, localizada principalmente em Chicago, mas também em Inglaterra e na Alemanha.
Qualquer dos termos começa por ser uma designação geral que pouco esclarece quanto ao conteúdo. O pós-rock, como o Krautrock, não se podem confundir com estilos musicais, mas antes designam concepções estéticas gerais e uma atitude global relativa ao som e a uma ideologização da sua prática. Em 1970, os grupos alemães renegavam o rock ‘n’ roll e os blues, raízes comuns ao rock nas suas formas mais ou menos convencionais, para recuperarem a herança romântica, a tecnologia electrónica e a música contemporânea, do serialismo ao minimalismo. Trinta anos depois, no seio do pós-rock, assiste-se a id~entica recusa, mas agora em relação aos referenciais new wave e grunge.
É então ao Krautrock que bandas como os Trans AM, Tortoise, Füxa, Rome, Kreidler ou To Rococo Rot (para mencionar apenas algumas das mais radicais e que mais se afastam dos parâmetros vulgares do rock) vão buscar o cimento e os alicerces, partindo para novas (re)construções. Não se trata, pois, de partir da estaca zero ou de relegar o rock para o baú das inutilidades, mas de voltar a contextualizá-lo, fora das suas balizas tradicionais, abrindo-o às novas realidades musicais e sociais que permeiam o final do século. Neste leque ficaram de fora várias modalidades de dance music, entrando para o seu lugar a ambient, a música industrial e, em geral, o género de experimentalismo abstracto que caracterizava as bandas germânicas dos anos 70.
Claro que, neste processo, há uns mais avançados do que outros. Grupos há que romperam em definitivo com a estrutura “normal” da canção, a favor de concepções que visam em primeiro lugar a entidade sonora em si, tomando como material de base quer as guitarras (Doldrums, Satisfact ou estes Bowery Electric), quer os sintetizadores, preferencialmente analógicos, aqueles de sonoridade mais orgânica e de manuseamento mais físico (Kreidler, To Rococo Rot, Rome), quer ainda uma solução mista (Tortoise, Trans AM, Gastr del Sol). Outros não cortaram com o passado da mesma maneira, ainda que a postura seja, do mesmo modo, a de conferir ao rock uma dinâmica de reconversão. Estão neste caso grupos como os Eleventh Dream Day (com “Eight”) ou Red Krayola (com “Hazel”), os quais, pela sua maior antiguidade, estão a fazer a transição com mais lentidão, enfeitando estruturas que são ainda as típicas do rock com efeitos electrónicos de toda a espécie. John McEntire (dos Tortoise, produtor, baterista, manipulador de electrónica e eminência parda de todo o movimento) está atento e a trabalhar para que as coisas acelerem.
Tudo isto se prende com a edição de “Beat”, segundo álbum dos Bowery Electric, mais uma investida (outras estão em fila de espera, como Modest Mouse, Fridge, Satisfact, The Ladybug Transistor, Portastatic, com distribuição nacional para breve) do pós-rock. Começa por ser um desvio e uma transgressão, nos temas “Beat” e “Fear of Flying”, em que os Bowery Electric se concentram na sabotagem de batidas e linhas de baixo que simulam o “neat” do hip-hop, esvaziando-o progressivamente até chegar a uma paisagem desolada, atravessada por relâmpagos de electricidade estática. Digamos que o hip hop passou a “R.I.P. hop” (R.I.P.: “Rest in Peace”, “descanse em paz”).
Consumado o “crime”, os Bowery Electric envolvem-se no seu nevoeiro de guitarras saturadas e vozes perdidas entre a bruma, onde o sinal mais forte de orientação nasce da pulsação metronómica do baixo de Martha Schwendener. Sente-se colar-se à pele a humidade de uma noite marítima, varada pela luz mortiça de um farol fantasma, em “Looped”. Os espectros arrastam-se em “Black light”, com guitarras e bateria alucinadas pelo enjoo, tentando equilibrar-se na escuridão. “Inside out” é pura suspensão dos pratos de bateria e cordas em “continuum”. No auge da trovoada, nos dois derradeiros temas de “Beat”, os Bowery Electric libertam, enfim, a electrónica (ainda guitarras “infinitas”, processadas e posteriormente sampladas) nos 17 minutos ambientais de “Postscript” e em “Low Density”, largas ondulações de mercúrio onde o próprio Brian Eno naufragaria. FM
...tomando como material de base quer as guitarras...
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...os sintetizadores, preferencialmente analógicos...
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...uma solução mista...
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