27.12.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (10) - Mondo Bizarre - Nº 13 - Novembro de 2002


Mondo Bizarre
Nº13
Novembro de 2002 (96 páginas)
Revista Trimestral - Portugal

Prosseguindo com a divulgação da Mondo Bizarre...

A apresentação deste fanzine / magazine / revista já foi feito neste post.

Desta vez ficamos com uma entrevista a Alan Vega dos Suicide; e outra entrevista a elementos dos Projectos This.co e Sonda.

Suicide
Regenerados de Nova Iorque
Os tempos mudam e as pessoas transformam-se. É esta a verdade banal que enforma a actual postura do duo Suicide. Os tempos em que aterrorizavam a audiência com as suas actuações, recebendo em troca o medo ou a violência, acabou. Hoje é uma maturidade distanciada que dita a sua abordagem musical. Reunindo elementos de diferentes géneros da música electrónica em busca de uma ideia de contemporaneidade que sendo polémica não deixa de ser corajosa e desafiadora. Como o comprova “American Supreme”, o último disco do grupo, e a conversa que a Mondo Bizarre teve com Alan Vega.

. Diz-se que, nos últimos seis anos, Nova Iorque tem vindo a tornar-se numa cidade mais pacata. Como se encontra agora, principalmente depois dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001?
. Não sei se tornou mais pacata, até porque continua muito barulhenta (risos). Vivo na área dos atentados, no Ground Zero, e essa zona de facto está mais calma. Há menos pessoas, pois muita gente perdeu o emprego e houve uma desertificação.
. É uma cidade muito diferente daquela que existiu nos anos 70?
- Curiosamente em alguns aspectos tem semelhanças com os anos 70. Nessa época, Nova Iorque era uma cidade muito dura e nas décadas seguintes, na minha opinião, não mudou muito. Agora, em plena recessão económica, parece que estamos a regressar à década de 70, o que me agrada particularmente, porque sempre gostei desses tempos.
. Como artista e músico, nos Suicide, a sua obra ajudou a mudar a vida das pessoas. Thurston Moore, por exemplo, confessou ter ficado particularmente assombrado com uma das suas actuações. Enquanto membro da audiência, que músicos ou artistas mudaram a sua vida?
- Houve tantos! Por exemplo o Iggy Pop e os Stooges tiveram em mim um impacto tremendo. Mas também posso citar o Jimi Hendrix, o Jack Kerouac, o Jackson Pollock, o John Coltrane, os Velvet Underground ou o Andy Warhol. A lista é imensa e inclui artistas, poetas, músicos, escritores...
. Iniciou a sua carreira como artista plástico, mas depois escolheu o trilho da música. Porquê?
- Se calhar desejava efectivamente ser músico mas continuo a trabalhar como artista plástico e a expor. Mantenho, pois, duas carreiras. A música sempre me agradou, mas em parte tudo se deveu ao facto de um dia ter assistido a um concerto dos Stooges. Descobri que aquilo que faziam era arte. A actuação do Iggy Pop, nessa noite, em 1969, fez-me perceber que para me afirmar como artista tinha que intervir musicalmente num palco. E nesse aspecto isso também está relacionado com as artes visuais. O acto da perfomance detém também uma dimensão visual muito forte.
. Os Suicide nas suas actuações usavam muito a ideia de confronto. O que estava por detrás dessa abordagem?
- Simplesmente não queíamos divertir as pessoas. Estas fugiam daquilo que viam nas ruas e nós dávamos-lhes a rua de volta. Daí surgiu a ideia de confronto. Incomodávamos as pessoas nos concertos, não só com os gestos, mas também com o som que nessa altura era muito intenso. Era novo e eléctrónico e deixava o público louco. A agressão era o passo seguinte.
. Como interpretava as reacções da audiência nesses tempos?
- A primeira coisa que queria era conseguir sair vivo dessas situações. Havia motins a toda a a hora e pessoas a tentar matar-me...
. Isso era algo positivo ou negativo?
- As duas coisas. Devo dizer que não gosto de violência, mas ao mesmo tempo acontecia aquilo que desejava: ver pessoas a participarem, a fazerem parte do espectáculo, da arte.
. E agora?
- Agora não acontece nada. Somos apenas músicos que divertem as pessoas. Já não conseguimos deixar ninguém louco (risos). As pessoas vêm-nos ver por aquilo que somos. Já não fazemos as primeiras partes de outras bandas e o público é menos hostil e mais jovem. Está interessado em saber como surgimos, gostam de nós e da nossa música. Não sei como, mas a verdade é que está a acontecer. às vezes é estranho subir ao palco e saber que não vou ser atacado quando há vinte anos atrás chegava a interrogar-me se ia sobreviver aos concertos. É de facto uma sensação diferente, mas que ainda assim me agrada. Na verdade já não estou mais interessado no confronto ou na violência.
. O que é que aconteceu ao certo em Glasgow, nos finais dos anos 70, quando fez a primeira parte dos Clash?
- Essa foi uma noite muito violenta e a certa altura alguém atirou um machado sobre a minha cabeça. Contei o sucedido e ninguém acreditava até que alguns anos depois, em Leeds, depois de ter dado um concerto a solo, apareceram os tipos dos Jesus and Mary Chain que corroboraram a minha versão. Eles tinham visto o machado! As pessoas que não acreditavam na história ficaram estarrecidas com a confissão. Na verdade aquele concerto teve um ambiente muito devedor dos Westerns: houve machados, setas, cowboys, índios. Nunca me hei-de esquecer. Aquilo passou-me mesmo ao lado da cara. Atiraram-me com muitas coisas, mesas, cadeiras, sapatos, facas, mas o machado nunca hei-de esquecer.
. Nos anos 70 sentia afinidade com as outras bandas de Nova Iorque?
- Claro. Gostava da maioria das pessoas da época, como o Alex Chilton ou a Debby Harry, apesar de musicalmente não me sentir muito próximo dos grupos. Com os Television não sei porquê nunca nos demos muito. Acho que nunca gostaram muito de nós. Mas, de resto, dei-me lindamente com a maioria das pessoas. Musicalmente penso que era uma cena um pouco conservadora. Ainda usavam os mesmos instrumentos de sempre (baixo, bateria e guitarra) enquanto nós já usávamos teclados. Mas adorava as individualidades que existiam por detrás dos músicos e elas adoravam-nos. Foram tempos maravilhosos que não sei se alguma vez se repetirão.
. Como vê a actual cena musical de Nova Iorque?
- Tenho ouvido algumas coisas que me agradam. Gosto especialmente de uma banda que são ARE Weapons e há outras que me parecem interessantes. A maioria porém parece limitar-se a regurgitar coisas que já foram feitas nos anos 60 e 80. Na verdade actualmente saio pouco e não vou a muitos concertos. Agora sou pai e não posso deitar-me muito tarde (risos). Normalmente descubro as coisas em segunda mão ou há alguém que me empresta um CD. Nos últimos tempos tenho ouvido muito rap que é o tipo de música que, nos dias de hoje, mais me agrada. Por outro lado os tempos mudaram. Os putos actualmente são mais espertos, têm mais dinheiro e estão mais bem preparados. Ou seja mais bem maquilhados e vestidos. No nosso tempo só queríamos fazer música. Não pensávamos no dinheiro, as coisas eram menos previsíveis, e chegávamos a passar fome. Por exemplo a Debbie Harry imediatamente antes de conseguir o seu primeiro contrato tinha sido despejada do seu apartamento. Ela estava na rua quando o sucesso lhe bateu à porta. Na verdade fazíamos o que podíamos.
. Os Suicide, enquanto banda dos 70, nunca namoraram os ritmos do disco. Em vez disso preferiram o rockabilly. Porquê?
- Possivelmente porque tanto eu como o Martin (Rev) sempre gostámos muito de rockabilly. Mas, e apesar da cena disco nunca me ter interessado, penso que está enganado relativamente à ausência de elementos de disco-sound na nossa música. De qualquer modo sempre adorei rock ‘n’ roll. O meu primeiro disco a solo, por exemplo, é um trabalho de rockabilly futurista. Por outro lado o Martin gosta muito do som dos anos 50, principalmente de música do-wop. Mas isto foram coisas que surgiram sem estarem pensadas. Ou seja surgiram por acaso, na sequência de experimentações com diferentes sons apesar de reconhecer que sempre gostei muito da voz do Elvis Presley.
. Neste último trabalho, “American Supreme”, surgem elementos de outros géneros electrónicos como tecno, funk, hip hop. Porquê?
- Porque esse é o tipo de música com o qual vivemos. Encontra-se nos cinemas, na rádio, na rua. É o que Nova Iorque actualmente reflecte: uma realidade multicultural feita de várias línguas. Todos os países, assim como todos os géneros musicais, estão nesta cidade. Há uma constante de circulação de sons e isso acaba por entrar no nosso sangue. É impossível ignorá-lo. Basta respirar e vivermos para passar a fazer parte da nossa música.
. Podemos dizer que, com este disco, afasta-se de uma experimentação mais radical com a música electrónica?
- Não. Penso que American Supreme vai ser mais influente e vanguardista do que as pessoas poderão agora reconhecer. Há pessoas que vão achá-lo mais comercial, mas é preciso ouvi-lo algumas vezes e à medida que o vamos fazendo mais interessante e complexo ele se torna. Eu próprio ainda o estou a ouvir e continuo a descobrir coisas novas. Trabalhámos nele durante cinco anos e penso que vai ser influente naquilo que as próximas gerações vão fazer. Em certos aspectos, é ironicamente mais vanguardista que alguns dos nossos discos anteriores, com excepção para os primeiros que ainda hoje soam contemporâneos...
. Numa entrevista para a revista Wire, há uns anos atrás, disse que gostava de música com alma, com blues. Este disco tem blues?
- Bom... sempre achei que os Suicide eram uma banda de blues (risos). Já identificaram aquilo que fazemos como sendo punk, techno e electro mas na verdade sempre achei que éramos mais uma banda de country ou de blues. É isso que somos. Porque tocamos a partir e com o coração. E é isso o que os cantores e músicos do blues fazem. Mostramos a nossa versão daquilo que achamos que é a verdade de uma maneira forte e apaixonada. Por isso acho que a maioria das novas bandas não podem ser comparáveis aos Suicide. Não tocam o blues, limitam-se a fazer techno ou outra coisa qualquer.
. E a música electrónica pode ter blues?
- Claro. Tudo o que nasça do coração pode ter blues. Depende, é claro, de certas condições. Se for o dinheiro a ditar a música então não há blues. Recentemente terminei um disco com os Pansonic e a música deles aparentemente fria, a dado momento é extremamente bluesy. Até encontrei neles elementos de rockabilly. A primeira vez que os vi reparei que tinham algo de visceral e apeteceu-me logo trabalhar com eles. No fundo tudo o que possui sentimento e integridade artística tem blues. E é isso o que procuro. O blues é também algo que aprendemos a descobrir.
. Nos últimos anos tem surgido nos EUA a chamada electronic tape underground scene onde pontuam bandas como os Nautical Amanac, Wolf Eyes e Mammal? Já ouviu alguma coisa destes grupos?
- Não. Na verdade devo dizer que ando mais a ouvir-me a mim mesmo. Há uns anos atrás estava a par de tudo o que estivesse relacionado com a minha música. Agora, porém, limito-me a estar comigo mesmo. E isso foi uma das poucas coisas que aos poucos, ao fim de 30 anos, aprendi a fazer. Quando alguém me cede um disco para ouvir ou me fala de uma banda já não presto a mesma atenção. As pessoas dizem que eu as influenciei e isso basta-me. É um pouco como esta cena do electroclash, da qual dizem que somos os padrinhos. Sejamos então. A minha disponibilidade já não é a mesma. Tenho um filho de quatro anos e essa é uma condição que me transformou muito. Passei a ver o mundo não só com os meus olhos, mas também pelos olhos dele. Ao mesmo tempo sinto que o meu trabalho está a melhorar. Mas voltando ao que ando a ouvir posso dizer que o Mozart, o Miles Davis, e o John Coltrane me têm acompanhado bastante. É curioso porque sempre apreciei mais o Beethoven mas há três anos para cá comecei a ouvir Mozart com regularidade e descobri coisas fantásticas. Agora soa-me de uma maneira completamente diferente.
. Acha que é possível uma banda voltar a repetir uma situação como aquela que os Suicide viveram com “23 Minutes Over Brussels”?
- Não. Isso é totalmente impossível. Hoje já não se pode fazer ou dizer nada que consiga provocar as pessoas até esse ponto. Isso é, pelo menos, aquilo que eu penso. Não me parece que tal possa voltar a acontecer. A violência está em todo o lado, as pessoas vêem de tudo e já nada as pode salvar... (riso). Vivemos num mundo louco, repare na televisão e naquilo a que os miúdos estão expostos...
. Já não há então a possibilidade da música provocar um motim?
- Duvido. O que se pode fazer ainda?
. Se calhar permanecer quieto. Não fazer nada.
- Sim, é uma hipótese. Por falar nisso os Sex Pistols, num concerto em Nova Iorque, fizeram algo que eu sempre quis fazer. Permaneceram nos camarins enquanto eram filmados e no palco estava um écran que mostrava o que eles estavam a fazer. E isso era o concerto: os Sex Pistols sentados a conversar nos bastidores da acção. Nunca chegaram a aparecer em palco e provocaram, naturalmente, um motim. Portanto essa ideia é uma possibilidade: permanecer quieto no palco, um pouco como o John Cage. Eu porém não o faria. As pessoas pagam para nos ver e não vale a pena desapontá-las.
. Vão fazer digressões para promover o disco?
- Sim, vamos começar em Novembro com concertos em Londres, Berlim e Paris. Depois segue-se a Itália e mais tarde iniciaremos uma digressão pela América, que passará pelo Midwest e por Texas, onde já chegámos a tocar. Na verdade já não posso fazer tantas digressões como antigamente, devido às minhas responsabilidades paternais.


. Disse que os Suicide já tocaram no Texas. Como foram recebidos?
- De início pensei que nos iam matar. Fizemos lá um concerto, num festival, há cerca de uma ano e desconfiei mesmo que ia ser assassinado. Tocámos no mesmo palco que o Johnny Cash e o Willie Nelson, o que foi para nós uma honra, e descobrimos que a nossa audiência era muito jovem. Provavelmente a maioria daquele público ainda não tinha nascido quando os Suicide apareceram. Havia até pessoal envergando chapéus à cowboy e o sítio estava cheio. Nesse dia tocámos duas horas e de facto adoraram-nos. No Texas, quem diria!! E sabiam as letras das canções!! Ou seja os Suicide encontravam a sua audiência. 30 anos depois.
. Porque acha que a audiência era assim tão jovem?
- Acho que à medida que envelhecem, as pessoas acabam por assentar. Casam-se, têm filhos, arranjam empregos estáveis e deixam de ouvir música ou de seguir as bandas. A música é uma coisa jovem e rebelde que tendemos a fazer enquanto somos jovens. Quando envelhecemos deixamos de ouvir o que os putos andam a ouvir. Nos anos 70 passava horas a ouvir de tudo mas as coisas mudam. Ainda assim continuo sem saber porque razão há tantas pessoas a seguirem-nos.

José Marmeleira


THIS.CO
PROJECTO SONDA

Electrónica Do It Yourself
Projecto Sonda e Thisco são dois peculiares modos de estar no universo da electrónica nacional, dois portos de abrigo para uma série de projectos que, em conjunto, têm quebrado barreiras e, muito por culpa da sua atitude “Do It Yourself” (DIY), e persistência, sido capazes de inverter as regras do jogo. A Mondo Bizarre falou com Luís van S. e Fernando Cerqueira, respectivamente dos Sci-Fiction Industries e Ras.Al.Ghul, por parte da This.co e com David Banasulin, dos Ultimate Architects, em representação do projecto Sonda.







THIS.CO
. O que é a This.co?
L.v.S. - Uma editora totalmente independente nacional, por um lado. Por outro é um exercício de sado-masoquismo levado a cabo por todos os artistas que agregamos.
. O que levou à criação da This.co?
F.C. – A necessidade de dar um passo em frente, o que de certa forma veio a acontecer. Não em Portugal mas sim além fronteiras onde os Ras.Al.Ghul reforçam a sua posição e onde os Sci-Fi Industries são recebidos com excelentes críticas.
. Porquê a palavra This e porquê o simbolismo de lhe atribuem, inclusive a formas como “Thiscover” e “Thistroy”? E quanto à frase “Spread The Thisease”?
F.C. – Após vários anos infiltrado e contaminado por diferentes “caminhos” e organizações esotéricas/ocultistas bem como a minha necessidade de me comprometer socialmente, concebi This como uma alternativa consciente à vulgaridade reinante. O conceito This descreve-se como um organismo vivo de indivíduos dentro de um corpo invisível que tem como objectivo a não aceitação da alienação, conformismo, mediocridade e da apatia geral que consome os indivíduos na corrosão do desencanto, na melancolia do novo dia que nasce, numa indigna resignação, na raiva absurda de revoltas sem revolução. Spread the thisease – doença/vírus/propagação infecciosa/memes/contagioso padrão informativo que ao reproduzir-se, infecta a mente humana e altera-lhe o comportamento. Espalhem A Doença! Em This a simbologia tem a finalidade de nos fazer sentir interligados como um todo e ajudam-nos a comunicar uma ideia mais facilmente e reforçar a identidade, interpretada de forma diferentes por indivíduos diferentes.
. E porque optaram pela electrónica como modo de expressão?
L.v.S. – Quanto a mim resume-se ao facto de, após várias tentativas falhadas com bandas rock, verificar que as coisas nem sempre correm bem e que face a isso as pessoas tendem a deixar os ensaios e o trabalho do grupo para trás. Em contrapartida as máquinas não faltam aos ensaios, a criação surge espontaneamente, sem hora marcada. Mas posso assegurar que oiço muito mais rock ‘n’ roll alternativo que electrónica! A This.co está e tem estado disponível a outras formas de criação, vejam o caso de Matt Howden. Ser outsider é razão mais do que suficiente para ingressar nas nossas linhas.
. Acha que a política de “Faça Você Mesmo”, é, apesar de trabalhoso, artisticamente mais compensadora? E monetariamente?
L.v.S. – Sem dúvida! Se ficarmos à espera que alguém pegue no nosso trabalho neste país nunca sairíamos do quarto das máquinas! Gostaríamos de chegar ao maior número de pessoas possível, por isso todo o catálogo está disponível a nove euros, as vendas ainda são pouco significativas, mas o dinheiro não é motivação, ajuda apenas a concretizar sonhos.
. Como vê o facto d eo primeiro trabalho dos Sci-Fi Industries, “Dead People On Stylish Chairs” ter sido praticamente ignorado em Portugal mas extremamente louvado pela imprensa internacional mais ligada à electrónica?
L.v.S. – Portugal é o país do interruptor. Ora acende o pop desligando o rock, ora liga o house apagando o breakbeat, e assim sucessivamente, dando a ideia que o resto do mundo faz o mesmo. Lá fora as pessoas estão mais receptivas fazendo uso de critérios pessoais sem ter de fazer tábua rasa, como cá. Na corrente electrónica todos diziam ter o jazz como referência, agora não vivem sem os ritmos brasileiros, muito em breve todos dirão ter ficado marcados pelas bandas dos anos 80! Que conveniente! A imprensa internacional realçou efectivamente o facto de ser uma sonoridade nova e exótica, vinda de um país que não tem historial além fronteiras. Os Ras.Al.Ghul e Sci-Fi Industries tiram partido disso e convidam outros projectos a fazer o mesmo.
. A ignorância a que o seu primeiro disco foi votado não o impediu de lançar recentemente um segundo álbum, “Architectural Development”. A que se deve tal perseverança?
L.v.S. – Não posso desistir só porque estou invisível!! Aliás, a This.com tem primado pela invisibilidade em Portugal enquanto já goza de credibilidade na Europa. Há inclusive lojas da nossa capital, e com responsabilidade editorial, que nos vedam a venda! Sou um pintor impelido pela necessidade de criar, podendo nunca vir a vender uma tela sequer. Para agora seria dar razão aos que nos ignoram, desiludindo todos aqueles que nos apoiam cá, e especialmente, lá fora.
. Como é que os Ras.Al.Ghul chegaram até à editora espanhola Testinground?
F.C. – A Testinground andava à procura de novos grupos e como eles são amigos dos organizadores de um concerto nosso em Barcelona, os mesmos deram-lhes discos nossos, a Testinground mostrou-se interessada e o resto aconteceu naturalmente.
. Como explicaria as compilações da This.co a alguém que não está familiarizado com os projectos aí incluídos?
L.v.S. – São resultado do intercâmbio dos Ras.Al.Ghul, do Fernando em particular, com uma série de artistas e projectos mundiais, muitos deles de renome, que nos têm enviado criações suas sem qualquer tipo de condicionalismos estéticos. Poderão ficar com a ideia de alguma aleatoriedade, mas o facto é que os CDs representam uma enorme fatia da criação electrónica contemporânea, verdadeiramente underground, livre e libertária.
. Que recepção obteve a primeira compilação da This.co? Quais são as grandes mudanças entre o primeiro e o segundo volume da compilação?
L.v.S. – As reacções foram muito boas! Column One e Marc Wannabe figuraram algumas semanas (após o lançamento do CD “Thisconnected” na revista Wire), num especial sobre a nova electrónica de Berlim, o que nos realçou lá fora! A segunda compilação “Thisoriented” é mais negra e paradoxalmente mais pesada e acelerada. Penso que os trabalhos dos artistas convidados reflectem bem o estado de espírito da This.co criando uma atmosfera desconcertante. A capa volta a enganar aqueles que se deixam guiar pelas aparências: na “Thisconnected” as pessoas pensavam em metal/dark/industrial e nesta o layout sugere algo diferente, tipo “Warp”. A não existência de uma linha estética é só por si uma linha estética.
. Quais as dificuldades que têm encontrado para apresentar ao vivo os projectos da This.co?
L.v.S. – As dificuldades surgem, principalmente por não existirem locais. As salas desapareceram, os clubes nunca existiram, os bares preferem o DJ e o conceito de concerto está resumido às prestações de bandas. Um tipo com uma série de máquinas, que não põe obrigatoriamente as pessoas a dançar, não goza de muita credibilidade. Ora aqui estão mais uma série de bons motivos para continuar!


PROJECTO SONDA


. Como e quando nasceu o projecto Sonda?
- A ideia já existia desde finais de 2001, entre mim e o Bernardo Barata (baixista de José Castro e manager de TV Rural). Formalizou-se em Maio de 2002.
. Porque optaram por uma edição conjunta?
- Esta edição é um sampler caseiro, que pretende dar uma amostra das diferentes vertentes de cada banda. Daí que tenhamos resolvido colocar 2 temas de cada projecto.
. O que levou à inclusão destes quatro projectos – Asiouasi, Zé Castro, The Ultimate Architects, TV Rural -, e não de outros?
- A existência de cumplicidade entre todos. Em determinada altura já todos tocámos uns com os outros e às tantas, íamos asistir aos concertos uns dos outros... até que resolvemos assumir uma forma de colectividade.
. Porquê a vertente electrónica como modo de expressão?
Para os Ultimate Architects a electrónica representa uma espécie de “ver e sentir a quatro dimensões”, em relação ao espectro normal de três dimensões que rege os nossos sentidos. É um “admirável mundo novo” à espera de ser manipulado, explorado mas, sempre com um sentido de equilíbrio.
. Quais têm sido as reacções ao disco? Acha que há espaço no mercado e no mundo da música nacional para um projecto deste género?
- As reacções que me chegam são bastante boas e faço esta medição pela quantidade de pessoas com gostos e ideologias musicais distintas que estimam este trabalho. Dá-me uma grande satisfação atingir este cruzamento de pessoas. Acho que existe um nicho de mercado em Portugal para este tipo de projecto. A electrónica tem vindo a abrir portas há três anos e a prova disso são espaços como o Frágil, Incógnito, Maus Hábitos, etc. que têm feito algumas acções com bandas desta vertente.
. Acha que a política de “Faça Você Mesmo”, é, apesar de trabalhosa, artisticamente mais compensadora? E monetariamente?
- É trabalhosa, sim. E muito mais, sem sacrifício não se vai a lado algum. É compensadora no sentido em que quando alcançamos alguma coisa, sabemos que se deve só a nós e ao nosso esforço. Sentimos o ímpeto de continuar. Quanto à parte financeira, ninguém se mete na música pelo dinheiro (pelo menos no nosso cantinho, em Portugal). Até podermos física, mental e humanamente, continuaremos a nossa luta.
. Porque optaram os Ultimate Architects pela recuperação e reactualização da electrónica de cariz mais sombrio dos anos oitenta?
- O lado negro da arte foi algo que sempre me atraiu, seja pintura, poesia, cinema. Todos nós, em maior ou menor grau, somos atraídos pelo lado mais obscuro das coisas que nos rodeiam. A questão é que nós demonstramo-lo sem preconceitos e receios. Quanto aos anos 80 (electro) é uma referência incontornável.
. O que representa para si o facto de os Ultimate Architects terem sido convidados para integrar a colectânea de projectos nacionais da This.co?
- É um sinal de que, “nas sombras da indiferença, algo se move”. É uma grande honra podermos estar presentes numa compilação feita por pessoas que, assim como nós, se deparam com imensas dificuldades. Mas, o desejo que as move é o mesmo que nos move e faremos tudo para estar e participar na divulgação da electrónica do nosso país.
. Há alguma razão especial para o modo como os Ultimate Architects se apresentam em palco – com camisas escuras meticulosamente engomadas e gravatas?
- Pretendemos recriar um imaginário que primava pelo gosto estético e representava um determinado período de grande proliferação e experimentação musical. É uma homenagem, de certa forma, aos pioneiros dos anos 80, servindo de desculpa ao mesmo tempo para cada um de nós encarnar uma personagem do universo arquitectónico.
. Quais as dificuldades que tem encontrado para apresentar ao vivo os projectos da Sonda?
- Todas e mais algumas mas, temos que agradecer a alguns media que nos têm “estendido a mão”. A FNAC surge também como um local obrigatório de passagem pela abertura e mentalidade que tem e estão a fazer o que muitos media não fazem: apoio à música portuguesa independente do género e credo. Como sabemos não há muitos espaços para apresentações ao vivo mas... vamos criá-los. Este ano vamos fechar o circuito FNAC, Frágil e Maus Hábitos. Para o ano estamos a planear fazer um Festival Sonda.

Raquel Pinheiro








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