Tal como aludimos no post anterior, aqui fica a entrevista dada por Bernd Kistenmacher, em 2002, à revista espanhola margen, no seu número 24.
BERND KISTENMACHER - Entrevista
A história de Bernd Kistenmacher é a história de um compositor apaixonado pela música electrónica. Duas obras musicais, Meddle, dos Pink Floyd e Moondawn, de Klaus Schulze, marcaram-no profundamente na sua adolescência e agora, aos quarenta anos, ele próprio pode presumir (ainda que, conhecendo-o, fosse incapaz de o fazer) de ter trazido à história musical obras intemporais como aquele fantástico Headvisions que compôs aos 26 anos, quatro anos depois de ter tentado, infrutiferamente, fabricar o seu primeiro sintetizador.
Mais de vinte discos compõem a sua discografia, para além de bandas sonoras e diversas colaborações.
Na sua maturidade pública Un viaggio attraverso l’Italia, a sua obra mais romântica e melódica, que mostra os delírios neoclássicos de um compositor à procura de uma formação orquestral.
margen – És um sintetista ou um compositor contemporâneo?
Bern Kistenmacher (BK) – A minha aprendizagem musical provém da música experimental e psicadélica dos anos 70, mas também fui muito marcado pela música clássica, pelo que acho que me situaria a meio caminho.
margen – O teu último disco é muito romântico. Tem alguma coisa a ver com a maturidade do compositor?
BK – Gosto das passagens românticas, sim, da mesma forma que me interessa mais a harmonia que a dissonância, mas tudo isto é relativo, às vezes a mistura de ambas é aquilo que funciona. Podes chamar-lhe maturidade, para mim é simplesmente um momento como qualquer outro.
margen – Mas, por certo, não negarás que mudaram muitas coisas desde o teu primeiro disco até ao momento presente.
BK – Bom, é que entre Head-Visions e Un viaggio attraverso d’Italia passaram-se 15 anos. O que seria estranho é que não houvesse mudanças. Não consegues premeditar a mudança, nem queres ser mais moderno, ocorre simplesmente, é uma lei natural. Outros músicos que eu costumo ouvir decidiram reciclar-se e mudaram-se para o tecno. Se conseguiram mais sucesso que eu é algo varia dependendo do que entendes por êxito. Para mim, êxito é ser consequente consigo mesmo e criar o que sentes, sem pressões exteriores.
margen – Consideras-te um membro desse clube elitista que é a Escola de Berlim?
BK – Sempre me descreveram dessa forma, mas para mim isso, hoje em dia, representa um problema para mim. Porquê? Porque na Alemanha o hip-hop é um estilo musical muito popular neste momento, sabes, esse estilo popularizado por jovens da classe alta que nunca visitaram um bairro pobre, pelo que não têm uma grande consciência social sobre minorias e perdecores. Bom, é um negócio tão respeitável como outro qualquer. Isto significa que em Berlim há uma variante desse estilo, conhecida, como “Berlin School”... e como nada tem a ver com a verdadeira “Berlin School”... vejo-me mais como um músico de electrónica contemporânea, em qualquer dos casos.
margen – Os teus primeiros discos trouxeram riqueza melódica e um conceito épico a um estilo que nunca se definiu por essa qualidade (nem lhe fazia falta, verdade seja dita). O certo é que se Schulze sempre negou a melodia e os Tangerine Dream só recorreu a essa fórmula de modo muito esquemático nos anos 80, apenas restas tu como fazendo uma ponte entre a Alemanha e a Grã-Bretanha. Havia nesses discos um conceito muito sinfónico.
BK – Eu não diria tanto. Não creio que tenha significado uma ponte entre nada. Todos os elementos musicais são importantes para mim. Gosto da riqueza musical por oposição à secura. As densidades harmónicas, os coros, os arranjos de cordas. É a minha referência clássica e sinfónica, sim.
margen – E o ritmo?
BK – É-me difícil imaginar a minha música sem ritmo. O normal é que encontres partes com rítmicas muito fortes, muito sequenciadas. O problema é que todos esses ritmos programados me aborrecem, pronto. Sou um intérprete, não um programador, gosto de criar sons e não programar ritmos, porque soam demasiado mecânicos. Trata-se de descobrir novas formas rítmicas e as melhores estão na composição clássica, porque é um ritmo puro, sem soar a mecanizado.
margen – Como enfrentas o acto de compor?
BK – É o mais importante e deves estar inspirado, em forma, sem nada que te distraia. Não me refiro apenas a uma chamada telefónica, claro, mas sim a estar em plena forma física e mental, sem problemas que te apoquentem. Sem isso a criatividade enquista-se à volta desses problemas.
margen – És um perfeccionista? Procuras erros quando ouves um disco teu?
BK – A verdade é que não. Inclusivamente, por vezes, quando componho e creio que criei uma boa peça, ao detectar um erro fico a pensar se devo retirá-lo. Na maioria das vezes não o faço porque surgiu num momento especial. São coisas que considero importantes na minha música.
margen – Não dás muitos concertos ao vivo...
BK – É que nunca consegui fazer uma digressão, e isso coarcta a tua expressividade ao vivo. Quero dizer que se vais apenas dar um único concerto, a preparação é a mesma que para dar dez, ainda que no final apenas esses 60 ou 90 minutos sejam em palco. É muito stressante e não compensa, porque não dá azo à espontaneidade. Gosto muito mais do estúdio, onde posso controlar tudo.
margen – Continuas em contacto com o Grosskopf e do Schulze?
BK – Fico contente por o Harald Grosskopf continue no activo. Está a fazer coisas muito interessantes com o Steve Baltes e está envolvido em muitos e diversos projectos. estivemos em contacto por email há pouco tempo e não descartamos uma nova colaboração.
Também Günther Schickert é um bom amigo. Realizámos o projecto “The Echomen” ao vivo, porém não houve possibilidade de editá-lo.
Com o Klaus Schulze nunca tive uma relação directa. Tentei-o muitas vezes mas ele sempre se negou. Bom, é a vida...
margen – Qual a tua peça preferida?
BK – Talvez “La Tendresse”, do meu primeiro trabalho, porque era realmente cósmica e honesta. Eu ainda penso que a “ verdadeira música cósmica” é a música do futuro.
margen – Que se passou com a Musique Intemporelle?
BK – Bom, ainda existe no papel. Proporcionou-me bons momentos. Era uma editora pequena mas muito interessante. Os problemas começaram quando me deixei influenciar demais pelos outros, todos com muito boas intenções, por certo, mas com interesses próprios. Também não tinha muita experiência em assuntos económicos e assim fui perdendo o controlo pouco a pouco, e alguns dos artistas da editora cansaram-se de mim. Hoje em dia, editar música é lixado. Há demasiada pirataria, sacas tudo da internet sem pagar um tostão. Não há uma base séria para editar música. O mais provável é que tudo rebente dentro de pouco tempo. Que os teus grupos favoritos não voltem a editar... e a culpa será nossa, de todos. É mais cómodo e barato copiar um disco do que comprá-lo, porém isso tem consequências inimagináveis, as mesmas que premir um aerossol, não vemos o que ocorre mas a camada de ozono desaparece efectivamente. Por outro lado, não tenho interesse em editar uma colecção de 100 CDs, sabes a que me refiro, com demos que não interessam para nada nem a ninguém, a não ser a 4 loucos.
margen - Falemos de “Nachtflug III”, o tema inédito que trazes ao nosso MDEA vol. 5
BK – Foi composto originalmente em 1996 e fecha a trilogia Nachtflug I. Foi editada em V/A Magic Fly Presents New Instrumental Music Vol. II, da editora alemã Magic Fly (1996). “Nachtflug II” fez parte do meu disco Thoughts, de 1996 também. Esta é a terceira parte, que retirei do arquivo e remasterizei especialmente para o vosso CD.
margen: Que fazes, para além da música?
BK – Terminar os meus estudos de Económicas e Informática para regressar com mais garra à tarefa de descobrir música cósmica.
margen – Se os piratas to permitirem...
BK – Isso.
Rafa Dorado
Discografia
1984 – Dancing Sequences – MC
1985 / 1999 - Music From Outer Space – MC / CD
1986 / 1999 - Romantic Times – MC / CD
1986 / 1992 – Head-Visions – LP / CD
1987 / 1989 Wake-Up In The Sun LP / CD
1989 - Kaleidoscope – CD
1991 - Outlines – CD
1991 – Characters (mit H. Grosskopf) – CD
1992 - Live & Studio Tapes – CD
1995 / 1997 – Starting Again – CD-ROM / CD
1995 / 1997 – Stadtgarten Live - CD-ROM / CD
1997 - Compiled Dreams – CD
1997 – Thoughts – CD
1998 – Contrasts Vol. I – CD
1999 – Contrasts Vol. II – CD
1999 – Berlin Live ’85 – CD
1999 – Electronic Goes Benefit – CD
1999 – Dresden 08/89 – CD
1999 – The Treasure Box – CD
1999 – Totally Versmold – CD
1999 - My Little Universe incl. Best Of BEST – 8 CD-Box
2001 – Un Viaggio Attraverso L’Italia - CD
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