Blah Blah Blah (Lux) - Setembro de 2007
Não sei esta revista - magazine - fanzine teve saídas regulares (ou mesmo irregulares). Apareceu-me aqui no baú e, apesar de recente, o arquivamento merece uma referência aqui no blogue.
Como habitual escolhi um artigo, entre vários, compostos de entrevistas, artigos de opinião, recensões críticas de discos, etc. para publicar. Aqui fica ele:
Leonaldo
de Almeida vs. Nanau
25 Years
Party People
Sonhou com Arquitectura nas Belas Artes, mas estudou
Pintura. Saltou para Dramaturgia no Conservatório Nacional, mas acabou no Curso
de Formação de Actores. É formado em Artes Gráficas, mas trabalha com música. E
embora seja aquilo a que comummente se chame um Disc Jockey, considera-se um
“passador de discos”.
Leonaldo Almeida, DJ residente do Lux, tem no mínimo um
percurso repleto de contradições, trajecto que assume aliás plenamente. É uma
pessoa simples, mas com gostos requintados. Apaixonado por teatro, adora cinema
e confessa nunca perder um filme de Manoel de Oliveira. Considera-se uma vítima
da moda, e não esconde a sua paixão por marcas.
Ao longo de 25 anos, Leonaldo de Almeida (Nanau para os
amigos) colaborou energicamente nos dois principais ícones da noite Lisboeta.
Durante dezasseis anos passou música no Frágil e desde 1998 passa música no
Lux, projecto que abraçou uma ano antes, quando Manuel Reis o desafiou para
esta nova aventura.
Leonaldo é um homem discreto, talvez excessivamente, e
demonstra uma estranha obsessão em manter uma postura low profile. Nunca gostou
de se expor, muito menos de dar entrevistas ou aparecer em revistas. O seu
maior pavor? Virar figura pública. Assume-se como um homem da sombra, quem sabe
se por trabalhar na escuridão da noite... Tão discreto que quase não daríamos
por ele, não fosse um estranho convite recebido este Verão, enquanto lia à
sombra de uma cerveja aquele que é um dos seus livros de eleição: «O Tempo
Reencontrado». E é precisamente um reencontro com o tempo para o qual é
desafiado nesse misterioso convite. Um reencontro com alguém que Leonaldo nunca
esqueceu, mas que sobre o Leonaldo pouco ou nada sabe.
Num convite endereçado em 1982, o jovem Nanau convida o
ainda jovem Leonaldo para uma conversa a dois em 2007. Porque o tempo passa.
Porque sobre Leonaldo tudo queremos saber. Porque a verdadeira identidade de um
homem, como tão bem narrou La Rochefoucauld, está na mente e não no corpo.
Decorridos 25 anos de carreira, como numa conversa em frente a um espelho,
Nanau entrevista Leonaldo...
. Vieste cedo Leonaldo!
- Pontual como sempre, Nanau.
. Os bons hábitos não se perdem.
- Nem a educação. E como vês eu vim, acedi ao teu
convite.
. É incrível como o tempo passa depressa, não concordas?
Já passaram 25 anos desde a última vez que nos cruzámos, ali no Bairro Alto, na
cabine de som do Frágil. Foi há tanto tempo e no entanto parece que foi ontem.
- Com a idade descobrirás que o hoje muito depressa se
transforma em ontem. Aliás toda a história do homem e das coisas não pára. E
assim, como num abrir e fechar de olhos, passam 25 anos de uma vida sem darmos
por isso.
. É estranho olhar para mim daqui a 25 anos. Imaginas-te
daqui a outros tantos?
- Não. Nem sequer pensei nisso. Até porque ainda não
chegou nenhum convite teu do futuro. Prefiro aguardar para ver. Para já,
contento-me com a visita do Nanau que surgiu do passado.
. Entre passado e futuro fiquemos então no presente!
- O Presente? O presente não existe. Existe o futuro,
existe o passado, e entre os dois... não existe nada.
. Lembras-te como foste parar ao Frágil?
- Queres dizer se me lembro como fomos parar ao Frágil?
(risos).
. Sim.
- Antes da abertura do Frágil eu já era amigo do Manuel
Reis e do sócio dele, o Carlos Fonseca. Na verdade acompanhei todo o projecto
do Frágil: das obras à decoração, passando pela organização, constituição da
equipa, etc. Conversámos muito sobre aquilo que poderia vir a ser o modo de
funcionamento de um bar, para o qual era aliás necessário contratar duas
pessoas para passar música. Ora em 1982, encontrar DJs era uma tarefa bastante
difícil. Pura e simplesmente não existiam.
. Não existiam DJs? Então o que é que tu eras? Quero
dizer... o que é que eu sou em 1982?
- És aquilo que os outros vêem em ti. Estava-te a contar
que na altura não existia a figura do DJ. Propus que convidassem para o Frágil
o João Piconé, que não só punha música em festas, como também tinha bastante
jeito para fazê-lo. Fizeram-lhe o convite, tendo ele ficado encarregue de
encontrar uma segunda pessoa para passar música com ele. Mas a poucos dias da
abertura do Frágil a pessoa desistiu e lá me convenceram a ocupar o lugar. A
princípio não levei a coisa muito a sério. Foi assim, de um dia para o outro e
de forma totalmente inesperada que eu comecei a passar música... Até hoje. Do
Frágil ao Lux.
. E o que fazias antes de ir passar música para o Frágil?
- Dava aulas de Educação Visual e Trabalhos Manuais no
Ensino Preparatório. Mantinha também uma actividade regular no Teatro, já que
pertencia a um grupo independente e trabalhava em cenografia. Entrei no
universo do teatro por via do Osório Mateus. Foi ele que me puxou para esse
mundo tão fascinante. Isto para não falar, claro está, na minha paixão por
arte. Mas porque me perguntas tudo isto? Será que não sabes quem és?
. Digamos que quero ter a certeza de que tu e eu somos a
mesma pessoa. Nunca se sabe quem é que o futuro nos reserva.
- Ou quem é que o passado nos traz à memória... Enfim. A
verdade é que tudo começou por mero acaso, um daqueles acasos que surgem de
rompante nas nossas vidas. E assim passaram 25 anos.
. Estás-me a dizer que foi um acaso que mudou a tua vida?
- Diz antes que foi um acaso que mudou a nossa vida. São
os acasos do destino, e quis um acaso que a minha carreira de “passador de
música” começasse desta forma.
. Passador de música? (risos)
- Voltarei a falar sobre este assunto mais à frente. Para
já foquemo-nos no início.
. Como queiras. Em 1982, quando a tua carreira de DJ
começou, o mínimo que se pode dizer é que já tinhas um percurso cheio de
contradições.
- Sem dúvida. Foi um percurso um tanto ou quanto animado
(risos). Comecei por tirar o curso de Artes Gráficas na Escola António Arroio.
Depois quis seguir arquitectura, pelo que fiz um curso suplementar de acesso às
Belas Artes. Mas como era péssimo aluno a matemática, não consegui entrar em
arquitectura e resolvi seguir para pintura. Estávamos no período do “pós 25 de
Abril”, entre 1974 e 1976, e a Faculdade de Belas Artes praticamente não
funcionava (greves, faltas, fechos, abstencionismo, etc.). Por este motivo
inscrevi-me no Conservatório Nacional, mais precisamente na Escola Superior de
Teatro, para seguir o Curso de Dramaturgia e Encenação... Algo que também não
aconteceu porque o curso fechou por falta de alunos (éramos 2 ou 3). Os meus
colegas e eu passámos então para o Curso de Formação de Actores.
. Tantas contradições no rumo da tua vida! Será que
alguma vez te levaste a sério? Nunca te fixaste em nada, saltaste de curso para
curso, fizeste Teatro e acabaste a pôr música...
- Culpas-me a mim ou a nós os dois? Quando olho para trás
prefiro culpar o destino. Esse destino ingrato que nunca me deixou fazer o que
quis. Talvez sejam estes os acasos de que eu te falava há pouco: as coisas
foram acontecendo, sem rumo, sem estratégia.
. Sim, já percebi. São os acasos do destino.
- Voltando à pintura, durante estes 25 anos desenvolvi
uma carreira de pintor paralelamente à música. Não me considero um artista
plástico profissional. Pinto porque gosto. Faço exposições esporádicas. Sou um
artista ocasional, com um percurso irregular, e com a agravante de ser muito
preguiçoso, facto que me inibe na medida em que não permite que eu desenvolva
por demais o meu trabalho.
. E assentaste nalgum estilo em particular? Será que vais
fazer de mim um pintor famoso, cujos quadros serão expostos nas principais
galerias internacionais?
- Não sonhes. Ainda és jovem e os jovens gostam de
sonhar. Sonham com um mundo melhor, com um futuro diferente, com carreiras de
sucesso, com dinheiro, com poder e tantas coisas mais. A paz no mundo por
exemplo. Ou o fim da fome em África. Não digo que um jovem não deva sonhar.
Sonhar faz parte da vida, sonhar é acreditar. Houve mesmo quem dissesse que “o
futuro pertence àqueles que acreditam na beleza dos seus sonhos”. Palavras de
uma grande senhora do século XX (Eleanor Roosevelt). Mas não devemos sonhar em
demasia, porque às vezes, quando olhamos para o mundo que nos rodeia, questionamo-nos
sobre o legado que os outrora “jovens sonhadores” nos deixaram...
. Muito filósofo, este Leonaldo, que me chega do futuro.
Filósofo e pessimista.
- Não confundas pessimismo com realidade. Muito menos
filosofia com a minha visão do mundo. Voltando à tua questão sobre o meu
estilo, não me parece que tenha aderido a um género específico de pintura.
Gosto de tudo, embora tenha uma especial apetência pela pintura americana
contemporânea, com a qual me identifico e que é para mim uma fonte de
inspiração. No entanto sou pouco sensível ao vídeo e às instalações, que são
formas de arte que hoje estão muito em voga (embora goste de alguns artistas
ligados a este movimento: o Bruce Nauman, o Bill Viola, ou o Gary Hill).
. Pintura americana contemporânea? Então sempre vou
acabar a expor em Nova Iorque (risos)....
- Duvido. Ainda agora estive em Madrid e adorei rever a
pintura religiosa dos séculos XVI e XVII. Vi-a com outros olhos, descobri
coisas nas quais nunca tinha reparado: a representação das personagens, o cuidado
em respeitar as proporções, o realismo das cenas representadas, a genialidade
dos retratos. Digamos que é a perfeição do traço na escola flamenga!
. Que história é essa entre ti e o design? Li por aí numa
revista que vou estar ligado a uma mostra de design?
- Sim. Em 1988. Por via da Loja da Atalaia. Serás
convidado para participar numa mostra organizada, patrocinada e produzida pelo
Manuel Reis. Um evento para o qual ele irá convidar um grupo de jovens
designers a exporem os seus trabalhos.
. E o que é que tu expuseste? Se me fores adiantando
ideias, poderei começar já a trabalhar nelas. Afinal de contas, para mim 1988 é
daqui a 6 anos... (risos).
- Pois fica sabendo que para mim foi há 19! Enfim. Sem
comentários. Entre outros objectos expus uma “Mesa Consola de Vidro”, à qual
dei o nome de “Niagara”, em homenagem ao filme do Henry Hathaway e à Marilyn
Monroe, que nele participa.
. A
Marilyn Monroe? “Happy Birthday Mr. President”!
- Creio que ninguém esqueceu esse episódio. A começar
pelo próprio JFK, onde quer que possa estar a sua alma... Como também ninguém
terá esquecido o «Diamonds are a Girl’s Best Friend» ou o «I Wanna be Loved by
You».
. Por falar em música, como nasceu em ti o gosto pela
música?
- Ora aí está em mim mais um paradoxo. Embora a minha
vocação não fosse a música, nem tão pouco a minha área de formação, acabei a
passar música no Frágil em 1982 e hoje continuo a fazê-lo no Lux. Desenvolvi o meu gosto melómano muito
cedo, por volta dos quatro ou cinco anos de idade. Gostava de ouvir os discos
do meu pai (Elvis Presley), assim como a música das minhas tias (Frank Sinatra,
Beach Boys, Rolling Stones, Beatles). Infelizmente durante muitos anos foi
difícil comprar discos em Portugal, e era ainda mais difícil ter acesso à
informação, que contrariamente a hoje não era muita. Como muitas pessoas da
minha geração, fui marcado por uma emissão de rádio que passava no Rádio Clube
Português, o famoso «Em Órbita». Graças a este programa pude descobrir muitas
novidades.
. Para não falar nessa tua curiosidade inata em pesquisar
novos títulos.
- Sim. Para além de tentar acompanhar a evolução da
música, sempre tive curiosidade em ouvir todos os géneros de música: da
clássica ao hip-hop, passando pelo jazz, o house, o techno, o rock, etc. Toda a
música desperta em mim uma fome de conhecimento. Ainda hoje, gostando ou não,
tento ouvir de tudo um pouco, procurando estar sempre a par das novidades.
Afinal de contas, para criticar é preciso gostar ou não gostar, para gostar é
necessário conhecer, e para conhecer é obrigatório ouvir o bom... e o menos
bom.
. Queres dizer o maus.
- Sim. Se quiseres ser politicamente incorrecto chama-lhe
o mau. Mas nada é absoluto. Como definir o bom e o mau? O que é isto de música
boa e música má? Lá por eu não gostar de uma determinada música não quer dizer
que ela seja má! Quem sou eu para definir os critérios de selecção? Obviamente,
tenho um critério pessoal, o meu critério. Mas isso todos nós temos, e não falo
apenas de mim e de ti. Falo de todas as pessoas, que são livres de gostar (ou
não) de uma música. A isto chamam-se os gostos e, como diz o ditado, “gostos
não se discutem”. Pessoalmente gosto de todos os géneros e estilos. Não tenho
uma norma-padrão de escolha. Mas como em tudo na vida, também na música existem
coisas boas e coisas más. Ou antes, digamos que há coisas que eu considero boas
e coisas que eu considero menos boas...
. E ainda te consideras fã de algum grupo?
- Ouço de tudo um pouco e já não sou “fã” de ninguém. Com
a idade vai-se perdendo esse conceito de se ser fã de um cantor ou de um grupo.
A última banda da qual fui fã, se bem me recordo, foram os The Smiths nos anos
oitenta (1982-1987). São contemporâneos teus que deves conhecer bem (risos).
Mas também fui “fã” do David Bowie, dos Roxy Music, dos Talking Heads, dos Joy
Division, dos Velvet Underground, dos Depeche Mode e até do Prince...
. Consideras que a música é indissociável de ti?
- Considero que a música é indissociável de nós. Assim o
era em 1982, assim continua a ser em 2007. Quando ouço música isso faz-me
sentir bem. Gosto de ouvir música quando leio. A música transporta-me para
outras dimensões, estimula os meus sentidos e reflecte o meu estado de espírito
(contrariamente a certas pessoas que quando estão tristes ouvem música alegre,
como se a música fosse Prozac).
. Prozac?
- É algo de que ouvirás falar um dia. Prozac, Viagra,
Aquecimento Global, Sida, 11 de Setembro, Maastricht, Ruanda, Bin Laden, o CD,
Timor, Expo 98, Auto-estrada até ao Algarve, o Euro, a queda do Muro de Berlim,
o DVD, a Mónica Lewinsky e tantas outras coisas. A Internet, por exemplo. Mas
deixa-te ficar em 1982. Vive a tua idade e atua época. Como te disse no início
da conversa, a história do homem e das coisas não pára. Tudo irá acontecendo e
nada poderás fazer contra o curso do tempo.
. Dizias sobre a música...
- A música é indissociável do meu quotidiano, embora
possam passar dias em que não tenha necessidade de ouvir música. Não vivo para
a música, a música faz parte de mim. Também gosto de silêncio. O silêncio é
muito importante e talvez não seja por acaso que os Depeche Mode tenham escrito
uma música chamada «Enjoy The Silence». Ou noutro registo, que o John Cage
tenha chocado o mundo em 1952 com os seus «4’33”». Quatro minutos e trinta e
três segundos de puro e absoluto silêncio. Ou o equivalente em ruídos vindos do
público: pessoas a tossir, a bocejar, a protestar, telemóveis a tocar, etc.
. Telemóveis?
- Não queiras saber o que é. Para que conste, apenas te
direi que é um telefone sem fios, que tem a particularidade de caber no bolso,
que toca sempre no momento errado, e que muitas vezes tem o dom de te acordar
durante o sono (risos). Será também para ti uma nova fonte de despesas...
. Tentarei ter cuidado.
- Falamos daqui a 25 anos quando já tiveres pago a tua
primeira factura. Se ainda te lembrares deste conselho. Voltando à música, eu
passo sem música e não tenho uma dependência absoluta dela, como se de uma
droga se tratasse. Já te disse que gosto do silêncio, seja lá o que isso for.
Alguém disse – e bem – que “o silêncio não tem contornos, assim como o espaço
não tem limites, porque tal como o espaço, o silêncio é consubstancial a tudo”.
Gosto desta frase. Gosto do silêncio. E gosto de ouvir música. Todo o tipo de música...
. Como era o Frágil no início dos anos 80?
- Quando o Frágil abriu em 1982, a noite lisboeta era
muito diferente daquilo que é hoje. No início da década de oitenta havia muito
pouca oferta: apenas alguns bares (Rockhouse) e algumas discotecas (Jamaica,
Trumps). A abertura do Frágil veio preencher um espaço que não existia. As
pessoas iam ao Frágil para beber um copo e para ouvir música. Iam também para
conversar, para falar de projectos e de trabalho. O Frágil atraiu um público
ligado às artes (actores, músicos, arquitectos, artistas plásticos) e de certa
forma, tornou-se num clube elitista. Não no sentido conservador da palavra, mas
na medida em que acabou por congregar esta clientela no seu espaço.
. E o Frágil não era só um bar...
- Pois não. Era muito mais do que isso. Rapidamente
começaram a surgir eventos artísticos e culturais naquele espaço: desfiles de
moda, recitais de poesia, concertos, exposições, e até teatro! Tens de perceber
que o conceito de noctívago não existia na altura. Até à abertura do Frágil
apenas existiam as tertúlias nos cafés (durante os anos 70) e pouco mais.
Rapidamente, este hábito de ir até ao café depois do jantar, transformou-se em
ida ao Frágil a partir de 1982.
. É essa mudança no comportamento das pessoas que explica,
a teu ver, o sucesso do Frágil?
- Só em parte. Na realidade foi muito mais do que isso.
Creio que há um conjunto de factores que contribuíram para que o Frágil se
tenha tornado num lugar tão especial.
. Um conjunto de factores?
- Em primeiro lugar a música. A casa procurou sempre
seguir um critério de qualidade. Foi uma preocupação constante divulgarmos as
tendências musicais mais recentes. Éramos muito rigorosos e exigentes na
escolha. Diga-se de passagem que era mais fácil para mim na altura escolher em
cem discos dez que fossem bons, do que hoje em 2007 escolher em mil dez que se
aproveitem. Por outro lado, no Frágil dos anos oitenta sempre tivemos a
preocupação de não passar música comercial. Até música clássica cheguei a
passar. Fechei noites com as «Quatro Últimas Canções» do Richard Strauss.
Imaginas? As pessoas iam ao Frágil para ouvir música, que era por si mesmo um
factor de deslocação. Ouvia-se música e conversava-se!
. Em segundo lugar...
- Em segundo lugar a porta. A Anamar e a Margarida Martins
(Guida Gorda) ajudaram muito a fazer a casa. Quem não se lembra da emblemática
frase “só para clientes habituais”... (risos).
. Mas havia mais pessoas ligadas ao Frágil, certo?
- Sim. É o meu terceiro ponto: a colaboração de uma
formidável equipa de trabalho. Refiro-me ao importante contributo de pessoas
como o José Ribeiro da Fonte (aconselhava na programação dos espectáculos
musicais), a Manuela Gonçalves (a estilista que desenhou as fardas do pessoal,
entre outras coisas), o João de Paris (que assistiu e acompanhou o nascimento
da casa), a Margarida Subtil (que apoiou imenso no trabalho do dia-a-dia), o
Paulo Graça (em 1982 ainda não existiam Light Jockeys e o Paulo era o nosso
iluminotécnico), o Jónatas (o gerente da casa, que estabeleceu e impôs muitas
das regras de funcionamento) e o Luís Monteiro (que fazia cenários e objectos
cenográficos). Depois a localização do Frágil. Em 1982 o Bairro Alto estava a
nascer, e não tinha nada a ver com aquilo em que se tornou hoje. Se soubesses
como Lisboa e a noite mudaram em 25 anos...
. Devo ler nas entrelinhas alguma decepção?
- Não. Nada disso. É apenas uma constatação.
. Voltando aos teus 16 anos no Frágil. O teu trabalho não
se limitava a passar música...
- É verdade. Fiz muitas outras coisas naquela casa. Comprava
os discos, por exemplo. E nos anos oitenta não se comprava discos com a mesma
facilidade do que em 2007. Tinha de ir à Valentim de Carvalho, à Bimotor ou à
Contraverso. Por vezes recebia a visita de alguns importadores que iam ao
Frágil vender discos. Hoje é tudo muito diferente. Centros comerciais, grandes
superfícies, amazon.com, FNAC...
. O quê? A FNAC já chegou a Portugal?
- Sim, a FNAC já chegou a Portugal! (risos) Olha que já
não estamos em 1982! Temos uma segunda travessia sobre o Tejo, podes passear
por Lisboa em três linhas de metro diferentes, e até já se fala num novo
aeroporto, vê lá tu. Em 25 anos muita coisa mudou neste nosso pequeno país à
beira-mar plantado. Quase me apetece dizer que tudo mudou.
. Vejo que o futuro me reserva muitas surpresas...
- Talvez. Também colaborei nos trabalhos de decoração do
Frágil (cerca de duas vezes por ano alterávamos o espaço), assim como na
produção e realização de eventos. Tinha a cargo o convite de pessoas para irem
passar música ao bar. Visto não existirem DJs convidava amigos e conhecidos.
Enfim. De certa forma fazia de tudo um pouco. Era o espírito de equipa no seu
expoente máximo. Mudava lâmpadas quando era necessário, pintava paredes e até a
sanita da casa de banho cheguei a desentupir.
. Leonaldo o canalizador! (risos)
- Diz antes Nanau o canalizador!
.Pois...
- Também me lembro de tratar dos “efeitos especiais”
durante a noite. Na altura não existiam Light Jockeys, muito menos Vídeo
Jockeys. Durante a mudança de uma música para outra, lá tinha eu de carregar a
correr num botão para mudar as luzes, e noutro botão para fazer avançar o
projector de slides.
. E as festas do Frágil?
- As festas do Frágil? É impossível esquecer as festas do
Frágil! Ficarão para todo o sempre gravadas na minha memória, e na memória de
quem por lá passou. Aniversários, fins de ano, festas temáticas, qualquer
pretexto era motivo para uma festa. Começaram por ser festas com quinhentas
pessoas (os tais “clientes habituais”). Depois começámos a convidar mil pessoas
o que implicou passar-se para a rua. Com o tempo as pessoas foram puxando mais
pessoas, até ao dia em que a casa começou a tornar-se pequena para acolher
tanta gente. Foi aí que o Manuel Reis começou a pensar em fazer festas fora do
Frágil, alugando para o efeito um espaço no exterior. Mas a grande festa, a
festa que marcou uma época, uma geração e talvez a cidade de Lisboa... foi a
festa do 10º aniversário do Frágil, em 1992. Juntámos 12.000 pessoas na antiga
fábrica da Tabaqueira em Xabregas. Doze mil pessoas. Estás a ver o que isso representa?
Para mais no início dos anos 90!
. Foi o início de uma nova era?
- De certa forma. Mas a noite já tinha começado a mudar.
Na segunda metade dos anos 80 surgiram em Lisboa três novas discotecas: o
Kremlin, o Plateau e o Alcântara. O número de noctívagos cresceu, os hábitos
das pessoas foram-se alterando, e a oferta diversificou-se. Assistiu-se a uma
transformação radical da noite. A começar no próprio Frágil.
. Achas que esta mudança nos hábitos dos noctívagos teve
alguma influência na tua forma de trabalhar?
- Até certo ponto. Foi uma alteração radical na postura
do público. As pessoas começaram a sair de casa também para dançar, e não só
para ouvir música ou conversar.
. E o que mais mudou no final dos anos 80?
Surgiram novos actores no panorama musical internacional.
Para não falar nos acontecimentos que influenciaram profundamente o conceito da
noite e da dança. Em 1988 nasceu em Manchester o movimento Madchester, onde
grupos como os Happy Mondays, os New Order ou os Stone Roses sobressaíram. Em torno
deste movimento apareceu também uma nova droga que teve muito sucesso entre os
consumidores de drogas: o ecstasy. Foi o princípio das Raves...
. Raves?
- As raves eram enormes festas ao ar livre, organizadas
no próprio dia, e para as quais as pessoas eram convidadas à última da hora
para não atrair a atenção das autoridades. Os participantes drogavam-se com
ecstasy e, em termos de dança. Podemos dizer que eram verdadeiras orgias de
dança. Aparecem também novos géneros musicais: o techno, o trance (em Goa) e o
acid house. E claro, juntamente com tudo isto nasceram a “club culture” (ou
“cultura de clube”) e a “dance music”. Mas o acontecimento mais importante de
todos foi o aparecimento de um novo actor da noite.
. Quem?
- O DJ, ou Disc Jockey. O “maestro” da noite. É nesta
altura que os DJs passam a ser a figura central – e fundamental – na animação
das noites. Uma figura que se mantém até aos nossos dias, embora hoje muito
mais sofisticado, em parte por causa do progresso nas tecnologias disponíveis.
. Lembras-te de algum desses primeiros DJs?
- Paul Oakenfold, Gilles Peterson...
. E qual foi a repercussão das raves em Portugal?
- Em Portugal começaram a surgir pequenas raves no início
dos anos 90. As primeiras tiveram lugar num pequeno armazém de Xabregas. Mas
eram raves à nossa escala, enquanto que no Reino Unido começaram a tornar-se
num problema de sociedade ao ponto de serem posteriormente marginalizadas numa
Lei de 1994 (o “Criminal Justice and Public Order Act”).
. Pelo que me estás a contar, estamos perante uma
Revolução no conceito da noite! E como em todas as Revoluções, a mudança veio
não só de dentro, como também de fora.
- Sim. E como já referi o Frágil começou a tornar-se num
espaço pequeno.
. Foi essa limitação que esteve na origem do projecto
Lux?
- Precisamente. Foi a partir dessa altura que o Manuel
Reis começou a pensar em sair do Frágil para um espaço novo e maior. Se
olharmos para a realidade dos factos, passámos do pequeno clube de “clientes
habituais” para noites com 12.000 pessoas. Ou seja, dos habitués ao público
anónimo. Esta foi sem dúvida a principal consequência desta Revolução que se
viveu na noite. A festa do 10º aniversário do Frágil conscencializou-nos de que
se impunha partir para novos horizontes.
. Voltando ao “projecto Lux”. Pelo que percebi, este
surgiu de uma conjugação de quatro factores: limitação de espaço no Frágil,
mutação da noite, aparecimento de uma gigantesca massa de público anónimo, para
além de ser uma ideia que já vinha do passado, certo?
- Correcto. E foi assim que em 1998 abriu no Cais da
Pedra o Lux. Saímos do Frágil em 1997 e durante um ano preparámos a abertura
deste marco incontornável da noite alfacinha. Sabias que o edifício do Lux é um
dos primeiros edifícios em betão a ter sido construído na cidade de Lisboa?
. Não sabia. E no que toca ao Lux, colaboraste na
montagem do espaço?
- Não tão activamente como na abertura do Frágil. Digamos
que acompanhei o projecto sem no entanto me envolver em demasia. Foi uma opção
pessoal.
. Quando o Lux abriu tornaste-te logo DJ residente?
- Sim. Até tinha um horário bastante sui generis para um
“actor” da noite. Em 1998 o Lux abria por volta das 18h, e era eu que passava
música até ao início da noite. Entretanto, o Manuel Reis deixou de explorar a
tranche horária que se estendia entre o final do dia de trabalho e a hora do
jantar. Foi aí que voltei para a noite propriamente dita, ficando a meu cargo
as noites de terça-feira e a abertura de uma das noites do fim de semana.
. E porquê as noites de terça-feira?
- Porque a terça-feira é um dia calmo e eu não gosto de
passar música para multidões. Já te disse que sou um “passador de música” e não
um DJ. Não me identifico com a personagem do DJ!
. Lá estás tu com isso do “passador de música”. Afinal de
contas porque é que não te consideras um DJ?
- Porque não sou, nem quero ser, um DJ. Chama-me
“passador de música”, chama-me “passador de discos”, mas não me chames DJ.
. Como quiseres...
- É mais do que querer. Eu não sou um DJ convencional.
Tenho uma postura atípica. Não gosto de tocar em discotecas, e não gosto de ter
de pôr música para ver os bracinhos todos no ar. Para mim é fundamental gostar
daquilo que estou a ouvir e divertir-me quando estou a passar música. É claro
que isto pode parecer de um egoísmo feroz aos olhos de quem quer ouvir música
para dançar. Mas pouco me importa. Eu passo aquilo que quero ouvir, a música
que gosto de ouvir, e nunca aquilo que os outros querem ouvir.
. Estás a ser politicamente incorrecto. Direi mesmo
irreverente. É nisto que eu me vou transformar daqui a 25 anos?
- Sem dúvida! (risos) Tens de perceber que hoje em dia os
DJs são animadores. Ora eu não me considero um animador. Recuso-me a passar
música para animar, é o pior que me podem pedir. Música é música, música é para
ouvir, mas música não é para animar. Música de animação só nas feiras e nos
arraiais.
. Se soubesses como discordo das tuas palavras!
- Tanto me faz. Daqui a 25 anos concordarás comigo.
. Se pensares bem, “passador de música” ou DJ, são duas
designações para uma mesma realidade...
- Não Nanau. Eu diferencio-me dos DJs não só pelo que
acabei de te explicar, mas também pela minha forma de trabalhar. Ao contrário
dos DJs actuais, não utilizo maxi-singles, utilizo álbuns. Recorro por vezes ao
vinil, mas funciono sobretudo com CDs. Ora tudo isto é contrário à forma como
trabalha um DJ, que chega a uma noite com a sua mala mais os seus duzentos
discos, e passa música tendo como única preocupação ver os bracinhos todos no
ar. Por outro lado, nunca me interessou a técnica do DJing. Fazer ligações,
misturas, remixes e montagens, são coisas que não têm nada a ver comigo. Pelo
contrário. Gosto de ouvir o corte radical entre duas músicas, de sentir que estou
a passar de um estilo para outro estilo. Ora hoje, com o evoluir das
tecnologias, por vezes o trabalho dos DJs é tão bem feito que nem se dá pela
passagem de uma música para a outra...
. Li na programação do Lux que chamaste Às noites de
terça-feira Eccentrics by night. Porquê esta designação? Será que te consideras
um excêntrico?
- (risos) A designação das noites Eccentrics by Night é
inspirada no filme «They Live by Night» (1948), do cineasta norte-americano
Nicholas Ray. É a história de um fugitivo que se apaixona por uma mulher. O
clássico protótipo do casal em fuga, por muitos considerado como um dos filmes
percursores do famoso «Bonnie and Clyde» de Arthur Penn (1967.
. Mas apenas te limitaste a adaptar o nome do filme, ou
de certa forma consideras-te um excêntrico?
- Sim, podes ver-me como um excêntrico. Não no sentido
próprio da palavra, mas num sentido figurado. Sou excêntrico na medida em que
gosto de passar música que as pessoas não estão habituadas a ouvir e,
sobretudo, que não estão à espera de ouvir. Música excêntrica por não ser
comercial. Música com qualidade, ou pelo menos música que eu considero ter
qualidade. Por outras palavras, sou excêntrico pois reivindico a liberdade de
passar aquilo que quero, dando a ouvir às pessoas não aquilo que elas querem,
mas aquilo que não estão habituadas a ouvir, ou que normalmente não ouvem em
espaços públicos...
. Gostas de teatro, gostas de artes plásticas e pelo que
já me apercebi ao longo desta conversa (que já vai longa) gostas de cinema.
- Adoro cinema. Mas tenho gostos muito específicos. Sou
um grande fã de cinema clássico americano (anos 30, 40 e 50). Também gosto do
expressionismo alemão dos anos 20 (Lang, Murnau, Wiene), de cinema francês
(Godard, Téchiné, Truffaut) e claro, tenho uma grande admiração pelo trabalho
do Manoel de Oliveira.
. E o cinema norte-americano contemporâneo?
- Considero que o cinema americano de hoje já não é a
mesma coisa. Dispenso os efeitos especiais e as grandes produções de Hollywood.
Há um excesso de tecnologia nas produções modernas que não me interessa, mas
que não digo ser desinteressante. Eu é que não gosto. Assim como a música, acho
que o cinema banalizou-se e hoje há trinta filmes em cartaz, poucos dos quais
se aproveitam. Mas não perco um filme de Lynch, Cronenberg ou Tarantino. São
três cineastas americanos contemporâneos que muito aprecio.
. És selecto no cinema, não deixas que te apelidem de
DJ... Será que também é selecto na música que escolhes enquanto “passador de
música”?
- Já te disse que tenho os meus critérios de escolha e de
qualidade. Tenho os meus gostos. Ao contrário dos DJs convencionais nunca me
identifiquei com a club culture, algo que sempre achei oco, fútil e
desinteressante. Só de ouvir a expressão dá-me vontade de rir. Onde é que está
a cultura? Onde é que já se viu isso? Que gente é essa? É uma patetice! Penso o
mesmo em relação à dance music. Gosto muito de música para dançar, mas não de
dance music. Hoje em dia grande parte da música de dança que se ouve( logo que
se produz) é de qualidade muito duvidosa. Não dou muita importância à dance
music que para mim é uma parte minúscula da música em geral. Há mais música
para lá da dance music! Mas gosto de dançar, sempre adorei dançar e ainda
danço. Embora para mim a música e a música de dança não se resumam à dance
music.
. Consideras então que houve uma banalização da música
nestes últimos 25 anos? As coisas mudaram muito neste últimos 25 anos?
- Quando chegares a 2007 irás aperceber-te disso. O
excesso de produção banalizou tanto a música, que ela não só está por todo o
lado (do autocarro ao hall de hotel, do supermercado ao café, do carro ao
elevador) como também perdeu qualidade. Qualquer pessoa hoje faz música. Basta
ter um PC em casa! Esta massificação da criação musical tem um lado positivo
(surgem de vez em quando trabalhos novos com qualidade), mas tem também um lado
negativo (surge muita porcaria). Encontrar hoje dez discos bons em mil, é como
no passado o Vasco da Gama ter conseguido chegar à Índia.
. Sentes influência de algum DJ na tua forma de
trabalhar?
- Tirando aquilo que herdei de ti quando eu era o
Nanau... não. Enquanto a maioria dos DJs dizem ter sido influenciados por X ou
Y, eu não sinto influências de ninguém no meu trabalho. Nunca aderia à “escola”
do DJing, muito menos à “escola” deste ou daquele DJ.
. Como vês essa “massa de público anónimo” de que me
falavas há pouco?
- Voltamos àquilo que já disse. Dou mais valor à cultura
musical do que à cultura de clube. Aliás a cultura musical está-se a perder. Os
frequentadores de discotecas falam em som e batidas, não me música. Tenta
imaginar um diálogo entre dois adolescentes no século XXI: “É pá, ontem ouvi um
DJ que tinha um som do caraças. Fazia umas passagens bué da boas”. O que é
isto? O que é que isto tem a ver com música? Os jovens de hoje estão mais
ligados à batida e ao som do que ao ritmo, À composição, à qualidade da voz, a
uma guitarra ou a uma bateria bem tocadas. Até isto a dance music provocou. A
voz desapareceu. Já cheguei a estar numa discoteca e não ouvir voz durante
horas!
. De facto...
- Enquanto que há 25 anos atrás as pessoas saíam para
ouvir música, hoje o jovem adolescente sai à noite, no seu ritual de fim de
semana, para abanar a cabeça, beber e fazer disparates. O que leva a
comportamentos selvagens dentro dos espaços, com má criação e decadência à
mistura. Este excesso de produção tornou as músicas efémeras. A conjugação
destes factores cria uma alienação que me choca. O público de hoje não é
exigente, nem sequer sabe o que está a ouvir. Com tantos géneros, tudo se
tornou passageiro e as pessoas não se fixam em nada. Aquilo que ouves hoje
amanhã deixará de existir. Quanto mais ruído e mais barulho melhor.
. No fundo estás-me a dizer que a banalização da música
desviou os interesses dos jovens. Em vez de se fixarem na música, fixam-se
noutras coisas. No disparate e no barulho por exemplo...
- Infelizmente é esta a realidade que irás encontrar em
2007. É claro que o aumento exponencial da oferta também não ajudou. Há 25 anos
existiam meia dúzia de bares e duas ou três discotecas. Hoje tens mil bares e
cem discotecas. A oferta é imensa e as pessoas dispersaram. Com a agravante de
se ouvir as mesmas músicas em todo o lado.
. Mas se há oferta é porque há procura, certo?
- Durante a semana não há noite. Só aos fins de semana. E
sair à noite já não é o ritual que era. Hoje sai-se à noite como se vai a um
estádio de futebol. Mesmo espírito, mesma cerveja, mesma barulheira, mesma
confusão. Houve uma tal banalização do “sair à noite” que a oferta só pode ser
mais do que muita. Mas não me interpretes mal, não quero com isto dizer que no
passado é que era bom e que hoje é tudo mau.
. O que é que na tua opinião melhorou em 25 anos de
DJing, perdão, em 25 anos de “passagem de música”? (risos)
- Mais escolha, mais liberdade, melhor tecnologia.
. É verdade que esse espaço onde irei trabalhar daqui a
25 anos, o Lux, é um espaço único em Lisboa e até mesmo no mundo?
- Sem dúvida alguma. E a vários níveis: a decoração do
espaço, a música que lá passa, o ambiente criado por quem lá vai, etc. Existe
um “espírito Lux” que vai muito além da simples discoteca. No fundo, talvez
seja uma transposição para o século XXI daquilo que foi em tempos o Frágil...
. Está quase na hora de regressar a 1982. Esta minha
viagem a 2007 já vai longa e o comboio do tempo não espera.
- Eu não tenho pressa. Além de que não tenho de regressar
contigo nesse comboio do tempo. Apenas me limito a ser consumido pelo futuro,
como todas as pessoas aliás.
. Depois desta conversa fiquei com uma curiosidade: como
é que o Leonaldo artista plástico representaria o Leonaldo DJ?
- Uma tela branca.
. Tela branca? Herdaste de mim a mania do low profile...
- De certa forma herdei. Como sabes nunca gostei de me
expor, de dar entrevistas, da sair nas revistas. Sempre tive pavor de virar
figura pública, de me promover ou de promover o meu trabalho. A minha postura
low profile manteve-se até hoje e nunca mudará. Verdade seja dita, nunca tive
muito jeito para a autopromoção (risos). Mas também herdei de ti outras coisas.
. Por exemplo?
- O gosto de viajar, de conhecer novas culturas e outras
civilizações. Gosto de ir para longe, para lugares exóticos. E também gosto de
cidades cosmopolitas, do mar, da natureza e da calma.
. E literatura? Ainda lês muito?
- Adoro ler. É uma forma de nos conhecermos a nós
próprios, os sentimentos, os outros, os lugares. Não encaro a leitura como
passar o tempo, mas como um enriquecimento pessoal.
. Gostei de te ver Leonaldo. Ou será melhor dizer que
gostei de me ver daqui a 25 anos?
- Eu também gostei de me rever. Continuas igual a quem
fui.
. Tenho de ir. O comboio do tempo não perdoa atrasos.
Posso deixar-te aqui sozinho no tempo presente?
- Quando muito deixar-me-ás sozinho no futuro. O presente
não existe. Existe o passado, existe o futuro, e entre os dois...
. Sim, já sei. Entre os dois não existe nada.
-
Fidélio
tHe UltiMaTe diSoRDer
Versão integral da entrevista em
blog.myspace.com/leonaldodealmeida
myspace.com/leonaldodealmeida
YEN SUNG
Nanau: Moreno, magro, caprichoso, reservado, flexível,
fácil, organizado, conhecedor, culto, clássico, artista, amigo, compreensivo,
“moody”, arrojado, viajado, simpático, arrogante, DJ, colega, quase irmão.
ZÉ PEDRO MOURA
Em Abril de 88, o Nanau foi o anfitrião na minha primeira
sessão de DJ no Frágil. São quase duas décadas, difíceis de resumir em poucas
linhas.
Com a ajuda involuntária do Ferry nos Roxy Music, estas
são algumas “imagens” do Leonaldo:
“There’s
a new sensation / A fabulous creation / A danceable solution / To teenage
revolution / Do it on the tables / Quaglino’s place or mabel’s / Slow and
gentle / Sentimental / All styles served here / Tired of the tango / Fed up
with fandango / Dance on moonbeams / Slide os rainbows / In furs or blue jeans
/ Bored with the beguine / The samba isn’t your scene / See la goulue / And
nijinsky / Do the stransky / But it can´t beat strand power / The Sphynx and
mona lisa / Lolita and guernica / Did the strand”
PINK BOY
Recordo-me do Nanau desde as minhas primeiras saídas à
noite no início dos anos 90. O mesmo é dizer, saídas no Bairro Alto, mais
precisamente no Frágil. No meu imaginário foi e continua a ser uma personagem
incontornável. Recordo-me que durante bastante tempo não sabia quem era aquela
figura esguia, vestida de preto e que, aos meus jovens olhos, conseguia sempre
criar uma enorme barreira à sua volta. Uma barreira recheada de mistério digna
de uma verdadeira estrela de cinema ou pop. Quis o destino (neste caso chamado
Manuel Reis) que anos passados trabalhássemos juntos aqui no Lux. Foi assim que
vim a descobrir que, por detrás da nuvem de mistério, estava o Leonaldo. Por
vezes sisudo e aborrecido mas também meigo, simpático e muito divertido!!! Uma
coisa é certa. Conhecendo-o, é impossível não gostarmos dele!!!
dexter
deck 1
|
deck 2
|
David Bowie
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Andy Warhol
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Whiskey
|
Água
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Preto
|
Branco
|
Arrogante
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Charmoso
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Fumo
|
Sombra
|
Tabaco
|
Guerrilla
|
Cabedal
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Veludo
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RUI VARGAS
Nanau Maria!
Ousado, teimoso, imprevisível, sincero, rabugento,
informado, pontual, convicto, malandro, atento, vaidoso, exigente,
inconformado, precioso.
TIAGO
A melhor história é a dele. Viu e ouviu de tudo, um pouco
por todo o lado e isso reflecte os seus sets. Não há DJ na história que tenha
atitude mais cool que o Nanau. Dotado de um incrivelmente charmoso mau humor,
toca sentado e bebe whiskey... what the... Uma visão incrível acompanhada da
melhor banda sonora.
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