DN - Diário de Notícias
20 de Abril de 2002
Discos pe(r)didos
No início dos anos 80, a explosão do que então se
convencionou chamar por «rock português» apontou essencialmente as suas linhas
de acção a um som pop/rock convencional (para o clássico trio eléctrico de
guitarra, baixo e bateria), em alguns casos até em momentos de franco
afastamento face ao que eram já as formas em exploração noutras capitais dos
acontecimentos musicais de então. As electrónicas eram, ainda para alguns,
ferramentas «bizarras», pontualmente utilizadas, muitas vezes ainda com aquela
suspeita, muito «anos 70», que dizia que música com electrónica não era
música... Balelas!
A verdade é que eram poucos os projectos que apostavam
nos novos instrumentos electrónicos com claro protagonismo e projectos como,
para citar alguns exemplos, os Da Vinci ou Ópera Nova, onde as «novas» teclas
eram evidentes, tornavam-se alvo duplo de «maus olhados» de quem nem aceitava
certas simplicidades das linguagens technopop (mas se fosse nos Depeche Mode ou
OMD já «marchava»...) nem encarava de bom grado que fosse música digna desse
nome toda aquela que resultasse de programações e sons sintetizados...
Num tempo de mau relacionamento entre a opinião musical e
a música electrónica (com naturais excepções em mestres como os Kraftwerk,
Yello, Yellow Magic Orchestra e outros visionários mais «unânimes»), a proposta
de Tó Neto surge um pouco como a de um «outsider», que não se parece enquadrar
nem na família do «rock português» nem no das esferas mais populares da criação,
naturalmente fora também dos universos de experimentação mais vanguardista da
electrónica...
Com 32 anos de idade, os últimos dez vividos em Portugal
(onde chegara em 1973, vindo de Luanda), António Eduardo Benedy Neto contava já
com um vasto historial de vivências musicais. Em Lisboa havia já desenvolvido
estudos de música e jazz (na Academia dos Amadores de Música e no Hot Club de
Portugal), tendo também experimentado já percursos de vida nos Estados Unidos e
Reino Unido. Do regresso, em 1983, nasce uma proposta de música pop electrónica
instrumental em nome próprio. E, como Tó Neto, assina pela Sassetti (pela qual
acabaria por editar apenas um álbum).
«Láctea», o seu disco de estreia, resulta de uma
«maratona» de 40 horas de estúdio, durante as quais o próprio Tó Neto é o único
instrumentista em cena. A produção, de Eduardo Paes Mamede, assegura ao disco
um som final limpo e directo , ago próximo do que eram as composições de alma
pop dos álbuns «Equinoxe» e «Magnetic Fields» de Jean Michel Jarre, músico que
começava a gozar de enorme fama internacional. De resto, muita da imprensa
nacional logo tratou de apelidar Tó Neto como o «Jean Michel Jarre Português»,
numa comparação menos intencional que a de um Daniel Bacelar quando, valentes
anos antes, se mostrava como o Pat Boone lusitano! Temas como «Odisseia»,
«Lisa» e «Cristal» são exemplos da dignidade da proposta pop electrónica de Tó
Neto neste primeiro álbum, sendo então frequentes referências em programas de
rádio (uma delas «virou» indicativo do «Círculo em FM» na Rádio Comercial) e
inúmeros momentos de televisão.
O disco foi apresentado num espectáculo especial no
Planetário Calouste Gulbenkian (preparado em conjunto com Máximo Ferreira),
através do qual se sublinhava a face «futurista» de um álbum apontado a visões
do cosmos (um tema então em voga). Apesar de alguma ingenuidade (inerente aos
dias de juventude destas formas e rumos), o álbum de estreia de Tó Neto não
deixa de ser uma referência de mais uma marca da diversidade de propostas que
animaram a criação musical lusitana na aurora de 80. Nenhum dos seus três
álbuns editados posteriormente voltou a ter o «peso» e interesse deste disco
hoje quase esquecido.
TÓ NETO «Láctea» Sassetti, 1983 Lado A: «Odisseia», «Lisa»,
«Cristal», «África Blue»; Lado B: «D. Vagabundo», «Devoção», «Zuzu» Produção:
Eduardo Paes Mamede
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