6.5.16

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (207) - Filhos De Viriato - Nº 1 - Agosto de 1989


FILHOS DE VIRIATO
PUBLICAÇÃO MENSAL DE MÚSICA MODERNA PORTUGUESA
PORTO
Nº 1
Agosto de 1989
Preço: 100$00
Impressão: 1000 exemplares
Nº páginas: 20
+ (mini)encarte de 8 páginas A6 (A5 dobradas ao meio) com o Roteiro - Verão 89
Papel normal de fotocópia A4 (A3 dobrado ao meio e encadernado mas sem agrafos), tudo a p/b



Director e Proprietário: Ricardo Alexandre
Redacção: Ricardo Alexandre, Cândido Resende Alves da Silva, João Nuno Coelho, António Pedro Pombo e Marco Fernandes
Colaboradores: Marta Correia, Ivone Santos
Lay-out: Paulo Alexandre, Ricardo Alexandre
Desenhos: Carlos Miguel, Álvaro Manuel
Fotografia: Nuno Olaio

Editorial
Razões De Querer
A falta de conteúdo na grande maioria das publicações musicais é, actualmente, um dos muitos “cancros” que afectam a imprensa periódica portuguesa. Nem mesmo as publicações marginais, os chamados “fanzines”, escapam a uma mediocridade de ideias, que é, por vezes, irresponsavelmente colmatada com “malabarismos” gráficos e visuais. É, no entanto, impossível dissociar este facto da actual situação do país, no que respeita à mentalidade e consciência social dos cidadãos. Num país onde o vazio ideológico assume proporções assustadoras, onde o tecnocrata bate o intelectual aos pontos, onde as pessoas são progressiva e gradualmente levadas a pensar, não em função de si próprias, mas em favor das estruturas que as integram, das máquinas, como será possível a existência de uma imprensa jovem idónea, coerente, militante e minimamente rica em termos de conteúdo?
O nosso objectivo é precisamente esse. Tentar quebrar as barreiras do superficialismo, tentar conquistar uma nova maneira de ler por parte do público, ainda que não possamos aliar a nossa assumida militância e contestação a uma componente gráfica de qualidade superior. Mas vamos por certo tentar. Coloca-se a questão: qual o papel da Música Moderna Portuguesa em tudo isto? Os músicos, a música, pela sua capacidade de (de)formação de opinião, pela sua função socializante, não podem, de forma alguma, ser abstraídos da realidade em que se inserem; cumpre a quem escreve, igualmente pela sua função socializante, inserir a Música Moderna Portuguesa ajudando-a, acarinhando-a, criticando-a, na realidade em que nos movemos.
Em suma, é para tal que aqui estamos. Procurar lutar contra a falta de condições, contra a falta de tempo e contra a acomodação. E estamos aqui porque gostamos. Sabe bem.
Ricardo Alexandre

Rui Reininho
Ressacadamente
“Posso Falar”?
O monólogo ocorreu há alguns meses atrás quando Rui Reininho e Miguel Esteves Cardoso promoveram uma sessão sobre o amor num conhecido bar portuense. Reininho autorizou-nos a carregar no “record” e perguntou “posso fala?”
Antes do “Amor”...
* Nunca fiz política, nunca votei, sou um anarquista.
Sou duro, para mim não há rei nem lei.
Faço as coisas por Amizade e por Amor.
Hoje venho cá só para falar de Amor.
Depois do “Amor”...
* Fui um idiota hoje, não fui? Falar de política! Eu quero é ver sangue, quero acção. Quero acordar de manhã e ver acção. Já tenho meio quilo na cabeça e queria ter lá fora um helicóptero à minha espera. Mas tenho um “espada”, um Mercedes, não é bom?
O meu Mercedes está aqui estacionado e eu hei-de ser sempre um bandido... Nunca hei-de pactuar com esses gajos da televisão...
* GNR é um grupo de bandidos. Não somos detectives. Somos Padrinhos da Mafia... O Padrinho é um dos meus filmes preferidos.
GNR é instituído? O caraças. Eu detesto essas merdas. Eu quero o poder, quero dirigir o poder, dar cabo daquela merda toda. E posso fazer isso.
* O GNR não é uma coisa acabada. É um verme que viaja. É um verme que escapa ao Estado, à Europa.
O nosso disco é muito cuidado? É.. é... na medida em que eu hoje falei de ternura e fui assobiado, acho que a ternura passa pela eficácia. Hoje em dia... posso ser sincero? É assim... hoje ouvi Mão Morta, eu adoro o Adolfo... e punhais e não sei quê... Acho que a eficácia passa por um certo conservadorismo em relação às instituições. Hoje expus-me aqui. Hoje fui uma “puta”. Fui a única gaja nua aqui. A certa altura pensei: isto não me interessa. Não me interessa a pátria... eu quero é crueldade. Quero sentir uma comoção. Eu trabalho para isso.
* Serei sempre o Rui Reininho. Hoje fiz de palhaço. Mas faço porque gosto de acção. Gosto de guarda-costas. Gosto de ir com eles para o Swing. Gosto dessa merda toda. É um filme. Sou o Al Capone do Rock. Acompanhei a subida dos UHF, dos Heróis, dos Xutos. Os GNR sempre estiveram um bocado à parte disso tudo, não foi? Eu sou muito mais decadente que eles todos!
Hoje em dia está tudo doido. Vai haver crimes esta noite, vai haver mortes... vocês estão a olhar para um crime. Eu ontem esganei a minha namorada e vocês não sabem... O Reininho estrangulou a namorada... vocês achariam o máximo não era? Se eu tivesse filmado isso num vídeo, vocês achavam que era comercial. Não é esse o limiar dos anos 90. Os anos 90 não vão ser assim... vão ser subtileza.
* A “Valsa dos Detectives” não é um álbum que venda. Há crueldade dentro daquilo. Há o encantamento da serpente, há uma serpente que quero encantar... não me tirem essa merda.
* Eu hoje bebi um litro de gin... é um luxo. Hoje tive uma noite de luxo... Sentei-me ali, bêbedo, (...) coca em casa... e o espectáculo era meu. O público não percebe isso porque é pobre. Não tenho medo dos pobres; eu sou é do ponto de vista do Marquês de Sade: os pobres devem ficar mais pobres para se revoltarem. Devem sofrer para lutarem. Daqui a 5 anos o meu amigo João Peste vai ser apresentado pelo Júlio Isidro nos Amigos Disney.
* Vai haver sangue esta noite... eu tenho 1,90 m, sou forte, vou ver strip-tease, vou ver o ódio, a crueldade, adoro a crueldade. O Teatro da crueldade começou hoje para mim, tenho este estupido relógio da Swatch que roubei hoje.
* Eu quero submeter a ordem deste país. Quero ir ao Alentejo. No Sábado vou a Évora e vou apanhar a alentejana nua... Pode ser o meu crime... e vocês não deixam... com a merda da vanguarda não me deixam cometer o meu crime. Quero o meu crime agora, quero três mil gajos a aplaudir-me, quero ser um ninja, cortar cabeças.
* Adoro o Jacques Brel. Posso cantar trinta músicas dele. Já conheci o Iggy Pop. Foi a semana passada. É um bêbedo, doido e milionário.
Adoro o “New York” do Lou Reed.
Quero conhecer a vida, o mundo, o Gorbachov. A minha missão é essa.
Para a próxima trago aqui o Gorbachov e o Mário Soares... mas são eles que têm que me procurar.
* As Delfin(a)s é um grupo piroso, fazem a nossa 1ª parte, eu vou para o palco e digo: Obrigada pela música de criada de Cascais, às Delfinas. Isso é grave. Um gajo avant-garde não tem coragem para fazer isso. Eu digo e assumo. Há para aí 4 gajos a quererem bater-me. Mas eu gosto disso. Quero ser Mafioso. É um imaginário. Gosto de ver sangue a correr, gosto de confronto.
* Sempre fomos (os GNR) as “putas” mais caras. Acho que é um bom princípio. Hoje expus-me aqui. Faz parte do meu show. É uma intuição. Nós fomos os gajos mais chiques quando estivemos em S. Paulo... eles têm 14 milhões de habitantes.
* Um gajo tem que mexer com a merda desta cidade. Nós somos um grupo do Porto e fazemos essa merda com orgulho. Chegámos a S. Paulo e eles sabiam que éramos do Porto... e não de Lisboa. É bom, não é? Quando um gajo faz uma coisa que acredita, não é piroso.
Ilustrações: Álvaro Manuel Morcela
Recolha de Som: Repórter X


Um Bacano De Chelas
Sob O Signo Da Aldrabice
Farinha:

Foi no passado dia 27 de Julho, no Pinguim Café, que Farinha Master, o popular artista de Chelas, apresentou o seu mais recente trabalho “Desperdícios”. Assessorado pelo divertidíssimo Grazina (que aqui revelou o seu elevado potencial como “entertainer”), Farinha demonstrou, perante uma plateia vibrante de entusiasmo, estar no auge da sua criatividade e imaginação. Apesar da falta de condições (é lamentável a inexistência de uma cuspideira), o mentor dos Ocaso Épico brilhou-nos com um espectáculo ímpar e inovador.
O trabalho pretende ser uma síntese experimental de correntes tão diversas como o fado e o hard-core, a música minimal e até o samba. O resultado excede as expectativas mais optimistas. A genialidade foi uma constante durante quase duas horas de espectáculo, que atingiu o seu auge com o “hit” mais recente deste artista conceptual – “Quero ir ao Frágil” é, acima de tudo, um libelo contra a miséria e a injustiça social, colocando definitivamente Farinha na 1ª linha da chamada corrente intervencionista, lado a lado com nomes como os Heróis do Mar e os Ibéria.
Na verdade, a crítica social foi uma constante – o preço dos medicamentos e o problema dos hospitais, a superlotação dos estabelecimentos prisionais, a questão premente da Selva Amazónia – tudo Farinha interpelou e questionou, formulando hipóteses, propondo iniciativas e sugerindo soluções. Enfim, uma noite de inspiração para uma das promessas mais sólidas da nossa música moderna. Gostaria de deixar uma última nota para a decoração – excelente! – e para o cuidado com que tudo foi planeado até ao mínimo pormenor, evitando demoras e quebras no ritmo do show.
O NOSSO MUITO OBRIGADO!
Ivone N.





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