29.11.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (5) - Ritual - Nº 12 - Setembro / Outubro de 1990


Ritual
Nº 12
Setembro / Outubro de 1990
Revista Bimestral - Liége - Bélgica (em Francês)

A Ritual foi uma revista / Magazine musical dedicada à música indie, conforme se pode constatar na foto da capa que vos deixo abaixo.
Fica aqui a referência ao seu número 12, cujo conteúdo e tipologia musical abordados facilemnte se podem inferir a partir das chamadas de capa que a figura abaixo representa.


Talhada Independentemente & de Mentalmente Estranha

A cena musical independente francesa tem deixado uma impressão desagradável de trabalho por fazer, de inactividade, de tédio. As tentativas de algumas etiquetas e distribuidores são por isso louváveis e interessantes. A cena underground / alternativa beneficiou fortemente do trabalho de gente como Vita Nova (Grenoble), Les Ballets Mécaniques (Toulouse) ou ainda dos Les Disques Du Soleil Et De L'Acier. Mais recentemeente, a Permis de Construire e a Odd Size parecem ter ganho algum relevo. O último número da Ritual mencionava as edições de Dreaming Togheter e do álbum colaborativo (split album) Face To Face, com Die Form e Asmus Tietchens para a Odd Size. Impõem-se pois algumas palavras sobre esta nova editora.

A Odd Size tem a sua base em Paris. A etiqueta foi criada há dois anos pelos audiófilos (um dos seus fundadores não é um membro dos Nox?). Editaram uma primeira compilação internacional (Ciguri) e os discos dos Die Form, Dreaming Togheter, sendo que sai agora um novo volume da série Face To Face, com H.N.A.S. e Vox Populi ! ... Dois grupos que entravam já na compilação Ciguri.

Os H.N.A.S. (Hirsche Nicht Auf Sofa) de Aix La Chapelle propõem-nos uma música fora de qualquer categorização evitando todas as conotações fáceis e apresentando um estilo muito próprio. Fazendo lembrar os Nurse With Wound de início, os H.N.A.S. criam a sua própria ambiência musical onde cada parcela sonora evoca o mistério e provoca uma escuta atenta que nos embebe num ambiente de sonho. Os Vox Populi ! são originários de Paris. O seu primeiro álbum, Mysticismes, de 1986, maravilha-nos pela sua atmosfera planate e envolvente. A formação aqui presente, Home, Femme, Autruche Ou Radiateur parece mais trabalhado, mais cuidado e melhor produzido. As cinco faixas oferecem-nos cada uma um aspecto particular colocando em evidência os recursos de Axel Kyrou e dos seus companheiros. Permanent Revolution, por exemplo, é uma peça pessoal de funk original. Permanent Revolution Part 15 faz sobressair as guitarras tortuosas, que criam um clima pesado e lânguido.

Paralelamente à actividade de editora de discos, a Odd Size lançou-se também no papel de distribuidora e abriu uma loja. O catálogo de distribuição está já bem fornecido e compreende uma série de pequenas etiquetas (K7 e outras) francesas que até ao momento têm encontrado grandes dificuldades de distribuição: Vox Man, V.P.231, Electro-Institut, Illusions Productions... As etiquetas de outros países, tais como a Dossier (RFA), Atonal (RFA), Sterile (UK), Touch (UK), Insane Music (Bélgica), SST (USA) estão também representadas na distribuição.

Paradoxo: o negócio do catálogo com a SJ Organisation que já estava especializado na distribuição em França da maior parte das etiquetas supracitadas. O fim provável das suas actividades não entristecerá os fãs, pois a Odd Size virá, certamente, ocupar o seu lugar.

Finalmente, a abertura do armazém é uma boa coisa. Uma cidade como Paris tinha necessidade de , depois de muito tempo, ter uma coisa assim para os musicófilos, que seja uma alternativa ao mercantilismo das grandes superfícies do disco e à inevitável New Rose. Lugar de descobertas sonoras mas também um ponto de encontro e de comunicação. Numa fase posterior, a Odd Size prevê, de acordo com a sua política de independência, construir o seu próprio estúdio de gravação e de possuir a sua própria estrutura de produção. Esperemos que consigam atingir os seus objectivos e que as suas intenções não se tiornem letra morta

Eric Therer
Odd Size Records, rue de Laghornat 24, F-75018 Paris





18.11.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (4) - Blah Blah Blah (Lux) - Setembro de 2007


Blah Blah Blah (Lux) - Setembro de 2007

Não sei esta revista - magazine - fanzine teve saídas regulares (ou mesmo irregulares). Apareceu-me aqui no baú e, apesar de recente, o arquivamento merece uma referência aqui no blogue.
Como habitual escolhi um artigo, entre vários, compostos de entrevistas, artigos de opinião, recensões críticas de discos, etc. para publicar. Aqui fica ele:




Leonaldo de Almeida vs. Nanau

25 Years Party People

Sonhou com Arquitectura nas Belas Artes, mas estudou Pintura. Saltou para Dramaturgia no Conservatório Nacional, mas acabou no Curso de Formação de Actores. É formado em Artes Gráficas, mas trabalha com música. E embora seja aquilo a que comummente se chame um Disc Jockey, considera-se um “passador de discos”.
Leonaldo Almeida, DJ residente do Lux, tem no mínimo um percurso repleto de contradições, trajecto que assume aliás plenamente. É uma pessoa simples, mas com gostos requintados. Apaixonado por teatro, adora cinema e confessa nunca perder um filme de Manoel de Oliveira. Considera-se uma vítima da moda, e não esconde a sua paixão por marcas.
Ao longo de 25 anos, Leonaldo de Almeida (Nanau para os amigos) colaborou energicamente nos dois principais ícones da noite Lisboeta. Durante dezasseis anos passou música no Frágil e desde 1998 passa música no Lux, projecto que abraçou uma ano antes, quando Manuel Reis o desafiou para esta nova aventura.
Leonaldo é um homem discreto, talvez excessivamente, e demonstra uma estranha obsessão em manter uma postura low profile. Nunca gostou de se expor, muito menos de dar entrevistas ou aparecer em revistas. O seu maior pavor? Virar figura pública. Assume-se como um homem da sombra, quem sabe se por trabalhar na escuridão da noite... Tão discreto que quase não daríamos por ele, não fosse um estranho convite recebido este Verão, enquanto lia à sombra de uma cerveja aquele que é um dos seus livros de eleição: «O Tempo Reencontrado». E é precisamente um reencontro com o tempo para o qual é desafiado nesse misterioso convite. Um reencontro com alguém que Leonaldo nunca esqueceu, mas que sobre o Leonaldo pouco ou nada sabe.
Num convite endereçado em 1982, o jovem Nanau convida o ainda jovem Leonaldo para uma conversa a dois em 2007. Porque o tempo passa. Porque sobre Leonaldo tudo queremos saber. Porque a verdadeira identidade de um homem, como tão bem narrou La Rochefoucauld, está na mente e não no corpo. Decorridos 25 anos de carreira, como numa conversa em frente a um espelho, Nanau entrevista Leonaldo...

. Vieste cedo Leonaldo!
- Pontual como sempre, Nanau.
. Os bons hábitos não se perdem.
- Nem a educação. E como vês eu vim, acedi ao teu convite.
. É incrível como o tempo passa depressa, não concordas? Já passaram 25 anos desde a última vez que nos cruzámos, ali no Bairro Alto, na cabine de som do Frágil. Foi há tanto tempo e no entanto parece que foi ontem.
- Com a idade descobrirás que o hoje muito depressa se transforma em ontem. Aliás toda a história do homem e das coisas não pára. E assim, como num abrir e fechar de olhos, passam 25 anos de uma vida sem darmos por isso.
. É estranho olhar para mim daqui a 25 anos. Imaginas-te daqui a outros tantos?
- Não. Nem sequer pensei nisso. Até porque ainda não chegou nenhum convite teu do futuro. Prefiro aguardar para ver. Para já, contento-me com a visita do Nanau que surgiu do passado.
. Entre passado e futuro fiquemos então no presente!
- O Presente? O presente não existe. Existe o futuro, existe o passado, e entre os dois... não existe nada.
. Lembras-te como foste parar ao Frágil?
- Queres dizer se me lembro como fomos parar ao Frágil? (risos).
. Sim.
- Antes da abertura do Frágil eu já era amigo do Manuel Reis e do sócio dele, o Carlos Fonseca. Na verdade acompanhei todo o projecto do Frágil: das obras à decoração, passando pela organização, constituição da equipa, etc. Conversámos muito sobre aquilo que poderia vir a ser o modo de funcionamento de um bar, para o qual era aliás necessário contratar duas pessoas para passar música. Ora em 1982, encontrar DJs era uma tarefa bastante difícil. Pura e simplesmente não existiam.
. Não existiam DJs? Então o que é que tu eras? Quero dizer... o que é que eu sou em 1982?
- És aquilo que os outros vêem em ti. Estava-te a contar que na altura não existia a figura do DJ. Propus que convidassem para o Frágil o João Piconé, que não só punha música em festas, como também tinha bastante jeito para fazê-lo. Fizeram-lhe o convite, tendo ele ficado encarregue de encontrar uma segunda pessoa para passar música com ele. Mas a poucos dias da abertura do Frágil a pessoa desistiu e lá me convenceram a ocupar o lugar. A princípio não levei a coisa muito a sério. Foi assim, de um dia para o outro e de forma totalmente inesperada que eu comecei a passar música... Até hoje. Do Frágil ao Lux.
. E o que fazias antes de ir passar música para o Frágil?
- Dava aulas de Educação Visual e Trabalhos Manuais no Ensino Preparatório. Mantinha também uma actividade regular no Teatro, já que pertencia a um grupo independente e trabalhava em cenografia. Entrei no universo do teatro por via do Osório Mateus. Foi ele que me puxou para esse mundo tão fascinante. Isto para não falar, claro está, na minha paixão por arte. Mas porque me perguntas tudo isto? Será que não sabes quem és?
. Digamos que quero ter a certeza de que tu e eu somos a mesma pessoa. Nunca se sabe quem é que o futuro nos reserva.
- Ou quem é que o passado nos traz à memória... Enfim. A verdade é que tudo começou por mero acaso, um daqueles acasos que surgem de rompante nas nossas vidas. E assim passaram 25 anos.
. Estás-me a dizer que foi um acaso que mudou a tua vida?
- Diz antes que foi um acaso que mudou a nossa vida. São os acasos do destino, e quis um acaso que a minha carreira de “passador de música” começasse desta forma.
. Passador de música? (risos)
- Voltarei a falar sobre este assunto mais à frente. Para já foquemo-nos no início.

 . Como queiras. Em 1982, quando a tua carreira de DJ começou, o mínimo que se pode dizer é que já tinhas um percurso cheio de contradições.
- Sem dúvida. Foi um percurso um tanto ou quanto animado (risos). Comecei por tirar o curso de Artes Gráficas na Escola António Arroio. Depois quis seguir arquitectura, pelo que fiz um curso suplementar de acesso às Belas Artes. Mas como era péssimo aluno a matemática, não consegui entrar em arquitectura e resolvi seguir para pintura. Estávamos no período do “pós 25 de Abril”, entre 1974 e 1976, e a Faculdade de Belas Artes praticamente não funcionava (greves, faltas, fechos, abstencionismo, etc.). Por este motivo inscrevi-me no Conservatório Nacional, mais precisamente na Escola Superior de Teatro, para seguir o Curso de Dramaturgia e Encenação... Algo que também não aconteceu porque o curso fechou por falta de alunos (éramos 2 ou 3). Os meus colegas e eu passámos então para o Curso de Formação de Actores.
. Tantas contradições no rumo da tua vida! Será que alguma vez te levaste a sério? Nunca te fixaste em nada, saltaste de curso para curso, fizeste Teatro e acabaste a pôr música...
- Culpas-me a mim ou a nós os dois? Quando olho para trás prefiro culpar o destino. Esse destino ingrato que nunca me deixou fazer o que quis. Talvez sejam estes os acasos de que eu te falava há pouco: as coisas foram acontecendo, sem rumo, sem estratégia.
. Sim, já percebi. São os acasos do destino.
- Voltando à pintura, durante estes 25 anos desenvolvi uma carreira de pintor paralelamente à música. Não me considero um artista plástico profissional. Pinto porque gosto. Faço exposições esporádicas. Sou um artista ocasional, com um percurso irregular, e com a agravante de ser muito preguiçoso, facto que me inibe na medida em que não permite que eu desenvolva por demais o meu trabalho.
. E assentaste nalgum estilo em particular? Será que vais fazer de mim um pintor famoso, cujos quadros serão expostos nas principais galerias internacionais?
- Não sonhes. Ainda és jovem e os jovens gostam de sonhar. Sonham com um mundo melhor, com um futuro diferente, com carreiras de sucesso, com dinheiro, com poder e tantas coisas mais. A paz no mundo por exemplo. Ou o fim da fome em África. Não digo que um jovem não deva sonhar. Sonhar faz parte da vida, sonhar é acreditar. Houve mesmo quem dissesse que “o futuro pertence àqueles que acreditam na beleza dos seus sonhos”. Palavras de uma grande senhora do século XX (Eleanor Roosevelt). Mas não devemos sonhar em demasia, porque às vezes, quando olhamos para o mundo que nos rodeia, questionamo-nos sobre o legado que os outrora “jovens sonhadores” nos deixaram...
. Muito filósofo, este Leonaldo, que me chega do futuro. Filósofo e pessimista.
- Não confundas pessimismo com realidade. Muito menos filosofia com a minha visão do mundo. Voltando à tua questão sobre o meu estilo, não me parece que tenha aderido a um género específico de pintura. Gosto de tudo, embora tenha uma especial apetência pela pintura americana contemporânea, com a qual me identifico e que é para mim uma fonte de inspiração. No entanto sou pouco sensível ao vídeo e às instalações, que são formas de arte que hoje estão muito em voga (embora goste de alguns artistas ligados a este movimento: o Bruce Nauman, o Bill Viola, ou o Gary Hill).
. Pintura americana contemporânea? Então sempre vou acabar a expor em Nova Iorque (risos)....
- Duvido. Ainda agora estive em Madrid e adorei rever a pintura religiosa dos séculos XVI e XVII. Vi-a com outros olhos, descobri coisas nas quais nunca tinha reparado: a representação das personagens, o cuidado em respeitar as proporções, o realismo das cenas representadas, a genialidade dos retratos. Digamos que é a perfeição do traço na escola flamenga!

. Que história é essa entre ti e o design? Li por aí numa revista que vou estar ligado a uma mostra de design?
- Sim. Em 1988. Por via da Loja da Atalaia. Serás convidado para participar numa mostra organizada, patrocinada e produzida pelo Manuel Reis. Um evento para o qual ele irá convidar um grupo de jovens designers a exporem os seus trabalhos.
. E o que é que tu expuseste? Se me fores adiantando ideias, poderei começar já a trabalhar nelas. Afinal de contas, para mim 1988 é daqui a 6 anos... (risos).
- Pois fica sabendo que para mim foi há 19! Enfim. Sem comentários. Entre outros objectos expus uma “Mesa Consola de Vidro”, à qual dei o nome de “Niagara”, em homenagem ao filme do Henry Hathaway e à Marilyn Monroe, que nele participa.
. A Marilyn Monroe? “Happy Birthday Mr. President”!
- Creio que ninguém esqueceu esse episódio. A começar pelo próprio JFK, onde quer que possa estar a sua alma... Como também ninguém terá esquecido o «Diamonds are a Girl’s Best Friend» ou o «I Wanna be Loved by You».
. Por falar em música, como nasceu em ti o gosto pela música?
- Ora aí está em mim mais um paradoxo. Embora a minha vocação não fosse a música, nem tão pouco a minha área de formação, acabei a passar música no Frágil em 1982 e hoje continuo a fazê-lo  no Lux. Desenvolvi o meu gosto melómano muito cedo, por volta dos quatro ou cinco anos de idade. Gostava de ouvir os discos do meu pai (Elvis Presley), assim como a música das minhas tias (Frank Sinatra, Beach Boys, Rolling Stones, Beatles). Infelizmente durante muitos anos foi difícil comprar discos em Portugal, e era ainda mais difícil ter acesso à informação, que contrariamente a hoje não era muita. Como muitas pessoas da minha geração, fui marcado por uma emissão de rádio que passava no Rádio Clube Português, o famoso «Em Órbita». Graças a este programa pude descobrir muitas novidades.
. Para não falar nessa tua curiosidade inata em pesquisar novos títulos.
- Sim. Para além de tentar acompanhar a evolução da música, sempre tive curiosidade em ouvir todos os géneros de música: da clássica ao hip-hop, passando pelo jazz, o house, o techno, o rock, etc. Toda a música desperta em mim uma fome de conhecimento. Ainda hoje, gostando ou não, tento ouvir de tudo um pouco, procurando estar sempre a par das novidades. Afinal de contas, para criticar é preciso gostar ou não gostar, para gostar é necessário conhecer, e para conhecer é obrigatório ouvir o bom... e o menos bom.
. Queres dizer o maus.
- Sim. Se quiseres ser politicamente incorrecto chama-lhe o mau. Mas nada é absoluto. Como definir o bom e o mau? O que é isto de música boa e música má? Lá por eu não gostar de uma determinada música não quer dizer que ela seja má! Quem sou eu para definir os critérios de selecção? Obviamente, tenho um critério pessoal, o meu critério. Mas isso todos nós temos, e não falo apenas de mim e de ti. Falo de todas as pessoas, que são livres de gostar (ou não) de uma música. A isto chamam-se os gostos e, como diz o ditado, “gostos não se discutem”. Pessoalmente gosto de todos os géneros e estilos. Não tenho uma norma-padrão de escolha. Mas como em tudo na vida, também na música existem coisas boas e coisas más. Ou antes, digamos que há coisas que eu considero boas e coisas que eu considero menos boas...
. E ainda te consideras fã de algum grupo?
- Ouço de tudo um pouco e já não sou “fã” de ninguém. Com a idade vai-se perdendo esse conceito de se ser fã de um cantor ou de um grupo. A última banda da qual fui fã, se bem me recordo, foram os The Smiths nos anos oitenta (1982-1987). São contemporâneos teus que deves conhecer bem (risos). Mas também fui “fã” do David Bowie, dos Roxy Music, dos Talking Heads, dos Joy Division, dos Velvet Underground, dos Depeche Mode e até do Prince...
. Consideras que a música é indissociável de ti?
- Considero que a música é indissociável de nós. Assim o era em 1982, assim continua a ser em 2007. Quando ouço música isso faz-me sentir bem. Gosto de ouvir música quando leio. A música transporta-me para outras dimensões, estimula os meus sentidos e reflecte o meu estado de espírito (contrariamente a certas pessoas que quando estão tristes ouvem música alegre, como se a música fosse Prozac).
. Prozac?
- É algo de que ouvirás falar um dia. Prozac, Viagra, Aquecimento Global, Sida, 11 de Setembro, Maastricht, Ruanda, Bin Laden, o CD, Timor, Expo 98, Auto-estrada até ao Algarve, o Euro, a queda do Muro de Berlim, o DVD, a Mónica Lewinsky e tantas outras coisas. A Internet, por exemplo. Mas deixa-te ficar em 1982. Vive a tua idade e atua época. Como te disse no início da conversa, a história do homem e das coisas não pára. Tudo irá acontecendo e nada poderás fazer contra o curso do tempo.
. Dizias sobre a música...
- A música é indissociável do meu quotidiano, embora possam passar dias em que não tenha necessidade de ouvir música. Não vivo para a música, a música faz parte de mim. Também gosto de silêncio. O silêncio é muito importante e talvez não seja por acaso que os Depeche Mode tenham escrito uma música chamada «Enjoy The Silence». Ou noutro registo, que o John Cage tenha chocado o mundo em 1952 com os seus «4’33”». Quatro minutos e trinta e três segundos de puro e absoluto silêncio. Ou o equivalente em ruídos vindos do público: pessoas a tossir, a bocejar, a protestar, telemóveis a tocar, etc.
. Telemóveis?
- Não queiras saber o que é. Para que conste, apenas te direi que é um telefone sem fios, que tem a particularidade de caber no bolso, que toca sempre no momento errado, e que muitas vezes tem o dom de te acordar durante o sono (risos). Será também para ti uma nova fonte de despesas...
. Tentarei ter cuidado.
- Falamos daqui a 25 anos quando já tiveres pago a tua primeira factura. Se ainda te lembrares deste conselho. Voltando à música, eu passo sem música e não tenho uma dependência absoluta dela, como se de uma droga se tratasse. Já te disse que gosto do silêncio, seja lá o que isso for. Alguém disse – e bem – que “o silêncio não tem contornos, assim como o espaço não tem limites, porque tal como o espaço, o silêncio é consubstancial a tudo”. Gosto desta frase. Gosto do silêncio. E gosto de ouvir música. Todo o tipo de música...
. Como era o Frágil no início dos anos 80?
- Quando o Frágil abriu em 1982, a noite lisboeta era muito diferente daquilo que é hoje. No início da década de oitenta havia muito pouca oferta: apenas alguns bares (Rockhouse) e algumas discotecas (Jamaica, Trumps). A abertura do Frágil veio preencher um espaço que não existia. As pessoas iam ao Frágil para beber um copo e para ouvir música. Iam também para conversar, para falar de projectos e de trabalho. O Frágil atraiu um público ligado às artes (actores, músicos, arquitectos, artistas plásticos) e de certa forma, tornou-se num clube elitista. Não no sentido conservador da palavra, mas na medida em que acabou por congregar esta clientela no seu espaço.
. E o Frágil não era só um bar...
- Pois não. Era muito mais do que isso. Rapidamente começaram a surgir eventos artísticos e culturais naquele espaço: desfiles de moda, recitais de poesia, concertos, exposições, e até teatro! Tens de perceber que o conceito de noctívago não existia na altura. Até à abertura do Frágil apenas existiam as tertúlias nos cafés (durante os anos 70) e pouco mais. Rapidamente, este hábito de ir até ao café depois do jantar, transformou-se em ida ao Frágil a partir de 1982.
. É essa mudança no comportamento das pessoas que explica, a teu ver, o sucesso do Frágil?
- Só em parte. Na realidade foi muito mais do que isso. Creio que há um conjunto de factores que contribuíram para que o Frágil se tenha tornado num lugar tão especial.
. Um conjunto de factores?
- Em primeiro lugar a música. A casa procurou sempre seguir um critério de qualidade. Foi uma preocupação constante divulgarmos as tendências musicais mais recentes. Éramos muito rigorosos e exigentes na escolha. Diga-se de passagem que era mais fácil para mim na altura escolher em cem discos dez que fossem bons, do que hoje em 2007 escolher em mil dez que se aproveitem. Por outro lado, no Frágil dos anos oitenta sempre tivemos a preocupação de não passar música comercial. Até música clássica cheguei a passar. Fechei noites com as «Quatro Últimas Canções» do Richard Strauss. Imaginas? As pessoas iam ao Frágil para ouvir música, que era por si mesmo um factor de deslocação. Ouvia-se música e conversava-se!
. Em segundo lugar...
- Em segundo lugar a porta. A Anamar e a Margarida Martins (Guida Gorda) ajudaram muito a fazer a casa. Quem não se lembra da emblemática frase “só para clientes habituais”... (risos).
. Mas havia mais pessoas ligadas ao Frágil, certo?
- Sim. É o meu terceiro ponto: a colaboração de uma formidável equipa de trabalho. Refiro-me ao importante contributo de pessoas como o José Ribeiro da Fonte (aconselhava na programação dos espectáculos musicais), a Manuela Gonçalves (a estilista que desenhou as fardas do pessoal, entre outras coisas), o João de Paris (que assistiu e acompanhou o nascimento da casa), a Margarida Subtil (que apoiou imenso no trabalho do dia-a-dia), o Paulo Graça (em 1982 ainda não existiam Light Jockeys e o Paulo era o nosso iluminotécnico), o Jónatas (o gerente da casa, que estabeleceu e impôs muitas das regras de funcionamento) e o Luís Monteiro (que fazia cenários e objectos cenográficos). Depois a localização do Frágil. Em 1982 o Bairro Alto estava a nascer, e não tinha nada a ver com aquilo em que se tornou hoje. Se soubesses como Lisboa e a noite mudaram em 25 anos...
. Devo ler nas entrelinhas alguma decepção?
- Não. Nada disso. É apenas uma constatação.
. Voltando aos teus 16 anos no Frágil. O teu trabalho não se limitava a passar música...
- É verdade. Fiz muitas outras coisas naquela casa. Comprava os discos, por exemplo. E nos anos oitenta não se comprava discos com a mesma facilidade do que em 2007. Tinha de ir à Valentim de Carvalho, à Bimotor ou à Contraverso. Por vezes recebia a visita de alguns importadores que iam ao Frágil vender discos. Hoje é tudo muito diferente. Centros comerciais, grandes superfícies, amazon.com, FNAC...
. O quê? A FNAC já chegou a Portugal?
- Sim, a FNAC já chegou a Portugal! (risos) Olha que já não estamos em 1982! Temos uma segunda travessia sobre o Tejo, podes passear por Lisboa em três linhas de metro diferentes, e até já se fala num novo aeroporto, vê lá tu. Em 25 anos muita coisa mudou neste nosso pequeno país à beira-mar plantado. Quase me apetece dizer que tudo mudou.
. Vejo que o futuro me reserva muitas surpresas...
- Talvez. Também colaborei nos trabalhos de decoração do Frágil (cerca de duas vezes por ano alterávamos o espaço), assim como na produção e realização de eventos. Tinha a cargo o convite de pessoas para irem passar música ao bar. Visto não existirem DJs convidava amigos e conhecidos. Enfim. De certa forma fazia de tudo um pouco. Era o espírito de equipa no seu expoente máximo. Mudava lâmpadas quando era necessário, pintava paredes e até a sanita da casa de banho cheguei a desentupir.
. Leonaldo o canalizador! (risos)
- Diz antes Nanau o canalizador!
.Pois...
- Também me lembro de tratar dos “efeitos especiais” durante a noite. Na altura não existiam Light Jockeys, muito menos Vídeo Jockeys. Durante a mudança de uma música para outra, lá tinha eu de carregar a correr num botão para mudar as luzes, e noutro botão para fazer avançar o projector de slides.
. E as festas do Frágil?
- As festas do Frágil? É impossível esquecer as festas do Frágil! Ficarão para todo o sempre gravadas na minha memória, e na memória de quem por lá passou. Aniversários, fins de ano, festas temáticas, qualquer pretexto era motivo para uma festa. Começaram por ser festas com quinhentas pessoas (os tais “clientes habituais”). Depois começámos a convidar mil pessoas o que implicou passar-se para a rua. Com o tempo as pessoas foram puxando mais pessoas, até ao dia em que a casa começou a tornar-se pequena para acolher tanta gente. Foi aí que o Manuel Reis começou a pensar em fazer festas fora do Frágil, alugando para o efeito um espaço no exterior. Mas a grande festa, a festa que marcou uma época, uma geração e talvez a cidade de Lisboa... foi a festa do 10º aniversário do Frágil, em 1992. Juntámos 12.000 pessoas na antiga fábrica da Tabaqueira em Xabregas. Doze mil pessoas. Estás a ver o que isso representa? Para mais no início  dos anos 90!
. Foi o início de uma nova era?
- De certa forma. Mas a noite já tinha começado a mudar. Na segunda metade dos anos 80 surgiram em Lisboa três novas discotecas: o Kremlin, o Plateau e o Alcântara. O número de noctívagos cresceu, os hábitos das pessoas foram-se alterando, e a oferta diversificou-se. Assistiu-se a uma transformação radical da noite. A começar no próprio Frágil.
. Achas que esta mudança nos hábitos dos noctívagos teve alguma influência na tua forma de trabalhar?
- Até certo ponto. Foi uma alteração radical na postura do público. As pessoas começaram a sair de casa também para dançar, e não só para ouvir música ou conversar.
. E o que mais mudou no final dos anos 80?
Surgiram novos actores no panorama musical internacional. Para não falar nos acontecimentos que influenciaram profundamente o conceito da noite e da dança. Em 1988 nasceu em Manchester o movimento Madchester, onde grupos como os Happy Mondays, os New Order ou os Stone Roses sobressaíram. Em torno deste movimento apareceu também uma nova droga que teve muito sucesso entre os consumidores de drogas: o ecstasy. Foi o princípio das Raves...
. Raves?
- As raves eram enormes festas ao ar livre, organizadas no próprio dia, e para as quais as pessoas eram convidadas à última da hora para não atrair a atenção das autoridades. Os participantes drogavam-se com ecstasy e, em termos de dança. Podemos dizer que eram verdadeiras orgias de dança. Aparecem também novos géneros musicais: o techno, o trance (em Goa) e o acid house. E claro, juntamente com tudo isto nasceram a “club culture” (ou “cultura de clube”) e a “dance music”. Mas o acontecimento mais importante de todos foi o aparecimento de um novo actor da noite.
. Quem?
- O DJ, ou Disc Jockey. O “maestro” da noite. É nesta altura que os DJs passam a ser a figura central – e fundamental – na animação das noites. Uma figura que se mantém até aos nossos dias, embora hoje muito mais sofisticado, em parte por causa do progresso nas tecnologias disponíveis.
. Lembras-te de algum desses primeiros DJs?
- Paul Oakenfold, Gilles Peterson...
. E qual foi a repercussão das raves em Portugal?
- Em Portugal começaram a surgir pequenas raves no início dos anos 90. As primeiras tiveram lugar num pequeno armazém de Xabregas. Mas eram raves à nossa escala, enquanto que no Reino Unido começaram a tornar-se num problema de sociedade ao ponto de serem posteriormente marginalizadas numa Lei de 1994 (o “Criminal Justice and Public Order Act”).
. Pelo que me estás a contar, estamos perante uma Revolução no conceito da noite! E como em todas as Revoluções, a mudança veio não só de dentro, como também de fora.
- Sim. E como já referi o Frágil começou a tornar-se num espaço pequeno.
. Foi essa limitação que esteve na origem do projecto Lux?
- Precisamente. Foi a partir dessa altura que o Manuel Reis começou a pensar em sair do Frágil para um espaço novo e maior. Se olharmos para a realidade dos factos, passámos do pequeno clube de “clientes habituais” para noites com 12.000 pessoas. Ou seja, dos habitués ao público anónimo. Esta foi sem dúvida a principal consequência desta Revolução que se viveu na noite. A festa do 10º aniversário do Frágil conscencializou-nos de que se impunha partir para novos horizontes.
. Voltando ao “projecto Lux”. Pelo que percebi, este surgiu de uma conjugação de quatro factores: limitação de espaço no Frágil, mutação da noite, aparecimento de uma gigantesca massa de público anónimo, para além de ser uma ideia que já vinha do passado, certo?
- Correcto. E foi assim que em 1998 abriu no Cais da Pedra o Lux. Saímos do Frágil em 1997 e durante um ano preparámos a abertura deste marco incontornável da noite alfacinha. Sabias que o edifício do Lux é um dos primeiros edifícios em betão a ter sido construído na cidade de Lisboa?
. Não sabia. E no que toca ao Lux, colaboraste na montagem do espaço?
- Não tão activamente como na abertura do Frágil. Digamos que acompanhei o projecto sem no entanto me envolver em demasia. Foi uma opção pessoal.
. Quando o Lux abriu tornaste-te logo DJ residente?
- Sim. Até tinha um horário bastante sui generis para um “actor” da noite. Em 1998 o Lux abria por volta das 18h, e era eu que passava música até ao início da noite. Entretanto, o Manuel Reis deixou de explorar a tranche horária que se estendia entre o final do dia de trabalho e a hora do jantar. Foi aí que voltei para a noite propriamente dita, ficando a meu cargo as noites de terça-feira e a abertura de uma das noites do fim de semana.
. E porquê as noites de terça-feira?
- Porque a terça-feira é um dia calmo e eu não gosto de passar música para multidões. Já te disse que sou um “passador de música” e não um DJ. Não me identifico com a personagem do DJ!
. Lá estás tu com isso do “passador de música”. Afinal de contas porque é que não te consideras um DJ?
- Porque não sou, nem quero ser, um DJ. Chama-me “passador de música”, chama-me “passador de discos”, mas não me chames DJ.
. Como quiseres...
- É mais do que querer. Eu não sou um DJ convencional. Tenho uma postura atípica. Não gosto de tocar em discotecas, e não gosto de ter de pôr música para ver os bracinhos todos no ar. Para mim é fundamental gostar daquilo que estou a ouvir e divertir-me quando estou a passar música. É claro que isto pode parecer de um egoísmo feroz aos olhos de quem quer ouvir música para dançar. Mas pouco me importa. Eu passo aquilo que quero ouvir, a música que gosto de ouvir, e nunca aquilo que os outros querem ouvir.
. Estás a ser politicamente incorrecto. Direi mesmo irreverente. É nisto que eu me vou transformar daqui a 25 anos?
- Sem dúvida! (risos) Tens de perceber que hoje em dia os DJs são animadores. Ora eu não me considero um animador. Recuso-me a passar música para animar, é o pior que me podem pedir. Música é música, música é para ouvir, mas música não é para animar. Música de animação só nas feiras e nos arraiais.
. Se soubesses como discordo das tuas palavras!
- Tanto me faz. Daqui a 25 anos concordarás comigo.
. Se pensares bem, “passador de música” ou DJ, são duas designações para uma mesma realidade...
- Não Nanau. Eu diferencio-me dos DJs não só pelo que acabei de te explicar, mas também pela minha forma de trabalhar. Ao contrário dos DJs actuais, não utilizo maxi-singles, utilizo álbuns. Recorro por vezes ao vinil, mas funciono sobretudo com CDs. Ora tudo isto é contrário à forma como trabalha um DJ, que chega a uma noite com a sua mala mais os seus duzentos discos, e passa música tendo como única preocupação ver os bracinhos todos no ar. Por outro lado, nunca me interessou a técnica do DJing. Fazer ligações, misturas, remixes e montagens, são coisas que não têm nada a ver comigo. Pelo contrário. Gosto de ouvir o corte radical entre duas músicas, de sentir que estou a passar de um estilo para outro estilo. Ora hoje, com o evoluir das tecnologias, por vezes o trabalho dos DJs é tão bem feito que nem se dá pela passagem de uma música para a outra...
. Li na programação do Lux que chamaste Às noites de terça-feira Eccentrics by night. Porquê esta designação? Será que te consideras um excêntrico?
- (risos) A designação das noites Eccentrics by Night é inspirada no filme «They Live by Night» (1948), do cineasta norte-americano Nicholas Ray. É a história de um fugitivo que se apaixona por uma mulher. O clássico protótipo do casal em fuga, por muitos considerado como um dos filmes percursores do famoso «Bonnie and Clyde» de Arthur Penn (1967.
. Mas apenas te limitaste a adaptar o nome do filme, ou de certa forma consideras-te um excêntrico?
- Sim, podes ver-me como um excêntrico. Não no sentido próprio da palavra, mas num sentido figurado. Sou excêntrico na medida em que gosto de passar música que as pessoas não estão habituadas a ouvir e, sobretudo, que não estão à espera de ouvir. Música excêntrica por não ser comercial. Música com qualidade, ou pelo menos música que eu considero ter qualidade. Por outras palavras, sou excêntrico pois reivindico a liberdade de passar aquilo que quero, dando a ouvir às pessoas não aquilo que elas querem, mas aquilo que não estão habituadas a ouvir, ou que normalmente não ouvem em espaços públicos...
. Gostas de teatro, gostas de artes plásticas e pelo que já me apercebi ao longo desta conversa (que já vai longa) gostas de cinema.
- Adoro cinema. Mas tenho gostos muito específicos. Sou um grande fã de cinema clássico americano (anos 30, 40 e 50). Também gosto do expressionismo alemão dos anos 20 (Lang, Murnau, Wiene), de cinema francês (Godard, Téchiné, Truffaut) e claro, tenho uma grande admiração pelo trabalho do Manoel de Oliveira.
. E o cinema norte-americano contemporâneo?
- Considero que o cinema americano de hoje já não é a mesma coisa. Dispenso os efeitos especiais e as grandes produções de Hollywood. Há um excesso de tecnologia nas produções modernas que não me interessa, mas que não digo ser desinteressante. Eu é que não gosto. Assim como a música, acho que o cinema banalizou-se e hoje há trinta filmes em cartaz, poucos dos quais se aproveitam. Mas não perco um filme de Lynch, Cronenberg ou Tarantino. São três cineastas americanos contemporâneos que muito aprecio.
. És selecto no cinema, não deixas que te apelidem de DJ... Será que também é selecto na música que escolhes enquanto “passador de música”?
- Já te disse que tenho os meus critérios de escolha e de qualidade. Tenho os meus gostos. Ao contrário dos DJs convencionais nunca me identifiquei com a club culture, algo que sempre achei oco, fútil e desinteressante. Só de ouvir a expressão dá-me vontade de rir. Onde é que está a cultura? Onde é que já se viu isso? Que gente é essa? É uma patetice! Penso o mesmo em relação à dance music. Gosto muito de música para dançar, mas não de dance music. Hoje em dia grande parte da música de dança que se ouve( logo que se produz) é de qualidade muito duvidosa. Não dou muita importância à dance music que para mim é uma parte minúscula da música em geral. Há mais música para lá da dance music! Mas gosto de dançar, sempre adorei dançar e ainda danço. Embora para mim a música e a música de dança não se resumam à dance music.
. Consideras então que houve uma banalização da música nestes últimos 25 anos? As coisas mudaram muito neste últimos 25 anos?
- Quando chegares a 2007 irás aperceber-te disso. O excesso de produção banalizou tanto a música, que ela não só está por todo o lado (do autocarro ao hall de hotel, do supermercado ao café, do carro ao elevador) como também perdeu qualidade. Qualquer pessoa hoje faz música. Basta ter um PC em casa! Esta massificação da criação musical tem um lado positivo (surgem de vez em quando trabalhos novos com qualidade), mas tem também um lado negativo (surge muita porcaria). Encontrar hoje dez discos bons em mil, é como no passado o Vasco da Gama ter conseguido chegar à Índia.
. Sentes influência de algum DJ na tua forma de trabalhar?
- Tirando aquilo que herdei de ti quando eu era o Nanau... não. Enquanto a maioria dos DJs dizem ter sido influenciados por X ou Y, eu não sinto influências de ninguém no meu trabalho. Nunca aderia à “escola” do DJing, muito menos à “escola” deste ou daquele DJ.
. Como vês essa “massa de público anónimo” de que me falavas há pouco?
- Voltamos àquilo que já disse. Dou mais valor à cultura musical do que à cultura de clube. Aliás a cultura musical está-se a perder. Os frequentadores de discotecas falam em som e batidas, não me música. Tenta imaginar um diálogo entre dois adolescentes no século XXI: “É pá, ontem ouvi um DJ que tinha um som do caraças. Fazia umas passagens bué da boas”. O que é isto? O que é que isto tem a ver com música? Os jovens de hoje estão mais ligados à batida e ao som do que ao ritmo, À composição, à qualidade da voz, a uma guitarra ou a uma bateria bem tocadas. Até isto a dance music provocou. A voz desapareceu. Já cheguei a estar numa discoteca e não ouvir voz durante horas!
. De facto...
- Enquanto que há 25 anos atrás as pessoas saíam para ouvir música, hoje o jovem adolescente sai à noite, no seu ritual de fim de semana, para abanar a cabeça, beber e fazer disparates. O que leva a comportamentos selvagens dentro dos espaços, com má criação e decadência à mistura. Este excesso de produção tornou as músicas efémeras. A conjugação destes factores cria uma alienação que me choca. O público de hoje não é exigente, nem sequer sabe o que está a ouvir. Com tantos géneros, tudo se tornou passageiro e as pessoas não se fixam em nada. Aquilo que ouves hoje amanhã deixará de existir. Quanto mais ruído e mais barulho melhor.
. No fundo estás-me a dizer que a banalização da música desviou os interesses dos jovens. Em vez de se fixarem na música, fixam-se noutras coisas. No disparate e no barulho por exemplo...
- Infelizmente é esta a realidade que irás encontrar em 2007. É claro que o aumento exponencial da oferta também não ajudou. Há 25 anos existiam meia dúzia de bares e duas ou três discotecas. Hoje tens mil bares e cem discotecas. A oferta é imensa e as pessoas dispersaram. Com a agravante de se ouvir as mesmas músicas em todo o lado.
. Mas se há oferta é porque há procura, certo?
- Durante a semana não há noite. Só aos fins de semana. E sair à noite já não é o ritual que era. Hoje sai-se à noite como se vai a um estádio de futebol. Mesmo espírito, mesma cerveja, mesma barulheira, mesma confusão. Houve uma tal banalização do “sair à noite” que a oferta só pode ser mais do que muita. Mas não me interpretes mal, não quero com isto dizer que no passado é que era bom e que hoje é tudo mau.
. O que é que na tua opinião melhorou em 25 anos de DJing, perdão, em 25 anos de “passagem de música”? (risos)
- Mais escolha, mais liberdade, melhor tecnologia.
. É verdade que esse espaço onde irei trabalhar daqui a 25 anos, o Lux, é um espaço único em Lisboa e até mesmo no mundo?
- Sem dúvida alguma. E a vários níveis: a decoração do espaço, a música que lá passa, o ambiente criado por quem lá vai, etc. Existe um “espírito Lux” que vai muito além da simples discoteca. No fundo, talvez seja uma transposição para o século XXI daquilo que foi em tempos o Frágil...
. Está quase na hora de regressar a 1982. Esta minha viagem a 2007 já vai longa e o comboio do tempo não espera.
- Eu não tenho pressa. Além de que não tenho de regressar contigo nesse comboio do tempo. Apenas me limito a ser consumido pelo futuro, como todas as pessoas aliás.
. Depois desta conversa fiquei com uma curiosidade: como é que o Leonaldo artista plástico representaria o Leonaldo DJ?
- Uma tela branca.
. Tela branca? Herdaste de mim a mania do low profile...
- De certa forma herdei. Como sabes nunca gostei de me expor, de dar entrevistas, da sair nas revistas. Sempre tive pavor de virar figura pública, de me promover ou de promover o meu trabalho. A minha postura low profile manteve-se até hoje e nunca mudará. Verdade seja dita, nunca tive muito jeito para a autopromoção (risos). Mas também herdei de ti outras coisas.
. Por exemplo?
- O gosto de viajar, de conhecer novas culturas e outras civilizações. Gosto de ir para longe, para lugares exóticos. E também gosto de cidades cosmopolitas, do mar, da natureza e da calma.
. E literatura? Ainda lês muito?
- Adoro ler. É uma forma de nos conhecermos a nós próprios, os sentimentos, os outros, os lugares. Não encaro a leitura como passar o tempo, mas como um enriquecimento pessoal.
. Gostei de te ver Leonaldo. Ou será melhor dizer que gostei de me ver daqui a 25 anos?
- Eu também gostei de me rever. Continuas igual a quem fui.
. Tenho de ir. O comboio do tempo não perdoa atrasos. Posso deixar-te aqui sozinho no tempo presente?
- Quando muito deixar-me-ás sozinho no futuro. O presente não existe. Existe o passado, existe o futuro, e entre os dois...
. Sim, já sei. Entre os dois não existe nada.
-
Fidélio
tHe UltiMaTe diSoRDer
Versão integral da entrevista em
blog.myspace.com/leonaldodealmeida
myspace.com/leonaldodealmeida



YEN SUNG
Nanau: Moreno, magro, caprichoso, reservado, flexível, fácil, organizado, conhecedor, culto, clássico, artista, amigo, compreensivo, “moody”, arrojado, viajado, simpático, arrogante, DJ, colega, quase irmão.

ZÉ PEDRO MOURA
Em Abril de 88, o Nanau foi o anfitrião na minha primeira sessão de DJ no Frágil. São quase duas décadas, difíceis de resumir em poucas linhas.
Com a ajuda involuntária do Ferry nos Roxy Music, estas são algumas “imagens” do Leonaldo:
“There’s a new sensation / A fabulous creation / A danceable solution / To teenage revolution / Do it on the tables / Quaglino’s place or mabel’s / Slow and gentle / Sentimental / All styles served here / Tired of the tango / Fed up with fandango / Dance on moonbeams / Slide os rainbows / In furs or blue jeans / Bored with the beguine / The samba isn’t your scene / See la goulue / And nijinsky / Do the stransky / But it can´t beat strand power / The Sphynx and mona lisa / Lolita and guernica / Did the strand”

PINK BOY
Recordo-me do Nanau desde as minhas primeiras saídas à noite no início dos anos 90. O mesmo é dizer, saídas no Bairro Alto, mais precisamente no Frágil. No meu imaginário foi e continua a ser uma personagem incontornável. Recordo-me que durante bastante tempo não sabia quem era aquela figura esguia, vestida de preto e que, aos meus jovens olhos, conseguia sempre criar uma enorme barreira à sua volta. Uma barreira recheada de mistério digna de uma verdadeira estrela de cinema ou pop. Quis o destino (neste caso chamado Manuel Reis) que anos passados trabalhássemos juntos aqui no Lux. Foi assim que vim a descobrir que, por detrás da nuvem de mistério, estava o Leonaldo. Por vezes sisudo e aborrecido mas também meigo, simpático e muito divertido!!! Uma coisa é certa. Conhecendo-o, é impossível não gostarmos dele!!!

dexter
deck 1
deck 2
David Bowie
Andy Warhol
Whiskey
Água
Preto
Branco
Arrogante
Charmoso
Fumo
Sombra
Tabaco
Guerrilla
Cabedal
Veludo

RUI VARGAS
Nanau Maria!
Ousado, teimoso, imprevisível, sincero, rabugento, informado, pontual, convicto, malandro, atento, vaidoso, exigente, inconformado, precioso.

TIAGO
A melhor história é a dele. Viu e ouviu de tudo, um pouco por todo o lado e isso reflecte os seus sets. Não há DJ na história que tenha atitude mais cool que o Nanau. Dotado de um incrivelmente charmoso mau humor, toca sentado e bebe whiskey... what the... Uma visão incrível acompanhada da melhor banda sonora.




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