3.5.17

Kraftwerk - Crítica de Discos - "Minimum Maximum"


DNm: 10 de Junho de 2005

A MÁQUINA AO VIVO





O Documento áudio da inesquecível digressão mundial dos Kraftwerk que nos visitou em 2004 chega em ‘Minimum Maximum’. Um verdadeiro ‘Best Of’ de 36 anos de carreira gravado ao vivo.
T: N.G.
Apesar de terem protagonizado algumas digressões históricas nos anos 70 e inícios de 80 (está de resto registada em disco a Autobahn Tour de 1974, mais concretamente nos álbuns não oficiais Concert Classics e Autobahn Live), os Kraftwerk não foram, durante uma série de anos, grandes “amigos” da estrada. Nos últimos tempos, porém, têm corrido o mundo, com a mais espantosa experiência audiovisual de alta tecnologia que os palcos pop/rock alguma vez assistiram. Uma experiência que agora, a meio de uma digressão que continua na estrada, se regista em álbum.
Há um ano, a dias da sua estreia em concerto em Portugal, numa inesquecível noite de música no Coliseu dos Recreios, Ralf Hutter explicou ao DN que só agora a tecnologia disponível lhes permite concretizar em palco uma velha visão de conceito multimédia que há muitos anos alimentavam como cenário de sonho para os seus espectáculos. “Temos o nosso próprio estúdio, o Kling Klang Studio, que é como que um instrumento para os Kraftwerk. E agora, no seu novo formato digital, é mais portátil, pode viajar...”, contou. “Pela primeira vez podemos tocar a nossa música em sincronismo com gráficos gerados por computador ou imagens de vídeo, pinturas electrónicas... Tudo o que a tecnologia hoje permite! Estamos muito felizes porque nesta digressão mundial, podemos apresentar, finalmente, as coisas que queremos segundo uma visão que há muito tínhamos. Essa visão é, agora, para nós, uma realidade”.
Tendo o grupo nascido nos dias de 70 com uma filosofia e imagem de clara oposição aos padrões tradicionais pelos quais se edificavam os mitos rock’n’roll, a sua postura em palco nunca visou quaisquer intenções de assimilar os hábitos performativos do rock. Pelo contrário, os quatro elementos do grupo sempre se mantiveram quase inertes por detrás dos seus teclados e consolas, deixando que o movimento necessário ao acompanhamento da música se fizesse através do desenho de luz e de projecções. A digressão mundial que o ano passado vimos em Lisboa e, depois, num serão acidentado no Sudoeste, e que agora registam em disco, recorre ao que designam por protótipo móvel Kraftwerk 2002, um conjunto complexo de computadores e outras máquinas que gerem em sincronismo a performance musical e o lançamento no espaço de imagens e gráficos gerados por computador. Hutter sublinhou aqui que, desta maneira, a tecnologia do século XXI deu assim a resposta a velhas Ânsias do grupo: “Deu-nos ferramentas para poder tornar reais certas visões nossas. E também mobilidade, movimento... Sempre nos interessámos bastante pelo movimento, daí a conhecida velha fascinação pelo ciclismo.” Hutter recordou ainda que a busca deste sentido de mobilidade das suas ferramentas electrónicas representou uma das demandas fundamentais desde os primeiros tempos de vida do grupo. “Eu e o meu amigo Florian Schneider criámos o nosso Kling Klang Studio em 1970 e dispendemos então muito tempo na sua construção para que assim conseguíssemos ser independentes e autónomos”, lembrou.
“Mas os nossos primeiros sintetizadores eram enormes e estavam constantemente a desafinar. Eram muito caros... O nosso primeiro sintetizador foi tão caro como o meu Volkswagen, que é o que está na capa de Autobahn. Sendo estudantes, tínhamos então os nossos problemas naturais... O Florian desenvolveu então o nosso primeiro instrumento electrónico de percussão, a partir de um outro órgão meu. Um amigo nosso, que era pintor, trabalhava connosco pintando as capas dos discos... Envolvíamo-nos em inúmeros projectos além da música, num contexto multimédia electrónico. E agora estamos a fazer a rodagem mundial do nosso protótipo móvel Kraftwerk 2002. Hoje podemos viajar e ser como pilotos de ensaio para software electrónico relacionado com a música. Continuamos, hoje, a trabalhar com o mesmo engenheiro musical que nos acompanha, desde o The Man Machine... É um processo de continuidade...”.
Quem viu os concertos, sabe que fala verdade.
Com precisão germânica, os concertos começam sempre à hora marcada (o que no caso da actuação no Sudoeste acabou por não dar tempo para a reparação de uma má comunicação entre os computadores que geram as imagens e os ecrãs). Uma voz robótica anuncia que o espectáculo vai começar. E logo as cortinas se abrem para, ao som de The Man Machine, revelar os quatro elementos do grupo estáticos frente aos seus teclados. E, por detrás, um gigantesco ecrã por onde evoluem imagens digitalmente criadas, filmes vintage, referências claras às capas dos discos, palavras cantadas... Extensão directa do conceito total que é a arte dos Kraftwerk, o concerto materializa mais uma ideia de instalação musical electrónica, uma vez mais reinventando os Kraftwerk como um espaço de afirmação de uma identidade oposta à iconografia tradicional da cultura rock’n’roll. O alinhamento, invariável, passa por momentos do recente Tour De France Soundtracks (como Vitamin, Aero Dynamic, Elektro Kardiogramm e diversas variações em torno do clássico Tour DE France), como proporciona um coerente mergulho por um passado mítico, através da recuperação de peças-chave da história da música como Autobahn, Radioactivity (versão mista entre a original, de 1975, e a remistura de 1991), Trans Europe Express (com adenda Metal On Metal), The Model, Neon Lights, Computer World (e o complemento Home Computer), Numbers, It´s More Fun To Compute, Pocket Calculator, Dentaku, Music Non Stop ou o mais recente Expo 2000, na versão Planet Of Visions. No primeiro dos encores abandonam o palco deixando-o entregue aos seus célebres robots, numa magistral celebração do tema The Robots (novamente em versão “actualizada”, segundo a norma aplicada no álbum The Mix, de 1991).

Com o esperado perfeccionismo áudio que caracteriza todas as gravações do grupo, Minimum Maximum traduz em disco o mais espantoso concerto que os palcos nos deram nos últimos anos. E consegue, talvez pela força do alinhamento best of, resistir à ausência da imagem (afinal, o concerto era, como se afirmou já, uma experiência audiovisual). A possibilidade de edição do DVD que documenta esta mesma digressão está na agenda imediata do grupo. Seguir-se-á a reedição remasterizada da obra editada entre 1974 e o presente. Hutter explicou que este trabalho de restauro lhes ocupou parte do tempo nos últimos anos: “estivemos a trabalhar na adaptação aos formatos digitais de toda a música dos Kraftwerk. Tínhamos fitas muito antigas que se estavam a degradar e havia muito trabalho para fazer. Estivemos a transformar 33 anos de trabalho de arquivo dos Kraftwerk em formato digital. Hoje todos os sons originais estão disponíveis e vamos brevemente lançar versões remasterizadas de todos os nossos álbuns desde Autobahn. Essa edição vai chamar-se The Catalog. E o grafismo dos discos vai incluir ideias que não pudemos usar no passado”, adiantou. Venham elas!





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