formato: CD-Digipack + digital
edição em CD limitada a 40 exemplares numerados
grafismo: joan of cmyk
credits
released December 3, 2018
Antes Dementes é uma ideia de projeto sonoro individual com 30 anos de existência, mas com atividade reduzida. Esta é a quarta vez que sai do ''quarto''. Sempre sob a chancela da ADC, os ambientes criados através de manipulação de sons e ruídos de forma assumida e marcadamente mínima, na técnica e na diversidade, constituem uma transparência de alma.
''passing through'' tem o tempo como fio condutor, sendo esta afirmação reconhecidamente uma redundância, pois a inexorabilidade da seta do tempo e o correspondente aumento de entropia são uma inevitabilidade que dispensa o subsídio de qualquer guia. A inocência, a consciência, o desprendimento e a (in)segurança são o seu objeto e in articulo mortis o princípio do seu fim.
autor: Luís Jerónimo e Tiago Carvalho (compilação) - Prefácio: Vitor Joaquim título: Escritos de Fernando Magalhães - Volume XII: 2004/2005
editora: Lulu Publishing
nº de páginas: 476
isbn: none
data: Dezembro de 2018
PREFÁCIO
À escuta no
MARR
Por Vitor Joaquim
É
com grande prazer e uma imensa gratidão que dedico estas minhas palavras ao
fugaz amigo Fernando Magalhães. Há já algumas semanas que o Tiago Carvalho me
convidou para escrever o prefácio de mais uma série de escritos do FM. Ao longo
deste tempo, tenho pensado no que dizer sobre ele. Na verdade, sinto que era
capaz de estar horas a fio a falar do FM, porque para falar dele é preciso
metermos o mundo todo na conversa, implica não deixar nada de fora e ter tudo
em consideração. É pensar em tudo e em nada ao mesmo tempo. Daí que me tenha
sido tão difícil começar. Não por não querer, mas por não saber como começar ou
sequer saber sobre o que falar.
Tendo ele escrito palavras que se viriam a revelar fundamentais para mim, sobre
discos meus, o processo fica imediatamente contaminado pela subjectividade de
um olhar que nunca poderá ser neutro. Devo-lhe mais do que muito por tudo o que
escreveu sobre o meu trabalho, e só por isso, já lhe fico eternamente grato.
Mas depois de muito revolver as memórias que dele transporto, acho que muito
mais importante do que falar sobre o que ele escreveu sobre mim é falar daquilo
que tínhamos em comum, eu como músico e ele como ouvinte: o prazer de ouvir e
descobrir o mundo através da música. Esse prazer que parece começar a perder-se
na forma desenfreada como hoje se ouve música e que aproxima a relação muito
mais a um processo de consumo do que a um processo de fruição. Muito se tem
escrito sobre a forma desenfreada e a rapidez com que actualmente se ouve
música. Sendo certo que uma elevada percentagem das músicas tocadas não são
ouvidas na sua totalidade até ao fim, começa a ser por demais evidente que a
tendência tende a acentuar-se a cada ano que passa. Fruto de uma insatisfação e
de uma inquietação permanente, as novas gerações de ouvintes de música, vêem-se
muito mais a si próprios como consumidores do que como amantes da escuta.
Nesse sentido, a memória do FM impõe-se-me imediatamente sobretudo pela forma
como cultivava a atenção pela escuta e pela ponderação proporcionada pelo
momento de ouvir. Um momento que se intuía mágico e simultaneamente reflexivo.
Quase como se fosse um momento religioso.
E
é justamente a esse propósito que gostaria de recordar uma noite de escuta
partilhada que jamais esquecerei. Não me recordo do dia de semana ou sequer do
ano. Tenho como certo que não terá sido muito antes da sua morte, mas é tudo o
que recordo em termos temporais.
Por
iniciativa de uma série de amigos, entre os quais se inclui o Tiago Carvalho, o
Luis Marvão e o Silva, realizou-se no bar MARR, em Setúbal, uma sessão de
escuta da autoria do FM. Aquilo a que hoje em dia se poderia considerar um
verdadeiro trabalho de curadoria contemporânea.
A
sessão consistia em estar num bar a fazer duas coisas, basicamente: beber (uma
inevitabilidade) e ouvir. Sendo um bar com um sistema de som razoável, não
havia propriamente nada de estranho na proposta. É aliás algo que se faz
habitualmente em bares. O que este programa tinha de inovador é que quase
ninguém falava enquanto a música desfilava. Quase toda a atenção era dedicada a
ouvir e circular pelo espaço de uma forma que mais parecia de deambulação do
que de se querer ir a algum lado. Conforme o momento, uns circulavam
lentamente, outros ficavam parados a ouvir e a contemplar o som. Se é que se
pode contemplar o som.
Havia
ainda assim, um pormenor filho da mãe nesta produção: antes de iniciar a
sessão, o FM distribuía a cada um dos presentes uma folha A4 com os temas que
iam desfilar durante a noite. No entanto, havia um elemento surpresa: uma das
músicas tocadas não constava da lista. Ou seja, a lista não estava realmente
completa. No final, quem a conseguisse identificar (na realidade, descobrir)
recebia das mãos do próprio FM um disco por ele oferecido. Este pózinho de
perlimpimpim era o suficiente para deixar toda a gente com as antenas no ar
durante o tempo de escuta e ouvir passava a ser uma ocupação a tempo inteiro.
Não
menos importante era naturalmente o alinhamento dos temas. Era muito comum,
depois de um tema dos Panasonic (ou Pan Sonic, conforme) poder-se ouvir um tema
de Bach. Ou ao contrário. O inesperado fazia parte da receita e a
imprevisibilidade tornava cada momento um verdadeiro deleite de audição. Cada
um de nós, com um copo numa das mãos e uma folha A4 na outra, espremia-se até
ao tutano por identificar cada um dos novos temas que iam desfilando, gozando
cada momento de escuta ao máximo, alimentado pela vaga esperança de vir a
descobrir o tema escondido da sessão.
Enquanto isso, o FM passeava-se pelo bar, olhando-nos com um misto de
curiosidade, desafio e deleite. Largava uma dica aqui, uma dica ali e lá ia
sorrindo, passeando-se de pessoa em pessoa, de forma a que a conversa não
pudesse nunca ganhar raiz e retirar peso à escuta. Ficou-me a sensação de que
nesses momentos nos sentíamos todos nas suas mãos, da mesma forma que estamos
nas mãos de quem opera um comboio de uma montanha russa, totalmente vulneráveis
e simultaneamente entusiasmados com a viagem.
Nesses momentos tudo era simples e cada um de nós era como uma criança, sempre
de ouvidos abertos e à descoberta do mundo. Para todos os efeitos, só existia
aquilo, ouvir.
Acabada
a sessão, o entusiasmo era geral, desatava tudo à conversa a tentar revisitar o
alinhamento e a descortinar o tema escondido. O bar Marr, esse, passava a ser
aquilo que era normalmente: um bar igual a tantos outros. As nossas cabeças é
que não eram nada iguais ao normal, fervilhavam pela noite dentro ressoando muito
para além daquelas escassas horas de deleite. E provavelmente, sem que o
percebamos, ainda hoje ressoam a esse momento.
Revista / Magazine
A4 - papel de jornal - a corres capa e contracapa
72 páginas
Publicação Trimestral
Distribuição Gratuita
Ano IV
Nº 16
Agosto de 2003
SPIRITUALIZED - Fora de Controlo
Os Spiritualized são uma respeitável instituição do rock britânico. Jason Pierce, também conhecido por J. Spacemen, lidera este colectivo que levou às últimas consequências as premissas de rock narcótico enunciadas na década de oitenta pelos Spacemen 3. Agora está de regresso com um novo álbum, "Amazing Grace", um capítulo divergente nesse processo de evolução.
Numa década de actividade regular, Jason Pierce guiou os Spiritualized através da produção de cinco álbuns de originais que foram levando cada vez mais longe as suas ideias de rock baseado em drones e riffs repetitivos, a que se foram juntando ideias pilhadas em compositores de vanguarda como La Monte Young, nos Can e também no jazz. A esta base Jason foi juntando a sua paixão pela música religiosa americana, também ela devedora do mesmo tipo de circularidade, assim como um certo gosto pelo sinfonismo, que resultou numa sonoridade única e cada vez mais sofisticada que teve os seus pontos altos em "Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space", o álbum de 1997, e "Let It Come Down", de 2001.
Reconhecido por ser um tanto ou quanto megalómano nos conceitos utilizados para a gravação dos seus discos (entre outras curiosidades há gravações que sofreram duas misturas - uma para cada canal de audição) Jason pertence a uma espécie em vias de extinção: a do intelectual que conceptualiza o rock 'n' roll. Daí que tenha a fama de não ser um tipo fácil: um rocker que fala por elipses, elabora conceitos que parecem cada vez mais discordantes da volatilidade dos dias que correm, que despede músicos e se dá mal com as editoras. Tudo isto porque é um melómano exigente. Como ele próprio diz no fim desta entrevista: "o futuro está na boa música". Para o novo "Amazing Grace" houve também, como seria de esperar, um novo conceito, e uma nova abordagem que teve a ver com os métodos do free-jazz e com um gosto renovado pelas sonoridades mais cruas doo rock de garagem. O que teve por consequência um álbum que deriva bastante do percurso evolutivo presente nos anteriores. Esta mudança de direcção e o estado da indústria musical no presente levou a um afastamento da anterior ligação com o grupo BMG que tinha editado todos os álbuns da banda durante a década passada. Um novo contrato com uma independente em ascensão - a Sanctuary Records - e uma data para lançamento de "Amazing Grace", que esteve cerca de um ano na gaveta, trazem este aristocrata do rock britânico de novo à ribalta.
:: O novo álbum resulta de uma gravação mais crua, onde cada faixa foi registada sensivelmente num único dia. Esta aproximação "back-to-basics" é surpreendente vinda de alguém reconhecido por ser bastante exigente com os processos de gravação e que no ano passado até foi um tanto ou quanto megalómano com as suas produções. Qual foi a ideia que esteve por detrás desta nova abordagem de gravação?
:::: Não penso que este seja um álbum "back-to-basics". Não «épropriamente uma gravação primitiva que funciona como reacção ao lado mais leaborado do álbum anterior, "Let It Come Down". O que aconteceu aqui foi um pouco um produto da experiência de gravar com os Spring Heel Jack, uma banda de jazz experimental que também colaborou com os Spiritualized. Adorei o tipo de trabalho, era como se a música jorrasse deles. A ideia era ter um microfone onde estava a acção. Eles gravaram tudo: o chiar dos metais, o som das mãos a mexer nos instrumentos. Esse lado físico de tocar e a expressão que era necessária para o fazer foi o que me fascinou, e este álbum dos Spiritualized tem a ver com isso. Com o capturar do som da banda em bruto, antes de alguém saber sequer tocar as canções. As canções foram apresentadas à banda no dia em que foram gravadas. Fomos atrás daquele momento em que as possibilidades ainda são infinitas, porque ainda ninguém tinha cristalizado as suas partes nas músicas. Portanto, ainda podíamos explorar para onde ia a canção. Acho que conseguimos alguma coisa de único.
:: Como irá passar o álbum do estúdio para o palco, se as canções foram compostas e fixadas desse modo?
:::: Penso que quando se passa as canções para o palco é preciso, de certo modo, "desaprender". Uma vez aprendida uma canção é preciso saber qual a quantidade de energia que se consegue retirar dela. Ao vivo as coisas funcionam sempre de modo diferente, depende muito da reacção da audiência e do que ela contribui para a interpretação. é muito diferente de estar numa sala a ouvir um disco. É um processo dez vezes mais envolvente.
:: Para além da abordagem na gravação este é um disco muito mais cru, com muito mais de um certo tipo de rock de garagem a la Stooges...
:::: É um disco de música não processada. Sem a produção, um pouco ao modo como as gravações de jazz eram feitas. De certa maneira é uma abordagem mais honesta, é como re-ouvir o Robert Johnson ou o Elmore James. É um tipo de música de expressão física que não tem a ver com produção ou equalização. Foi o que tentámos neste disco, não saber exactamente como iria resultar. A ideia era gravar e pôr o álbum cá fora sem que as pessoas sequer soubessem que o íamos gravar.
:: Mas de momento vão fazer uma digressão com os Soledad Brothers, uma banda de um tipo de rock muito cru. É uma paixão recente pelo rock de garagem e os blues? É que não muito normal uma banda como os Spiritualized trazer consigo um suporte como os Soledad Brothers...
:::: Não sei, gosto do que eles fazem. E sou um bocado snob com a música e penso que toda a gente o é. Tenho esta es+écie de metrónomo que começa aos saltos se a música começa a ir para o lado errado. E os Soledad Brothers nunca empurram a agulha para esse lado. Acho que eles andam sempre no lado certo da cidade. E gosto disso.
:: No novo álbum há temas como "this Little Life Of Mine" ou "Never Going Back" que são cruas e garagistas e outras como "Hold On" ou "Oh Baby" que são mais do tipo narcótico-orquestral, o tipo de sonoridade que se associa aos seus discos anteriores. Houve aqui uma tensão entre a nova sonoridade dos Spiritualized e os velhos Spiritualized?
:::: Entre os novos e os velhos Spiritualized? Bem, eu acho que este álbum é mais nu no que apresenta. É como alguém que nos sussurra ao ouvido. É como uma espécie de conselho que vem de mim e eu sou o último tipo de pessoa de quem se espera um conselho. Uma coisa que empurrou este álbum para ser o que é, foi um espectáculo que demos para a televisão. Foi uma merda e apeteceu-me fazer um conjunto de canções que mostrasse: isto é o que eu sou, isto é o que eu sinto. O que fizemos neste disco é algo de muito humano e falível, algo que não tem respostas concretas, mas é um trabalho que demonstra uma espécie de compaixão. E acho que funciona.
:: Antes de ser lançado oficialmente neste formato o novo álbum foi previamente editado num conjunto e três EPs em vinil. Foi uma oferta especial para os "vinyl-freaks" ou uma maneira de testar as águas no que dizia respeito ao novo material?
:::: (Risos) Acho que foi mais a primeira hipótese. Este disco soa muito bem em vinil. Os nossos discos anteriores não soam muito bem em vinil. O "Pure Phase" e o "Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space" foram editados com misturas diferentes para cada canal auditivo, portanto são misturas diferentes que se ouvem na coluna da esquerda e na coluna da direita. E isso não funciona muito bem no vinil. Mas este disco funciona muito bem em vinil, que é um objecto absolutamente fantástico desde que de boa qualidade. Esta ideia também serviu para contrariar um bocado aquela coisa do marketing que aponta todas as baterias para um dia de lançamento específico. É bom que as pessoas possam ter o disco em vinil ou possam ouvi-lo na internet antes do lançamento propriamente dito. Porque isto tem a ver com música e não com campanhas de marketing. É importante que as pessoas possam ouvir a música quer a queiram comprar ou não...
:: Entre o lançamento dos álbuns de originais - isto é, entre "Let It Come Down" e "Amazing Grace" - foi editada a compilação dupla de material raro, "Complete Works Volume One", uma quase obra-prima de rock narcótico. O que sentiu ao recuperar esse material antigo?
:::: Não foi muito difícil porque é uma coisa cronológica. Começa aqui, acaba ali. E isto é tudo o que está no meio. Foi interessante, porque houve uma sensação de intemporalidade. A música em que estava a mexer não tinha nada a ver com o que está ou esteve na moda. Não estamos muito interessados em estar na moda e vender mais discos por causa disso. Estava curioso em saber como soaria aquele material. Mas não soou como se tivesse sido feito há dez anos atrás, poderia bem ser material gravado para o novo álbum ou para o "Ladies And Gentlemen". Senti-me bastante bem em relação ao que ouvi.
:: No seu trabalho passado há aproximações ao tipo de electrónica de drones (sons repetitivos e circulares que funcionam como indutores de uma espécie de transe). Nunca se sentiu tentado a explorar mais a electrónica. Usar loops e grooves samplados, por exemplo?
:::: Acho isso um bocado preguiçoso. Acho que o que fazemos é rock 'n' roll. Temos falado muito sobre free-jazz ultimamente. Aquilo que fazemos não é free-jazz, mas gosto da ideia de se ouvir um som e de se responder a esse estímulo. É isso que faz a música, a interactividade. Penso que há certos pontos musicais, em certos discos, que me fazem evitar sequer querer fazer um disco de que penso não me ir conseguir aproximar. Um desses discos é o dos Rocket From The Tombs, que é uma espécie de colecção de demos dos primeiros discos dos Pere Ubu e dos Dead Boys. Esse disco diz-me: "mantém-te afastado da verdadeira música de garagem, porque nem sequer te vais conseguir aproximar". Por outro lado, os Kraftwerk conseguem ter uma espécie de alma dentro da música electrónica - que é um aspecto que não se associa muito à música electrónica uma musicalidade e melodia que me fazem ficar afastado de tentar atirar-me a esse tipo de área. Há já quem o faça tão bem...
:: Desde o tempo dos Spacemen 3 e mais uma vez em "Amazing Grace" - logo a começar pelo título - parece haver uma obsessão com Jesus e "O Senhor". É realmente um crente ou esta é uma maneira de exprimir a dependência humana por entidades superiores?
:::: Não sou crente. Acho que esta é a "graça fabulosa" de que cantava Elvis Presley. Não tem nada a ver com religião. A expressão tem a ver com a outra metade do rock 'n' roll: a estranha música de igreja da Europa que foi levada para os Estados Unidos e que se tornou no gospel e na country por mistura com os cânticos negros. A única diferença entre a música gospel e a pop é que a primeira chegou às crianças através de Jesus. Só que a paixão que as pessoas demonstram quando cantam sobre Jesus é muito maior do que a das que cantam sobre amores falhados. E eu gosto disso na música gospel.
:: Mas afinal isso não é um bocado irónico quando até se diz que o rock 'n' roll é a música do Diabo...
:::: Eu acho que as pessoas gostam de brincar com isso. É como usar calças de cabedal. Há um certo imaginário que as pessoas criam. Costuma-se dizer que o Diabo tem as melhores melodias, mas se o Diabo tem as melhores melodias então a Igreja tem os melhores cantores...
:: Desde os Spacemen 3, até "Ladies And Gentlemen We Are Floating In Space", "Let It Come Down" ou agora "Amazing Grace" existe desde sempre na sua música um flirt entre a espiritualidade e a utilização de drogas. Acha que as drogas podem aumentar o nosso lado espiritual?
:::: Não sei... Acho que a melhor música acontece quando estamos fora de controlo. Quando estamos fora daquilo que sabemos que podemos fazer. E é por isso que as pessoas recorrem muito às drogas no rock. Mas a ideia que as drogas produzem melhor música é obviamente errada. A boa música não é um produto directo das drogas.
:: No final de "Amazing Grace" há uma demolição do hino americano, o "Star Spangled Banner" em versão algures entre o free-jazz e uma banda de funeral de New Orleans. É um comentário ao papel dos EUA no mundo neste momento?
:::: Se eu quisesse ser realmente pomposo acerca do assunto, diria que sim. essa ideia surgiu de conversas que tive com o Dr. John [pianista de Nova Orleães, cujos discos são uma mistura explosiva de r&b de Nova Orleães e rock, que se apresenta vestido com fatos do Mardi Gras e que é colaborador habitual dos Spiritualized] uma semana e meia a seguir ao 11 de Setembro. Ele disse-me: "devias escrever sobre esta merda, isto é importante, mas não especificamente sobre os eventos desse dia". Também teve a ver com o facto de ter ouvido uma versão do Maceo Parker do "Amazing Grace" [canção tradicional norte-americana], uma espécie de desconstrução esquisita. Tentámos fazer uma versão disso, que foi lançada em vinil no ano passado. E resultou numa associação de ideias que chegou até aqui. Para ser específico não é uma mensagem sobre a situação.
:: As mudanças de sonoridade neste novo álbum dos Spiritualized foram responsáveis pela mudança de editora, pela saída da BMG?
:::: Este álbum foi pensado para sair sem grandes aparatos. Tornou-se um assunto mais aparatoso porque mudámos de editora e houve um atraso no lançamento por causa das negociações. Nós acabámos o disco e vimos que podíamos sair do antigo contrato, e era importante que isso acontecesse naquela altura. Por uma grande série de razões. Acho que eles são uma grande máquina de vender discos e não estavam muito interessados em vender como este. Acho que quando quisemos romper eles ficaram um bocado naquela que nós estávamos a assaltar o banco. Nós dissemos: "desculpem lá, roubámos o banco mas agora vamos embora". Foi mais ou menos mútuo.
:: Acha que o futuro está nas companhias independentes?
:::: Acho que o futuro está na boa música. O problema neste momento é que as companhias de discos estão a ir pelo cano abaixo. E estão a atirar discos cá para fora como balas. Há tanto produto barato - "rápido, embora fazer mais duzentas mil girl-groups; rápido, embora fazer mais duzentos mil disto e daquilo". Penso que um dos maiores problemas é que a injdústria discográfica foi construída à volta da ideia de que pode enganar-nos: "Se conseguirmos boas críticas, pondo dinheiro nisso, se conseguirmos uma grande campanha publicitária e um vídeoclip bonitinho vamos conseguir vender-vos isto e sacar-vos o dinheiro ainda antes de vocês ouvirem esta merda." Mas isso é um engano, as pessoas vão querer saber primeiro como é. Por isso é que a indústria é tão avessa à internet.
Jorge Dias
Spacemen 3
Formados por Jason Pierce e Sonic Boom (Peter Kember) em 1982, os Spacemen 3 tornaram-se uma das principais bandas do indie-rock britânico dos anos 80, estando inclusivamente ligados è origem do movimento apelidado de "shoegazing". Numa altura em que a produção britânica derivava à volta do gótico e do pós-punk ou, por outro lado, parecia procurar a canção pop perfeita nas guitarras à maneira dos Smiths, os Spacemen 3 traziam as tonalidades narcóticas de um rock repetitivo e negro muitas vezes inspirado em bandas de vanguarda dos anos 60 e 70 como os Silver Apples ou Suicide. Após quatro álbuns de originais ["Sound Of Confusion" (1986); "Perfect Prescription" (1987); "Playing With Fire (1989) e "Recurring" (1991] acabam por separar-se devido a problemas com drogas de Sonic Boom e à crescente conflituosidade deste com Jason.
DISCOGRAFIA SELECCIONADA
LAZER GUIDED MELODIES (1992 - Dedicated / BMG)
Após longo processo de incompatibilização com Sonic Boom - o outro elemento central dos Spacemen 3 - Jason arrasta os restantes músicos da banda e constitui os Spiritualized. Além destes traz os drones, os tremolos, as modulações e a paixão pela música de inspiração religiosa. "Lazer Guided Melodies" é um álbum dividido entre as faixas no formato próximo da canção de raízes indie-rock e as sonâmbulas digressões por uma espécie de rock ambiental e narcótico já a prever os sinfonismos que se seguiriam. No ano em que "Nevermind" e o "heroin-chic" explodem, Jason está lá longe, no espaço sideral, e sorri com ar de quem está muito à frente...
PURE PHASE (1995 - Dedicated / BMG)
Tendo assumido o nome Spiritualized Electric Machine para este período, Jason começa a libertar-se do fantasma dos Spacemen 3 juntando a todas as componentes do drone rock que persegue desde o início, uma nova vertente vagamente sinfónica. Por entre as modulações, as ressonâncias e as explosões de distorção surgem agora inteiras secções de metais ou as intervenções do reputado Balanescu Quartet, enquanto se ensaia o fervor do gospel. "Pure Phas" é o épico possível até esse momento, um álbum extenso e ambicioso misturado duas vezes por Pierce, para um efeito stereo mais luxuriante e envolvente. Inclui uma versão de "Born Never Asked" de Laurie Anderson.
LADIES AND GENTLEMEN WE ARE FLOATING IN SPACE (1997 - Dedicated / BMG)
O disco da "caixa de comprimidos", que é o álbum por excelência dos Spiritualized. Aqui Jason Pierce, ainda acompanhado por alguns dos elementos da primeira formação da banda, mas com mais meios, expande todas as ideias que trazia dentro da sua música para um patamar superior. A junção de coros e orquestra transforma as canções de J. num grandiloquente caos orquestral que é tão devedor do ruído quanto as ambiências sonoras mais sofisticadas. "Ladies And Gentlemen" é a obra-prima do rock narcótico que é a sua especialidade. Um disco de óptimas ideias, grandes concretizações e talvez o melhor conjunto de canções que escreveu, com pontos altos em "I Think I'm In Love", "Electricity" ou no lindíssimo "Broken Heart".
LIVE AT ROYAL ALBERT HALL (1998 - Deconstruction / BMG)
Aproveitando a excelente recepção a "Ladies And Gentlemen" e a digressão que se lhje seguiu, este é o álbum que captura a energia dos Spiritualized em palco, em formato aumentado por coro, secção de cordas e metais. Um duplo álbum correspondendo às ambições de grandiosidade de Jason e que percorre alguns dos melhores momentos dos três álbuns de originais editados até então, fazendo mesmo uma incursão por território Spacemen 3. A sessão encerra com uma versão do clássico gospel 2Oh Happy Day", numa derivação entre o transe religioso e o épico sinfónico.
LET IT COME DOWN (2001 - Spaceman / Arista / BMG)
A lista de participantes aumenta a olhos vistyos. Não só a banda foi completamente reformulada, como as orquestras e os coros são cada vez maiores, Jason começa a aproximar-se da megalomania sem efeitos surpreendentemente superiores ao conseguido antes. "Let It Come Down" é um bom álbum mas um pouco mais do mesmo por comparação com o excelente "Ladies And Gentlemen". Como se o processo evolutivo iniciado pelos Spiritualized tivesse chegado a um beco sem saída.
THE COMPLETE WORKS VOLUME ONE (2003 - Spaceman Records / Arista / BMG)
Para assinalar a despedida da BMG J. organiza esta feliz compilação de material disperso por edições à margem dos álbuns. É um excelente duplo CD onde se mistura alguma da inocência das primeiras gravações do projecto (algumas delas ainda pertencentes ao último álbum dos Spacemen 3) com versões experimentais editadas em formatos de menos responsabilidade e lados B. É um leque de música produzida em diferentes períodos e circunstâncias mas que funciona como um todoo surpreendetemente coerente, resultante noutro inesperado épico de rock narcótico.
AMAZING GRACE (2003 - Spaceman Records - Sanctuary / Som Livre)
Quem se habituou às ambiências envolventes dos álbuns dos Spiritualized até aqui fica com os cabelos em pé logo com as primeiras duas faixas. "This Little Life Of Mine" e "She Kissed Me (It Felt Like a Hit)". Há feedback e distorção à solta, o som é roufenho e Jason berra parecendo estar a liderar uma encarnação britânica dos Stooges, com pianinho martelado e tudo. Mais à frente surgem "Never Goin' Back" ou "Cheapster" que exploram a mesma via sonora, entrecortada por baladas narcóticas onde se regressa a terreno mais habitual neles. Só que em versão mais próxima de uma "rough mix", nada dos embelazamentos sinfónicos de antes. Pelo meio, em momentos mais caóticos como "The Power And The Glory" e na versão do hino americano "Star Spangled Banner", aproxima-se mais das desconstruções do free-jazz. Na realidade este é um disco onde as componentes base da sonoridade da banda foram separadas quase que à força funcionando o conjunto mais por saltos de registo do que por esquema de continuidade, como antes. E é natural que depois dos processos perfeccionistas dos álbuns anteriores, Jason necessite mudar de métodos, mas esta nova abordagem em regime de força bruta não produz necessariamente os melhores resultados. "Amazing Grace" não é um mau disco, tem algumas ideias interessantes e um naipe de boas canções como "Lord Let It Rain On Me" ou "Oh Baby", mas soa inevitavelmente uns furos abaixo do melhor que os Spiritualized já gravaram.
Jorge Dias
Reedições
ASMUS TIETCHENS
Asmus Tietchens é um dos mais conceituados compositores alemães, ligado à música experimental, abstracta e concreta, mas também várias vezes conotado com o movimento "bruitiste" e a música industrial. Nascido em 1949, iniciou a sua actividade musical em 1965 e desde 1980 tem vindo a editar algumas das obras mais desafiantes dentro desses géneros. Num constante work-in-progress e numa atitude inconformista, tem procurado sempre encontrar novas soluções de composição e de abordagem para a sua música. A sua extensa obra, espalhada por uma série de pequenas editoras, é incontornável e os seus discos - principalmente os primeiros LP's - encontram-se há muito esgotados. Por essa razão, a editora Die Stadt iniciou este ano a mega-tarefa de reeditar em CD os 18 primeiros LP's de Asmus Tietchens, editados entre 1980 e 1990, a uma média de um disco cada três meses, todos eles acompanhados de temas inéditos. O primeiro volume desta série é "Adventures In Sound / Nachtstucke" (2XCD Die Stadt), um duplo CD que inclui gravações inéditas de Asmus Tietchens e o seu primeiro disco, produzido por Peter Baumann (Tangerine Dream) para a EGG. "Adventures In Sound" é preenchido com temas inéditos gravados entre 1965 e 1969 com a ajuda de Okko Bekker - amigo e produtor que contribuiu de uma forma activa no resultado final de muitos dos seus discos - e de Hans Dieter Wohlmann. "Adventures In Sound" é, acima de tudo, um trabalho de investigação sonora e de exploração das possibilidades dos instrumentos. Experiências que correm a música concreta e a electro-acústica realizadas por um jovem músico autodidacta à procura de um ponto de partida para o seu trabalho. "Nachtstucke" é substancialmente diferente.
Da música concreta passamos para um ambientalismo electrónico, onde encontramos peças harmoniosas de uma claridade musical própria. "Biotop" (CD Die Stadt), por seu lado, é o primeiro de um lote de quatro discos que Asmus Tietchens editou na Sky [editora alemã dedicada à música electrónica por onde passaram, entre outros, nomes como Brian Eno, Cluster, Dieter Moebius e Hans J. Roedelius] e que compreendem uma etapa à parte dentro da sua discografia, pelo tipo de abordagem mais convencional da música electrónica ambiental - leia-se "pseudo-pop". Uma das grandes diferenças entre "Biotop" e "Nachstucke" é a instrumentação utilizada, em especial uma unidade geradora de ritmos - a Roland CompuRhythm -, as possibilidades do Moog, e a tentativa de escrever peças que não excedessem os quatro minutos. O resultado é um álbum recheado de temas curtos, ritmados, banhado por uma acessibilidade relativa influenciado por alguns dos seus grupos favoritos da altura: Cluster, Kraftwerk e Faust. Depois de "Spat-Europa", "In Die Nacht" e "Litia" - os outros três discos editados pela Sky - Tietchens cortaria o cordão umbilical e editaria "Formen Letzter Hausmusik" pela United Daries (editora de Stephen Stapleton, dos Nurse With Wound) ainda hoje uma das suas obras mais radicais e difíceis. Começava aí a segunda vida de Asmus Tietchens.
Nota de rodapé: Aparentemente as capas de todas as reedições parecem iguais, mas um olhar mais atento constata que existe um pormenor de cor que se vai aproximando de nós à medida que a colecção vai avançando, e enquanto as lombadas vão formado o nome de Asmus Tietchens. Essa foi uma das intenções de Asmus Tietchens, poder dar uma noção forte de "colecção", optando por reproduzir no booklet que acompanha cada CD, e em tamanho semelhante a um LP, a capa de cada disco. Só é pena que os textos explicativos que Asmus Tietchens escreveu para cada disco estejam em alemão...
a monotonia do quotidiano é, de certa forma, a mais extremada forma de ritual.
a segurança e o conforto são, de certa forma também, a expressão ilusória que garante a monotonia, suporte da tolerância à mesma.
o único ritual possível para a constante renovação é o do enterro.
credits
released November 12, 2018
joão sousa - bateria , voz
filipe adão - guitarra
tiago eira - synth
e
andré calvário - voz
album mixed and mastered by tiago eira
foto e capa de joão sousa
Die Krupps - Stahlwerksynfonie (1) 1981 Zickzack Platten
https://www.discogs.com/Die-Krupps-Stahlwerksynfonie/master/290527
Bernward Malaka, Jürgen Engler, Frank Köllges, Ralf Dörper + Peter Hein + Eva Gossling (Conny Plank, Holger Czukay)
Fehlfarben - Monarchie Und Alltag (1) 1980 Welt-Rekord, EMI Electrola
https://www.discogs.com/Fehlfarben-Monarchie-Und-Alltag/release/1668731
Michael Kemner, Uwe Bauer, Thomas Schwebel, Frank Fenstermacher, George Nicolaidis, Peter Hein
Wolfgang Riechmann - Wunderbar (1/2) 1978 - Sky
https://www.discogs.com/artist/363510-Wolfgang-Riechmann
Wolfgang Riechmann, Hans Schweiss
Belfegore - A Dog Is Born (1/2) 1983 Pure Freude
https://www.discogs.com/Belfegore-A-Dog-Is-Born/release/871779
Giggi Sessenhausen, Michael Grund, Rene Tinner, Michael Clauss - Inner Space Studio (Recorded At)
Minus Delta T, -Δt* – The Bangkok Project - Das Bangkok Projekt (1/2) 1984 Ata Tak
https://www.discogs.com/Minus-Delta-T-%CE%94t-The-Bangkok-Project-Das-Bangkok-Projekt/release/906543
Bernhard Müller, Chrislo Haas, Gérard Couty, Karl Dudesek, Mike Hentz
Wolfgang Riechmann & Streetmark – Wolfgang Riechmann & Streetmark (2/2) 1979 Sky Records
https://www.discogs.com/Wolfgang-Riechmann-Streetmark-Wolfgang-Riechmann-Streetmark/release/909474
Manfred Knauf, Heinz Dofflein, Hans Schweiss, Thomas Schreiber, Dorothea Raukes, Streetmark, Wolfgang Reichmann
Mania D. - Live In Düsseldorf & SO (1/3) 1980 Eisengrau
Live Recordings From 1980, Düsseldorf Ratinger Hof and West-Berlin SO36.
https://www.discogs.com/Mania-D-Lifve-In-D%C3%BCsseldorf-SO/release/1439183
Beate Bartel, Bettina Köster, Eva-Maria Gossling, Gudrun Bredemann
CHBB - series of 4 C-10-tapes, in an edition of 50 pieces only
https://www.discogs.com/artist/81540-CHBB
Chrislo Haas, Beate Bartel
Der KFc - Knülle Im Politbüro (1/2) 1981 Schallmauer
https://www.discogs.com/Der-KFc-Kn%C3%BClle-Im-Politb%C3%BCro/release/488505
Ferdinand Mackenthun, Klaus Peter Trimpop, Meikel Klauss, Rainer Mackenthun, Tobias Brink, Tommi Stumpff
Der KFc – Letzte Hoffnung (2/2) 1981 Schallmauer
https://www.discogs.com/Der-KFc-Letzte-Hoffnung/release/425560
Kapt'n Nuss, John Brogden, Fritz Fotze, Micki Matchkopf
Ideal - Ideal (1/4) 1980 Innovative Communication
https://www.discogs.com/Ideal-Ideal/release/387116
Ulli Deuker, Mannerchor Der Deutschen Bundesband, Bettina Sefkow, Hans Behrendt, Eff Jott Krüger, A. Humpe, Eberhard Panne, Klaus D. Mueller, Annette H.
Elektric Music - Esperanto (1/2) 1993 EastWest
https://www.discogs.com/Elektric-Music-Esperanto/release/52467
Karl Bartos, Andy McCluskey, Emil Schult, Lothar Manteuffel
Mau Mau - Kraft (1/1) 1982 Polydor
https://www.discogs.com/Mau-Mau-Kraft/release/1095489
Michael Kemner, Wolfgang Spelmanns, Lorenz Altendorf, Fredy Heimermann, Rene Tinner
Male - Zensur & Zensur (1/1) 1979 Rock-On Schallplatten
https://www.discogs.com/Male-Zensur-Zensur/release/1580346
Stefan Schwaab, Bernward Malaka, Claus Ritter, Jürgen Engler, Bernd Schmidt, Rainer Assmann
Stahlnetz – Wir Sind Glücklich (1/1) Ariola 1982
https://www.discogs.com/Stahlnetz-Wir-Sind-Gl%C3%BCcklich/release/309107
Jochen Rausch, Hermann Schulte, Detlev Cremer, Conny Plank, René Tinner
La! NEU? – Live At Kunsthalle Düsseldorf (2XCD) (9/9) Captain Trip Records 2001
https://www.discogs.com/La-NEU-Live-At-Kunsthalle-D%C3%BCsseldorf/release/2507827
Klaus Dinger, Rüdiger Elze, RembrandtLensink, Renate Dinger, Viktoria Wehrmeister
- Beate Bartel (*1955) - Liaisons Dangereuses, Mania D., Einstürzende Neubauten, CHBB
- Karl Bartos - (*1952) - Sinus, Elektric Music
- Chris Bohn = Biba Kopf (*1954) - New Musical Express, The Wire
- Claudia Brücken (*1963) - Topolinos, Propaganda, Act, Onetwo
- Bernd Cailloux (*1945) - Leisure Society Experiments in Art and Technology, escritor - "Das Geschaftsjahr
- Meikel (Michael David) Clauss (*1959) - KFC, Nichts, Belfegore --> homeopathic practitioner
- Chris Cross (Christopher Allen) (*1952) - Ultravox --> psychotherapist
- Kurt Dahlke (*1958) - Pyrolator, You, Deutsch Amerikanische Freundschaft (DAF), Ata Tak founder, Der Plan, Fehlfarben --> eminência parda da música electrónica 8grey eminence of electronic music)
- Gabi (Gabriel) Delgado (Lopez) (*19589 - Deutsch Amerikanische Freundschaft (DAF)
- Klaus Dinger (1946-2008) - Swing Combo, The No, The Smash, Kraftwerk, Neu!, La Düsseldorf, Die Engel Des Herrn, ...
- Thomas Dinger (1952-2002) - La Düsseldorf
- Ralf Dörper (*1960) - S.Y.P.H., solo, Die Lemminge, Die Krupps, Propaganda, Dr Acid, Mr House
- Rusty Egan (*1957) - Rich Kids, Visage
- Jaki Eldorado (*1958) - Ivanhoe, Aus Lauter Liebe, Babylon Will Fall, Abwarts, Die Toten Hosen, Fünf Sterne Deluxe, Ferris MC
- Jürgen Engler (*1960) - Male, Vorsprung, Die Krupps, Accuser, Protector, Dkay.com
- Frank Fenstermacher (*1955) - Art Attack Gallery, Ata Tak, Der Plan, Fehlfarben, A Certain Frank
- Dirk Flader (*1960) - Klaus Dinger cousin
- Wolfgang Flür (*1947) - The Bellos, The Beathovens, The Spirits Of Sound, Kraftwerk
- Susanne Freytag (*1957) - Propaganda
- Jürgen Fritsche (*1950) - GGK (advertising agency)
- Bob (Robert) Giddens (*1954) - ZigZag (british fanzine), writer of the column 'German calling', DAF management, Cliff Barnes And The Fear Of Winning (vocalist)
- Peter Glaser (*1957) - Minus Delta T, Ratinger Hof scene, internet pioneer - Chaos Computer Club
- Robert Görl (*1955) - You, Minus Delta T, DAF, solo with Conny Plank producing, work with Annie Lennox and Mute
- Glenn Gregory (*1958) - Musical Vomit, Heaven 17, worked with Tina Turner, Grace Jones, Propaganda, Ultravoz
- Chrislo (Christian-Ludwig) Haas (1956-2004) - Minus Delta T, DAF, Kurt Dahlke, Liaisons Dangereuses
- Peter Hein (*1957) - Janie J. Jones (alias), Charley's Girls, The Ostrich (fanzine writer), Mittagspause (cult band), Fehlfarben, Family 5
- Alfred Hilsberg (*1947) - editor and columnist of Sound magazine, owner of ZickZack label, owner of What's So Funny About label, coined the term Neue Deutsche Welle in Sounds, Abwarts, Einstuerzende Neubauten and Die Krupps supporter, Trio, Extrabreit - refused support for these successful bands, ZickZack Released more than 100 vinyl and cassettes in 5 years
- Nigel House (*1958) - Co-owner and manager of Rough Trade, aka Mr High Fidelity
- Ralf Hütter (*1946) - Organisation, Kraftwerk
- Paul Humphreys (*1960) - OMD, Onetwo
- Klaus Immig (*1956) - tocou ao vivo com Klaus Dinger, Die Engel Des Herrn
- Waldi (Walter) Jaeger (*1958) - Die Krupps, Belfegore
- Michael Kemner (*1950) - DAF, Fehlfarben, Mau Mau, Traneninvasion
- Carmen Knoebel (*1944) - ran the Ratinger Hof from 1974 until 1979, DAF, Mittagspause, Charley's Girls, Pure Freud label
- Günter Körber (1946-2013) - A&R of Metronome in Hamburg and responsible for Brain, founded Sky
- Eberhard Kranemann (*1945) - Piss Off, Kraftwerk, Neu!, Fritz Müller Rock
- Werner Lambertz (*1951) - inventor Brontologic computer system, producar in his studio of Die Krupps, Der Plan, Belfegore, Andreas Dorau, Pyrolator. Sold his studio to Michael Grund --> Grundfunk-Studio
- Hans Lampe (Biermann) (*1952) - Conny Plank engineer, Neu!, La Düsseldorf, Michael Rother group
- Chris (Christopher) Lietz (*1961) - Die Krupps
- Bernward Malaka (*1962) - Male (Germany's first punk band), concerts in Ratinger Hof, Markthalle and SO36, Vorsprung, Die Krupps
- Lothar Manteuffel (*1957) - Emil Schult, Kraftwerk, Rheingold, Karl Bartos, Elektric Music
- Andy (George Andrew) McCluskey (*1959) - OMD, Atomic Kitten
- Michael Mertens (*1953) - Propaganda
- Gerhard Michel (*1966) - Feine Deutsche Art, Stranger Than Paradise, Klaus Dinger, Neu!, Die Engel Des Herrn, solo, Music Cargo
- Daniel Miller (*1951) - The Normal, Mute Records (label)
- Paul Morley (*1957) - wrote for New Musical Express between 1977 and 1983, ZTT (label) founder, Propaganda, Frankie Goes To Hollywood, Art Of Noise
- Giorgio (Hans-Georg) Moroder (*1940) - South Tyrol, Ricky Sjane, Donna Summer
- Muscha (Jürgen Muschalek (1951-2003) - Trini Trimpop, Charley's Girls
- Colin Newman (*1954) - Wire, Ratinger Hof famous show in November 1978, Pink Flag (label)
- Mari (Marion) Paas (*1947) - rented property Im Grund 3b to Klaus Dinger, long time partner of Klaus Dinger, organiser of live concert at Tor 3 september 1987
- Conny Konrad Plank (1940-1987) - music producer and sound engineer in studios in Cologne and Hamburg, responsable in large part for the success of Düsseldorf bands like Kraftwerk, Neu!, La Düsseldorf, DAF, Rheingold... Devo, Ultravox, Eurythmics
- Jochen Rausch (*1956) - involved in 1982 with the LP Wir Sind Glücklich by Stahlnetz produced by Conny Plank, Radio 1LIVE
- Moritz R. (Reichelt) (*1955) - Der Plan frontman, writer of the band's biography book
- Heino (Heinz) Riechmann (*1948) - brother of Wolfgang Riechmann, Spirit Of Sound, Bodenwelle
- Wolfgang (Wölfi) Riechmann - (1947-1978) - Spirits Of Sound, Streetmark
- Michael Rother (*1950) - Spirits Of Sound, Kraftwerk, Neu!, Cluster, Harmonia, solo
- Ryuichi Sakamoto (*1952) - Yellow Magic Orchestra
- Claudia Schneider-Esleben (*1949) - Achim Roedelius, Cluster
- Florian Schneider-Esleben (*1947) - Piss Off, Organisation, Kraftwerk
- Tina (Christina) Schnekenburger (*1956) - DAF, Die Krupps
- Emil Schult (*1946) - KraftwerK colaborator
- Wolfgang Seidel (*1949) - Ton Steine Scherben, Conrad Schnitzler, Kluster, Populare Mechanik
- Wolfgang Spelmans (*1955) - DAF, Mau Mau
- Bodo Staiger (*1949) - Boy Scouts, Harakiri Whoom, Sinus, Lilac Angels, Rheingold
- Charly T Terstappen (*1953) - Wallenstein, Belfegore, Rheingold, Neondian, The Lords
- Andreas Thein (1958-2013) - Propaganda, Dr Acid, Mr House
- Raoul Walton (*1959) - Belfegore, Gabi Delgado, Arno Steffen, Gianna Nannini, Klaus Dinger, Rainbirds, Heinz-Rudolf Kunze, Jule Neigel
- Martyn Ware (*1956) - Human League (The), Heaven 17, B.E.F.
- Frank Z. (Ziegert) (*1957) - Abwarts, Die Toten Hosen
- Ralf Zeigerman (*1960) - Neat, GGK, written a book on Ratinger Hof
- Rainer Zicke (*1961) - Kraftwerk video operator
autor: Rudi Esch título:Electri_City
editora: Omnibus Press
nº de páginas: 416
isbn: 978-1-4683-1443-4
data: 2016
nota: ver posts seguintes para mais informação relacionada com este tema - Düsseldorf scene -
ELECTRI_CITY
THE DUSSELDORF SCHOOL OF ELECTRONIC MUSIC
RUDI_ESCH
badana da capa
Düsseldorf está para a Música Electrónica como Memphis está para o Rock 'n' Roll
ELECTRI_CITY documenta a história da música electrónica desde os seus primórdios em 1970 até ao final da fase analógica, em 1986. Para além da história das bandas vistas individualmente também se investiga a emaranhada rede de conexões musicais. Encontrámo-nos com os músicos, agentes, engenheiros e produtores, assim como com peritos dos campos da arte, publicidade e moda, que descrevem o zeitgeist único daquela época. Apresentamos também os visionários, técnicos, dandys, excêntricos e puros fanáticos - enfim, com todos os que desempenharam algum papel naquela época e que ficou para a história. Através da utilização criativa das novas tecnologias e com uma visão Orwelliana do futuro, eles originaram uma nova e revolucionária forma musical, feita com sintetizadores.
Nesta colecção de entrevistas relevantes, Rudi Esch sublinha com firmeza a importância da The Düsseldorf School, pondo a nú os mitos e a realidade das bandas responsáveis por uma explosão musical futurística, destinada a influenciar músicos e artistas de todo o mundo. Entre os entrevistados iremos encontrar Michael Rother, Klaus Dinger, Wolfgang Flür, Daniel Miller (Mute Records), Paul Humphreys e Andy McCluskey (OMD), Martyn Ware (Human League), Glenn Gregory (Heaven 17), Rusty Egan (Visage), Ryuichi Sakamoto e o produtor Giorgio Moroder.
O resultado é uma colecção de percepções claramente observadas pelos próprios pioneiros, assim como de alguns dos seus acólitos. Como o Frankfurter Rundschau referiu, ELECTRI_CITY não é nada menos do que 'uma contribuição fundamental para a história da pop'
Es Lebe unsre Welt.
Die Liebe und das Leben.
Long live our world.
Terra nostra - Viva!
La Düsseldorf, VIVA Düsseldorf, 1978
Omnibus Press
London / New York / Paris / Sydney / Copenhagen / Berlin / Madrid / Tokyo
Dedicated to the dead.
The music companion, Klaus Dinger and my beloved dad, Walter Esch.
As well as to those who turn Graceland every day into a place of Peace, Love and Understanding. Anschi and Cosi, Leon and Lia.
Copyright 12016 Omnibus Press
(A Division of Music Sales Limited)
Cover Image: Dirk Rudolph
Translated by Rudi Esch com Rob Keane
ISBN: 978-1-785-58119-9
Order No. OP56639
www.omnibuspress.com
Prefácio
ELECTRI_CITY - A Cidade Electrónica. Ou Seja, Düsseldorf.
É uma grande e global lenda, que se espalha desde Detroit a Tóquio, de Londres a Madrid, que refere sempre Düsseldorf como a origem da música electrónica. Foi aí que tudo começou, nas margens do rio Düssel. Eis o local de nascimento da música electrónica. Da mesma forma que o pequeno Düssel flui para o imenso rio Reno, foi necessário apenas algumas pequenas fontes para criar tão importantes e enormes novas ondas de música moderna.
Os primeiros sons electrónicos criados por nós foram análogos à origem etimológica do nome Düssel, que significa 'rugindo, correndo, trovejando'. O grande rugido que se seguiu quando decidimos comercializar as nossas ideias musicais duma forma puramente electrónica, juntamente com capas que eram tão límpidas que quase poderiam ser descritas como austeras, foi tremendo. Editámos Autobahn em 1974 - mil novecentos e setenta e quatro; metade de uma vida atrás.
O mágico rio Reno, com as suas margens densamente habitadas e industrializadas, que em conjunto atraíram e incitaram as pessoas ao mesmo tempo. Parece que emanavam uma enorme potência criativa. O leito do rio transbordava constantemente até fluir para o Mar do Norte; similarmente as novas tendências que despontavam as denominadas lendas transbordaram e tornaram-se mainstream: industrial, synth-pop, EBM, techno, house, electronica, ambient, drum 'n' bass, trip-hop, jungle, drone e dubstep. Todos estes estilos descartam as convencionais estruturas da canção sem deitar fora, contudo, a sua dançabilidade. Baseados na nossa música, que era concentrada na tecnologia e no então não-assim-tão-usado computador, músicos e tecnocratas foram capazes de se tornar artistas e estrelas da pop.
Até pata mim - e eu fiz parte disso - me soa quase para além do crível, como uma espécie de moderno conto de fadas. Noa nossa sala de ensaios, estúdio e apartamento partilhado, criámos um som que viajaria por todo o mundo.
Foi uma época fantástica. Tudo parecia possível. Os primeiros sintetizadores eram instrumentos que pediam um novo caminho musical. Não era necessário ter-se uma educação musical para os usar. A virtuosidade musical era substituída por uma fome de conhecimento. De repente toda a gente era capaz de fazer música. Por um lado, isso teve uma grande influência na nossa auto-estima. Por outro lado, também teve uma grande influência na nossa imagem e na nossa música; por outro ainda, deu-nos a reputação de não sermos nada mais do que 'rodadores de botões'.
Dito isto, temos de admitir que havia grandes músicos, mesmo dentro do nosso grupo restrito. Sabíamos nós o que estávamos a põr em movimento na altura? Penso que não. O facto é que, havia um pequeno grupo de pessoas, totalmente independentes entre si mas com o mesmo background e coincidentemente da mesma cidade, que tentavam criar algo completamente novo. Conscientemente quebrámos as amarras com a tradição musical dos Aliados e fomos à procura de uma identidade Europeia. Queríamos opor a superioridade da música Anglo-americana com algo assustadoramente Alemão, e as pessoas adoravam-nos precisamente por essas razão. Era um sentimento estranho.
Eram os dias do krautrock, da música cósmica e do rock progressivo; dos pioneiros da electrónica em Munique, Berlin e Düsseldorf. Era a altura de uma oposição extra-parlamentar, o Verão dos Jogos Olímpicos em Munique, e da provocação de incêndios em armazéns. Foi um período de cabelos longhos, drogas psicadélicas e da pílula. Uma época de revoluções estudantis e rebelião. De volta com Uschi Obermaier, Amon Düül, Benno Ohnesorg e os Cluster ou os Can, o Baader-Meinhof Group, David Bowie, Böll, Fassbinder e Visconti - tempos excitantes, algures entre Mogadishu, Mao e a Mahavishnu Orchestra... e entre tudo isto Ralf, Florian, Karl e eu cortámos o cabelo muito curto e ganhávamos cada vez mais auto-confiança. Finalmente fizemos o impensável: comprámos fatos e pusemos gravata.
Esta foi a forma com que tentámos deixar a melhor impressão possível durante a digressão pelo UK e pelos USA em 1975. Naturalmente o público ficou um pouco perturbada pelo nosso espectáculo em palco, que era completamente fora dos clichés prevalecentes do rock dessa época. Mas, contudo, ficámos agradavelmente surpreendidos pelo modo como nós os quatro krauts fomos recebidos no estrangeiro. Da mesma forma que os Americanos introduziram anteriormente o rock 'n' roll, o swing e o blues, infectando assim toda uma geração de jovens, nós infectámos toda uma geração de jovens músicos ingleses com o nosso osm: Ultravox, OMD, Joy Division, Human League, Heaven 17, Depeche Mode, Visage, Gary Numan. Até David Bowie referiu ter sido inspirado por bandas como os Kraftwerk, Neu! e La Düsseldorf.
Este livro é um pioneiro. Não conta apenas a história dos Kraftwerk como o Messias da electrónica. Ele conta a história de Düsseldorf como o berço da música electrónica. Como ex-membro do quarteto electrónico, eu fico lisonjeado pela fórmula abreviada, claro. - aquela que sempre identifica a música electrónica com os Kraftwerk apenas. Naturalmente que os Kraftwerk tiveram um papel central e importante, mas houve um tempo antes e um depois, pessoas a favor e contra, para não mencionar todo o espalhafato circundante! Músicos como Klaus Dinger, Michael Rother, Eberhard Kranemann, Wolfgang Riechmann e Bodo Staiger estavam em Düsseldorf; bandas como os Rheingold, Liaisons Dangereuses e Propaganda tinham a sua residência na cidade - e não podemos esquecer Conny Plank, que descobriu um monte deles e produziu quase todos. É por isso que as pistas e os caminhos nos conduzem não apenas ao Kling Klang Studio, mas também a Wolperath, nas Wesser Hills e a Wuppertal; ao Ratinger Hof e a todo um grande mundo. Este livro lida com a mentalidade de uma cidade, uma forma de vida electrónica; e a geração seguinte de bandas que confiantemente apontaram os seus sequenciadores para nós, e fizeram música tão poderosa que rapidamente correram por todos os lábios: DAF, Der Plan e Die Krupps.
Rüdiger Esch segue de forma compreensível todas estas complexas e, por vezes, intricadas pistas pela primeira vez. Documenta a história da música electrónica desde os inícios dos anos 70 até ao fim da fase analógica em 1986. Ele não se limita a contar a história individual das bandas; em vez disso conta a história de uma cidade como um cânone multi-vocal. É verdade que deixa aqueles que fizeram e viveram essa história contá-la nas suas próprias palavras. Encontramos alguns dos protagonistas mais óbvios mas também outros não tão óbvios, os visionários e fazedores, sofisticados, libertinos, fanfarrões e rockers. Os pioneiros, dandies, fans e santos lunáticos - enfaixados em conjunto numa mistura colorida, por vezes até evidente numa mesma pessoa.
Os grandes mitos são invariavelmente uma mistura de factos e de ficção, de retratos genuínos e exageros. Esch dissecta tudo cuidadosamente. Algumas bandas de Düsseldorf, no pico da sua carreira pareciam tão superiores e poderosas quando vistas de fora; mas quando examinadas de perto à lupa todas elas viam diminuídas essas características. Ele conta algumas das pequenas histórias que em presença dos mitos criados teriam facilmente caído no esquecimento de todos. É possível que as pessoas de Düsseldorf estejam tão apaixonadas com os grandes gestos como estão ligadas à sua cidade natal. Há bandas que tratam o seu local de origem como uma dádiva; tanto assim é que até se sentiram obrigadas a carregar a referência à sua cidade no seu próprio nome: La Düsseldorf. Apesar de isso ser grandioso, é o tipo de sentimento de pertença à "vila", e não provincianismo, o que torna a vida na minha cidade tão agradável.
A cidade e a omnipresença da Art Academy, combinado com a actividade cultural de artistas para serem saboreados - Beuys e Richter, Lüpertz e Immendorff - ofereceram o pano de fundo para muitas bandas que se tornaram internacionalmente famosas. Sentia-se a objectividade modernista e a profundidade, que são apreciadas no estrangeiro e habitualmente identificadas como tipicamente alemãs, tornaram-se fáceis em Düsseldorf.
Não apenas experimentámos os estilos modernista, futurista, industrialista e o seu glamour que define a Electri_city, mas também a realidade social que a sustentava. Düsseldorf era uma cidade ao mesmo tempo cosmopolita e de província; era um local para a arte, moda e o típico laissez-faire do Reno. Poderão perguntar-se o que é que as pessoas viam nesta cidade, especialmente no caso de se tratar de alguém que vive aqui. É suposto que montes de coisas se passaram aqui. Será mais fascinante agora descobrir a verdade por detrás do mito; levantar o véu de elogios de forma a determinar a sua verdade.
Esch dá-nos as questões, e os intervenientes fornecem-nos, de viva voz e entusiasticamente, as respostas. Apenas alguns escolheram manter-se em silêncio, de forma a brilhar ainda mais quando vistos de longe. Outros, como Riechmann, Plank e Dinger, já não se encontram entre nós, mas estas conversas trazem-nos de volta à vida. A capital da electrónica afinal tornou-se numm foco claro; sucessos globais e impressões digitais, para não mencionar os fracassos e quedas, mas também esgotamentos e discórdias; o leitor descobri-los-á todos. Durante tempos de transição musical, do kraut para o punk por exemplo, algumas pessoas com os pés nos dois, como é o caso de Plank e Dinger, providenciaram a continuidade; eles foram os verdadeiros protagonistas que nos conduziram através destes 16 anos.
Esch, nascido em Düsseldorf, estava predestinado a escrever este livro. Não apenas porque ele próprio fez parte de toda esta cena musical, mas também porque devido à sua idade ele tem a distância suficiente acerca do assunto de forma a estar interessado sem ter sido um fan. Ele captou muitas opiniões internacionais para este livro de forma a balancear as conversas a partir de Dorf com visões de fora. Entrevistou as bandas britânicas que logo de início se interessaram com a música proveniente de Düsseldorf e assim ficaram logo infectadas pelo 'virus electronicus". Rudi Esch baseou-se nestas suas entrevistas exclusivas e utilizou apenas umas poucas fontes externas. Aqui os protagonistas principais dos 0s e dos 80s falam acerca das suas experiências e contam-nos as suas histórias pessoais. O material recolhido foi reunido num volume bem informado que lida com a primeira e segunda geração da música electrónica. Claro que houve pioneiros musicais influenciadores em outras cidades também, mas isto é Electri_city. A cena musical de hoje em Düsseldorf continua única e muito produtiva. Muitas bandas novas deixam-nos a sua impressão do som electrónico do local. Isso é algo de que muito me orgulho.
O livro que tem nas suas mãos é um documento fascinante dos 16 anos que mudaram não só a música electrónica analógica, mas que também mudou a minha vida. É o discurso directo daqueles que lá estiveram, atestando um tempo que não volta mais. Um tempo sem computadores, sem internet. Um tempo que tentou ser futurista, mas que trabalhou com as ferramentas de um filme mudo. Tenho a certeza que tudo o que aqui é contado e revelado entre a capa e a contracapa constitui a verdade, toda a verdade e nada mais que a verdade.
Düsseldorf, August 10, 2016 - Wolfgang Flür -
badana da contracapa
Rudi Esch nasceu em Düsseldorf em Agosto de 1966. Estudou Literatura e Filosofia Modrna Germânica, especializando-se em Estética, na Heinrich-Heine-University. De 1983 em diante desempenhou um papel activo na cena musical de Düsseldorf, actuando com algumas bandas punk e new wave. Em 1987 formou uma banda com Klaus Dinger, anteriormente o leader das bandas NEU! e La Düsseldorf. Desde 1988 Esch toca baixo na banda electrónica Die Krupps. Vive em Graceland com a sua mulher e os seus dois filhos e trabalha como produtor, autor e consultor musical.
Contracapa
ELECTRI_CITY
TJE DUSSELDORF SCHOOL OF ELECTRONIC MUSIC
ELECTRI_CITY é a história definitiva das bandas de electrónica mais influentes de Düsseldorf, tais como os Kraftwerk, NEU!, La Düsseldorf, Rheingold, DAF, Propaganda e muitas outras. Rudi Esch, baixista da banda industrial Die Krupps, carreou mais de 50 entrevistas exclusivas para criar esta visão fascinante numa cena de certa forma secreta. Seguiu as pistas daqueles que lhe deram forma e viveram essa época, assim como aqueles que foram genuinamente influenciados por ela: bandas como os OMD, Heaven 17, Visage e Ultavox, todas elas se tornaram embaixadoras desta nova e revolucionária forma musical.
ELECTRI_CITY reconta o início da música electrónica - nas palavras daqueles que a criaram - levando-te atrás no tempo, até à música do futuro!
"Musicalmente nós somos muito mais filhos de Düsseldorf do que filhos de Liverpoool. Os Kraftwerk, Neu! e La Düsseldorf foram muito mais influentes em nós do que os Beatles" - Andy McCluskey OMD
"O livro que tem nas mãos é um documento fascinante dos 16 anos que não só mudaram a música electrónica analógica, mas também mudaram a minha vida. Tenho a certeza de que tudo o que aqui é contado e revelado entre esta capa e contracapa constitui a verdade, toda a verdade e nada mais do que a verdade." - Wofgang Flür, membro dos Kraftwerk entre 1973-1987.
João Pais Filipe (b. 1980) is a drummer/percussionist and sound sculptor from Porto. His career as a musician ischaracterized by the approach to a wide range of styles and languages, in bands like Sektor 304, HHY & The Macumbas, Talea Jacta, Paisiel, Rafael Toral Space Quartet. Also played with Z'EV, Evan Parker, Fritz Hauser, Steve Hubback, among others.
He is also a Gong maker and Cymbalsmith.
João Pais Filipe - "Pure Zero"
All materials used for percussion in this record are ordinary found objects only.
Revista / Magazine
A4 - papel de jornal - a corres capa e contracapa
72 páginas
Publicação Trimestral
Distribuição Gratuita
Ano V
Nº 19
Junho de 2004
MADE IN JAPAN
São cada vez mais.
Desaparecidos ou não, os músicos e grupos japoneses ganham hoje uma
proeminência reconhecida em terras norte-americanas num fenómeno que lembra a
British Invasion dos anos 60. Mas há que ter cautela com as analogias. Estes
são projectos que nunca alcançaram popularidade, nem no seu país de origem, nem
no de recepção. Fizeram, contudo, o mais importante: ajudaram o rock a dar um
passo estético. Aqui apresentamos três desses projectos: Mainliner, Kosokuya e
High Rise. Contamos, mais tarde, dar conta de outros, até porque no dito passo
existem inúmeras pistas.
Não é novidade o facto de o
Japão se ter intrometido entre os EUA e o Reino Unido na luta pelo domínio e
definição dos caminhos da música popular urbana contemporânea. Inesperada é,
porém, a realidade das trocas culturais que se vão realizando no campo do rock:
os britânicos deixaram de ser os principais interlocutores dos norte-americanos
e cederam o lugar aos japoneses. As apropriações, adaptações ou osmoses
culturais são hoje feitas entre dois velhos inimigos. E se tudo começou nos EUA
(e para lá parece regressar) a verdade é que poucos esperavam que a linguagem
do rock pudesse conhecer novo fôlego ainda mais quando surgido fora do universo
anglo-saxónico. Mas assim aconteceu. Tal como a Alemanha dos anos 70, o Japão
dos anos 80 tragou o género antes de o regurgitar, mas neste caso o processo
aconteceu de forma mais particular.
Não existiam limites ou pelo
menos ninguém os impunha, nem a história, nem a crítica, nem as tradições, o
sucesso ou qualquer voluntarioso cânone. Sem estes constrangimentos, os músicos nipónicos avançaram na sua
recriação de um objecto cultural vindo do ocidental, com um olhar já de si antigo.
O olhar do excesso e das justaposições e cruzamentos. Prolongaram-se até ao
limite as possibilidades sonoras dos instrumentos, juntaram-se elementos de
géneros e épocas diferentes e realizaram-se, de forma não programada, variações
intermináveis.
De entre esses intérpretes
destacaram-se por exemplo os High Rise (cujo legado começa a ser reconhecido em
bandas dos EUA, como os Oneida e os Comets On Fire). Surgidos em meados dos
anos 80 e liderados pelo baixista Asahito Nanjo, começaram como um híbrido entre
o punk e o garage-rock psicadélico. Num sinal curioso de como as evoluções da
música rock acontecem, é de notar que foi exactamente esse género que enformou
muitos dos projectos japoneses da década de 80. Como se, sem porto na Europa,
não lhes restasse outra alternativa que rumar a outras paragens. Assim nomes
como Blue Cheer, Sonics, Count Five, The Seeds, Quicksilver Messenger Service
encontraram artistas que avivariam as suas memórias ao lado do punk e da no
wave dois géneros bem recebidos no país do Sol Nascente. Nanjo reconhece aliás
a importância dos trêss géneros, mesmo quando não consegue esconder uma
predilecção pelo rock psicadélico do qual extirpou características como a
distorção e subsequente criação de espaços sonoros “infinitos”. A guitarra,
acrescentada das suas inúmeras manipulações, é o instrumento central nas obras
dos High Rise, até quando os impede de criar “canções”, cercando-as de uma
densidade e quase impenetrabilidade mais próximas do improviso e do free-jazz
do que do rock. É a recusa quase inconsciente da canção e a tomada
“irresponsável” do riff e dos efeitos sonoros retirados dos diversos pedais que
torna a obra dos High Rise tão marcante. Mesmo sem as sedutoras “tunes”.
Se os High Rise afundam a
melodia numa muralha de som, então os Mainliner significam, de forma abusadora,
o som enquanto experiência total. Formados também por Asahito Nanjo, e Makoto
Kabawata dos Acid Mothers Temple, viram o seu único trabalho 8”Mellow Out”),
datado de 1996, conhecer uma reedição pela mão da casa inglesa Riot Season, e
de modo inesperado voltaram a ser objecto de citações e novos interesses.
Algumas revistas de metal não deixaram passar ao lado o acontecimento, mas foi
no universo do avant-rock (se quiserem fazer uso de outra taxinomia) que a influência
dos Mainliner mais se salientou.
É que tanto Nanjo, como
Kabawata, estruturam uma obra, que apesar de embebida na lava sonora dos Blue
Cheer (Black Sky) e nas convulsões do free-jazz (vale a pena ouvir a intro de
“m2) oferecia a quem quisesse algo de excitante: a electrização da canção. Por
outras palavras as guitarras prolongavam-se até aos amplificadores que, sempre
no vermelho, assinalavam a reverberação à beira do choque. Nada será mais
exemplar nesse sentido que a faixa “Cockmamies”, tema que cinco anos antes já
previa a chegada de um grupo como os Sightings. Com vocalizações repetitivas,
numa espécie de recriação de registos ocidentais, os Mainliner, incorporavam a
voz no ruído e impunham-lhe uma natureza quase rítmica.
Antes de fundar os High Rise,
Nanjo chegou a fazer parte de outro grupo mítico, os Kosokuya, mas até hoje
ainda não se conhece nenhuma gravação desse período. Na verdade, este grupo de
Tóquio acabou por encontrar uma formação base composta por Jutok Kaneko, Mick e
Ikuro Takarashi, que entre 1989 e 1990 acabariam por lançar o álbum de estreia,
ganhando um culto imediato nos EUA. A razão não é para menos, se pensarmos que
não é só o hard rock psicadélico que parece entrar no jogo. Os Flipper, os
Black Flag e os Crazy Horse também podem ser para aqui convocados. Mas o melhor
mesmo é centrarmo-nos no primeiro disco (reeditado o ano passado pela PSF
Records) e travar a tentação das comparações. É que ao fazermos isso
compreenderemos a excelência dos Kosokuya. “The Miracle”, por exemplo, é uma
das mais belas faixas do rock de sempre. Liderada pela voz da única mulher do
grupo (Mick) traduz-se num opus dramático onde as declamações ou citações são
substituídas por acordes, riffs, fluxos de decibéis e uma bateria polimorfa,
enquanto “Removal” perversamente detém uma melodia angustiada que, sem deixar o
campo do rock, se aproxima das convenções da música clássica. Os temas finais,
“The Dark Spot” e “Suffering Broken Song”, por sua vez conjuram todos os
espólios da música mais intensa alguma vez feita (pelos bluesmen, pelos
primeiros Pere Ubu, pelos Black Sabbath, pelos Birthday Party) e esmagam-nos
lentamente, antes de os distribuírem por quem ouve. É caso para dizer que dos
EUA à Europa a expressão banzai se ouve novamente. Agora, felizmente de forma
benigna.
Será o regresso dos Minimal
Compact apenas mais um na euforia de revivalismo oitentista? Parece que não. De
facto esta banda de base israelita, mas muito mais cosmopolita musical e
geograficamente, foi um intenso vórtice cultural entre o Ocidente e o Oriente
na década de 80, e ouvida hoje continua a sê-lo. E há esperança de que a magia
da música de Samy Birnbach, Berry Sakharov, Malka Spigel, rami Fortis e Max
Franken tenha força para construir de novo a Torre de Babel no Séc. XXI.
A história começa em 1981 com
a migração de Israel para Amesterdão de Malka (baixo e voz), Samy (voz e textos)
e Berry (guitarra, teclas e voz). Iam à procura de uma identidade musical. Não
eram músicos profissionais e nem sequer sonhavam que alguma vez iriam ter um
papel crucial no pop-rock europeu dos anos 80. Gravaram em casa uma demo com
dois temas e tornaram-se um dos primeiros projectos a assinar pela Crammed
Discs. A gravação oficial acabou por se estender para um EP – “One” – que deu à
luz os míticos “Statik Dancin” e “Creation Is Perfect”. A new wave cheia de
ritmo e com sabor a Médio Oriente cativou desde logo a imprensa. Surgia assim,
em 1982, o primeiro LP, “One By One”. O baterista holandês Max Franken aderia
ao projecto e começavam as digressões europeias dos Minimal Compact que fizeram
história – curiosamente, a banda nunca tocou nos EUA porque nunca lhes
concederam vistos de entrada no país. “Deadly Weapons” (1984), que abriu as
portas à colaboração permanente do guitarrista Rami Fortis; “Raging Souls”
(1985), o mais popular; “Lowlands Flight” (1987), o mais experimental; “The
Figure One Cuts” (1987), o último de originais; e “Live” (1988), que documenta
a banda ao vivo e já editado a título póstumo, foram os marcos de uma curta
carreira de sete anos com grande sucesso artístico. Os últimos anos não foram
pacíficos e alguns desencontros resultaram num final amargo e mal resolvido.
O regresso começou a
desenhar-se 15 anos depois, com a exibição do documentário sobre os Minimal
Compact realizado por Nathan Mandelbaum, um israelita fã do grupo. Samy
Birnbach revela que já tinham existido tentativas de reencontros no passado,
recusadas por ele próprio, que entretanto se afirmou como DJ Morpheus nas
pistas de dança. Era a negação de qualquer tipo de fenómeno de nostalgia
colectiva. Mas havia entre os músicos a sensação que o fim nunca fora
definitivo. E sem qualquer tipo de racionalização, voltaram à estrada como se o
último concerto tivesse sido ontem. A digressão do regresso passou pela Europa
e por Israel, onde foram recebidos em apoteose. Conta Birnbach que num dos
concertos em Tel Aviv tocaram para 3 gerações e mais de 3000 pessoas em
delírio, onde até se encontrava a sua mãe. Aliás, foi a mesma imprensa
israelita que os baniu nos anos 80 por viverem nos Países Baixos e por não
cantarem em hebreu mas sim em inglês, que hoje os coloca nos píncaros e os
impulsiona para um regresso aos originais.
Quanto à caixa que aqui nos
trás “Returning Wheel (classics, remixes & archives)”, ela recupera a
magistral e solitária epopeia de um grupo que soube renovar o imaginário do
rock e antecipar mensagens extremamente actuais. O primeiro CD é o «besto f»
necessário e sem grandes surpresas, a não ser o primeiro tema “Dedicated”,
nunca antes editado. Os remixes e remakes, comissionados por Samy Birnbach e
sugestivamente intitulados “There’s Always Now”, são na sua maioria electrónica
no seu estado dançável, alguns deles pouco ou nada fiéis aos originais,
destacando-se o último tema, um remake do maravilhoso “When I Go”, aqui na voz
de Efrat Ben-Tzur. O interesse maior para os aficionados está sem dúvida no CD
“Music From Upstairs (Archives)”, as gravações caseiras “perdidas” que Malka
Spigel felizmente guardou. Mais de uma hora de demos inacabadas, música
encomendada para filmes, puras experiências, gravações para uma rádio holandesa
em 1982, e algumas demos gravadas há poucos anos na Bélgica, aquando de uma
reunião efémera em meados dos anos 90. “Protótipos electro da época”, nas
sábias palavras de Birnbach. Arrumada a casa com esta apetecível caixa, parece
que os Minimal Compact vão mesmo passar de projecto semi-abandonado a projecto
assumido em definitivo e para o futuro. N asenda da “banda-irmã” Tuxedomoon que
também foi uma refer~encia do rock avant-garde dos anos 80 na Crammed Discs e
que também se reuniu recentemente. A ver vamos se a Torre de Babel dos Minimal
Compact também tem forças para se reerguer e com a mesma energia do passado.
Vasco Durão
Reedições
GLENN BRANCA Ruídos Sinfónicos
Seriam os Sonic Youth os
mesmos sem a influência directa desse guru chamado Glenn Branca? Seria o
conceito de sinfonia o mesmo, caso este músico nova-iorquino não o tivesse
utilizado para dar nome às suas criações? A resposta às duas perguntas é
negativa. No período efervescente do movimento no wave, Glenn Branca assumiu-se
como paladino da vanguarda de Nova Iorque (com John Zorn, Elliott Sharp ou Arto
Lindsay) e determinou, em grande medida, os cânones estéticos do rock mais
avançado e alternativo dos anos 80 e 90. Branca é daqueles músicos para quem as
fronteiras de géneros musicais não fazem qualquer sentido. E ainda bem. A
propósito da recente reedição do seu primeiro e seminal álbum “Lesson Nº 1”
(1980), Glenn Branca explica alguma das facetas do seu peculiar percurso
artístico nestes últimos vinte e cinco anos. Sempre com uma desarmante
simplicidade.
- A sua relação com a música começou na segunda
metade dos anos 70, com a explosão do movimento no wave em Nova Iorque e com
músicos como Lydia Lunch, Arto Lindsay e Suicide. Olhando para o passado,
considera que esse foi um momento importante para sua evolução musical?
:: Sim, foi uma surpresa para
mim todo esse movimento. Eu vim para Nova Iorque nos anos 70 para fazer teatro
e fazia muita música para teatro, mas não tinha perspectivas de fazer carreira
como músico. Todavia, sempre quis formar uma banda rock desde que aprendi a
tocar guitarra, aos 15 anos. Quando cheguei a Nova Iorque estava o movimento
punk no auge e foi algo muito excitante para mim. Entretanto, conheci um músico
no teatro que também tinha desejo de formar uma banda rock e demos início a uma
banda. Foi um processo muito rápido: formámos a banda em poucas semanas,
arranjámos concertos e audiência num ápice. Ambos tínhamos interesse em todo o
tipo de música experimental, fosse na forma de jazz, de rock ou de música clássica
contemporânea.
- Na verdade, a sua música
nunca se cingiu apenas ao rock. Costuma dizer que o jazz ou compositores
contemporâneos minimalistas como La Monte Young ou Philip Glass, foram
importantes para si. Como lida com estas referências tão díspares?
:: Bom, para mim isso nunca
constituiu problema. Eu estudei música e nunca senti qualquer estranheza em
gostar de diferentes referências musicais. Podia ouvir num minuto os Beatles e
os Kinks e, no minuto a seguir, Mahler e Penderecki, e depois, Miles Davis ou
Brian Eno. Nunca me importei com essas diferenças convencionais entre géneros
musicais, o que importava mesmo eram as ideias, a criatividade dos músicos e as
experiências estéticas que retirava de cada artista, de cada disco.
- Fale-nos um pouco sobre o
seu método de composição. Por exemplo, como é que faz para juntar o minimalismo
e a “teoria da afinação” de La Monte Young com a energia do rock de guitarras?
:: Humm… É uma boa pergunta!
Eu sempre gostei de música rock intensa e enérgica, e o tipo de compositores
contemporâneos que ouvia era gente como Ligeti e Stockhausen. Eram esses os
compositores que eu achava serem aqueles que faziam música mais intensa. Fazia
sentido gostar de música intensa e brutal e deixar-me influenciar por esses
compositores, que eu gostava de ouvir em casa com o volume bem alto. O tipo de
teatro que fazia também comungava dessa intensidade, desse espírito de
confrontação estética.
- Gosta da palavra
experimental para classificar a sua música?
:: Sim, essa é a palavra de
que sempre gostei e que sempre usei para caracterizar o meu trabalho desde os
anos 70. O movimento no wave foi um movimento que eu considero ter sido
experimental, ainda que mais tarde tenha sido chamado de art-rock, uma
designação que eu julgo ser terrível e desajustada, até porque era confundida
com o rock progressivo inglês que na altura estava também a ter muita
aceitação.
- Nas suas criações musicais,
dissonância, consonância e caos representam três conceitos importantes para si.
É um trabalho difícil conjugar estes três tipos de abordagem ao som?
:: Esse tem sido o grande
desafio e a parte interessante da minha actividade musical. Quando me apercebi
que podia misturar esses conceitos – algo que eu procurava concretizar de forma
consciente e deliberada – conclui que o resultado podia ser muito estimulante e
criativo. É um trabalho que compositores clássicos já tentaram fazer há muito
tempo, como Mahler, ainda que a dissonância explorada por este compositor não
fosse muito proeminente, comparando com a minha abordagem que é bem mais
extrema.
- Ao longo da sua carreira
editou diversas sinfonias pelas quais é mais conhecido. A sua intenção ao usar
o termo “sinfonia” vai no sentido de dar outro significado à palavra e de se afastar,
deliberadamente, da conotação rock?
:: Não, eu escrevi sinfonias
simplesmente porque queria escrever sinfonias, e foi o que fiz. Não tive
qualquer outra intenção.
- Contudo, as suas obras foram
já interpretadas por orquestras clássicas como a The London Sinfonietta. Como
lida com esta confrontação entre a música dita convencional e os conceitos
avant-garde?
:: Isso nunca foi um problema
para mim. Os chamados músicos convencionais estão, na verdade, muito
familiarizados com técnicas avant-garde. Aquilo que faço é muito menos
avant-garde do que Xenakis, John Cage ou Morton Feldman. Essa transição e
conexão entre esses dois universos foi sempre, para mim, natural.
- A sua música influenciou
muitas bandas importantes do rock dos anos 80, como Sonic Youth ou My Bloody
Valentine. Disse numa entrevista recente que já não ouve música rock. Significa
que o panorama rock actual já não é suficientemente excitante para si?
:: Detesto dizer que é
verdade. Por vezes ouço uma ou outra banda de que gosto, mas na generalidade
não me interessam muito essas bandas que fazem parte de movimentos de moda,
acho-as extremamente aborrecidas. Por isso prefiro ouvir coisas como Sonic
Youth ou Swans.
- Os seus primeiros álbuns
foram reeditados, “Lesson Nº 1” (1980), e “The Ascension” (1981). O principal
motivo destas reedições tem a ver com a necessidade de dar a conhecer estas
obras às novas gerações?
:: Não! (risos) A editora
original desses discos, a 99 Records, recusou-se a licenciar-me os direitos
para uma reedição., pelo que estiveram muitos anos na gaveta. Quando encontrei
uma editora que estava interessada em licenciar e editar esses discos em CD,
não perdi a oportunidade. De facto foi um processo longo…
- O seu primeiro disco agora
editado em CD “Lesson Nº 1”, revela um trabalho compulsivo na exploração das guitarras
eléctricas. Parece que ouvimos um potente e hipnótico ritual repetitivo de sons
sónicos e intensos. Parece caótico, mas tem como base um processo de composição
meticuloso. É assim?
:: Exactamente. Obrigado pela
observação. Creio que, em poucas palavras, descreveu na perfeição não só esse
disco como a minha música em geral. Eu não costumo categorizar a minha música.
Gosto que as pessoas a ouçam e se sintam bem com ela. As catalogações deixo-as
para os críticos. A revista The Wire disse uma vez que a minha música era uma
espécie de mistura entre “heavy metal symphony” e “punk rock minimalismo”,
rematando dizendo que era, no fundo, “beautiful noise”. Acho que acaba por ser
uma bela descrição da minha música. (risos)
- Continua a viver e a
trabalhar em Nova Iorque. Mesmo depois do 11 de Setembro, esta cidade continua
a exercer grande influência e inspiração em si no que diz respeito à parte
criativa?
:: Bom, eu não costumo ser
influenciado por acontecimentos. É um erro pensar que a minha música é inspirada
pela cidade e seus diversos acontecimentos. A música tem mais a ver com ela
própria, não precisa de mais referências para se justificar. A música que
escrevo deriva de um processo muito técnico e laborioso, e não tem tanto a ver
com conceitos como o mal, a destruição ou o caos. A música que faço tem mais
relação com noções de intensidade, consciência e exploração de novas ideias.
- Sabia que o seu apelido em
português significa “branco”? Por causa disso, um amigo meu costumava chamá-lo
de Glenn White-Noise”, num trocadilho entre o seu nome Branca e um certo noise
que pratica.
(risos) Ah! Gosto dessa
descrição! Branca é um apelido italiano, e já sabia que significava branco
(white), mas esse trocadilho é realmente divertido e, mais importante,
apropriado.
Victor Afonso
GLENN BRANCA
Lesson Nº 1 (CD Acute Records,
reed. 2004)
Durante o último quarto de
século, Glenn Branca, compositor e guitarrista nova-iorquino, experimentou
(praticamente) todas as possibilidades expressivas da guitarra eléctrica. Mas
foi muito mais longe do que isso: procurou entrelaçar a energia do rock de
guitarras com conceitos da música de vanguarda, como a corrente minimal
repetitiva americana (Glass, La Monte Young, Reich) e com a facção mais
experimental (Xenakis, Ligeti). Com estas referências, Branca teve sempre como
objectivo explorar novos domínios sonoros, não se importando com destrinças de
género musicais, e tendo em comum o balançar difuso entre dissonância e
consonância. “Lesson Nº 1” (1980), primeiro disco de Branca, agora reeditado
com uma faixa vídeo extra, permite um revigorado olhar sobre a obra do
compositor de “The Ascension”. É um disco de uma energia compulsiva, catártica,
destemida e austera, devedora ainda dos resquícios noisy da no-wave e dos
ensinamentos teóricos dos minimalistas. O ensemble, constituído por duas
guitarras eléctricas, órgão (com o grande Anthony Coleman), baixo e bateria,
redefiniu a linguagem rock como nunca antes se vira (e ouvira). Nas três longas
peças do disco, Glenn Branca redesenhou as estruturas rítmicas e os alicerces
canónicos do rock. No tema mais longo (16 minutos), “Bad Smells”, tocam os dois
guitarristas dos Sonic Youth: Thurston Moore e Lee Ranaldo. Branca foi o tutor,
o mestre vanguardista, o guia espiritual para muitos jovens guitarristas
daquela geração e de outras posteriores. No fundo, “Lesson Nº 1” serviu de tubo
de ensaio para a imparável experimentação que se seguiria na carreira de Glenn
Branca, nomeadamente, com os subsequentes e igualmente fundamentais discos,
“The Ascension” (1981) e “Symphony Nº 1 – Tonal Plexus” (1983). Ouvir de um só
fõlego “Lesson Nº 1” pode deixar estonteado o ouvinte menos prevenido. Mas
será, com certeza, uma descoberta sonora repleta de sensações fortes e
inesperadas. Em suma, como laguém disse, “just beautiful noise”.
VA
Reedições
LIASIONS DANGEUREUSES
PALAIS SCHAUMBURG
Alimenta os discursos mundanos
da cena musical, que, qual sanguessuga, se contorce em lentos desvarios, mas
continua destituído de um habitat onde possa voltar depois de convenientemente
rapinado. O livro de Simon Reynolds é um parto difícil e assim o pós-punk
permanece corpo não reconhecível e disforme do qual muitos querem vestir a
pele. Se no caso do Reino Unido, alguma clareza lá se vai impondo, no
continente europeu as coisas complicam-se face à diversidade de nomes que entre
1978 e 1981 aí circularam. Os seus trabalhos e legados continuam a impedir que
o certo enquistamento ontológico se realize e porventura perante tal facto não
evitamos sentir um certo contentamento. O pós-punk é um cadáver, sim, mas
esquisito.
Por essa razão vale a pena
viajar um pouco atrás no tempo antes de nos apearmos em território alemão tendo
as mutações sociais e culturais provocadas pelo Plano Marshall como pano de
fundo. Aqui sub-repticiamente, a Neue Deutsche Welle (termo usado para definir
o pós-punk germânico) ia disseminando o seu estranho vírus depois das
anteriores investidas do Krautrock. De entre os vários projectos que se
destacaram ao longo deste derrame musical dois, após relançamentos recentes,
exigem urgentemente novas audições: Palais Schaumburg – “Palais Schaumburg” (CD
Tapete Records) -, e Liasions Dangeureuses – “Liasions Dangeureuses” (CD Hit
Thing Records).
Os primeiros, fundados por um
ex-DAF, deixaram um álbum homónimo no qual as contracções da dança se mesclam
com um uso abusivo da electrónica e do ruído. A estes elementos acrescente-se a
voz do vocalista Krishna Golneau que repete de forma monocórdica em francês e
espanhol incitações à dança ou poemas urbanos e, passados mais de 20 anos, é
impossível descartar os Liasions Dangeureuses como simples nota de rodapé.
Detentores de uma aparente dimensão pan-europeia exalavam um negrume que só
ritmos proto-techno conseguiam atenuar. Em “Mystére Dans La Broiullard” e
“Aperitif De La Mort” a utopia irónica dos Kraftwerk é substituída por ritmos
marciais, misteriosas vozes de crianças e abruptas ondas de ruído. Já temas
como “Los Ninos Del Parque” e “Peut Etre… Pás” assumem uma vertente mais
celebrativa. Em suma assentam perfeitamente no espaço de uma pista de dança (o
primeiro chegou mesmo a ser um hit) mesmo quando rangem os dentes na direcção
de um alvo específico. Apreciados pelas hostes da house e do techno, os
Liasions Dangeureuses vêem hoje uma parte do seu legado ser regurgitado pelo Electroclash,
mas apenas uma parte, pois, porque este só lhe tomou o ritmo. Já as explosões e
as vozes que nelas estalam, depois de tragadas pelo new-beat belga, revolvem-se
hoje na cena electrónica de noise de Miami e do Michigan.
Mais devedores do funk branco
e do dub, os Palais Schumburg não deixaram por isso de abraçar, ainda que de
forma muito particular, a electrónica. Liderados por Thomas Fehlman (mais tarde
dos The Orb) e Holger Hiller, lançaram o seu primeiro e homónimo trabalho no
mesmo ano que os Liason Dangeureuses e foram identificado como os “Pop Group
alemães”. Contudo, e ao contrário da banda de Bristol, eram bem menos abrasivos
e um pouco mais lúdicos. As letras, cantadas em alemão e num registo que lembra
Blixa Bargeld, sublinhavam o absurdo da então RFA e o modo trocista como certos
sons eram elaborados não estava longe do método dos Residents (“Die freude”). O
que contudo ressaltava era o ritmo confiado pelos instrumentos fossem estes o
baixo ou velhos teclados analógicos (“Gute Luft”). Nalguns casos até o trompete
e a percussão eram chamados à liça, propiciando às faixas uma diversidade tão
interessante como aquela evidenciada na Inglaterra pelos Blurt!, 23 Skidoo e A
Certain Ratio. O tema final, “Madonna”, interpelado pelo skronk das guitarras,
os ecos deformados e os espasmos do teclado, exemplifica de forma excelente tal
característica. A colagem e/ou o contágio estéticos e culturais reviram-se
assim, e vice-versa, nos Palais Schaumburg numa realidade paralela aos
“ataques” perpetrados pelos Einstürzende Neubauten em Berlim. Atento às
movimentações verificadas em Leeds, Nova Iorque e Londres, o pós-punk teutónico
antecipava já, sem o saber, o fim da velha Alemanha. Só o muro resistia às
incursões. Por pouco tempo. José Marmeleira.
SPACEMEN 3
Em meados dos anos 80 os
Spacemen 3 eram possivelmente a única banda britânica interessada em prolongar,
a partir do rock, as experiências musicais conhecidas, ainda hoje, como tripes.
Depois de um primeiro disco onde emularam os Stooges e os 13th Floor Elevators
num exercício que já prefigurava a atracção pelo efeito hipnótico do drone e
das notas de um Farfisa, Sonic Boom, Jason Pierce, Pete Bassman, Rosco e Owen
John avançariam mais profundamente numa exploração sonora que era, ora induzida
por substâncias ilícitas, ora por uma afectação pelas noções de espacialidade e
ambiência. Tal passo deter-se-ia com mais evidência em “The Perfect
Prescription” (2XCD Space Age Recordings) e desdobrado em diferentes versões,
demos e versões. Como Sonic Boom escreve nas liner notes, aqui toda a
criatividade dos Spacemen 3 para escrever canções aparece descarnada para
acentuar ainda mais o delicioso roubo que estes jovens músicos descarada e
deliciosamente efectuaram. Terry Riley, The Cramps, The Doors, Suicide, Neu!,
Red Crayola, MC5, Sun Ra, entre outros, viram-se vilipendiados, mas por uma boa
causa. Afinal nenhum destes artistas teve a oportunidade de escrever um tema
tão absorvente, com as suas vibrações dolorosoas, como “Ecstasy Symphony”, ou “Come
Down easy” no qual a voz de Pierce assume tal solidão que a presença dos sons (do
fuzz, tremelo e feedback) acabam por revelar um lado alucinatório. Mesmo nos
temas mais acústicos e suaves os Spacemen 3 emitem uma onda de choque que,
ainda hoje, de forma pungente, nos perturba. Quando, por exemplo, somos
confrontados com a versão da versão de “Starship” não conseguimos deixar de
pensar que esta banda vivia constantemente num limbo. Presa entre um fantasiar
da história do rock e da pop e a realidade exterior que lhes murmurava que
acordassem. Nunca acordaram. E ainda bem. Acordámos nós por eles, lentamente ao
som de “Transparent Radiation” e “Walking With Jesus”.
#60 - "Brian Eno (starsailor)" Fernando Magalhães 08.01.2002 150308 Do período pop: Here Come the Warm Jets (1973) - 9/10 Takin...
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LULU (versões mais antigas - com alguns textos em falta, entretanto descobertos. Tal já não acontece com as versões mais actuais, publicadas agora na Bubok - Portugal - ver acima)
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