DIÁRIO DE NOTÍCIAS
21 DE SETEMBRO DE 2002
DOSSIER COLECCIONISMO
DISCOS E DISCOS AOS MONTES
Filmes como «Alta Fidelidade» de Stephen Frears e «Ghost
World» de Terry Zwygoff» mostraram recentemente, nas salas de cinema, histórias
em torno de coleccionadores de discos. Mas em Portugal eles também existem São
muitos. E todos certamente passarão, na próxima semana, pela Mega Feira do
Disco, na Gare do Oriente.
Nuno Galopim
Porque colecciona discos? Pelas mesmas razões pelas quais
se colecciona selos, moedas, modelos de automóveis, canecas, porta-chaves ou
vacas em barro? Talvez sim e talvez não. Como qualquer outra colecção, os
discos têm o seu mundo próprio, passível de ser visitado e admirado a diversos
níveis, em função das preocupações de quem os compra, reúne e ouve. Como em
todas as colecções, cada qual reúne as peças consoante os seus interesses e
objectivos. Por artistas, por épocas, por temas, até mesmo pelas capas.
O coleccionismo de discos existe em Portugal enquanto
prazer individual desde que há vinil. Mas nos últimos anos, com o aparecimento
de algumas lojas essencialmente dedicadas ao disco de colecção e a entrada em
cena de um calendário regular de feiras (sobretudo em Lisboa e em Cascais),
aumentou significativamente o número de coleccionadores e as mais incríveis
temáticas coleccionistas. «Há quem coleccione aquelas capas de raparigas
bonitas, em estados mais ou menos despidos. As capas dos anos 50 eram muito
sugestivas», explica ao DN Victor Nunes, da loja Discolecção, uma casa pequena,
mas muito confortável, forrada a madeira e álbuns e singles de Tim Buckley,
David Bowie ou Sérgio Godinho, na qual é raro entrarmos sem que lá esteja uma
ou mais outra cara habitual, fazendo dali uma espécie de ponto regular de
encontro. Coisa, de resto, frequente nas lojas de discos de colecção aqui ou
noutro lugar.
Victor começou a coleccionar discos aos 14 anos, e foi
acumulando-os, com a «avidez de ter coisas sempre diferentes para ouvir». O seu
primeiro disco foi Made In Japan dos Deep Purple, mas não esconde grande paixão
pela música de David Bowie, de Marc Bolan, Alex Harvey e, descoberto mais
tarde, o rock alemão. «No progressivo nunca entrei muito. Cheirava-me a
pretensioso. Depois entrei no jazz e ultimamente estou mais na música
contemporânea, embora reconheça que não percebo nada. Ainda estou a começar»,
completa... Victor Nunes, todavia, não se considera um verdadeiro
coleccionador, já que defende que um cloleccionador é aquele que procura apenas
os discos de 45 rotações: «Quem junta LPs faz apenas um amontoar de discos,
mesmo que tenha as discografias completas de várias bandas ou cantores». Para o
dono da Discolecção, a verdadeira colecção faz-se em vinil, apesar de aceitar
que o CD possa, também, ser coleccionável. «Há determinadas edições que podem
ser coleccionáveis. Edições pequenas, como a primeira do Bowie, por exemplo. E
à medida que vai avançando a tecnologia, alguns CDs tornam-se coleccionáveis»,
defende.
Opinião contrária tem Custódio Simão, o dono das lojas
Jukebox, para quem há dois tipos de coleccionador: «por um lado aquele que quer
todos os discos de um determinado artista ou, por outro, o que procura todos os
discos de uma determinada época, seja os anos 50 ou 60... Ou estilos»,
independentemente do formato, mas sem o CD por perto. «Nos singles há mais
acesso ao coleccionismo porque as capas, sendo mais e mais diferentes, permitem
isso mesmo». Custódio começou, muito novo, a comprar discos dos Herman’s
Hermits e dos Beatles. «Queria as edições originais. Comprei cada vez mais e
cheguei a um ponto em que não tinha mais capacidades financeiras. Comecei então
a negociá-los», recorda. Hoje tem na Jukebox lisboeta (perto de Santa Apolónia)
um espaço onde o vinil é rei, com uma área de consulta geral e uma, mais
restrita, forrada a peças tão incríveis como o primeiro álbum de Bowie,
clássicos de Gainsbourg, Durutti Column e outros. Mas é logo à entrada que se
constata que entramos numa loja especial. Se olharmos para a parede entre o 130
e o 132 da Rua do Jardim do Tabaco vemos, expostos, discos de discursos de
Salazar e Marcello Caetano, registos áudio do 25 de Abril, um álbum do Papa ou
raridades de Amália.
O COLECCIONADOR PORTUGUÊS
O rock português dos anos 60 é, segundo Victor Nunes, uma
colecção «muito interessante, toda feita de EPs» (isto é, discos de 45 rotações
com duas faixas de cada lado). Igualmente frequente é a colecção de prensagens
de discos dos anos 60 (sobretudo os EPs, com capas diferentes e com valor nos
circuitos internacionais). «A colecção portuguesa de EPs é uma das melhores do mundo»,
adverte Victor Nunes: «Houve capas portuguesas lindas, mas sem o verniz usado
nas capas francesas... As pessoas não tinham cuidado e aquelas cores foram-se
esbatendo muitas vezes. As editoras portuguesas, na altura, não apostavam muito
na qualidade», explica. E continua: «Os LPs eram caros e, em Portugal, nos anos
60, as pessoas compravam essencialmente EPs... Por isso faziam-se muitos EPs. E
as edições, como têm capas diferentes e, por vezes, alinhamentos também
diferentes, têm valor lá fora. Portugal teve EPs do Jimi Hendrix, coisa que não
houve em mais lado nenhum! Até os Jethro Tull... Têm quatro EPs em Portugal!».
Ao rock português de 60 e aos EPs pop/rock Custódio Simão
acrescenta ainda as frequentes colecções de Amália Rodrigues, de nomes ligados
«À música de intervenção» (como José Afonso, Sérgio Godinho, Luís Cília) e, do
panorama internacional, «em primeiro lugar os Rolling Stones, logo depois os
Beatles e os anos 60 e 70 em geral, quer nas prensagens portuguesas, como nas
edições originais». Nesse momento olha para a sua direita e, na parede da loja,
aponta o dedo a um raríssimo LP de estreia de David Bowie, na edição original
da Deram Records (1967). «Muitos dos coleccionadores têm entre 30 e 45 anos. Os
mais novos procuram, sobretudo, heavy metal», completa o dono da Jukebox, que
continua: «actualmente colecciona-se também bastantes discos da Eurovisão. Era
uma coisa que antes se via, principalmente, nos países nórdicos. E agora chegou
cá. Não atinge é valores muito elevados».
Francisco Dias, da Neon Records, tem 27 anos e
colecciona, sobretudo, vinil de punk rock e hard rock dos anos 70. «Cresci com
o vinil, a vasculhar nas lojas todas», recorda, explicando a sua opção. De
resto, antes de ter loja, nos dias em que trabalhava apenas por mail order, só
lidava com vinil. Na sua loja, com características diferentes, tem um público
essencialmente entre os 18 e 30 anos, e com uma opção clara pelas áreas do
rock’n’roll às quais se dedica a Neon Records. O espaço é pequeno, mas os
posters e capas que decoram a loja, no andar superior do Centro Comercial
Portugália, criam o ambiente que define as opções estéticas. Aqui não se serve
apenas o coleccionador, mas o consumidor de rock em geral, especialmente o que
opta pelo vinil.
Ao procurar algumas características do coleccionador
lusitano verificamos que, contra hábitos de outros países, o português não
gosta de company sleeves (isto é, discos de 45 rotações sem capa, apenas
guardados em saquetas de papelão com o selo da editora). «Só mesmo os mais fanáticos
coleccionadores dos Who, dos Beatles ou Stones procuram esses discos entre nós.
Algumas dessas edições, sobretudo as bandas psicadélicas dos anos 60 têm enorme
valor», sublinha Victor Nunes.
Apesar de valiosos e coleccionáveis, sobretudo as edições
de Amália Rodrigues, de Elvis Presley e outros nomes do rock’n’roll, os discos
de 78 rpm são raramente encontrados no circuito do coleccionismo de discos. Os
antiquários asseguram geralmente este segmento «pré-histórico», mas muito
cativante, de algumas colecções.
OS LOCAIS DO CRIME
A Discolecção surgiu, nos anos 90, meio escondida nas
galerias do Hotel Amazónia. «Era uma loja do Dr. Gamito, um homem que foi
pioneiro neste negócio. Quando toda a gente já não acreditava no vinil, ele
abriu a loja, à qual aderiram logo os fanáticos do vinil», recorda Victor
Nunes, que ficou depois com a loja, que depois se mudou para o Centro Comercial
Paladium e, desde há poucas semanas, mora agora nas Escadinhas do Duque. «Isto
não é um grande negócio, mas é um prazer e vai funcionando. Dá para pagar as
contas», explica. Por seu lado, Francisco Dias, da Neon Records, explica que «a
loja vai aguentando», e apresenta um mail order organizado na Internet, bem
como a expansão da sua actividade a uma distribuidora.
Custódio Simão, da Jukebox (Lisboa e Pinhal Novo),
acrescenta que há «um pequeno mercado. Comparativamente ao resto da Europa
somos fracos, mas há 20 anos não havia aqui mesmo nada. Hoje já há um suporte
mínimo para se poder fazer uma colecção. Há um embrião...». O recente
aparecimento das lojas e a regularidade das feiras tem sido motor para o aparecimento
de muitos novos coleccionadores: «Nunca pensei que atingíssemos o estado em que
estamos actualmente», confessa.
As lojas de discos de colecção, apesar da frequente visita
de forasteiros de ocasião, acabam inevitavelmente, como em pequenos bares, por
criar uma espécie de família de clientes habituais. «Há pessoas que são
residentes da loja, e com elas discuto as músicas, os músicos, a subjectividade
que existe nisso... Às vezes fala-se também de política», diz Victor Nunes. «Há
quem aqui venha por vezes só para ver e ouvir discos e conversar um bocado. Os
clientes tornam-se amigos ao fim de um certo tempo, e depois há pequenas
histórias a contar», acrescenta Custódio Simão. Todavia, fique claro que não
são só os coleccionadores quem visita as lojas de vinil antigo. Muitos músicos,
em busca de sons para samplar, procuram também raridades ou bizarrias entre
peças esquecidas.
Muitos destes clientes «habituais» chegam a procurar,
anos a fio, um disco que têm como peça a conseguir por tudo... «Ainda há dias
um cliente conseguiu aqui um disco que há muito procurava, e ficou tão contente
que andou a passear o disco por Lisboa», revela Victor Nunes. Destas e outras
histórias vivem as tardes nas lojas de discos de colecção. Fala-se da vez em
que apareceu este disco, ou aquele... «Do primeiro disco de Fausto tive apenas
duas cópias em 20 anos... É muito raro... Dos Pop Five tive umas sete cópias»,
recorda Custódio Simão.
Sem fornecedores nem uma grande rede de fábricas, apesar
de haver ainda algumas editoras especializadas a produzir discos em vinil (quer
novas edições, quer, sobretudo, reedições de clássicos com grande qualidade
técnica), as lojas de discos de colecção têm o seu modo muito próprio de
procurar matéria-prima. E, muitas vezes, é de particulares que chegam reforços
para os escaparates das lojas de discos de colecção. Todas elas vendem, compram
e trocam discos. «Há discos que não têm interesse, sobretudo os de artistas que
não continuaram e as pessoas não se lembram deles. Esses não têm valor»,
reforça Victor. «Além dos particulares, há profissionais que procuram discos
entre particulares e depois os vêm vender», revela Custódio Simão.
A Feira
3ª Mega Feira Internacional do Disco (IWT)
27 a 29 de Setembro, Lisboa
De 27 a 29 deste mês decorre, na Gare do Oriente (Parque
das Nações, Lisboa) a terceira Mega Feira do Disco. Será a maior de sempre das
feiras de disco de colecção em Lisboa, contudo com uma embaixada internacional
de peso. Entre os expositores internacionais estão já confirmadas as presenças
da Beewax Records (japoneses especializados em prensagens japonesas dos anos
60), Record Palace (holandeses especializados em prensagens raras dos anos 60),
Let It Rock (franceses, especializados em Bowie e Rolling Stones), JBL Mail
Order (franceses, especializados em 45 rpm caros e CD singles), Big Beat
Records (franceses, especializados em anos 50 e 60), Malaga Records (espanhóis,
especializados em álbuns dos anos 70), Sitar Discos (espanhóis, com raridades
generalistas), Scratch Records (alemães, especializados em anos 70 e 80),
Timeless Records (alemães, especializados em rock progressivo), Storm Bringer
Records (alemães, especializados em Deep Purple) e Straub Records (franceses,
generalistas). O facto de haver especialidade nestes vendedores não exclui que
alguns não apresentem material diferente, em outros formatos e de outras
épocas. Haverá representação das duas lojas de coleccionismo portuguesas
(Jukebox e Discolecção), de editoras (como a Música Alternativa, MVM e
Sabotage), e inúmeros particulares nacionais. Esperam-se perto de 50 feirantes
neste certame.
AS LOJAS
DISCOLECÇÃO
Lisboa: Escadinas do Duque, 17-A Tel: 21.3471486
Recentemente instalada neste novo espaço, é uma loja
pequena, mas de ambiente convidativo e música em constante rotação. Com um
stock apenas em vinil, a Discolecção apresenta uma oferta diversificada de
títulos, sobretudo no formato de álbum (apesar de ter também singles e EPs).
Pop/rock de 50 a 90, indie, portugueses, bandas sonoras, jazz e clássica...
Preços variados, mas sem sustos, salvo em raridades maiores, que frequentemente
aparecem. Compra e vende.
JUKEBOX
Lisboa: Rua do Jardim do Tabaco, 130-132 Tel: 21.8869072
Pinhal Novo: Rua Ferreira de Castro, Lt 180 R/C Dto. Tel:
21.2385289
Com o mote «from Presley to punk», as lojas Jukebox
apresentam a mais vasta selecção de discos de colecção entre nós. Apesar de
vender CDs, a loja é claramente apontada ao disco de colecção, com aposta nas
áreas de música portuguesa, pop/rock de 50 a 90, indie, heavy metal e punk. Boa
selecção de 45 rpm, sobretudo portugueses. Compra e vende.
NEON RECORDS
Lisboa: Av. Almirante Reis, 113, Centro Comercial
Portugália, Loja 325 Tel: 96.2363982 Email: neonrecords@hotmail.com
Loja especializada em vinil e CD de rock & roll,
surf, psychobilly, garage, punk, hardcore, metalcore... Apresenta ainda uma
selecção de vinil usado em diversas áreas pop/rock de 60 a 80, boas propostas
na área do gótico, speed, thrash, death metal, industrial e diversas outras
expressões alternativas. Aos quatro anos de vida, esta aposta de Francisco Dias
tem o seu público e respira boa saúde. Recentemente abriu uma distribuidora, a
Sleazy Records. Compra, vende e troca.
OUTRAS
Além destas lojas especializadas em vinil, podem procurar
ainda discos nas lojas Carbono (Lisboa, Almada, Amadora), King Size (Lisboa) ou
Jo Jo’s (Porto).
BOLSA DE VALORES
1964. JOSÉ AFONSO «Baladas e Canções» (Ofir): Álbum de
estreia, reeditado em CD pela EMI-VC, mas com capa diferente. A capa original é
um dos trunfos desta edição, que pode valer entre 20 a 35 euros.
1969. FAUSTO «Fausto» (Philips)
Extremamente raro, sem reedição em CD, o álbum de estreia
de Fausto, gravado por este às escondidas dos pais, pode valer entre os 75 e
100 euros.
1968.
POP FIVE MUSIC INCORPORATED «A Peça» (Orfeu). Uma epopeia feita de
versões é um disco relativamente raro, ainda sem reedição em CD. Pode valer
entre 60 e 75 euros.
1969. FILARMÓNICA FRAUDE «Epopeia» (Philips ou Fontana).
Há duas edições deste magnífico álbum. A original é extremamente rara. A
segunda poderá valer de 60 a 100 euros.
1970. QUARTETO 1111 «Quarteto 1111» (Valentim de
Carvalho). É um dos mais interessantes discos do rock português. Foi reeditado
em CD, mas o vinil pode valer de 80 a 100 euros.
1971. AMÁLIA RODRIGUES «Cantigas de Amigos» (Valentim de
Carvalho)
Disco centrado na poesia medieval portuguesa, com Ary dos
Santos e Natália Correia. Sem reedição em CD, pode valer entre 30 e 50 euros.
1973. PETRUS CASTRUS «Mestre» (Guilda da Música). Um dos
mais raros álbuns portugueses, com procura internacional, e sem reedição em CD.
Pode valer mais de 150 euros.
1978. TANTRA «Holocausto» (Valentim de Carvalho). O
segundo álbum dos Tantra foi recentemente reeditado em CD. O vinil, é difícil
de encontrar, e pode valer entre 30 e 35 euros.
1979. JOSÉ CID «10.000 Anos Depois Entre Vénus e Marte»
(Movieplay)
Reeditado em CD em 94 tem grande procura no circuito do
rock progressivo. Pode valer de 75 a 100 euros.
1979. CORPO DIPLOMÁTICO «Música Moderna» (Nova). A
pré-história dos Heróis do Mar, ainda sem reedição em CD. Sem o single
promocional pode valer entre os 20 e 50 euros.
COLECÇÃO DE SONS
Cada coleccionador tem a sua mania. Luís Pinheiro de
Almeida quer ter todos os discos dos Beatles, Heitor de Vasconcelos só compra
vinil e João Afonso pede autógrafos aos seus músicos preferidos.
Maria João Caetano
Têm as casas repletas de discos e, mesmo assim, continuam
a comprar mais porque, explicam, uma colecção nunca está completa. Três
coleccionadores muito diferentes mostram-nos as suas raridades.
LUÍS PINHEIRO DE ALMEIDA
Luís Pinheiro de Almeida tinha 11 anos quando o pai lhe
ofereceu o seu primeiro disco: a italiana Nilla Pizzi a cantar um dos temas do
Festival de San Remo. «Os discos eram caríssimos», recorda. «Só ganhava um no
dia dos anos ou no Natal». Para combater esta falta, Luís e os amigos do Liceu
de Coimbra tinham uma espécie de clube: «como só um é que tinha dinheiro, ele
comprava os discos e nós reuníamo-nos todos para os ouvir debaixo de uma
oliveira com o gira-discos portátil». Depois, o precioso disco ia rodando entre
o grupo e foi assim que descobriram Petula Clark e os Shadows, Cliff Richards e
todos os outros êxitos da sua época. Em Novembro de 1963, foi-lhes revelado um
segredo. Foi lançado o EP português dos Beatles, Do You Want To Know A Secret,
que trazia outro tema fantástico – She Loves You – e ainda I’ll Get You e Twist
and Shout. «Foi um marco», reconhece Luís. Um amor para a vida.
Licenciado em Direito, jornalista na área da justiça e da
política, sempre com uma perninha na música (foi colaborador do Blitz, fez
rádio), na juventude Luís coleccionou um pouco de tudo – papéis de rebuçados,
botões, caricas, pratas de chocolates – mas a única colecção que ainda hoje,
aos 55 anos, continua a alimentar, é a de discos. «Mas não sou um profissional,
não tenho muito espírito de coleccionador», desculpa-se. Apesar disso, neste
momento tem 30 mil discos (mais ou menos metade em vinil e metade em CD), todos
numerados e registados na base de dados pessoal – demorou dois anos a inserir
todos os dados no computador! É que Luís é um coleccionador com método. Com o
apartamento literalmente forrado de música, sabe sempre onde está cada uma das
suas preciosidades. Todos os álbuns de vinil estão guardados em capinhas de
plástico transparente, todos os discos mantêm a etiqueta do preço e, às vezes,
outro tipo de informações (data de compra, quem ofereceu, onde foi comprado,
etc.). Com a mesma paciência com que, em jovem, se entretinha a passar a
escrito, palavra por palavra, todas as emissões do «Em Órbita» (programa do
Rádio Clube Português), Luís Pinheiro de Almeida tem pastas recheadas de
recordações musicais, onde os Beatles têm o papel principal: recortes de
jornais e revistas; bilhetes de concertos; fotografias tiradas no Strawberry
Fields de Nova Iorque ou no Cavern de Liverpool; porta-chaves, canecas,
canetas, livros, álbuns e o que mais houver para coleccionar. «Dos Beatles
tenho que ter tudo», explica. Todos os álbuns e singles, editados em todos os
países, as diferentes versões das músicas (das mais banais às mais estranhas),
os especiais, as colectâneas, as homenagens, as aventuras a solo de cada um
deles. Procura as raridades e, apesar de não saber exactamente o valor dos seus
discos, sabe que um dos mais preciosos será certamente a primeira edição do
Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band – uma autêntica raridade, com capas
interiores ilustradas.
Além dos Beatles e dos «afilhados» destes, os Oasis, Luís
Pinheiro de Almeida ouve e compra um pouco de tudo (tem quase tudo de Neil
Young ou dos U2); embora com o «coração partido», está a comprar em CD os
discos que antes tinha em vinil; insiste em comprar os discos da sua juventude
e ainda tem mais duas «pancadas»: discos de Natal e discos de futebol (hinos de
clubes, temas interpretados por futebolistas). «Não consigo explicar mas não
consigo resistir», diz. Muitas das coisas encontra-as na Internet, método que
considera rápido e barato. «Além disso, muitas vezes até posso ouvir o disco
antes de o comprar», explica.
O seu maior orgulho? Um disco que parece de papel. Os
Beatles a cantar Everywhere It’s Christmas numa edição especial para o clube de
fãs. «Não deve ser o mais valioso mas é muito raro, o Paul McCartney ficou
maluco quando o viu, queria comprá-lo». Impossível, claro. «Nunca vendi um
disco na minha vida, raramente empresto e só às vezes troco.»
HEITOR DE VASCONCELOS
Heitor de Vasconcelos não se lembra qual foi o primeiro
disco que comprou: terá sido dos Beatles ou dos Yes? Mas sabe que até 1984
nunca tinha comprado um 45 rotações. Não simpatizava com o formato. Um dia,
regressou a S. Pedro do Sul, a sua terra, visitou o café onde passou parte da
juventude e encontrou a juke-box onde costumava gastar várias moedas de dez
tostões para ouvir sempre o mesmo disco: Ai Hana, de Paul Anka. Os discos com
que tinha dançado e namorado estavam para ali, ao abandono, e Heitor não lhes
resistiu e quis trazê-los para sua casa. «Todas as colecções começam assim, por
motivos afectivos», explica. «Queria regressar à meninice, talvez não quisesse
envelhecer». Nessa altura, Heitor ainda não era um coleccionador. Foi buscar os
discos antigos do pai, comprava o que lhe aparecia. «De repente dei por mim muito
disperso. E, depois, olho para o mercado internacional e tento perceber como é
que eu posso concorrer com os outros coleccionadores, onde é que eu poderia
marcar a diferença? Compreendi, então, que era nos discos portugueses ou
editados em Portugal.»
Estava definido o principal critério. Outro se lhe
seguiu: agora, Heitor de Vasconcelos já prefere os 45 rotações ao grande
formato: «O EP tem um charme que os LPs não têm. Por um lado, condensa os
êxitos, são apenas quatro músicas. Por outro, é o formato habitual da
fotografia e cria-se uma estética destas capas, há coisas fantásticas.» Heitor
tem mais de oito mil desses pequenos discos, em 45 rotações (75 por cento dos
quais com prensagem portuguesa) e cerca de quatro mil em formato LP. Os discos,
guardados em álbuns próprios, arrumados em estantes ou empilhados pelo chão,
recheiam a sua pequena «sala de música», onde não tem nenhum leitor de CDs
(porque não precisa) mas continua a ter todo o prazer com o acto de colocar um
disco no prato e, com uma precisão cirúrgica, fazer mover a agulha até à faixa
pretendida.
Nesta fantástica colecção, Amália é a rainha com mais de
500 discos. «Eu nem sequer gosto muito de fado mas a Amália é uma coisa
diferente, não é só o fado, é tudo. Era a maneira como cantava e era o facto de
ser muito fotogénica e ter umas capas geniais. É uma colecção especial.» No
gira-discos de Heitor de Vasconcelos, Amália Rodrigues canta em vários formatos
(até no raro 78 rotações) e em edições do Japão, da Turquia, do México, do
Brasil, dos Estados Unidos, da França, do mundo inteiro. Mas há mais. Heitor de
Vasconcelos orgulha-se de ter praticamente todos os discos do pop-rock
português e ainda todos os discos estrangeiros prensados em Portugal. Em 45
rotações, claro.
«Pode-se ter muitos discos e não se ter uma colecção»,
explica. «Uma colecção tem de ter uma coerência.» Ao contrário de Luís, Heitor
não tem qualquer ligação profissional com a música. Foi oficial da força aérea
durante 12 anos e depois trabalhou na Junta de Turismo da Costa do Estoril.
Hoje, com 60 anos, está reformado. Tem tempo para procurar todas as raridades,
ir semanalmente à feira da ladra, visitar as feiras internacionais (a de
Barcelona é a melhor, afiança). Só assim conseguiu reunir os seus maiores
orgulhos, desde uma secção assumidamente kitsch (até lá está Luís Piçarra a
cantar Ser Benfiquista) até à colecção dos temas portugueses na Eurovisão, nas
suas diversas edições. Raridades: quatro discos dos Queen prensados em
Portugal, um David Bowie editado pela Philips Portuguesa, um EP português dos
Kinks, apenas para dar alguns exemplos.
Existe uma espécie de bolsa de valores dos discos e
Heitor está sempre a par. O disco mais caro que já comprou foi a edição
francesa de Light My Fire, dos Doors. «O disco vale pelo conjunto – o bom
estado do vinil e da capa – mas se tiver de fazer uma opção, opto pela capa.»
JOÃO AFONSO
Profissionalmente, João Afonso sempre esteve ligado à
música. Colaborou no Rádio Clube Português no Porto; fez, no vespertino Diário
do Norte, um dos primeiros suplementos de cultura popular (música, teatro,
cinema e poesia) da imprensa portuguesa, chamado O Elefante e, em 1970, foi um
dos quatro fundadores do jornal especializado em música A Memória do Elefante.
O actual responsável pelo departamento de marketing estratégico da Sony Music
nasceu há 57 anos na Régua e, aos cinco anos, mudou-se para o Porto. Foi aí
que, durante a adolescência, se iniciou no mundo fantástico dos bailes
organizados nas garagens dos pais e das bandas mais do que amadoras. O primeiro
disco que comprou, com 17 anos, só podia ser dos Kinks, a banda do momento: foi
o single Tired Of Waiting For You, em 45 rotações, e custou-lhe uns 15 ou 20
escudos, um absurdo na altura. Ainda para mais porque João nem sequer tinha
gira-discos, ouvia-o na casa dos amigos. «Era moda comprar os discos que eram
primeiro lugar em Inglaterra», recorda.
A colecção de discos que hoje tem – cerca de 15 mil em
vinil e 20 mil em CD – foi construída à medida do seu gosto e das descobertas
musicais que foi fazendo. Não admira, por isso, que tenha muita música francesa
e brasileira, blues, pop-rock, jazz, música celta. «Sou muito eclético»,
confessa. «Mas quando gosto de um artista tenho que ter tudo dele.» É a isto
que se chama mania de coleccionador. Veja-se o caso de Amália Rodrigues, a dona
Amália, como lhe chama. A sua colecção pode não ser tão completa quanto a de
Heitor, mas João orgulha-se de ter todos os discos que Amália editou em
Portugal e ainda por cima assinados pela própria.
É qua a grande particularidade da colecção de João Afonso
não é a quantidade nem sequer o facto de ter algumas discografias completas ou
raridades. O seu maior orgulho são as assinaturas, os autógrafos das estrelas,
os rabiscos quase indecifráveis nas capas dos discos. A primeira vez que se
atreveu a pedir um autógrafo foi quando os Procol Harum vieram tocar a Cascais.
«Não tenho vergonha nenhuma, assumo-me como um fã, espero um momento em que se
proporcione e peço», explica. Grand Hotel foi o primeiro dos cerca de 2 mil
discos que João Afonso já tem assinados. A lista de troféus inclui três discos
assinados por Frank Sinatra, outros tanto por Miles Davis, mais de 30 por
Sakamoto, quase todos os de Bruce Springsteen. E ainda Frank Zappa, Roberto
Carlos, Ney Matogrosso, Milton Nascimento, Djavan, Genesis, Leo Ferré, Peter
Gabriel, Noel Gallagher, Chuck Berry, Donovan, Chieftains, Luciano Pavarotti,
Leonard Cohen, Yo Yo Mama, Rolling Stones, Eric Clapton... é impossível
enumerá-los todos. Mesmo assim, João Afonso faz questão de dizer que não anda a
pedir autógrafos só por pedir: «Tenho que gostar do artista, primeiro da música
e também da pessoa, se não não peço.»
Claro que o facto de trabalhar numa grande editora lhe
facilita muito a colecção. João Afonso não tem que esperar nas filas, como os
outros fãs. Conhece as estrelas nos bastidores, convive com elas,
conquista-lhes a confiança e só depois lhes apresenta os discos para assinar.
Foi assim que conseguiu os autógrafos de Lou Reed, Bob Dylan ou Miles Davis –
de quem todos dizem que é quase impossível obter uma assinatura, quanto mais um
simpático «para o João».
Mais do que um coleccionador, diz que é um «apreciador de
música». É por gostar de tudo o que lhe está relacionado que tem também uma
colecção de rádios antigos (cem, todos a funcionar), três grafonolas e ainda
uma juke-box dos anos 50. O que é capaz de fazer por um disco? Muito pouco. Não
se dá ao trabalho de frequentar feiras de coleccionismo e nem sequer gosta de
encomendar discos na Internet, mas frequenta as principais discotecas,
aproveita as viagens para procurar as coisas mais raras, faz encomendas aos
amigos - «quase tudo se encontra no Japão, embora caríssimo» - e gasta imenso
dinheiro, confessa. Tal como Luís Pinheiro de Almeida e Heitor de Vasconcelos,
João Afonso traz sempre na carteira uma lista de compras. «Andamos sempre à
procura de qualquer coisas.» E de vez em quando encontra umas raridades. A
maior de todas será o duplo vinil que os Genesis gravaram ao vivo em 1987 em
Leicester e Manchester e que nunca chegou a ser editado. O «disco de fábrica»
foi-lhe oferecido pelo dono da Charisma e tem ainda mais uma especificidade:
uma versão do Supper’s Ready com 26 minutos, absolutamente única. «Só há quatro
exemplares em todo o mundo e um é meu», orgulha-se João Afonso. «Nem o Peter
Gabriel tem um.»
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