6.3.17

DN - Série: Discos Pe(r)didos (5)


DN - Diário de Notícias

20 de Abril de 2002

Discos pe(r)didos




No início dos anos 80, a explosão do que então se convencionou chamar por «rock português» apontou essencialmente as suas linhas de acção a um som pop/rock convencional (para o clássico trio eléctrico de guitarra, baixo e bateria), em alguns casos até em momentos de franco afastamento face ao que eram já as formas em exploração noutras capitais dos acontecimentos musicais de então. As electrónicas eram, ainda para alguns, ferramentas «bizarras», pontualmente utilizadas, muitas vezes ainda com aquela suspeita, muito «anos 70», que dizia que música com electrónica não era música... Balelas!
A verdade é que eram poucos os projectos que apostavam nos novos instrumentos electrónicos com claro protagonismo e projectos como, para citar alguns exemplos, os Da Vinci ou Ópera Nova, onde as «novas» teclas eram evidentes, tornavam-se alvo duplo de «maus olhados» de quem nem aceitava certas simplicidades das linguagens technopop (mas se fosse nos Depeche Mode ou OMD já «marchava»...) nem encarava de bom grado que fosse música digna desse nome toda aquela que resultasse de programações e sons sintetizados...
Num tempo de mau relacionamento entre a opinião musical e a música electrónica (com naturais excepções em mestres como os Kraftwerk, Yello, Yellow Magic Orchestra e outros visionários mais «unânimes»), a proposta de Tó Neto surge um pouco como a de um «outsider», que não se parece enquadrar nem na família do «rock português» nem no das esferas mais populares da criação, naturalmente fora também dos universos de experimentação mais vanguardista da electrónica...
Com 32 anos de idade, os últimos dez vividos em Portugal (onde chegara em 1973, vindo de Luanda), António Eduardo Benedy Neto contava já com um vasto historial de vivências musicais. Em Lisboa havia já desenvolvido estudos de música e jazz (na Academia dos Amadores de Música e no Hot Club de Portugal), tendo também experimentado já percursos de vida nos Estados Unidos e Reino Unido. Do regresso, em 1983, nasce uma proposta de música pop electrónica instrumental em nome próprio. E, como Tó Neto, assina pela Sassetti (pela qual acabaria por editar apenas um álbum).
«Láctea», o seu disco de estreia, resulta de uma «maratona» de 40 horas de estúdio, durante as quais o próprio Tó Neto é o único instrumentista em cena. A produção, de Eduardo Paes Mamede, assegura ao disco um som final limpo e directo , ago próximo do que eram as composições de alma pop dos álbuns «Equinoxe» e «Magnetic Fields» de Jean Michel Jarre, músico que começava a gozar de enorme fama internacional. De resto, muita da imprensa nacional logo tratou de apelidar Tó Neto como o «Jean Michel Jarre Português», numa comparação menos intencional que a de um Daniel Bacelar quando, valentes anos antes, se mostrava como o Pat Boone lusitano! Temas como «Odisseia», «Lisa» e «Cristal» são exemplos da dignidade da proposta pop electrónica de Tó Neto neste primeiro álbum, sendo então frequentes referências em programas de rádio (uma delas «virou» indicativo do «Círculo em FM» na Rádio Comercial) e inúmeros momentos de televisão.
O disco foi apresentado num espectáculo especial no Planetário Calouste Gulbenkian (preparado em conjunto com Máximo Ferreira), através do qual se sublinhava a face «futurista» de um álbum apontado a visões do cosmos (um tema então em voga). Apesar de alguma ingenuidade (inerente aos dias de juventude destas formas e rumos), o álbum de estreia de Tó Neto não deixa de ser uma referência de mais uma marca da diversidade de propostas que animaram a criação musical lusitana na aurora de 80. Nenhum dos seus três álbuns editados posteriormente voltou a ter o «peso» e interesse deste disco hoje quase esquecido.

TÓ NETO «Láctea» Sassetti, 1983 Lado A: «Odisseia», «Lisa», «Cristal», «África Blue»; Lado B: «D. Vagabundo», «Devoção», «Zuzu» Produção: Eduardo Paes Mamede






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