17.9.16

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (217) - Electronic (Issue 1)


Electronic
The Ultimate Electronic Music Magazine
Nº 1
July 2012UK
132 páginas a cores 
papel brilhante
formato A4 (um pouquinho maior)
Editor: Push
Deputy Editor: Mark Roland
Art Editor: Isabel Cruz
Preço:...


Free CD

Entrevistas/Artigos de Fundo (muito) Interessantes:
- Underworld
- Silver Apples
- The Human League
- Minimal Wave
- Radiophonic Workshop
- Gary Numan
- Twin Sahdow
- CAN

Radiophonic Workshop
The Return Of The Room 13




Oscilar, educar, organizar: O co-fundador do Radiophonic Workshop, Desmond Briscoe, em pelna laboração, 1960.

O lendário Radiophonic Workshop, a equipa que criou o tema original de Doctor Who, e muitas outras estranhas paisagens sonoras televisivas, no infame Room 13 nos estúdios da BBC, está a ser ressuscitado pelo inovador electrónico Matthew Herbert - e ele tem como missão redescobrir sons que nós nunca ouvimos antes.
Texto de Bethan Cole

Se você era uma criança nos anos 60 ou 70, a BBC Radiophonic Workshop foi com certeza a banda sonora dos seus sonhos e dos seus pesadelos. Um círculo de radicais sónicos, incluindo inovadores como Delia Derbyshire, Daphne Oram e John Baker, a equipa Radiophonic Workshop (RW) estava por detrás da melodia vibrante e oscilante do tema Doctor Who, das ondas rotativas de The Tardis, e de uma outra centena de estranhos e experimentais efeitos sonoros e temas ouvidos na BBC. Desde os anos 50, a sua foi uma forma peculiar de Música Concreta Britânica na qual recorrentemente usavam sons descobertos no dia-a-dia, extraídos de peças de corda e de abajures metálicos, tampas de caixotes do lixo, etc., para criar inabituais músicas de fundo para dramas e documentários. Se há um argumento que possa ser usado de que não é a música pop que define certas épocas, mas a música incidental, temas de TV e o ruído ambiente da vida de todos os dias, então o trabalho do Workshop pode ser usado para caracterizar uma grande parte da modernidade dos meados do século XX.
"Tal como a maioria dos miúdos dos anos 60, eu cresci com o Doctor Who", diz o lendário músico ambient e experimental, o DJ Mixmaster Morris. "A sequência original homónima da série, com o seu feedback de vídeo e os misteriosos sons electrónicos, feitos por Delia Derbyshire, pareciam mesmo uma transmissão a partir do futuro."

O Grime compensa: Mica Levi, a metamorfoseadora radiofónica do século XXI

O RW existiu originalmente entre 1958 e 1998 e ficou localizado no pequeno, constrangido, infame Room 13 nos estúdios da BBC de Maida Vale (embora o Room 12 e 14 também tenham sido utilizados). O seu auge é comummente aceite como tendo sido durante os anos 60 e 70, quando obtiveram grande êxito com as bandas sonoras de Doctor Who, Quatermass, The Body In Question e um grande número de espectáculos de ficção científica e programas escolares. Mas este ano, ele existirá novamente, no novo site de arte digital da BBC, The Space.
O renascimento foi o resultado de uma conversa entre o músico Matthew Herbert, os vários executivos da BBC encarregados do The Space, e Ali Cole do Arts Council.
"Eu disse que a altura era perfeita para relançar, porque as coisas mudaram tanto desde o Radiophonic Workshop original," relembra Herbert. "Disse-lhes, 'o que devemos fazer é recomeçar o Workshop de novo mas com novas pessoas de todo o mundo que sejam especialistas em música e especialistas em software - projectistas de apps e coisas do género - e termos um local onde se poderia experimentar ao vivo... em público... basicamente uma comunidade.' Eles ficaram excitados com a ideia e disseram, 'Bem, queres ser tu a tratar disso?', e assim encontrei-me a mim próprio, de repente, no papel muito humilde e excitante de uma posição para lançar o projecto!"
É totalmente especial que seja Herbert a comandar este projecto. Desde as suas primeiras edições como Wishmountain, Dr. Rockit e Herbert em 1995 e 1996, ele foi pioneiro de uma cepa vital de música house avant-garde, assim como engendrador de várias experiências sonoras - desde utilizar o crepitar de um pacote de batata frita para uma das primeiras perfomances dos Wishmountain, até documentar os sons de esforços culinários no seu álbum de 2005 The Plat Du Jour (incluindo a faixa presciente Truncated Life Of A Modern Industrialised Chicken) e a duração de vida útil de um porco de quinta no seu One Pig de 2011. Herbert não só trouxe todo um novo léxico de texturas aurais e timbres para o género musical house, ele iniciou inclusive uma nova forma, subtil, de comentário político sónico. Ouçam a sua faixa Royal Wedding Part 2, por exemplo, e ouvirão toda a pompa e circunstância do casamento do Príncipe William com Kate Middleton, mas as palavras que ressoam na tua cabeça no final da faixa são do 'encantamento para os ricos' de Rowan Atkinson, durante os votos do casamento. Ele também abriu os nossos ouvidos para o bem-estar dos animais e todo o processo de produção alimentar, talvez de forma ainda mais inteligente e sedutora do que os activistas alimentares experientes como Hugh Fearnley-Whittingstall e Jamie Olivier.
"Matthew é único na sua aproximação ás coisas", diz o autor e compositor David Toop. "Claro que há outros artistas a trabalhar com gravações de som ambiente como forma de fazer política - Peter Cusack vêm-me logo à cabeça. Mas o Matthew tem acesso a uma audiência diferente, provavelmente uma audiência inquiridora, de mente aberta, mas não tão bem versada na história da arte sonora e sua prática."
"Voltando a 92, eu fui júri de uma competição de talentos e tive de ouvir centenas de cassetes/demos", relembra Mixmaster Morris. "Escolhi Matthew como vencedor e ele ganhou aquele que eu penso ter sido o seu primeiro sampler. Ele tem tido uma carreira estelar nos últimos 20 anos, constantemente inovadora e confundindo todas as expectativas. Ele nunca saltou para um comboio em andamento: ele faz uma espécie de música com arte e com coração. Apesar de algo devedora da escola House de Chicago e Ibiza, també."
Apesar de Herbert ser o instigador do novo Radiphonic Workshop, ele trabalhará como parte de um colectivo. O que for editado será anónimo, creditado como "Sounds by the Radiophonic Workshop", e Herbert diz que os seus colaboradores foram todos seleccionados pelo mérito em vez de pela fama ou serem mais ou menos conhecidos. São eles Max De Wardener (compositor, produtor e multi-instrumentista conhecido pelas suas bandas sonoras para filmes e televisão); Mica Levi (escritor de canções e cantor com formação clássica, compositor e produtor que obteve alguma proeminência através da cena grime); Anthony Churnside ( Engenheiro de Pesquisa e Desenvolvimento da BBC que será o director técnico), Patrick Bergel (especialista de software que é dono da companhia de tecnologia criativa Animal Systems), James Mather (editor de som dos filmes do Harry Potter), e Yann Seznec (artista, sonoplasta, músico e instrumentista).
Olhando para a lista, uma crítica que pode ser feita a Herbert é que aparecem poucas mulheres envolvidas. Parte de visão utópica do Radiophonic Workshop original era o facto de incluir muitas mulheres inovadoras e, simultaneamente, muito activas e competentes - e isso durante uma época em que as mulheres eram proibidas em muitos estúdios de gravação. A produtora feminina mais famosa do RW foi Delia Derbyshire, a figura de culto por detrás da melodia do tema de Doctor Who. Havia também a co-fundadora do Workshop, Daphne Oram e, depois da saída de Oram. Maddalena Fagandini, que prestou a sua colaboração entre 1959 e 1966.
"Há mulheres envolvidas, sendo a principal a brilhante Mica Levi," contraria Herbert. "Mas estamos à procura de mais."

Digitalmente enriquecido: O novo chefe do nvo RW está pronto para fazer andar a coisa.

Matthew Herbert e os seus colegas não irão simplesmente retrabalhar o velho material do anterior Radiophonic Workshop, o que parece ter desiludido alguns entusiastas mais retro. Devido ao facto de alguma da música produzida no RW ter sido editada em álbuns no passado, ela foi samplada já muitas vezes por produtores, sendo um dos casos mais notáveis a novidade que foi o single pop Doctorin'The Tardis, pelos Timelords (aka The KLF). Mas o facto de este projecto ir estar mais focado em material novo é a maneira mais óbvia de manter o espírito original do RW, que foi sempre o de forjar paisagens sonoras futurísticas, e não revisitar bandas sonoras arquivadas.
"É muito mais acerca de trabalho novo", explica Herbert. "Também, uma grande parte do arquivo não está digitalizado - há milhares e milhares de fitas magnéticas que são muito frágeis e é um longo trabalho digitalizá-las todas. Eu não sou responsável pelo lado de legado dessas gravações, isso é parte do trabalho/processo que está a ser feito por alguém chamado Mark Ayres, um arquivista cujo trabalho é ir através desse catálogo."
O que o novo Radiophonic Workshop fará está actualmente no segredo dos deuses, À medida que Herbert e a sua equipa continuam sem nos dar uma agenda. "Infelizmente, eu não posso dizer-te o que iremos exactamente fazer, mas posso dizer-te, no sentido lato, que serão bandas sonoras para eventos ao vivo, bandas sonoras para conteúdo online, curtas-metragens e teatro radiofónico, e poderemos até desenvolver algum software," diz Herbert. "Vamos ser uma instituição que irá produzindo música para conteúsdos que já existem."
Uma das principais diferenças entre o Radiophonic Workshop original e a sua nova incorporação é a geografia. A localização da versão do século XXI do Room 13 será virtual, com o colectivo espalhado por todo o Reino Unido, desde a casa da cidade onde mora Herbert, em Whitstable no Kent, até Manchester e Escócia. Mas significa isto que será perdido algum do foco e intensidade da unidade original? Ou é uma libertação que a tornará mais inovadora, algo que agarra o talento avantgarde qualquer que seja a localização? Herbert espera que seja esta última hipótese a prevalecer.
"Nós vamo-nos encontrar para workshops e aparições ao vivo," diz ele. "Também pretendemos, na verdade envolver talento venha ele de que parte do mundo vier."
O revivalismo do nome Radiphonic Workshop sugere a criação de um diálogo entre as novas maravilhas da técnica que temos agora e o peculiar retro futurismo do RW original. Durante a última década, nós temos fetishisado épocas do passado, em que o futuro era frequentemente visionado duma forma inocente, e o RW parece ser o epítome desta atitude. Visões do futuro que foram criadas no passado dizem-nos mais, habitualmente, acerca do imaginário colectivo dessa época do que o futuro visionado seria na realidade. Como o teórico musical Milton Babbitt comentou sobre o Radiophonic Workshop original: "nada envelhece mais depressa do que um novo som".

Animal Magic: O novo colaborador do novo RW, Yann Seznec (à esquerda) e Matthew Herbert tocam "One Pig" ao vivo

Durante a primeira década deste século ficámos obcecados com a era moderna de meados do século passado, em todos os ramos, como a arquitectura e mobiliário, mas também a música, moda e filmes. Isto deve-se, eventualmente, porque à medida que a digitalização avança, nós lamentamos a perda de uma verdadeira avantgarde na cultura. Em 2003, a BBC4 passou um documentário acerca do RW chamado Alquimistyas do Som - e isto foi apenas o começo. Por volta de 2005 uma nova onda de electrónica chegou, incluindo a editora Ghost Box e os produtores Mordant Music, que pareciam reviver e manter a estética moderna do RW dos meados do século passado, não apenas através de uma certa inocência e naiveté, mas também através de uma qualidade sonora quase-orgânico presente na tecnologia analógica primitiva.
"O mundo mudou muito desde que o Workshop começou," considera Herbert. "A maioria do que era produzido pelo RW era-o para a BBC, para o seu teatro radiofónico e, devido aos sons com que eles trabalhavam, uma boa parte dele acabou por ter a ver com o desconhecido ou com o futuro. Uma boa parte dos sons do Workshop foram utilizados para ficção científica, sendo um exemplo o The Tardis do Doctor Who, assim uma boa parte era acerca de uma paisagem imaginária. O ponto importante disso tudo, filosoficamente, é que atingimos o tal futuro que eles imaginavam. Podemos enviar música através do ar e os nossos computadores são um milhão de vezes mais poderosos que eram os deles, por isso nós chegámos de certa maneira ao futuro e podemos fazer algumas das coisas com que eles sonharam naquela altura."
Será interessante ver como o novo colectivo Radiophonic Workshop realizará os seus imaginativos conceitos. Há um sentimento geral de que o colectivo original RW foram na verdade compelidos a ser mais criativos devido às restrições tecnológicas. A fita magnética pode ter sido inventada nos anos 40, mas os sintetizadores só apareceram quando Robert Moog disponibilizou comercialmente o seu primeiro sintetizador, em 1965, e os samplers não eram ainda sequer imaginados. Adrian Utley, dos Portishead observou, no documentário Alchemists Of Sound, as constrições que os produtores originais do RW enfrentaram foi precisamente o que os levou aos grandes níveis de criatividade, imaginação e inovação que atingiram.
A preocupação é que, quando confrontados com a infinidade de novas formas de avantgarde culturais, as pessoas frequentemente optam por aquilo que é seguro e conhecido por eles. Daí a popularidade do Daily Mail e dos LOLcats online, quando uma infinidade parecida de fenómenos culturais estimulantes estão aí para serem explorados. Daí, também, o domínio do muito conservador (e, na verdade, datado) Euro-trance, nas nossas tabelas de mais vendidos (algum do qual mascarado de R&B) num tempo de grande expansão de música inovadora que está agora disponível na internet - e muita dela de graça.
"Penso em como é conservadora a indústria da música neste momento, se pensarmos quão à frente está o potencial tecnológico," diz Herbert. "Está a haver uma revolução sobre o que a música pode ser, apesar de isso ainda não parecer visível a ninguém!"
Mas Herbert está optimista que o novo Radiophonic Workshop será tão progressista e inventivo como o anterior. Da mesma forma que o Workshop original sofreu as constrições e limitações da tecnologia da época e assim criou por si próprio todos os sons que usavam em vez de usarem sintetizadores ou samplers, Herbert faz questão de ele próprio não samplar música de outras pessoas.
"Os desafios agora são completamente diferentes dos que foram enfrentados então," diz Herbert. "Eles estavam limitados por aquilo que a tecnologia podia fazer, enquanto nós, agora, temos a tecnologia a roçar o infinito, de várias formas, e a nossa imaginação foi deixada cá muito para trás. O desafio é realmente a nossa imaginação evoluir."
De facto, Herbert acredita que os gostos do consumidor inteligente / com discernimento ficará cada vez mais extremo, aventuroso, conceptual e avant-garde, uma vez que aconteceu que o leftfield e a música alternativa
ficaram submersas no mainstream graças à digitalização.. "Porque tudo está agora facilmente acessível, penso que o gosto de algumas pessoas vai evoluir para ideias mais desafiantes," diz ele. "Os consumidores inteligentes vão querer experienciar coisas mais cerebrais."

Criando loops: Delia Derbyshire a cortar fita magnética no Radiophonic Workshop


Pergunto a Herbert se ele sente que a música / som se parece com outras formas de arte, como a literatura, onde há um sentimento distinto de um declínio pós-moderno, uma ideia invasiva de que "tudo já foi feito" e que não há mais nada a explorar. Ao fim e ao cabo, uma das características que definiam o Radiphonic Workshop original era a novidade. Há ainda sons para serem descobertos?
"Não tenho qualquer dúvida sobre isso!", refere ele. "Nós apenas fizemos gravações de sons nos últimos cem anos - e que foi, predominantemente música ou pessoas a falarem. Antes disso, nós não sabemos como soava o antigo Egipto ou os tempos medievais, ou os tempos de Shakespeare. Temos "pautas" escritas, mas ainda assim não sabemos como soavam."
Herbert está convencido que há ainda muita coisa mais que ainda não ouvimos. "Provavelmente já ouviste uma porta a fechar-se mais de 100 000 vezes, mas ouviste alguma vez 100 000 portas a fecharem ao mesmo tempo?" pergunta ele. "Há todo um modo de escutar que nós ainda nem começámos a pensar nele - a um nível macro grupal ou a um detalhe mínimo."
Herbert calça facilmente os sapatos dos visionários do primeiro Radiophonic Workshop por mais que uma razão. Não apenas ele é um dos artistas e produtores mais consistentes e progressistas da sua geração, como ainda tem alguns daqueles princípios fora-de-moda dos primeiros dissidentes sónicos, que eram primordialmente entusiastas, inovadores prodigiosos motivados pela adrenalina das aventuras sonoras por oposição aos seus magros salários pagos pela BBC. Similarmente, Herbert está mais perto, na sua prática, de um artista como Jeremy Deller do que, digamos, do actual super-homem da dança, David Guetta. Seria quase um insulto fazer qualquer ligação dele com este último.Herbert, inclusive, recusou um negócio para um anúncio, no valor de 2 milhões de libras, porque não que a peça de música que ele produziu num lugar de extrema ternura emocional ficasse subsequentemente associado para sempre a um shampoo de supermercado.
Para Herbert, um dos factores inspiradores do Radiophonic Workshop original foi o ethos Reithiano (que defendia que a transmissão deveria ser livre) da BBC naquela altura. O RW representava 'edutaiment' (educação e entretenimento): ela expunha a uma larga audiência o que era, essencialmente, música e arte sonora avantgarde.
"O conceito global do Workshop é que ele era - e será novamente - um instituto de ideias," clama Herbert. "A coisa verdadeiramente excitante é que o Workshop era extremamente experimental mas o seu trabalho era para uma audiência mainstream: A melodia do tema do Doctor Who, a Open University, eram produzidas para coisas muito mainstream. Isto é o que, frequentemente, a BBC melhor faz, produzir coisas avantgarde que atingem vastas gamas de público - porque isso é possível."
Claro que a resposta a esta arte avantgarde era muito polarizada como se poderá imaginar. Uma nova paisagem sonora provocava uma nova paisagem emocional nas pessoas e faziam emergir sentimentos que elas tinham dificuldade em articular. Eu falo como alguém que durante a minha infância me lembro que o tema do Doctor Who era a minha dica/pista para me esconder debaixo do sofá e cobrir os meus ouvidos com almofadas, cheio de medo do horror que dali advinha. De volta aos anos 60 e 70, cartas horrorizadas deveriam chegar aos montes à Radio Times a descrever os sons do Radiophonic Workshop como aqueles de uma "prisão Orwelliana" ou de um "asilo de lunáticos".Na nossa época de grande agressividade comercial, uma cultura do Facto X - menor denominador comum, há uma razão muito forte para que estas formas de arte avantgarde aconteçam precisamente por causa de a BBC ser uma organização estatal. E não pode ser coincidência que estas maravilhosas paisagens sonoras do Radiophonic Workshop terem sido feitas durante governos Trabalhistas, potenciados por essa nobre ideologia de que todas as casas/famílias deveriam ter acesso aos mais elevados, mais engenhosos e mais estimulantes fenómenos culturais.
"A cultura avantgarde esteva no seu auge desde o pós-guerra até aos anos 70," observa Herbert. "Assim que foi introduzido os princípios do mercado livre numa coisa cujo principal objectivo não era fazer dinheiro, então tudo começou a decair."
A conjuntura económico-social podia ter sido diferente, assim como a tecnologia, a localização e os colaboradores, mas não haja dúvida que que a grande instigação do Radiophonic Workshop é um projecto completamente de enaltecer. Assim como foi em 1958 - para o som, música, para a tecnologia - é uma grande nova aventura. Mas agora, 54 anos passados, é preciso utilizar toda a radical liberdade que a internet transporta consigo.

Os Engenheiros-Fantasma
Desmond Briscoe e Daphne Oram, fundadores do Radiphonic Workshop
Desmond Briscoe e Daphne Oram co-fundaram o BBC Radiophonic Workshop em 1958, com o objectivo de criarem bandas sonoras para os programas de rádio e televisão da BBC. De origem um engenheiro gestor de estúdio, Briscoe criou os sons para a popular série de ficção científica Quatermass. Ele supervisionou o crescimento do Workshop a partir do pequeno apartamento Room 13 até se tornar num dos mais sofisticados e elogiados estúdios de electrónica do mundo. Abandonou o Workshop em 1983.
Uma engenheira de estúdio da BBC, em 1957 Daphne Oram compôs a música para a peça Amphitryon 38, a primeira banda sonora da BBC completamente electrónica. Ele deixou o RW apenas um ano depois para desenvolver a sua própria tecnologia na Tower Folly, uma pequena mansão convertida, em Fairseat, Kent, onde inventou e construiu a máquina Oramics (agora exposta no London's Science Museum) no qual compôs através de desenhos ou pinturas em fitas de filme de 35 mm.



Fora Do Desconhecido
Delia Derbyshire, A Jogadora Desafiante
Ao contrário da opinião popularizada, Delia Derbyshire não compôs o tema musical para Doctor Who - ela foi na realidade escrita por Ron Grainer. Mas o que ela fez mesmo, em 1963, foi a realizá-lo duma forma que se tornou inesquecível, colocando toda a tecnologia electrónica pioneira disponível no Radiophonic Workshop para criar um som de um estranho presságio, um vibrato oscilatório, 'cantado' em cima por um arrebatador e instantaneamente reconhecível refrão.
Derbyshire nasceu em 1937 e cresceu em Coventry e Lancashire, filha de um serralheiro mecânico. Foi uma criança brilhante que que frequentou a escola primária em Coventry e foi aceite quer para entrar em Oxford quer Cambridge (altamente uma raridade para uma filha de um operário naquela altura), graduou-se em Cambridge em matemática e música. Abordando a Decca para conseguir um emprego em 1959, ela foi rejeitada com a resposta que não aceitavam raparigas nos seus estúdios de gravação.
Juntou-se então à BBC em 1960 como uma gestora de estúdio estagiária e pediu um anexo no Radiophonic Workshop. Durante os 11 anos seguintes criou música para cerca de 200 programas, a maioria deles de forma anónima, sob o guarda-chuva do RW. Compôs para produções teatrais e filmes e criou um álbum pioneiro de música electrónica sob o nome de White Noise. Aphex Twin, The Chemical Brothers, Sonic Boom e os Add N To (X) reconhecem todos a sua influência no seu trabalho, chegando, em muitos casos a fazer versões dos seus trabalhos. Morreu de cancro em 2001.


CAN
TAPE DELAY

Na altura do lançamento do conjunto de 3 CDs preenchidos por material não editado, The Lost Tapes, Irmin Schmidt fala acerca dos primeiros tempos da banda, da sua aventura nova-iorquina dos anos 60 e da sua génese como um grupo pioneiro no abastecimento de nova música para o underground.


Can do, will do: (esquerda para a direita) Jaki Liebezeit, Damo Suzuki, Holger Czukay, Michael Karoli e Irmin Schmidt divetem-se com um jogo de cadeiras musical

Era uma linha oportuna naqueles tempos, mas há poucas bandas tão influentes como os Can. Este grupo habitante-de-castelo, futuristas sónicos, pensadores e activistas musicais sem medo produziram um corpo de trabalho a partir de uma metodologia pop-art improvisativa que continua a definir o que significa ser uma banda moderna. As suas composições espontâneas dos finais dos anos 60 e inícios dos 70s permanecem tão frescas e vivas como o foram há 40 anos atrás.
Os álbuns dos Can eram, em geral, o resultado de prodigiosas edições de vigorosas sessões que desovavam milhas de fita magnética. Assim, é realmente uma maravilha termos agora acesso a Lost Tapes, um pacote triplo CD de momentos mais brilhantes seleccionados de cerca de 50 horas de velhas fitas magnéticas que estavam a apodrecer no armazém - não realmente perdidas. Irmin Schmidt, o maestro da teclas dos Can e o principal arquitecto (se se puder atribuir esse papel a qualquer um dos membros) é menos sanguíneo acerca do processo de filtragem por que teve de passar para disponibilizar estas Lost Tapes.
"Veja", diz ele, falando a partir da sua casa, em França, "Eu fiz este trabalho de forma árdua e de sangue-frio, como se o material fosse de outras pessoas. Não está impregnado por emoções acerca dos bons velhos tempos. Eu não tenho essa postura. Eu limitei-me a ouvir o material como se fosse de outras pessoas. Claro que fiquei feliz quando descobri coisas bonitas, algo realmente maravilhoso."
A primeira faixa tentadora para ser editada na selva da Internet foi Millionenspiel, uma fatia do melhor dos Can que explodiu para a vida a uma velocidade de partir o pescoço com aquela precisão leve e delicada em que eles eram tão bons. Millionenspiel soa como uma espécie de melodia de tema de filme psicadélico, free-jazz western-spaghetti, repleto de bongos reverberantes, guitarra fuzz e solo de saxofone. Gravada numa altura em que a banda era ainda conhecida como Inner Space, antes de se lhes juntar Malcolm Mooney, Millionenspiel foi gravado para um filme de TV (Das Millionenspiel), um filme de gangsters/ficção científica que perece ser um cruzamento entre o Fugitivo e o Performance, da mente alterada de Nicholas Roeg.
É claro que que havia muito mais donde aquela faixa veio. As indústrias alemãs de cinema e TV são a chave para este material nunca editado. Os Can eram procurados como artistas de bandas sonoras e muitas das suas contribuições feitas para essas bandas sonoras foram posteriormente descartadas. E enquanto os Can eram cada vez mais populares fora do seu país, os filmes que eles sonorizavam não o eram - maior é a lástima.

Monster mas: os Can trocam de instrumentos para um momento "Godzilla"

"Eu sabia de antemão que haveria uma grande quantidade de música para filmes que nunca seria editada/utilizada porque isso nunca chegou sequer a acontecer - a realização e comercialização dos filmes," explica Schmidt. Ele fala lentamente e de uma forma rigorosa, um estilo que não convida a uma conversa informal. Quando lhe perguntei se era verdade que ele ia ver antecipadamente todos os filmes para os quais os Can eram convidados para fazer a música, e depois de voltar o descrevia a toda a banda antes de começarem a trabalhar na música, o sua resposta foi, "Sim, era exactamente como você descreve. Era isso mesmo que acontecia. Não tenho nada a acrescentar." Então, havia, hummm, uma razão musical, composicional, para isso?
"Sim, é isso", responde, e depois, graças a Deus, elucida: "Se te sentas em frente do écran e olhas para o filme, és sempre seduzido a comentar o que lá aparece, uma espécie de dobragem da narrativa. Porque eu tive essa experiência antes dos Can, tendo trabalhado muito tempo em música para teatro e cinema, senti que era importante que a arquitectura da música acrescentasse um novo elemento narrativo que não estava no filme em si. E isto passa-se apenas se não o vês e comentas. Especialmente quando compões como nós o fazíamos: quatro ou cinco músicos juntos que se punham a inventar sem qualquer compositor. Se todos tiverem visto as imagens a coisa tornar-se-ia confusa - é esta a razão do nosso modo de proceder."

Feito a partir da concentração: Irmin Schmidt entra no groove

Antes dos Can, Irmin Schmidt era uma estrela ascendente da cena musical clássica Alemã, muito procurado como maestro e compositor de música para peças de teatro.
A sua experiência pré-Can é um extensivo CV de prestigiosas escolas musicais, sucessos em competições de música clássica e um crescente interesse em novos sons.Ele tinha já 31 anos de idade na altura em que formou a banda. Tinha uma licenciatura em composição e condução e continuou os seus estudos em Salzburgo, onde conduziu a Vienna Symphony Orchestra, antes de se mudar para Colónia para estudar com o famoso Stockhausen no seu Kölner Kourse für Neue Musik (Cursod e Colónia para Música Nova). Foi aqui que ele conheceu o futuro baixista dos Can, Holger Czukay. Schmidt também estudou com o famoso compositor húngaro Ligeti, provavelmente mais conhecido na música popular pela sua música que foi utilizada na banda sonora de 2001: Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick.
Em q966, contudo, Schmidt viajou até Nova Iorque para entrar na competição Mitropoulos, um evento internacional organizado como homenagem ao acalamado compositor Grego. Foi aí que tudo mudou.
"Eu fui para Nova Iorque como maestro para participar num concurso de jovens maestros, mas após alguns dias ou semanas, esqueci-me do sacana do concurso," ri-se ele.
Em vez disso, Shmidt foi parar ao epicentro do agitado meio cultural e criativo por que Nova Iorque estava a passar na altura. Uma experiência particularmente importante foi ver, ou antes fazer parte de uma das primeiras performances de La Monte Young, as lendárias peças Dream House, performances e instalações longas envolvendo música e luz e muito "freaking out", num estilo que atravessou os anos 60.
"Eram quatro músicos numa espécie de cave", recorda Schmidt. "Um deles era o John Cale. Eles tocavam uma peça do La Monte Young que consistia num acorde de 4 notas, durante dias, 24 horas por dia. Eles não tocavam 3 dias sem dormir, por isso, por vezes, havia apenas 2 músicos, depois havia três, e por vezes quatro.Nós estávamos por ali, sentados em cadeiras, no chão ou em sofás. A música estava num volume muito alto. Depois de algum tempo, começavas a ouvir todos aqueles sobretons sempre-a-mudar, dentro do acorde, e era com se estivesses a ouvir os anjos a cantar."



Também durante a sua viagem a Nova Iorque, Schmidt conheceu Steve Reich, tocou com Terry Riley, e foi ver o filme de Andy Warhol, Chelsea Girls, e o de Kenneth Anger, Scorpio Rising, qualquer deles várias (muitas) vezes. Schmidt ficou apanhado pela mistura de atitudes e culturas desta cena cultural que encontrou, a uma distância de centenas ou milhares de km, literalmente figurativamente, da abordagem mais académica a que ele estava habituado em Colónia. A quase aleatória justaposição de imagens da cultura popular e música, especialmente evidente em Scorpio Rising, levou Schmidt a pensar acerca das suas ambições artísticas.
"Eu realmente mantive-me mergulhado nesta cena aventurosa de Nova Iorque, e o que me fascinou foi que não havia separação entre a assim chamada música clássica séria e o pop de entretenimento," explica. "Era uma coisa que era uma mistura de tudo. Essa era a minha ideia quando regressei à Alemanha, queria misturar todos esses fenómenos da nova música, como o jazz e o rock e pop, e a nova música clássica, numa única coisa. Assim este tempo que passei em Nova Iorque (cerca de dois meses e meio) teve uma grande influência em mim e fez-me ter ainda mais a certeza de que era este o caminho que eu queria seguir."
Apesar do longo cabelo e enormes patilhas que ele agora tinha, Schmidt não mudou nem abandonou o seu passado, rejeitando inclusive a ideia de que estava a abandonar a sua carreira na música séria.
"Eu não estava a desistir da música clássica," diz Schmidt, "mas a torná-la mais rica, como compositor a trabalhar com os Can. Era uma nova forma de pensar a composição."
De volta a Colónia, Schmidt recrutou Jaki Liebezeit, um baterista fino e de cortar a respiração, que tinha já trabalhado com Chet Baker e vivido em Espanha durante 5 anos. Ele estava assim familiarizado com as estruturas rítmicas latinas e até, dizia ele, alguns ritmos voodoo secretos que poderiam resultar na morte daqueles que os ouvissem. Finalmente, Michael Karoli, "um guitarrista de rock realmente jovem, 10 anos mais novo do que nós", que era um jovem estudante de Holger Czukay e completou o grupo.
"Os Can saíram da constelação que foi constituída em conjunto por estes músicos," diz Schmidt. "Mas claro, foi uma coisa tão única e especial porque tinha esse enorme conhecimento de música, e era algo tão novo e inesperado. Era um grupo rock mas também não era um grupo rock. Era esse o conceito. O que sobressaiu foi uma experiência e uma experiência, deixem-me que vos diga, que funcionou e obteve sucesso."

Entre os muitos prazeres que podemos encontrar nas Lost Tapes estão a mão cheia de canções cantadas pelo cantor Americano Malcolm Mooney. Mooney gravou apenas um álbum com os Can, o primeiro, de 1969, Monster Movie, antes da sua exaustão, doença e uma forte instabilidade levou-o a abandonar a banda e voltar para a sua terra natal.
"Foi uma surpresa que tenha encontrado algum material com o Malcolm que tínhamos esquecido totalmente, e isso foi bom. Eu gostei da surpresa," refere Schmidt.
Mooney (e o seu substituto Damo Suzuki) desempenhavam um inabitual papel rítmico no som dos Can, fazendo parelha com a bateria propulsiva de Jaki Liebezeit. Isso é muito evidente nas faixas Waiting For The Streetcar e Desert, de Lost Tapes. Em ambas, Mooney repete a mesma frase até as palavras perderem o seu significado e se tornarem texturas rítmicas embebidas. Em Desert, a frase 'It's a soul desert' muta gradualmente para uma série de sons, que ele depois altera de novo com o grão da sua voz. Já muito foi dito acerca da natureza hipnótica da música dos Can, e da capacidade de Malcolm Mooney se aprisonar dentro da sua próprias letras em loop é lendária. Para a sua primeira performance com a banda, no lançamento de uma exposição de arte em Castle Nörvenich, ele repetiu a frase, 'upstairs, downstairs' durante uma hora inteira, enquanto andava para baixo e para cima pelas escadas. Holger Czukay disse uma vez que os Can não sabiam bem que direcção tomar, até que Mooney "saltou para o microfone e nos empurrou a todos para o seu ritmo".
A abordagem de Mooney a pertencer a uma banda estava em sintonia com aquela pop art e avantgarde que Irmin Schmidt havia visto e experimentado em Nova Iorque; a mistura livre de alta e baixa cultura, as fronteiras a desaparecerem entre os significados e a expressão da arte e da música.
Ele tanto queria usar rimas de enfermaria como contar histórias ridículas desde que estivesse a criar, aparentemente, ideias para letras profundas para os Can.
O seu sentido de humor, que Schmidt relembra nas notas de Lost Tapes, "tinha um efeito incrivelmente libertador em mim".
"O que fizemos, com e sem Malcolm," diz Schmidt, "foi sempre arte. A música dos Can é como a pop art. Usamos frases musicais muito banais da cultura circundante e juntamo-las de novas e inesperadas formas e o resultado era sempre surpreendente. Isso foi também o que o Malcolm  fez. Ele não o fez porque era... Por vezes as pessoas pensam que ele estava num estranho estado mental e um pouco louco, e, por isso, repetia as coisas. Mas essa não era a razão porque o fazia. Essa era a sua forma, uma repetição constante de uma frase banal torna a banalidade da frase moderna e, por vezes, até, assustadora, torna-a alien. Algo a que estás habituado torna-se estranho e era isso o que acontecia com a música dos Can muito frequentemente. Era uma forma muito contemporânea de criar arte."
Sugiro então que eles devem ter sentido uma grande perda quando o Malcolm Mooney abandonou os Can.
"Sim", concorda Schmidt, de forma hesitante. "Mas, sabes, nós não estávamos realmente dependentes de termos um vocalista connosco ou não, foi apenas sorte e muito belo ter encontrado o Malcolm e, porque ele era uma óptima pessoa, trouxe um bom espírito para a nossa música. Assim, quando ele teve de sair, foi triste, mas foi triste da mesma forma que um amigo partir. Do ponto de vista musical, nós sentimo-nos tão capazes como antes, continuar a fazer música valiosa. Nós fizemos, por exemplo, o maravilhoso Graublau depois dele ter saído e antes de Damo ter entrado."
Os 16 minutos de Graublau é um dos pontos altos em Lost Tapes, mostrando a banda em voo de cruzeiro. Gravado para o filme Ein Grosser Grublauer Vogel, que soa como outro "must-see" de transgressão psicadélica do cinema Germânico. "É uma história obscura com hippies, amor e gangsters, os vilões vigiam tudo através de monitores, um filme dentro de um filme, mas a vigilância não é fiável..." explica Irmin nas notas que acompanham as Lost Tapes. A música é um épico de força pura, bateria explosiva, cortes abruptos e interferências de ondas curtas de rádio.

Busker do: Damo Suzuki obscurece a coisas

É uma pequena maravilha a capacidade dos Can para actuarem ao vivo, que era lendária. Eles eram levados ao que chamavam 'momentos Godzilla', grandes blocos confrontacionais de ruído. Temos o tema Godzilla Fragment em The Lost Tapes, que é um tema de dois minutos de caos sonoro. O primeiro concerto com Damo Suzuki foi, sob todos os pontos de vista, um Godzilla de grandes proporções. A banda estava sem um vocalista, mas uma tarde Jaki Liebezeit e Holger Czukay viram Suzuki a vaguear pelas ruas. Convidaram-no para actuar com eles nessa noite, num concerto que eles não queriam tocar, marcado por um agente com quem eles se tinham entretanto incompatibilizado.
"Fizemos um espectáculo horrível, um dos nossos mais agressivos de sempre," diz Schmidt. "Nós estávamos tão zangados com as circunstâncias do agendamento e do concerto e de tudo, que fizemos um incrivelmente estranho espectáculo, e o Damo encaixou nele como se já estivesse connosco há muito tempo. Ele apenas gritava de forma verdadeiramente assustadora e eu pus um grande tijolo no teclado, colocando o volume no mais alto nível possível e sentei-me quieto a comer bolo com o Holger."
A performance começou com uma audiência de centenas de pessoas que foi baixando até às 30. Um famoso que estava lá era o actor David Niven. Contudo a reacção foi totalmente diferente quando os Can chegaram ao Reino Unido.
"Nas primeiras actuações na Alemanha, as pessoas ficavam totalmente atordoadas, não sabiam o que fazer e dizer porque estavam habituadas a grupos ingleses que actuavam na Alemanha, e que nós tentávamos imitar," relembra Schmidt. "Mas o facto de não o fazermos foi um grande sucesso em Inglaterra. Na primeira digressão por Inglaterra, em 1970, as pessoas ficavam loucas connosco, porque ouviam algo totalmente surpreendente e novo. A primeira vez que tocámos em Glasgow, as pessoas invadiram o palco e estavam completamente fora de si. Estavam tão entusiasmados que alguém me pegou ao colo e disse-me o quão gostava de nós, e abraçou-me tão fortemente que partiu uma costela. Eu não podia ficar zangado com aquilo, mas no resto da digressão a coisa foi um bocado dura, porque aleijava mesmo."

No fim, que foi em 1978, depois da gravação, mas antes do lançamento do seu décimo primeiro álbum de estúdio, Can, a intensidade que era requerida aos músicos de forma a criar a música Can não poderia ser mantida. Holger Czukay disse uma vez que eles pura e simplesmente deixaram de se ouvir uns aos outros e, de facto, Czukay estava fracamente envolvido com a música dos Can desde 1977. A banda transformou-se numa besta diferente por volta de meados dos anos 70, ainda improvisativa, mas menos urgente, imediata.
"O espírito e o processo de trabalho mudaram," diz Schmidt. "Era precisa uma tão grande concentração que, passados 10 anos, ela como que desapareceu. Jaki comparou o facto a uma fita cola que se vai desgastando e perdendo aderência com o tempo. A tensão partiu e a concentração colapsou e então tivemos de parar com aquilo. Mas ainda assim, o último disco que fizemos, quando nos juntámos nos anos 80 [Rite Time, gravado em 1986 com Malcolm Mooney como vocalista, e editado em 1989] funcionou muito bem."
A revelação que The Lost Tapes foram retiradas de 50 horas de gravações de material aproveitável, coloca-nos de imediato a questão óbvia: há mais preciosidades escondidas e que possam vir a ser reveladas no futuro?
"Não!" diz Schmidt num tom assertivo. "O que extraímos é o que considerámos que vale a pena ser editado. O resto foi-se. Será totalmente esquecido, será perdido, definitivamente." Mas depois ele menciona que há uma grande colecção de gravações ao vivo sobre as quais eles se poderão debruçar um dia para retirar material passível de edição, apesar de nada estar planeado ainda nesse sentido.
Parece improvável que aquelas 50 horas de fita serão verdadeiramente esquecidas e perdidas. Um dia serão desenterradas, da mesma forma que manuscritos perdidos de grandes compositores são descobertos de tempos a tempos. A importância histórica dos Can é demasiado grande para que as suas fitas/gravações sejam deitadas ao lixo. Académicos do século XXII não nos agradecerão se isso acontecer.

The Lost Tapes foram editadas agora na Mute.

CAN'S INNER SPACE




O primeiro estúdio dos Can foi um quarto no Castle Nörvenich (ver imagem), com apenas um par de máquinas de gravação em fita Revox de duas pistas. O espaço foi doado por um mecenas de arte, patrono de Irmin Schmidt, que utilizava o castelo para exposições. O seu estúdio seguinte foi num cinema abandonado, em Weilerswist, perto de Colónia. Chamado Inner Space, a partir de 1972 foi onde os Can gravaram qualse todo o seu material. Hoje em dia preservado no Gronau Rock And Pop Museum na Alemanha, as comodidades e a atmosfera do estúdio dos Can sobreviveram virtualmente inalteradas, diz-nos o porta-voz Inga Fransson.
. Como é que o museu decidiu e comprou o estúdio dos Can?
- Um empregado nosso ouviu dizer que o estúdio estava para venda. Isto passou-se em 2002. O projecto custou 270 000 €, que incluiu a compra e a reconstrução do estúdio em Gronau. Abriu aqui em Novembro de 2007, com uma cerimónia que foi presenciada por Irmin Schmidt e Holger Czukay e o seu velho técnico de estúdio René Tinner.
. Quanto tempo demorou a relocação do estúdio?
- Demorou quatro semanas a desmantelá-lo do velho cinema em Weilerswist, porque teve tudo de ser empacotado. Assim como o equipamento de estúdio, o qual incluía montes de sintetizadores vintage, havia uma cabina de venda de bilhetes de cinema Sarotti, vários discos de ouro. O velho sistema de PA dos Can, uma selecção de fotos Polaroid, uma esteira de cablagem, e alguma mobília de jardim, incluindo uma grelha barbecue. Foi tudo posto num armazém durante cinco anos, e depois demorou outras duas semanas a reconstruir tudo.
. Há visitantes que vêm expressamente para visitar/ver o estúdio?
- Os Can não eram certamente tão populares na Alemanha como o eram noutros países. Contudo, há fans mais duros da banda que visitam o museu especialmente para ver o estúdio.
. O museu tem outras peças da mesma época?
- Temos parte da cozinha do estúdio de Conny Plank e um vocoder seu.

O estúdio dos Can está a trabalhar e disponível para aluguer. Cantactar Andreas Grotenhoff através do email canstudio@rock-popmuseum.de
www.rockpopmuseum.de

Excelente revista de música electrónica, de que este é o número um, que comprei na FNAC Almada. Não sei se teve continuação e, se sim, se manteve a qualidade. Nunca mais vi à venda, embora também não se possa dizer que tenha vasculhado muito.
Fica uma lista dos (muitos) artigos/entrevistas mais relevantes deste número.

. John Foxx - "Under The Influence" - Entrevista - pg. 34/35
. Underworld - "Everything, Everything, Everything" - Entrevista + Artigo - pg. 36/45
. Mark Jones - "The Time Traveller" - Entrevista + Artigo - pg. 46/49
. Silver Apples - "Mr. Oscillator" - Artigo + Entrevista - pg. 50/55
. The Human League - "The Things That Dreams Are Made Of" - pg. 56/63
. Kraftwerk - "Deutsche Disco" - Entrevista (arquivo) - pg. 64/67
. Detroit - "Viva Motor City" - Artigo pg. 68/73
. Minimal Wave - "Say Goodbye, Wave Hello" - EntrevistaVeronica Vasicka -  pg. 74/77
. Radiophonic Workshop - pg. 78
. Gary Numan - pg. 84
. Twin Shadow - pg. 92
. Can - pg. 96

.. Herbert Eimert - pg. 19
.. Stephen Mallinder + Steve Cobby - pg. 26
.. The KLF - pg. 28












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