autor: Ana Cristina Ferrão (Organização, Tradução, Textos e Notas); Prefácio: António Sérgio
título: Nirvana - Kurt Cobain
editora: Assírio e Alvim (colecção Rei Lagarto - 25)
nº de páginas: 141
isbn: 972-37-0171-5
data: 1995
sinopse:
O Dono Da Dor
Kurt Cobain (que bem se pode conhecer como K.C. para os
amigos) e os seus dois companheiros Krist Novoselic (guitarrista baixo) e Dave
Grohl (baterista) tornaram-se durante algum tempo os portadores na Terra do
testemunho da grande Dor.
Dor tão profunda, quão citada do pensamento de Iggy Pop,
«... as suas feridas são tão profundas que chegadas à superfície, após
filtradas pela alma, se tornam incorpóreas e assim se insinuam nas pessoas.»
Nirvana, assim se chamava o fenómeno saído duma Seattle
claustrofóbica e desamada. Se bem que com os outros dois protagonistas, a
estrela passava a ser Kurt Cobain, o vocalista, letrista, guitarrista e
compositor de quase toda a música que Krist e Dave engrandeciam.
Porque é que se continua a falar em Nirvana?
O que é que vale um simples nome duma banda rock no
imaginário de milhões de pessoas mundo fora?
Tudo ou quase tudo!
De tempo a tempo há um artista, seja de que área cultural
ou estética que consegue abrir as cerradas fileiras uniformizadas do rock com
rajadas de melodia e loucura, de paz e conflito, de encanto e desencanto,
silêncio e ruído. Um abrir de alas na turba silenciosa.
«Nirvana era um abanar de estruturas, primeiro com certa
timidez e muito no seio do metal, depois descaradamente nos territórios
comercialões do rock e porque não da pop?
Era um conto de fadas que teria um final de film noir.
Como verão num capítulo deste volume, muita gente da
música e do espectáculo em geral expressou a sua admiração pela proposta sonora
de Cobain, Novoselic e Grohl; era afinal o regresso glorioso do formato
power-trio, actualizado, com novas forças, afinal o formato que tantas saudades
deixara nas linguagens comuns do rock e dos blues.
E depois, que mente atormentada e retorcida a daquele
menino Cobain, repleto de feridas fundas e interiores.
Em 1990 a Sub-Pop editava um pequeno single que marcava a
estreia do fenómeno, incluindo os temas «Sliver» e «Dive», objecto que logo
começou a ser ciosamente guardado por fãs dos primeiros tempos, dj’s de college
radios e outros coleccionadores. Pressentia-se que ali havia algo de especial
que transcendia o conceito roto de «mais uma banda de rock».
O que era preciso para se conseguir marcar uma década
como simples músico? Claro que muita coisa! Capacidade de inovação, força para
ser influência, imaginação, integridade. Especialmente ter algo para dizer ou
então gritar às pessoas.
O single Sliver tinha tudo isso com o seu refrão teimoso
e atormentado «Avó leva-me para minha casa» ou o terrivelmente profético «Dive»
com a repetição insistente de «Dive in me, dive in me».
Para os mais ascetas, o Nirvana de «Bleach» seria sempre
uma banda underground que granjeava as simpatias de todos os incompatibilizados
com o Mundo; sucedeu que o número de gente, naquele estado, era bem mais do que
se previa e, principalmente, o talento do nosso Kurt levava-o inevitavelmente a
querer «beijar o Céu», tal qual décadas antes o fizera James Marshall Hendrix.
Os Nirvana conseguiram, como por magia, traduzir
afinidades marginais em música, em mensagens massivas. Para Kurt tudo era pop,
mesmo que alguém lhe chamasse indie punk ou retro classic rock; para ele as
canções que compunha eram um bálsamo pop, um prazer privado no encontro com uma
linguagem nova, uma libertação via arte, de alguns fantasmas que o perseguiam.
A ilusão do estrelato pacífico chegou com Nevermind e os
hinos da juventude «Smells Like Teen Spirit», «Come As You Are» ou «Lithium».
Foi nessa altura que Cobain confessou a um jornalista:
«Quem me dera ter tirado um curso de como ser rock star, talvez isso me
poupasse uma boa parte dos horrores porque tenho passado.»
Na realidade, no seu caso, a vida não foi fácil. Os
papparazzi passaram a persegui-lo e à mulher (Courtney Love do grupo Hole) como
se fossem membros de uma família real. Quando o casal teve a primeira filha
(Frances Bean) uma reportagem da revista Vanity sobre o envolvimento de
Courtney com a heroína, levou a que o Ministério Público lhes retirasse a
custódia da criança durante meses.
O Mundo que sempre fora violento para Kurt Cobain,
tornava-se intratável.
Felizmente, algumas das feridas seriam saradas com a
composição e gravação de In Utero com Steve Albini na produção, o homem que
Courtney Love rotularia de «grande sacana», mas que deu a Cobain e aos Nirvana
a grande chance de soarem como realmente queriam e de fazer de In Utero um
disco repleto de negativas ao fácil e ao previsível.
Na companhia de discos Geffen, as demos de In Utero
tinham posto os executivos em pânico, mas a onda Nirvana tornara-se
avassaladora e, até um tema com a violência explícita de «Rape Me» se
conseguiria tornar num hit-single. Por escassos momentos, Kurt curava-se In
Utero, tal qual o fazia constantemente na catarse dos shows ao vivo.
Mas, por pouco tempo.
António Sérgio.
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