BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 436
09 de Março de 1992
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 100$00
40 páginas
Capa e algumas páginas interiores a 3 cores, outras a preto e branco.
Suplemento Manifesto (?Mensal?) de 4 páginas. Ver abaixo autoria do mesmo, na ficha técnica
Ficha Técnica (parcial)
Redacção, administração e serviços comerciais: Av. Infante D. Henrique, 334, 1802 Lisboa
Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
Rita Carmo (Fotografia)
Direcção Gráfica:
Cândida Teresa
Colaboradores:
Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
Bruno Branco
Bruno Maçães
Diniz Conefrey (ilustração)
Fátima Castro Silva (Porto)
Fernando Santos Marques
Gimba
Hélder Moura Pereira
Hélder Salsinha (fotografia)
Hugo Moutinho (Porto)
Isabel Lucena (Londres)
João Correia
João Bugalho
José António Moura
José Antunes
Lili Wilde (Londres)
Luís Mateus
Luís Pinheiro de Almeida
Maria Ana Soromenho
Maria Baptista
Maria João Gouveia
Mário Correia
Miguel Cunha
Miss Ex
Monsieur Sardin
Paulo da Costa Domingos
Paulo Somsen
Pedro Esteves
Pedro Portela
Rafael Gouveia (Paris)
Rui Eduardo Paes
Sérgio Noronha
Sofia Louro
Teresa Barrau
Vítor Vasques (fotografia)
Manifesto (suplemento):
Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
Tiragem média do mês anterior: 19 290 exemplares
Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
VÁRIOS
«GÁRGULA MECÂNICA»
Constituindo, à primeira vista, mais um esforço
alternativo de penetração no limitado mercado português, «Gárgula Mecânica» (e
várias colectâneas nacionais antes dela) sabe que a confiança comercial poderá
ser depositada apenas no estrangeiro. As dezassete bandas, de doze países,
atingirão em Portugal círculos restritos em nada representativos da
proliferação que a Techno dita alternativa tem sofrido.
Os cabeças de cartaz ClockDVA e Pankow (estes com a
enésima versão de «Touch», um excelente original de 88) empalidecem um pouco
perante certas comparações: os DRP (Japão), como um «Psychotherapy»
imaginativo, ritmicamente próximo dos Nitzer Ebb de outrora mas permitindo
curiosos breaks... experimentais?...; os Spartak (Suiça), com um «Racist /
Asshole» mais core do que techno; os Finitribe (Escócia), ainda recorrendo aos
cartoons da Warner num «101» sub-pop electrónico extremamente sofisticado; os
Croniamantal (Portugal) – sempre entre os melhores pedaços nas colectâneas em
que participam – injectando complexidade num «Erat» poderoso.
Nenhum outro propósito além da divulgação pura é
detectável no disco, implicando o apoio essencial em grupos grandemente
desconhecidos. O nível qualitativo daí resultante não é necessariamente baixo,
mas em «Gárgula Mecânica» são apenas pontuais os rasgos de génio, reflectindo
um panorama techno vasto, sim, mas um tanto incipiente. No entanto, a maioria
dos grupos presentes oferecem a garantia de alguma notoriedade no circuito
internacional, cabendo aos ouvintes confirmar ou desmentir esse facto.
A (sub)cultura cyberpunk tem aqui alguns representantes
capazes de subverter certas mentes. A segurança no risco nunca é garantida, o
que teoricamente deveria aumentar a excitação.
(CD, Simbiose 1993)
J.A.M.
NON
«IN THE
SHADOW OF THE SWORD»
Os anos passam mas a dureza de Boyd Rice (sob a sigla
NON) parece ser algo com que podemos contar para o infinito. Se os seus últimos
discos apresentam uma maior suavidade ao nível da agressividade sonora, com
especial destaque neste capítulo para Boyd Rice & Friends no álbum «Music,
Martinis & Misantrophy», ao nível dos textos, a mística da descrença total
e o rumo do contra-tudo-e-contra-todos (sociedade em geral) aparecem como
instituições ligadas à própria existência filosófica de Rice, cuja violência
das palavras supera tudo e todos.
«In The Shadow Of The Sword» divide-se à partida em duas
partes: os primeiros dois terços englobam um concerto gravado em Osaka, no Japão,
retirados de uma pequena digressão oriental realizada em conjunto com os Death
In June, corria o ano de 1989.
Estes temas contaram com a colaboração lógica em palco de
Douglas P. e Rose McDowall (D.I.J.) e também de Tony Wakeford (Sol Invictus),
que deram à toada electrónica e ao tom discursivo de Rice, complementado pelos
habituais samples, uma dimensão superiormente diferente ao nível das percussões
e da sua rítmica guerreira.
Curiosamente, nos restantes temas deste disco, cuja
segunda parte já foi gravada em estúdio nos EUA mais recentemente, a sonoridade
e estética musical pouco se afasta dos temas registados em palco, excluindo
obviamente aqui a ausência das percussões, o que torna este produto num todo
sonoro extremamente unificado. O som continua denso, aprentemente e
premeditadamente pouco trabalhado, tal como ao vivo, e a voz de Rice mantém-se
terrível e profética, por cima de um bloco concreto de electrónica eternamente
por lapidar.
«Eu tenho um sonho... E como se tornará esse sonho
realidade?». A resposta
arrepiante de Boyd Rice continua em «A World On Fire» deste «In The Shadow Of
The Sword». Em horror escrito e cantado, só talvez Michael Gira, dos
Swans, esteja à altura deste senhor!
(CD,
Mute, 1992 – dist. Edisom)x
LAIBACH
«KRST
POD TRIGLAVOM-BAPTISM»
VÁRIOS
«FUTURISM & DADA REVIEWED»
As reedições em CD têm destas maravilhas! Discos de vinil
nos quais a agulha já só quase conseguia ler ruídos e estalidos avulso, podem
agora ser disfrutados nas maravilhas do digital, cuja frieza de leitura é
perfeitamente perdoada perante uma limpeza sonora antes julgada impossível.
«Krst Pod Triglavom-Baptism» só não é o melhor disco de
sempre dos Laibach porque estes editaram alguns outros de quilate semelhante,
mas deveria estar no coração de todos nós, ou seja, na prateleira ao lado de
«Nova Akropola» ou de «MacBeth». «Krst Pod...» é um clásico da estética sonora
de índole militarista em cujo regime de prepotência estilística se conceberam
peças sonoras de beleza incomparável. Entre um fascínio sonoro de pompa
ditatorial e um classicismo de património mundial, os Laibach, sempre perdidos
nas suas referências de uma Jugoslávia ainda unificada pela força, recreiam-se
musicalmente com música que também serve de base aos delírios teatrais do
Theater Scipion Nasice» e ao nosso encanto pessoal. Uma obra de arte total!!
Outro clássico, mas de índole completamente diferente, é
«Futurism & Dada Reviewed», cujo carácter documental o torna à partida
consumível de uma outra forma. Esta compilação, em cujo próprio disco se
aconselha a que este seja arquivado na secção de discursos e documentos
históricos, traz-nos unicamente gravações históricas, recuperadas geralmente a
discos de 78 rpm, dos anos 20 e 30 deste nosso século.
Fascinados pelo estranho mundo novo das máquinas, pela
produção em série e pela dinâmica e rapidez e de uma nova forma de vida
citadina, os futuristas, comandados pelo visionário Marinetti, imaginaram para
nós um novo mundo (lembram-se do Metropolis de Fritz Lang) expresso em
manifestos e formas de arte diversas, onde tudo é novo, desde a arquitectura
até à música, e a tradição renegada e esquecida. E é tudo isso que este disco
simplesmente nos faz reviver e imaginar.
À própria «definizione di futurismo», discursada por
Marinetti, entre experiências musicais do mesmo, acrescentam-se outras dos
irmãos Russolo, que já trabalhavam o ruído das máquinas numa primeira
manifestação de música industrial, e ainda peças de Apollinaire, Cocteau ou
Marchel Duchamp, alternando entre o discurso falado e experiências sonoras da
época. É o Futurismo na essência dos outros «ismos», como o Cubismo, o Dadísmo,
o Surrealismo ou o Modernismo, ou seja, todas as manifestações de arte do
princípio do nosso século, desde o Cabaret Voltaire à Zang Tumb Tumb.
Dois discos imprescindíveis em qualquer discoteca
inteligente!
(CDs, Sub Rosa – imp. Ananana)
João Correia
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