Depois de se ter debruçado, com bastante sucesso, sobre o Krautrock (ou rock alemão) no seu aclamado “Krautrocksampler”, Julian Cope volta à carga, agora tendo como alvo o Rock Japonês da mesma época (finais dos anos 60 e década de 70).
A estratégia utilizada é a mesma: em vez da cobertura enciclopédica, à laia dos irmãos Freeman em “The Crack In The Cosmic Egg”, Cope prefere basear todo o livro nos seus gostos pessoais, o que, se por um lado implica deixar de fora alguns nomes mais ou menos interessantes, por outro permite uma cobertura muito mais aprofundada dos músicos e bandas tratados.
É assim que todo o livro funciona como um todo coerente, onde o autor faz um enquadramento histórico do país em geral e do movimento “underground” que aí despontou a partir da década de 50. Esta abordagem permite-lhe seguir os nomes e movimentos mais influentes no despontar do movimento musical que é o centro da presente edição.
Julian Cope começa por chamar a atenção para o isolamento total em que o Japão viveu até finais do século XIX, para a sua consequente fácil humilhação pela armada americana do general Mc Arthur, que aí desembarcou, sem resistência à altura, nessa época. Para além disso sublinha-nos o facto de o Japão ser, desde sempre, uma sociedade muito hierarquizada e como isso tornou (mais) difícil o percurso dos jovens músicos “underground” que tentaram acompanhar os sinais dos tempos no pós-guerra. Acresce o facto de um deles ter participado no desvio de um avião na altura o que acirrou ainda mais os ânimos das autoridades, chegando ao ponto de perseguir todo e qualquer jovem apenas por ter cabelo grande.
É neste contexto que Cope nos dá a conhecer a história e histórias dos movimentos surgidos e dos músicos mais marcantes desses movimentos, primeiro como mera reacção e imitação aos grupos ocidentais, que eram recebidos no Japão, nas suas tournées, em completa loucura, e depois, aguns deles, trilhando um caminho muito pessoal e original, temperando essas influências ocidentais com as suas próprias idiosincrasias e do seu país, dando origem a músicas e álbuns completamente originais e plenas de criatividade, que agora, com a divulgação neste livro se tornam de mais fácil usufruto por todos nós, devido à avalanche de reedições que provocou pelas editoras, sempre ávidas e à espreita de uma oportunidade de negócio.
Como dissemos, Cope, depois do enquadramento histórico realçando o isolamento do Japão durante vários séculos, leva-nos numa viagem pelos pioneiros do Japão experimental entre 1961-1969, eco de um movimento ocidental no mesmo sentido levado a cabo por nomes como John Cage, Pierre Henry, Pierre Schaeffer, entre muito soutros. Estamos pois no domínio da música contemporânea, dos pioneiros da electrónica. É-nos contada a história do mais sonante desses nomes, Toshi Ichiyanagi, das suas aventuras e desventuras, do seu entusiasmo e angústias, do seu casamento com Yoko Ono, outro nome da cena que dispensa apresentações. É nessa altura que se faz notado um grupo de artistas, músicos, actores, etc. conhecido por Group Ongaku, que desempenhou um papel central no desenvolvimento do movimento de música experimental da época e de onde, entre muitos outros, despontou o nome de Yuji Takahashi e em que a visita de John Cage ao Japão foi fundamental para a troca de experiências que então se encetou com visitas frequentes entre os dois países.
É nesta época também que dá nas vistas um grupo de activistas, promotores de happenings inesperados e em locais de passagem da população nipónica - o Hi-Red Center, que chegou a transportar a sua as suas actividades até aos EUA. Também a visita e actuação de Stockhausen foi recebida com frenesi e aclamação.
Deixando de lado, embora as ligações sejam inquestionáveis, o avantgarde, Cope realça a enorme influência que os músicos de jazz nipónicos deram ao desenvolvimento do rock “underground”. Ao contrário dos seus pares americanos que na altura tinham, quase todos enveredado pelo Free Jazz, estes viram no emergir da cena rock a oportunidade de marcarem a sua posição dando origem a múltiplos grupos com um toque especial de originalidade e criatividade. E não estamos a falar do Jazz-Rock então emergente também ele no Ocidente.
A influência dos músicos pop-rock ocidentais, tais como os Beatles, que foram recebidos em delírio no Japão, deu origem a um primeiro movimento conhecido por Eleki que os tentava imitar e que deve o seu nome a uma guitarra eléctrica criada pela indústria nipónica de instrumentos, então imberbe, o que obrigava a importações onerosas para os poucos músicos que o conseguiam suportar. Embora essa guitarra fosse baseada nos modelos existentes no Ocidente, foi adaptada e embaratecida, o que provocou que o seu som fosse único e a sua compra por todos os jovens aspirantes ao estrelato.
esta cena Eleki evoluiu depois para o chamado Group Sounds que não era mais que uma espécie de ié-ié requentado e que, se do ponto de vista musical, não deixou muitas saudades, do ponto de vista do incremento do número de músicos e grupos foi extremamente marcante. Muitos dos seus músicos evoluiram e, passada a febre do Group Sounds, formaram verdadeiras bandas “underground” que fizeram história jnão só no rock japonês mas também no rock em geral.
Cope refere ainda a importância da conhecida peça “Hair”, que percorreu praticamente todo o mundo na época e que, apenas no Japão, devido ao método de selecção utilizado, permitiu o agrupamento de inúmeros músicos “underground” nos seus ensaios, durante um largo período, levando a uma enorme troca de experiências entre eles e a fermentação de pares e grupos que se vieram a revelar fundamentais no fenómeno do rock japonês. Irónico é o facto de a peça não ter chegado a estrear devido à polícia ter descoberto umas gramas de erva numa rusga que fez na altura do desvio do avião, acima citado.
Antes de passar à análise dos grupos mais marcantes para si, Julian Cope faz uma referência a uma marcante e visonária personalidade: Ikuzo Orita, primeiro manager da Polydor japonesa e depois transferido para a Atlantic e que permitiu e fomentou a junção de inúmeras bandas e a gravação dos seus trabalhos, além de promover as chamadas super-sessões com músicos de vários grupos, das quais resultaram álbuns fundamentais para a história do rock.
Na segunda parte do livro, Julian Cope traça-nos a história dos, a seu ver, mais marcantes grupos, dedicando um capítulo a cada um deles, a saber:
- Flower Travellin Band
- Les Rallizes Denudés (o seu álbum “Heavier Than a Death In The Family” é uma pedrada que nos deixa KO ao fim da sua audição. Para mim um dos melhores de sempre de toda a história da música. Façam o favor de o descobrir, ouvir e depois digam alguma coisa.)
- Speed, Glue & Shinki
- Taj Mahal Travellers & Takeshi Kosugi
- J.A.Caesar & The Radical Theatre Music Of Japan
- Masahiko Satoh & The Free-Thinkers’ Union
- Far East Family Band
Se nos permitirmos ser simplistas poderemos dizer que os três primeiros se enquadram naquilo que denominaríamos por rock puro, hard-rock, proto-metal, mas sempre com um toque nipónico cativante; os Taj Mahal de etno-ambiente-rock, com os seus concertos de várias horas e nos locais mais díspares do globo; os J.A. Caesar de rock-teatro interventivo à boa maneira dos Floh de Cologne alemães da época; e a Far East Family Band a lança electrónico-sintetizadora, comparável com o que fazia Klaus Schulze, que aliás participou e produziu vários álbuns da banda.
No final o autor dá-nos o seu Top-50, que abaixo reproduzimos e, embora possamos achar alguns dos trabalhos medianos (por exemplo os Blues Creation são hard-rock Led Zeppeliano sem qualquer apelo), aqui se encontram listados muitos dos álbuns mais importantes de toda a hostória da música rock japonesa, tendo Julian Cope tido a preocupação, para além do seu gosto pessoal, de incluir exemplares de todas vertentes musicais que na altura rodavam nos gira-discos dos ouvintes mais esclarecidos.
Top 50
1 | Flower Travellin’ Band | Satori |
2 | Speed, Glue & Shinki | Eve |
3 | Les Rallizes Denudés | Heavier Than A Death In The Family |
4 | Far East Family Band | Parallel World |
5 | J.A.Caesar | Kokkyou Junreika |
6 | Love Live Life + 1 | Love Will Make A Better You |
7 | Masahiko Satoh & Soundbreakers | Amalgamation |
8 | Geino Yamashigorumi | Osorezan |
9 | Takehisa Kosugi | Catch-Wave |
10 | J.A.Caesar | Jasumon |
11 | Far Out | Nihonjin |
12 | Les Rallizes Denudés | Blind Baby Has Its Mothers Eyes |
13 | Tokyo Kid Brothers | Throw Away The Books, We’re Going Out In The Streets |
14 | Far East Family Band | Nipponjin |
15 | Speed, Glue & Shinki | Speed, Glue & Shinki |
16 | People | Ceremony - Buddha Meets Rock |
17 | Blues Creation | Demon & Eleven Children |
18 | Flower Travellin’ Band | Made In Japan |
19 | Karuna Khyal | Alomoni 1985 |
20 | Les Rallizes Denudés | Flightless Bird (Yodo-Go-A-Go-Go) |
21 | Masahiko Satoh & New Herd Orchestra | Yamatai-Fu |
22 | Magical Power Mako | Magical Power Mako |
23 | Taj Mahal Travellers | Live Stockholm July, 1971 |
24 | Magical Power Mako | Jump |
25 | Kuni Kawachi & Friends | Kirikyogen |
26 | Brast Burn | Debon |
27 | Akira Ishikawa & Count Buffaloes | Uganda |
28 | Flower Travellin’ Band | Anywhere |
29 | J. A. Caesar & Shirubu | Shin Toku Maru |
30 | Gedo | Gedo |
31 | Les Rallizes Denudés | December’s Black Children |
32 | Datetenryu | Unto 1971 |
33 | East Bionic Symphonia | East Bionic Symphonia |
34 | Stomu Yamashita & Masahiko Satoh | Metempsychosis |
35 | Tal Mahal Travellers | July 15, 1972 |
36 | Toshi Ichiyanagi | Opera Inspired By The Works Of Tadanori Yoko’o |
37 | Taj Mahal Travellers | August 1974 |
38 | Seishokki | Organs Of Blue Eclipse (1975-77) |
39 | Joji Yuasa | Music For Theatrical Drama |
40 | Group Ongaku | Music Of Group Ongaku |
41 | Far East Family Band | The Cave Down To Earth |
42 | The Jacks | Vacant World |
43 | 3 / 3 | Sanbun No San |
44 | Blues Creation | Live |
45 | Various Artists | Genya Concert |
46 | Toshi Ishiyanagi / Michael Ranta / Takehisa Kosugi | Improvisation Sep. 1975 |
47 | Itsutsu no Akai Fusen | Flight 1&2 |
48 | ¡êo (Maru Sankaku Shikaku) | Complete Works (1970-73) |
49 | Yonin Bayashi | Ishoku-Sokuhatsu |
50 | The Helpful Soul | First Album |
Para (mais que) uma introdução ao Rock Japonês tratado neste livro, podem visitar http://www.inthepines.org/blog/index.php?itemid=190 e regalar-se durante os próximos meses.
Futuramente este artigo será complementado com a história resumida dos grupos mais importantes (acima destacados) e a classificação/recensão dos 50 álbuns do top.
1 comentário:
FLOWER TRAVELLIN' BAND came back from a trip!
FUJI ROCK FES08!
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