autor: António Filipe Marques
título: Frank Zappa - Antologia Poética
editora: Assírio & Alvim
nº de páginas: 269
isbn: Não Tem
data:1985
sinopse:
Frank Vicent Zappa nasceu a 21-12-1940, em Baltimore,
Maryland, nos Estados Unidos da América, e é, desde há mais de vinte anos, um
dos personagens mais extravagantes da música jovem. Chefe de banda, autor,
pianista, guitarrista, director de orquestra, film-maker e agitador cultural,
amado e odiado com idêntica paixão, gaba-se de ser a mais inventiva star do
rock internacional. Em jovem participou nos ideais de 68, defendendo a
«imaginação ao poder». Actualmente compraz-se em «sátiras musicais»,
socorrendo-se da canção burlesca e cantando sobretudo as «disfunções sexuais»
da América contemporânea.
Recolhem-se aqui pela primeira vez em Portugal, em edição
bilingue, os melhores textos de toda a produção zappiana, que atinge já os 32
LPs.
Os «Anos Verdes»
Zappa conta que em miúdo queria tocar bateria. Um dia
comprou as baguetes e percutia tudo quanto lhe aparecia à frente, até que os
pais, exasperados, lhe compraram um tambor. Ouvia nessa altura música ligeira,
sobretudo grandes orquestras. Depois descobriu o Rhythm & Blues e o sonho
era vir a tocar numa banda do género. Abandonou então a abateria e dedicou-se à
guitarra. a primeira que teve comprou-a aos 18 anos, num leilão, por um dólar e
cinquenta. Pouco depois, no Antelope Valley High School, fundou a sua primeira
banda: os Blackouts. Naquele tempo o mundo juvenil era muito turbulento:
recontros com a polícia, vandalismo e coisas do género.
Os Mothers of Invention nasceram pouco depois, em 1964,
quando Zappa foi contactado por Ray Collins. Collins tinha um conjunto chamado
Soul Giants, onde tocavam Jimmy Carl Black e Roy Estrada. Para Zappa tratava-se
de um conjunto insignificante e ele sonhava com uma verdadeira banda para fazer
muito dinheiro e alguma boa música.
Mas Zappa não conta aspectos menos agradáveis da sua
vida. Não conta, por exemplo, que escreveu a banda sonora para o filme The
World’s Greatest Sinne, que participou num show televisivo com uma composição
de «ciclofonia», música para bicicleta e pompa, que foi preso quando um
inspector descobriu que no Studio Z, a sala de gravações preparada por Zappa,
se faziam dobragens clandestinas, para não falar das muitas recusas de
trabalhos por parte de casas discográficas.
A Tomada De Consciência
Zappa foi dos primeiros a intuir a existência de um novo
mundo jovem, de uma cultura que pouco ou nada tinha a ver com os modelos
precedentes. Entretanto, tinha notado o atraso histórico dos «adeptos do
trabalho», eternamente embaraçados pela ignorânci9a e pelos preconceitos –
incapazes de ultrapassar os tempos com a menor sagacidade. Zappa lutou por uma
inteligente solução da questão juvenil, luta de que viria a ter o proveito na
venda dos seus discos.
Com efeito, em 1974, Apostrophe chega ao topo das listas
de êxitos americanos, coroando assim um longo trabalho realizado a partir de
meados dos anos 60. Nesta altura, o artista não hesitou em posar nu numa
retrete, foto então publicada na International Times. Convertida em poster,
,vendeu-se aos milhares por toda a Europa. Mas, para se afirmar na cena rock
internacional, Zappa recorre ainda a outros artifícios, travestindo-se de
mulher e invectivando o público com «palavras proibidas» nas faixas de
Absolutely Free.
Quando Zappa chegou à Europa, muitos estranharam ver no
lugar do cruel antiburguês um director de conjunto inteligente e seguro de si,
autor de composições que mereciam, na sua maior parte, o qualitativo de
«genial».
Figura central da nova música pop, Zappa não representa,
todavia, a atitude politicamente revolucionária, se o compararmos com Tuli
Kupferberg e Ed Sanders, dos Fugs. Zappa é mais diplomático, mais táctico, o
que lhe valeu ataques de músicos radicais durante a sua visita a Berlim, em
1968, quando numa das actuações alguém exibia um dístico onde se lia «Mothers
of Reaction».
As Influências
Zappa não oculta as inevitáveis fontes musicais onde
bebeu e deixa até transparecer que a música, como as outras artes, pode e deve
afirmar-se na citação, na referência, na maneira nova de abordar realidades
musicais preexistentes. Por outro lado, ao anunciarem-se as preferências musicais,
está-se já, de certo modo, a separar as coisas e a colocar balizas no universo
do autor.
Numa entrevista realizada em casa de Zappa – o Palácio
Tom Mix, de Hollywood -, em 1968, o jornalista declara que se podem detectar
múltiplas influências (ou referências, como querem certos autores) na sua
música. Zappa começa por dizer que, ao gravarem os primeiros trabalhos,
tentaram pôr à disposição dos jovens certas experiências musicais, com as
quais, de outro modo, não teriam contactado. Queria Zappa dizer que os jovens
norte-americanos que ouvem música pop nunca viram na sua vida uma orquestra, a
não ser na televisão. E não só não conheciam nenhuma orquestra como não conheciam
o jazz nem a música séria nem o rock’n’roll. Os Mothers of Invention, ao combinarem
música séria, jazz, fragmentos falados do teatro absurdo, transformaram isto
tudo numa base de rock em posição de lhes fornecer uma grande quantidade de
novas informações.
Depois de começarem com as combinações de música
electrónica e de rock, a venda de discos de música electrónica aumentou
consideravelmente e os próprios discos dos Mothers passaram a vender-se mais.
Embora se não possa afirmar, segundo Zappa, que o
incremento registado nas vendas de música electrónica se deve ao êxito dos
Mothers, é um facto que antes de Freak Out! não apareceu nos Estados Unidos uma
música autêntica experimental e vanguardista, a chamada música psicadélica.
Foram os Mothers of Invention o primeiro conjunto que incluiu efeitos
electrónicos na música pop.
Zappa declara que tem muitos discos de música electrónica
mas que não os suporta porque são muito maus. «É preciso – refere ainda o
artista – saber produzir música electrónica e, em primeiro lugar, entender a
sua tecnologia.» Queixa-se de haver poucos estúdios que a produzam e da sua, em
geral, má qualidade.
Os compositores que exerceram maior influência sobre
Zappa foram Stravsinsky, Stockhausen e outroos mais. Mas fundamentalmente Edgar
Varèse.
Aos 14 anos, Zappa tinha consigo as Obras Completas de
Edgar Varèse, 1ª parte. Quatro das suas composições entusiasmaram-no logo, acha
aquele tipo de música magnífica e, embora a grandeza de Varèse se mantenha
ignorada, Zappa considera-o um dos maiores génios do nosso tempo. Admira nele
sobretudo a força do carácter que lhe permitiu compor aquela música há trinta
anos ou quarenta.
A influência de Varèse, segundo Zappa, é mais evidente
nalgumas passagens do disco Lumpy Gravy. a segunda face é característica da
música de Varèse. A maior parte dos seus acordes é construída em sétimas e
nonas, formando um ritmo muito complexo.
Mas o rock é a componente mais importante para a
popularidade dos M.O.I. Zappa diz porém que não sente muita influência do rock
‘n’ roll considerando mais importante a acção do Rhythm & Blues e do Muddy
Waters, por exemplo. Ao nível do jazz, foi Coltrane o músico que mais interesse
lhe despertou. Mas há ainda influências dos Beatles e dos Stones. A diferença
entre uns e outros – esclarece Zappa – é que os Beatles ensinaram-lhe a gravar
bem um disco e os Stones a escrever letras inteligentes ligadas à situação da
vida corrente.
Quanto às letras, algumas são simplesmente letras de
comédias sem qualquer relação com a situação social e política. Outras, pelo
contrário, são puramente políticas e algumas inclusivamente surrealistas. Zappa
escreve todas as letras do conjunto e considera o seu estilo literário sem
influências, derivado da experiência pessoal.
A Polémica
As opiniões de Zappa dividem os seus admiradores,
nomeadamente quando ele se insurge contra a cultura da droga e contra o
Woodstock, que, para ele, não passou de uns milhares de jovens que se reuniram
para experimentar a embriaguez de umas
noites passadas fora de casa longe dos pais.
Mas talvez a mais célebre polémica seja aquela em que
Zappa se insurge concretamente contra os «psicadélicos» de San Francisco,
sobretudo na época do flower power. Zappa não pode suportar em silêncio as
carícias de 67, as flores nos cabelos, o «fumo» e o ácido libertador. Um álbum
inteiro dos M.O.I. – We’re Only In It For The Money – assume-se como um
panfleto contra aquele ameaçador «cisma» juvenil (cf. Flower Power me
Concentration Moon, por exemplo).
A Importância Do Olhar
O espectáculo zappiano «escandaliza» pelos seus fatos
extravagantes, pelo culto do happening e por um comportamento hostil na relação
com o público, a começar com o histórico Hello Pigs!, com que Zappa apostrofava
os seus primeiros admiradores.
Com efeito, o Zappa dos primeiros anos era todo invenção
e provocação. Ainda desconhecido do grande público, prepara o projecto GUAMBO
(Great Underground
Arts Masked Ball & Orgy), sendo dos primeiros a intuir que o concerto rock era um lugar de máxima criatividade, mesmo gestual. Modificado e posto em prática, o projecto desemboca numa espécie de musical surrealista que se aguenta seis meses, entre 1966 e 1967, no Garrick Theatre, de Nova Iorque.
Arts Masked Ball & Orgy), sendo dos primeiros a intuir que o concerto rock era um lugar de máxima criatividade, mesmo gestual. Modificado e posto em prática, o projecto desemboca numa espécie de musical surrealista que se aguenta seis meses, entre 1966 e 1967, no Garrick Theatre, de Nova Iorque.
Nas suas actuações, Zappa tira a fita do cabelo e deixa-o
solto. É que existe uma grande diferença entre a gravação de um disco e uma
actuação em público. Se as pessoas acorrem para ver alguém, são atraídas pelas
vivências visuais. «Queremos que nos nossos espectáculos o público se divirta,
pois é graças a ele que nós vivemos.»
A percentagem de improvisos por espectáculo é de cerca de
70’%. Os restantes 30% formam um esqueleto estrutural cuidadosamente elaborado.
A Música Culta
Aos 22 anos Zappa escreve a primeira partitura para large
ensemble, intitulada Opus 5 e que é introdutória do Grande Mito Zappiano: a
música para orquestra que irá desenvolver em obras como Lumpy Gravy e
Joe’s Garage.
Mas o momento mais alto da carreira orquestral de Zappa
acontece a 18 de Maio de 1970, no UCLA Pavillion de Hollywood, quando consegue
reunir os Mothers e os 104 elementos da Orquestra Filarmónica de Los Angeles,
dirigida por Zubin Metha.
Zappa Versus Beefheart
A história entre Zappa e Beefheart é curiosa. Conhecem-se
em pequenos, andam no colégio juntos, fazem projectos para o futuro e, findo o
colégio, separam-se. Zappa
cria os Mothers of Invention e Beefheart cria a Magic Band. Publicam o
primeiro álbum quase simultaneamente, mas o de Zappa – Freak Out! – obtém muito
mais sucesso, não tanto talvez por uma superior classe musical, mas antes por
uma melhor organização. Em 1969 voltam
encontrar-se. Zappa chama a si o velho companheiro num período difícil
da Magic Band.
Beefheart realiza Trout Mask Replica, a obra-prima
recusada por numerosas casas discográficas e produto afinal de Zappa e Herb
Cohen, consorciados na etiqueta Straight. Pouco depois, Beefheart acusa Zappa
de ter promovido pouco e mal o produto para explicar a causa do insucesso.
Zappa responde-lhe à letra e afastam-se de novo. Durante anos é a guerra fria.
Zappa diz que Beefheart é um brilhante músico «incompreendido», mas que é
igualmente um visionário com a mania da perseguição incapaz de gerir os seus
próprios negócios. O outro acusa Zappa de despotismo e o empresário Herb Cohen
de «fascismo mental», chegando ainda a insinuar que Zappa vivia a expensas da
criatividade dos M.O.I., colhendo os louros que pertenciam a outros, etc.
Em 1975 Beefheart, depois de uma má estação na Europa,
vem ter com Zappa e pede a reconciliação em nome da antiga amizade. Zappa
aceita e, na Primavera desse mesmo ano, fazem uma tournée e gravam juntos Bongo
Fury, depois do que cada um segue de novo – e até hoje – o seu próprio caminho.
O Cinema
Remonta a 1964 o primeiro projecto, Captain Beefheart
Meets The Grunt People, filme jamais realizado que Zappa viria a definir como
«uma extravagante aventura americana com Don Van Viliet, Howlin’ Wolf e Grace
Slick». Outro projecto frustrado foi o de Uncle Meat, que contava a história de
um cientista louco e das suas tentativas de governar o mundo com monstros. O
assunto vem publicado em nota no álbum homónimo de 1969, mas o filme (previsto
para 8 horas e meia de duração) nunca apareceu. Em compensação Zappa e os
M.O.I. têm a vaga honra de uma citação num vulgar documentário dos anos 60,
Mondo Hollywood, dedicado aos aspectos estranhos e «proibidos» da famosa «Meca
do Cinema». Mas não tiveram sorte, porque, depois de um breve litígio judicial,
viram suprimida do filme a cena dos seus «escandalosos» concertos.
Em 1971 Tony Palmer, um realizador sempre próximo do
ambiente rock, patrocinou 200 Motels, «obra burlesca» em que o protagonista é o
próprio Zappa, personificando Ringo Starr. Muitos lamentam que o filme nunca
tenha chegado a outros países, bloqueado por inexplicáveis censuras. Mas o
enredo, o cenário, a própria banda sonora, são tão fracos que não existem
motivos para lamentações. O mesmo e pode dizer de Baby Snakes, último trabalho
cinematográfico de Zappa sobre a alternância de alguns desenhos animados
extraordinários e longas sequências de gravações em estúdio. Acolhido com
indiferença pelas distribuidoras de todo o mundo, decepado pela crítica, foi
esquecido pouco tempo depois de um ano após a sua exibição.
A Abordagem
Aos primeiros curiosos que o interrogam nos anos 60 Zappa
não responde, ou opõe o non sense. Ou então, abandona o humor e passa ao
confronto directo, insulta, invectiva. Em 1973, um tal David Walley atreveu-se
a escrever uma biografia do artista. Zappa finge colaborar, mas depois diz que
nada daquilo é verdade, nem a data de nascimento. Que vão para o diabo todos os
jornalistas, os críticos e até os zappófilos. «Há na Europa cretinos que
estariam dispostos a pagar vinte ou trinta dólares por certos discos inéditos
dos Mothers. Bem, para a próxima aumentarei os preços!», refere Zappa. Mas
valha por todas a lengalenga de Packard Goose, décima sexta cena de Joe’s
Garage: «Para o diabo todos os jornalistas de caneta na mão, vão-se todos
foder», recita Zappa. E para
que não subsistam dúvidas: «They can all kiss my ass / but because it’s so
grand / it´s best they just stay away!»
A Censura
N entrevista que referimos atrás, realizada em casa de
Zappa, no Verão de 68, poderá ler-se em pormenor s questões de censura, bem
como a consequente mudança de editoras e suas razões e ainda a sua relação com
os músicos e a imprensa underground. Limitamo-nos a dar aqui um breve flash do
assunto.
A «velha guarda» do music business censura a Zappa as
melhores ideias. Primeiro, o artista está com a editora Verve, uma subsidiária
da MGM, pequena etiqueta bastante liberal. Tem como produtor Tom Wilson, já
«protector» de um certo Dylan progressista. Mas a Verve dificilmente tolerou
Freak nOut! e com Absolutely Free é ainda mais dura, recusando-se a publicar as
letras e um «livrinho de instruções» proposto pelos Mothers. Insurge-se, além
disso, contra o texto de Brown Shoes Don’t Make It, «uma canção trivial em que
uma rapariguinha de 13 anos pratica actos indignos sobre a relva da Casa
Branca». Para resolver a questão, o texto permanece integral, mas o som é
alterado por forma a tornar incompreensíveis algumas passagens
«inconvenientes». O mesmo acontece com Lumpy Gravy, talvez o álbum mais caro a
Zappa, ,que se publicou depois de infindáveis controvérsias.
O artista, humilhado, faz um contrato com a Warner Bros
para criar uma etiqueta particular (Bizarre) e uma subsidiária (Straight), com
liberdade de decisão quer no campo artístico quer no campo no campo
promocional, o que lhe permite publicar textos censurados e consolidar, com
Herb Cohen, o seu commercial potential.
A Straight fecha dois anos mais tarde. A Bizarre dura até
1973 (cf. DISCOGRAFIA), quando Zappa funda a Discreet ainda sob a alçada do
grupo Warner. O primeiro disco da etiqueta, Overnite Sensation, é o melhor
negócio de Zappa; o segundo, Apostrophe, atinge logo os top ten das listas de
êxito americanas.
A paz, porém, é curta. Depois de Apostrophe, Zappa não
consegue produzir, a sua imagem envelhece e surgem as primeiras polémicas. Em
fins de 76, o álbum ao vivo Zappa In New York desencadeia um confronto entre o
artista e a Warner mque tem como consequência um ano de atraso na saída do
disco e numerosas mutilações no mesmo. A Warner acusa Zappa de não querer
respeitar o contrato, que previa um certo número de LPs, e o artista responde
que não recebera os seus honorários e reivindica o direito de rescindir o
contrato.
A Ideologia De Zappa
Para muita gente, os M.O.I. eram maus. As pessoas não
entendiam a sua música e sentiam-se ofendidas com o que o grupo dizia da
sociedade e do governo. E esta – declara Zappa – foi uma das causas que
inicialmente levaram a ignorar o grupo.
Mas os M.O.I. são um grupo crítico consciente da
realidade. Opõem-se ao stablishment na medida em que as suas canções não tentam
convencer o auditório da inexistência dos problemas. De um modo geral, mas sobretudo
até 1967 – época de glorificação da sociedade estabelecida – era inoportuna
toda a música relacionada com a vida ou a sociedade.
Ora, precisamente, Zappa observa que a Administração dos
Estados Unidos, e de todos os países em geral, está na mão de velhos que
ignoram os jovens. Para mudar este estado de coisas seria necessária uma
actuação de guerrilha, uma infiltração. Os recontros sangrentos nas ruas nada resolvem,
muito menos nos Estados Unidos, porque as forças governamentais estão demasiado
bem preparadas para qualquer tipo de levantamento. Por isso9, a solução seria
substituir por jovens todos os velhos que actualmente desempenham funções de
responsabilidade.
Zappa considera que o seu trabalho contribui para um
melhor esclarecimento político das pessoas. Pensa que o ideal será poder contar
com um público consciente, social e politicamente, isto é, um público comprometido
que sinta o que há a fazer.
De um modo geral, a rádio nega-se a transmitir os discos
dos M.O.I. e quando o faz é sob a forma de fragmentos «seguros» que não existem
nem perturbam os ouvintes. Com a TV passa-se o mesmo. Os Mothers of Invention
não fazem um espectáculo, mas uma simples intervenção de cerca de 5 minutos.
«É, diz Zappa, uma espécie de oportunidade dada aos espectadores de nos
contemplarem como se estivéssemos no jardim zoológico.» A razão para isto
encontra-se – segundo Zappa – na estrutura em que assenta a cadeia de emissoras
de rádio e TV nos Estados Unidos: os meios de difusão pertencem aos grandes
potentados económicos, que não são liberais nem gostam de ideias diferentes das
suas.
Para Zappa, a nova sociedade devia ser uma sociedade sem
governo, embora confesse não vislumbrar nos próximos 500 anos a possibilidade
dessa experiência. O que é urgente é usufruir desta sociedade democrática,
apesar de os governos ditos democráticos terem perdido todo o contacto com o
povo que representam.
Mas Zappa não se considera anarquista, a não ser em casa,
nos seus pensamentos, nas suas divagações: «Uma anarquia só tem fundamento no
seio de um povo integralmente culto e civilizado.»
Até 1968 as letras das canções eram tão simples, tão
claras e evidentes que um idiota poderia entendê-las. Contudo, a partir de 70
modifica-se a música e também a mensagem dos textos. Mas Zappa queria que o
ouvinte médio «agarrasse» também alguma coisa. Crê numa função utilitária e
interveniente da sua música.
Zappa tem agora 43 anos. Todavia, não perdeu com o tempo
a boa disposição, a franqueza, a «cor» daquilo que, mais do que um estilo, ´«e
uma nova língua. Muitos duplos sentidos e trivialidades, neologismos e
«apalavras proibidas»: eis um dos segredos da vitalidade zappiana que desperta
pelo menos a curiosidade de quem o ouve. Além disso, há o sexo. Zappa revolve a
fachada do american way of life para encontrar pénis gigantes, vaginas
incómodas e secas, coitos à maneira de Bocácio, Carolina e o seu«êxtase
pornográfico», Dinah Moe e o seu orgasmo «incaracterístico», os chicotes e os
gemidos de Torture Never Stops. Talvez ele não arranhe, talvez ele seja apenas
o «vulgar porco machista», no dizer das feministas. Mas tem ar de estar à
vontade como se de facto o sexo e as suas perversões (cf., por exemplo, oo
bandido de Illinois, que usava o clister antes de roubar as suas vítimas)
fossem o melhor remédio para fazer «escorregar» a música.
Concluindo: não acabará decerto numa antologia de liceu
este «primeiro poeta rock», como auspiciava há dez anos; será antes objecto de
uma recolha de «cantos goliárdicos americanos», menestrel dos bailes de
princípio e fim de ano escolar, herói dos tratantes, dos expulsos, dos
caloteiros, de um lado ao outro da América.
António Filipe Marques
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