23.9.20

Livros sobre música que vale a pena ler - Cromo #81: Rolf-Ulrich Kaiser - "O Mundo Da Música Pop"


autor: Rolf-Ulrich Kaiser
título: O Mundo Da Música Pop
editora: Livraria Paisagem
nº de páginas: 264
isbn: N/A
data: 1973




473

Rolf-Ulrich Kaiser

O Mundo Da Música Pop

(Das Buch Der Neuen Pop Musik

Livraria Paisagem

 

Colecção: Vozes Livres

Nº 3

 

Capa: Marco

 

Edição e Distribuição: LIVRARIA PAISAGEM

Rua José Falcão, 188 – Porto

 

Acabou de se imprimir em Agosto de 1973

Nas Oficinas Gráficas da Livraria Editora Pax, Lda.,

Braga

1973

(Agosto)

1ª Edição

 

Copyright: ECON - Düsseldorf

Joaquim Fernandes

(Tradução e Prefácio)

264

Ensaio / Música / Pop / Rock / Alemanha

N/A


PREFÁCIO:
Desarmado em teoria e inábil na prática o ouvinte português, leitor de circunstância, abrirá talvez a boca de descrédito ao deparar com este livro sobre o Mundo da Música Pop.
Se a bibliografia sobre a música em geral, é já de si, fenómeno raro e desacostumado dos escaparates, um livro sobre música pop, que não «vive» das letras das canções, poderá ser objecto de uma interrogação no género: mas para falar de quê?
Porque a confusão é uma constante do meio musical não desejamos «confundir» o leitor: o livro de Rolf - Ulrich Kaiser aborda secamente todo um mundo de contradições, dissecando a realidade que preexiste para além do fenómeno estritamente musical, complexidade ignorada pela esmagadora maioria de fans da música pop, pondo o dedo na ferida (quem ganha com a música pop?) e fornecendo a uma calma e útil ponderação todo um arsenal de depoimentos que traduzem uma verdade incompatível com as pancadinhas nas costas, sorrisos indulgentes e críticas amorfas, «tem-te não caias»... *
A realidade portuguesa não pode fugir à conjuntura da realidade total. Na expectativa, como sempre e em quase tudo, aparamos o golpe, o turbilhão da década de sessenta, comodamente instalados nos salões das associações recreativas, nos bailes de carnaval ou de passagem de ano. Do grito dos Beatles - She loves you, yé, yé, recuperamos os derradeiros vocábulos e passamos a infestar, de um dia para o outro, os bailes de finalistas, já que a «malta» até era «porreira» e «gramava» aquela música que, entretanto, ia assimilando nas suas incursões pelas discotecas.
Da babilónia confusa de meados dos anos sessenta, a nossa resposta a um movimento que, sendo formalmente musical, não se confinava às notas gemidas pelos wha-wha das violas eléctricas, a nossa resposta, dizíamos, foi uma busca desordenada de uma solução nacional (?). Dos tempos heróicos dos «Conchas» e do «Conjunto Mistério», ainda rezará a história dos mais propensos a efemérides. Nessas tentativas, fechando os olhos e alertando os ouvidos, distinguir-se-ia perfeitamente a voz de «garganta» do Elvis Presley, a «nasalada» do Neil Sedaka, os devaneios românticos do Paul Anka (Oh, Carol) muito «slow» e pastoso à mistura com pruridos yé-yé que despertavam gradualmente os dedos dos rapazes.
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* Alguns artifícios que fazem parte da bagagem empresarial lusitana, como afinal, de todo o mundo.
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O conjunto yé-yé viu-se de repente, transformado numa praga heterogénea e radicalmente desconscencializada da função que, no exterior, o movimento popular se tinha armado: a contestação progressiva do sistema e dos valores por ele proclamados.
Providos de material precário, apoiados financeiramente no zero, teoricamente ingénuos e vivendo do «ouvido», a grande maioria dos conjuntos portugueses não aguentou o embate com a moda importada e foi fenecendo lentamente. As suas designações inspiradas na mito-zoologia (os diabos, os abutres, etc.) deixaram um travo de frustração nos cérebros dos jovens «habilidosos». Dessa vaga inicial, pouco ou nada se salvou. Valerá a pena falar na tentativa desapoiada do «regional - pop», passe a expressão, do conjunto «Os Titãs»?
Ao cabo e ao resto, compartilharemos do «mundo pop» em termos nacionais? Eventualmente, alargando a concepção «populista» poderemos integrar as «cantigas» de José Afonso e Adriano Correia de Oliveira, exemplos da Escola Coimbrã saída dos limites geográficos através de um certo labor intelectual, inadequadamente apreendido pelas maiorias. Fausto, Barata Moura, Francisco Fanhais, entre muitos outros, que, associados ao pelotão dos chamados «baladeiros» (designação zipesca) tentaram teorizar um exemplo de intervenção.
Num tempo mais «hoje», surgiram através das estradas de uma certa Europa, nomes como Sérgio Godinho, José Mário Branco e Luís Cília - as imagens dos «flashes» sociais, abstractos uns, comprometidos outros, ainda que oferecidos através de uma sonoridade atraente e rebuscada.
O salto dos conjuntos para as individualidades, (antes sós que mal acompanhados) não se processa sem que, no panorama musical falho de inventiva, despontasse um raio de esperança: o conjunto 1 111. O agrupamento de José Cid entrou de «pé em riste» no mercado discófilo nacional e nos cérebros dos auditores, dominados pelos Calvários & Madalenas. «D. Sebastião» apareceu como «salvador descoberto» em manhã de sol radiante. É esse o caminho - teria gritado muita gente bem intencionada. De facto, as intenções do 1 111 pareciam ser, se não a salvação nacional, pelo menos uma panaceia de efeitos confortáveis para os ouvidos. Passada a euforia, José Cid iniciou o caminho do retrocesso, deixando a solução da Provence (chamado de novo em auxílio dos menestréis lusitanos) e apadrinhando sonhos «reformistas» com alguns «balões de oxigénio» considerados essenciais à sobrevivência do culto do fácil e do rentável (José Cheta p. e.).
É fácil constatar que a lição do exterior foi, ou deficientemente absorvida ou não vingou por inexistência das mesmas condições e condicionados necessários à eclosão do movimento pop, circunstâncias que não se verificaram no caso português: a formação de uma consciência marginal, disposta a enfrentar a situação vigente e o seu suporte ideológico. O tempo e o lugar são aliados do homem e a partir daí, é ousado generalizar, atribuir definições universais.
Dizer que José Afonso é um exemplo da folk song portuguesa é cómodo e até soa bem. Mas nada acrescenta em seu favor. Aliás, a existência de fortes personalidades musicais, está na base da construção de qualquer música popular diferenciada e adulta. Os rótulos não significam o conteúdo ou  a finalidade. Mais recentemente, o aparecimento dos conjuntos como «O Objectivo» e os «Status» (como outrora o fora, em certa medida, «Os Sheiks»), na vanguarda de uma certa forma bebida e alimentada do exterior e com músicos do exterior, nada de concreto produziu, a não ser o reforço do divórcio entre esses conjuntos e uma música «nossa», no sentido de participante-denúncia de uma realidade que nos diz respeito.
Não vai longe o tempo da Filarmónica Fraude. Entretanto, o conjunto dissolveu-se e deixou fechada uma possível saída para a música popular portuguesa. Foi uma «epopeia» que os editores não souberam incentivar preferindo uma outra «epopeia» económica em detrimento das propostas incómodas da Filarmónica.
Assim, verificada a ausência de um movimento pop a nível de conjunto, torna-se fácil, um bosquejo da situação ou não-situação da música pop em Portugal. Ponto por ponto, apontemos:
1 - A clamorosa ignorância musical da grande maioria dos elementos que integram os actuais conjuntos ditos pop e inaquada preparação de base para a formulação de uma consciência de classes com objectivos programados.
2 - Aprendizagem exclusiva e repetição sistemática das receitas made in «Chicago», «Deep Pupll», «Pink Floyd», «Procol Harum», distorcendo-as e escamoteando-se no seu sentido original, pois o simples enunciado do rock progressivo p. ex. ultrapassa a mera repetição de uma composição durante três minutos e requer além do mais, um elemento essencial que não «existe» no disco donde se retira a referida composição: o improviso.
3 - A preferência dos editores pelo reg (ionalismo) - vulgarmente representado pelo conjunto típico, sudâneo nacional - proletário. De qualquer modo, é mais uma contribuição do proletariado para a prosperidade da indústria discófila...
4 - Desinteresse total dos editores pelos conjuntos pop nacionais. A constituição dos reportórios destes, baseados na música anglo-americana, não abona em nada a qualidade de execução do mesmo. Diz o editor: gravar em inglês não interessa. Para isso existem centenas de conjuntos originais gravados em excelentes condições técnicas. As opções dos emigrantes e dos vastos mercados que os representam (ranchos folclóricos degenerados) impõem a manutenção de um mercado interno e externo que faz as delícias da nossa indústria discográfica. Nem interessa trocar o pop (ulismo) - por essa malta dos conjuntos e das violas, com ideias malucas que ninguém compra, pelos conjuntos típicos que às vezes até gravam sem cordas nas violas (verídico!...). Não há encargos com orquestras, músicos, promoção, etc. O material gravado pode ser aproveitado em qualquer altura.
A filosofia editorial roda à volta destas «verdades». Daí não sai, daí ninguém a tira. A falta de convencimento por parte dos conjuntos portugueses é óbice importante, que serve de argumento contra si mesmos.
5 - Acima de tudo, o comportamento de uma crítica que nem sempre é «crítica», mas um singelo exercício de «arte de bem convencer toda a malta». Uma crítica que «lê» muito bem tudo quanto lhe chega da estranja. Não somos xenófobos, mas acreditamos ser essencial à prática da crítica, o desempenhamento, a argumentação fundamentada numa bagagem musical (a música de hoje escreve-se com as mesmas notas que Beethoven utilizou), visão para além do momento-choque, do imediato do som, da concepção hegliana elementar que não pode ter cabimento nos dias em que o exercício de uma música é uma tentativa de reconstrução total do mundo. O fenómeno pop é universal, diremos mesmo que consolida numa intemporalidade futura. Por isso, temos de procurar uma linguagem própria se não quisermos ficar a ver «navios» à procura de outros mares, o que significaria trair a nossa «vocação» marítima.
JOAQUIM FERNANDES 






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