autor: Luís Jerónimo e Tiago Carvalho (compilação)
título: Escritos de Fernando Magalhães - Volume 1.1: 1988/1990
editora: Bubok
nº de páginas: 399
isbn: N/A
data: 2022
prefácio: Vítor Junqueira
formato: A4
Escritos de Fernando Magalhães - Volume 1.1. (1988/1990) (edição revista e aumentada) - BUBOK - em Portugal
Como o título indica, trata-se de uma versão revista e aumentada do anterior volume I, que abarcava os anos 1988 a 1991. (Ver Aqui). Face ao novo material encontrado, tornou-se necessário dividir esse 1º volume em 2 partes. A parte 1.1, que abarca os anos 1988 a 1990 já está publicada, e esse é o motivo deste post. A parte 1.2, que versará o ano de 1991 será publicada em breve e aqui também anunciada.
Seguir-se-ão os volumes seguintes, um por cada ano, desde 1992 a 2005.
Desta vez garantimos que não haverá mais atualizações e que os livros a publicar contêm mesmo todos os textos publicados pelo crítico. Qualquer texto que não faça parte dos livro s será mesmo uma excepção.
Desta vez publicamos na portuguesa Bubok, ainda em sistema de print-on-demand, que sendo, à partida, mais cara que a Lulu, no final, depois de incluídos os portes e, tendo em atenção que não haverá mais taxas e paragens na alfândega, ficará mais barato e de entrega mais rápida (aproximadamente 1 semana).
sinopse: PrefácioTextos de autor
«Decerto repararão que desta lista constam muitos nomes estranhos e desconhecidos. A culpa não é minha. Procurem-nos e talvez cheguem à conclusão que nem sempre a melhor música é a mais badalada.»
(in Blitz, 16 de janeiro de 1990, lista dos melhores discos da década de 80)
Devo ter começado a ler o Fernando Magalhães na altura em que os seus textos começaram a aparecer em jornais como o Blitz ou o LP, em finais da década de 80, como aqueles que encontramos nesta coletânea. Mas julgo que terei ainda deixado virar a década antes de começar a reparar com olhos de ver no seu nome na assinatura – ou tão só a sigla «FM». Sei porém que desde cedo aquela assinatura se tornaria para mim um selo de qualidade, uma garantia de que ali iria encontrar uma abordagem profunda, incisiva, abrangente, ora apaixonada, ora destrutiva, quase sempre divertida. Eram, se a expressão existisse, verdadeiros «textos de autor».
Dizia que a abordagem era profunda, porque não se reduzia à identificação do óbvio e do superficial. Ele encontrava os substratos que não se liam habitualmente nas críticas assinadas por outros. Era incisiva, porque quase sempre encontrava aquilo que realmente importava dizer, permitindo ir ao fundo do tema mesmo quando tinha meia dúzia de linhas como limite. Era abrangente, porque conseguia inserir o objeto de análise em vários planos contextuais, no tempo, na história da música, nas artes em geral, no plano dos afetos, nos diferentes terrenos culturais, na religião. O crítico que encontramos nestes textos de 88 a 91 já era um nerd da música, perdão, das músicas, mas um nerd com vistas muito largas. Coisa rara, pois.
Facilmente se vê – e podemos voltar a senti-lo nestes textos iniciais – que o Fernando escrevia com paixão e boa disposição. Com o tempo, creio que veio a sentir-se cada vez mais à vontade para impregnar os seus escritos de humor e até de doses bastas de ironia e alguma malícia servida em jogos de palavras que não raras vezes me deixavam de sorriso na cara, jornal aberto à frente, mesmo quando não concordava. Poucos críticos conseguiam entrar na graça sem se deixar cair em desgraça. Anos mais tarde, sempre que havia algo em disputa nas nossas conversas infindáveis sobre música e sobre tudo o resto, tentava desarmá-lo com argumentos que julgava fortes – nem sempre, admito – e o Fernando, tranquilo, mandava-me ir ouvir um qualquer grupo obscuro dos anos 60 ou 70, trazia a filosofia à mesa ou ridicularizava o assunto em discussão de tal maneira que acabávamos em gargalhadas e a pedir mais uma rodada de canecas. Mistas. E, claro, ele até tinha a sua razão.
Não posso dizer que o Fernando fosse absolutamente único. Nas páginas dos jornais ou nas ondas hertzianas havia mais um punhado de gente boa e conhecedora a saber expressar-se, a saber motivar-nos, a saber instigar-nos e guiar-nos para descobrir o que de mais interessante se fazia no mundo da música. Ou o para o que havia sido feito naquelas décadas passadas que não tinham chegado a nós ou aos nossos pais e irmãos mais velhos com o relevo que mereciam. Os apaixonados pela música da minha geração, adolescentes à data da publicação dos textos que compõem este volume, seguiam estas vozes públicas com toda a atenção. As novas gerações terão que imaginar o que era um mundo desprovido de informação imediata e à distância do visor dos apêndices ciborgues que hoje são o telemóvel ou o computador.
Gosto de reconhecer o valor nos vários professores que tive ao longo da vida, em diferentes áreas de conhecimento. E o Fernando foi um desses pedagogos, mais do que um mero crítico. Pelo punho do Fernando, muitos de nós terão entrado nas cenas folk portuguesa e europeia, terão aprendido o que era o kraut rock e a kosmische muzik, ou quem eram Peter Hammill e os Van Der Graaf Generator, seus velhos favoritos: «Hammill nunca alcançou a glória que já há muito merece. A sua obra é conhecida apenas por um clube de iniciados, felizmente com cada vez mais sócios.» (in Blitz, 21 de novembro de 1989). A propósito, oiço o “Pawn Hearts” enquanto escrevo isto. Descobri-o, e lembro-me perfeitamente disso, através do Fernando.
Assim era. Leitores como eu tornavam-se sócios deste clube de melómanos iniciados. Deve ser sublinhado que aquela era uma sociedade de apreciação que não se fechava numa corrente ou numa cultura musical específica. Habituei-me desde cedo – e acredito que o Fernando pode ter tido uma influência marcante nisto – a não me satisfazer num género, não por regra, mas porque facilmente ficava encantado na folk, no rock, na eletrónica, onde quer que alguém fosse fiel à sua musa. Esta abertura de horizontes estava patente na coleção de discos, nos textos e nas paixões musicais do Fernando. É fácil de reparar como nesta compilação de textos, e citando apenas alguns casos, convivem nomes como os de Tuxedomoon («esta ‘sonata fantasmagórica’ demonstra até que ponto os Tuxedomoon são hoje dos grupos mais importantes da cena alternativa situada na convergência do rock com a música erudita»), de Neil Young («Ouve-se ‘Weld’ com a sensação de se assistir ao cataclismo iminente, à erupção de um vulcão, ao colapso de qualquer coisa que não ousamos interiorizar»), de Legendary Pink Dots («Herdeiros legítimos da música progressiva dos anos 70, os Legendary Pink Dots representam uma das vertentes mais heterodoxas e estimulantes da cena alternativa actual»), de R.E.M. («Com ‘Out of Time’ os R.E.M. tocam o céu da perfeição»), de Negativland («são os maiores inimigos da Coca-Cola, da Levi’s e dos mísseis Patriot. Só pelo nome se vê que são do contra. Vêm da contracosta americana. Voltam tudo de pernas para o ar.»), de Naked City («Os cinco intérpretes, não se duvide, são fabulosos, independentemente de conseguirem ou não alguma vez condensar a história completa da música numa única espira») ou do Grupo de Cantares de Manhouce.
Como se vê, o Fernando tinha sempre coisas interessantes para dizer sobre gente tão díspar. Desde que estas (ou os seus trabalhos, para ser mais rigoroso) o encantassem. Mas o Fernando não tinha também quaisquer papas na língua para destilar críticas destruidoras a quem ou ao que o aborrecia. Acredito que essa faceta, essencial a qualquer crítico que queira desempenhar o seu papel em justiça para com o mundo que descreve e para consigo mesmo, lhe dava um certo gozo (e aos seus leitores, pelo menos a mim). Descobri-lhe, anos depois, que toda esta acutilância e este descaramento faziam afinal parte essencial do seu próprio carácter divertido e irreverente, particularmente notado na forma como se dava com as pessoas que conhecia e com as que não conhecia, como daquela vez, em que à porta da ZDB dizia a quem passava pela rua que ali ia tocar uma «banda pop francesa», os... Dat Politics. Tal como a vontade de picar os que o ouviam. Uma vez, enquanto víamos a bola na cervejaria onde nos encontrávamos regularmente, confessava-me: «sabes que às vezes penso que sou mais anti-benfiquista do que sportinguista?». Talvez sirva de algum propósito aqui dizer que, além da preferência clubística, ambos partilhávamos um fascínio muito especial pela “How To Irritate People”, uma série televisiva diabólica do John Cleese, precursora dos Monty Python (dos quais passávamos aliás noites e noites a percorrer de memórias todos os sketches). O Fernando não tinha quaisquer problemas em entrar neste jogo potencialmente perigoso nas críticas que escrevia. Mesmo quando o artista ou grupo em causa fosse português, o que também o distinguia face a outros críticos ou, em episódios decorridos posteriormente às datas da presente coleção de textos, quando a editora de alguns dos discos visados era importante para as receitas de publicidade do suplemento em que escrevia.
Não resisto a citar alguns trechos de textos deste volume, onde o Fernando já discorria alguma da sua, digamos, alegre truculência:
«Mas o pior de tudo foi o final, quando os Duplex se afundaram no seu próprio pretensiosismo. Subiram ao palco uns instrumentistas ‘da clássica’, com instrumentos ‘a sério’ como o violoncelo, a flauta e o trompete e, finalmente, um coro de senhoras, todos juntos para um final pretensamente grandioso. O resultado foi assistirmos a uma aula de alunos do Conservatório, com todos os participantes desunhando-se para não desafinarem ou saírem do compasso.» (In Blitz, 17.10.89, reportagem de concerto dos Duplex Longa)
«Chapéus há muitos. Bons músicos portugueses já há menos. Bons músicos portugueses a trabalhar na área da música popular contam-se pelos dedos. (...) Musicalmente são dados vários passos atrás, mais parecendo ter-se voltado aos tempos de Pedro Homem de Mello e aos ranchinhos de acordeão e vozes esganiçadas para turista ouvir e comprar.» (In Pop Rock, suplemento do Público, 1 de maio de 1991, crítica a álbum de Maio Moço, “Histórias de Portugal, de Dom Afonso Henriques a Dom Sebastião”)
«Começa a fartar, a década de 60. Tudo o que é ‘Sixties’ é bom. Nesse tempo é que era. Os ideais, a luta contra o ‘establishment’, gozar à brava, enfim, a grande farra. A música desses anos conturbados reflecte a confusão. Desde os percursores aos mártires, passando pelos oportunistas, há de tudo um pouco.» (In Pop Rock, suplemento do Público, 29 de maio de 1991, crítica às reedições dos Jefferson Airplane)
Os músicos continuavam a respeitá-lo, tanto quanto sei. Uma vez, terá ido a casa de um músico com créditos firmados (e merecidos) na nossa praça. Antes mesmo de passar a porta de entrada, se ainda me recordo da história, terá exclamado “oh pá, este teu novo disco é uma merda!”. Alegadamente, continuaram amigos.
Conheci, como se percebe de alguns parêntesis que não consegui deixar de ir abrindo e fechando neste prefácio, o Fernando-crítico e o Fernando-amigo. Tenho uma imensa saudade de ambos. Esta compilação de textos, edição rara no panorama português, a que o Tiago e o Luís dedicaram tanto trabalho de pesquisa e pelo qual aquele clube de melómanos de que o Fernando falava a propósito do Hammill deve toda a gratidão, vai ajudar a matar saudades do Fernando-crítico. Na maior parte dos casos, continuam a ser textos sem data, válidos para as gerações daquela altura, para as novas e para as futuras. Venham daí mais volumes.
Lisboa, 14 de dezembro de 2014
Vítor Junqueira
«Como certamente repararam, estive ausente desta página a passada semana. Outros deveres jornalísticos impuseram que me deslocasse à República do Alto Volta para fazer a reportagem sobre os pequenos-almoços de Paul McCartney nessa mesma República.
«Mas eis que regresso são e salvo, já refeito do choque McCartney e pronto para mais prosas sobre os «Valores», talvez não tão interessantes como as refeições do ex-Beatle, mas olhem, faz-se o que se pode.»
(in Blitz, 21 de novembro de 1989)
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