27.12.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (10) - Mondo Bizarre - Nº 13 - Novembro de 2002


Mondo Bizarre
Nº13
Novembro de 2002 (96 páginas)
Revista Trimestral - Portugal

Prosseguindo com a divulgação da Mondo Bizarre...

A apresentação deste fanzine / magazine / revista já foi feito neste post.

Desta vez ficamos com uma entrevista a Alan Vega dos Suicide; e outra entrevista a elementos dos Projectos This.co e Sonda.

Suicide
Regenerados de Nova Iorque
Os tempos mudam e as pessoas transformam-se. É esta a verdade banal que enforma a actual postura do duo Suicide. Os tempos em que aterrorizavam a audiência com as suas actuações, recebendo em troca o medo ou a violência, acabou. Hoje é uma maturidade distanciada que dita a sua abordagem musical. Reunindo elementos de diferentes géneros da música electrónica em busca de uma ideia de contemporaneidade que sendo polémica não deixa de ser corajosa e desafiadora. Como o comprova “American Supreme”, o último disco do grupo, e a conversa que a Mondo Bizarre teve com Alan Vega.

. Diz-se que, nos últimos seis anos, Nova Iorque tem vindo a tornar-se numa cidade mais pacata. Como se encontra agora, principalmente depois dos acontecimentos de 11 de Setembro de 2001?
. Não sei se tornou mais pacata, até porque continua muito barulhenta (risos). Vivo na área dos atentados, no Ground Zero, e essa zona de facto está mais calma. Há menos pessoas, pois muita gente perdeu o emprego e houve uma desertificação.
. É uma cidade muito diferente daquela que existiu nos anos 70?
- Curiosamente em alguns aspectos tem semelhanças com os anos 70. Nessa época, Nova Iorque era uma cidade muito dura e nas décadas seguintes, na minha opinião, não mudou muito. Agora, em plena recessão económica, parece que estamos a regressar à década de 70, o que me agrada particularmente, porque sempre gostei desses tempos.
. Como artista e músico, nos Suicide, a sua obra ajudou a mudar a vida das pessoas. Thurston Moore, por exemplo, confessou ter ficado particularmente assombrado com uma das suas actuações. Enquanto membro da audiência, que músicos ou artistas mudaram a sua vida?
- Houve tantos! Por exemplo o Iggy Pop e os Stooges tiveram em mim um impacto tremendo. Mas também posso citar o Jimi Hendrix, o Jack Kerouac, o Jackson Pollock, o John Coltrane, os Velvet Underground ou o Andy Warhol. A lista é imensa e inclui artistas, poetas, músicos, escritores...
. Iniciou a sua carreira como artista plástico, mas depois escolheu o trilho da música. Porquê?
- Se calhar desejava efectivamente ser músico mas continuo a trabalhar como artista plástico e a expor. Mantenho, pois, duas carreiras. A música sempre me agradou, mas em parte tudo se deveu ao facto de um dia ter assistido a um concerto dos Stooges. Descobri que aquilo que faziam era arte. A actuação do Iggy Pop, nessa noite, em 1969, fez-me perceber que para me afirmar como artista tinha que intervir musicalmente num palco. E nesse aspecto isso também está relacionado com as artes visuais. O acto da perfomance detém também uma dimensão visual muito forte.
. Os Suicide nas suas actuações usavam muito a ideia de confronto. O que estava por detrás dessa abordagem?
- Simplesmente não queíamos divertir as pessoas. Estas fugiam daquilo que viam nas ruas e nós dávamos-lhes a rua de volta. Daí surgiu a ideia de confronto. Incomodávamos as pessoas nos concertos, não só com os gestos, mas também com o som que nessa altura era muito intenso. Era novo e eléctrónico e deixava o público louco. A agressão era o passo seguinte.
. Como interpretava as reacções da audiência nesses tempos?
- A primeira coisa que queria era conseguir sair vivo dessas situações. Havia motins a toda a a hora e pessoas a tentar matar-me...
. Isso era algo positivo ou negativo?
- As duas coisas. Devo dizer que não gosto de violência, mas ao mesmo tempo acontecia aquilo que desejava: ver pessoas a participarem, a fazerem parte do espectáculo, da arte.
. E agora?
- Agora não acontece nada. Somos apenas músicos que divertem as pessoas. Já não conseguimos deixar ninguém louco (risos). As pessoas vêm-nos ver por aquilo que somos. Já não fazemos as primeiras partes de outras bandas e o público é menos hostil e mais jovem. Está interessado em saber como surgimos, gostam de nós e da nossa música. Não sei como, mas a verdade é que está a acontecer. às vezes é estranho subir ao palco e saber que não vou ser atacado quando há vinte anos atrás chegava a interrogar-me se ia sobreviver aos concertos. É de facto uma sensação diferente, mas que ainda assim me agrada. Na verdade já não estou mais interessado no confronto ou na violência.
. O que é que aconteceu ao certo em Glasgow, nos finais dos anos 70, quando fez a primeira parte dos Clash?
- Essa foi uma noite muito violenta e a certa altura alguém atirou um machado sobre a minha cabeça. Contei o sucedido e ninguém acreditava até que alguns anos depois, em Leeds, depois de ter dado um concerto a solo, apareceram os tipos dos Jesus and Mary Chain que corroboraram a minha versão. Eles tinham visto o machado! As pessoas que não acreditavam na história ficaram estarrecidas com a confissão. Na verdade aquele concerto teve um ambiente muito devedor dos Westerns: houve machados, setas, cowboys, índios. Nunca me hei-de esquecer. Aquilo passou-me mesmo ao lado da cara. Atiraram-me com muitas coisas, mesas, cadeiras, sapatos, facas, mas o machado nunca hei-de esquecer.
. Nos anos 70 sentia afinidade com as outras bandas de Nova Iorque?
- Claro. Gostava da maioria das pessoas da época, como o Alex Chilton ou a Debby Harry, apesar de musicalmente não me sentir muito próximo dos grupos. Com os Television não sei porquê nunca nos demos muito. Acho que nunca gostaram muito de nós. Mas, de resto, dei-me lindamente com a maioria das pessoas. Musicalmente penso que era uma cena um pouco conservadora. Ainda usavam os mesmos instrumentos de sempre (baixo, bateria e guitarra) enquanto nós já usávamos teclados. Mas adorava as individualidades que existiam por detrás dos músicos e elas adoravam-nos. Foram tempos maravilhosos que não sei se alguma vez se repetirão.
. Como vê a actual cena musical de Nova Iorque?
- Tenho ouvido algumas coisas que me agradam. Gosto especialmente de uma banda que são ARE Weapons e há outras que me parecem interessantes. A maioria porém parece limitar-se a regurgitar coisas que já foram feitas nos anos 60 e 80. Na verdade actualmente saio pouco e não vou a muitos concertos. Agora sou pai e não posso deitar-me muito tarde (risos). Normalmente descubro as coisas em segunda mão ou há alguém que me empresta um CD. Nos últimos tempos tenho ouvido muito rap que é o tipo de música que, nos dias de hoje, mais me agrada. Por outro lado os tempos mudaram. Os putos actualmente são mais espertos, têm mais dinheiro e estão mais bem preparados. Ou seja mais bem maquilhados e vestidos. No nosso tempo só queríamos fazer música. Não pensávamos no dinheiro, as coisas eram menos previsíveis, e chegávamos a passar fome. Por exemplo a Debbie Harry imediatamente antes de conseguir o seu primeiro contrato tinha sido despejada do seu apartamento. Ela estava na rua quando o sucesso lhe bateu à porta. Na verdade fazíamos o que podíamos.
. Os Suicide, enquanto banda dos 70, nunca namoraram os ritmos do disco. Em vez disso preferiram o rockabilly. Porquê?
- Possivelmente porque tanto eu como o Martin (Rev) sempre gostámos muito de rockabilly. Mas, e apesar da cena disco nunca me ter interessado, penso que está enganado relativamente à ausência de elementos de disco-sound na nossa música. De qualquer modo sempre adorei rock ‘n’ roll. O meu primeiro disco a solo, por exemplo, é um trabalho de rockabilly futurista. Por outro lado o Martin gosta muito do som dos anos 50, principalmente de música do-wop. Mas isto foram coisas que surgiram sem estarem pensadas. Ou seja surgiram por acaso, na sequência de experimentações com diferentes sons apesar de reconhecer que sempre gostei muito da voz do Elvis Presley.
. Neste último trabalho, “American Supreme”, surgem elementos de outros géneros electrónicos como tecno, funk, hip hop. Porquê?
- Porque esse é o tipo de música com o qual vivemos. Encontra-se nos cinemas, na rádio, na rua. É o que Nova Iorque actualmente reflecte: uma realidade multicultural feita de várias línguas. Todos os países, assim como todos os géneros musicais, estão nesta cidade. Há uma constante de circulação de sons e isso acaba por entrar no nosso sangue. É impossível ignorá-lo. Basta respirar e vivermos para passar a fazer parte da nossa música.
. Podemos dizer que, com este disco, afasta-se de uma experimentação mais radical com a música electrónica?
- Não. Penso que American Supreme vai ser mais influente e vanguardista do que as pessoas poderão agora reconhecer. Há pessoas que vão achá-lo mais comercial, mas é preciso ouvi-lo algumas vezes e à medida que o vamos fazendo mais interessante e complexo ele se torna. Eu próprio ainda o estou a ouvir e continuo a descobrir coisas novas. Trabalhámos nele durante cinco anos e penso que vai ser influente naquilo que as próximas gerações vão fazer. Em certos aspectos, é ironicamente mais vanguardista que alguns dos nossos discos anteriores, com excepção para os primeiros que ainda hoje soam contemporâneos...
. Numa entrevista para a revista Wire, há uns anos atrás, disse que gostava de música com alma, com blues. Este disco tem blues?
- Bom... sempre achei que os Suicide eram uma banda de blues (risos). Já identificaram aquilo que fazemos como sendo punk, techno e electro mas na verdade sempre achei que éramos mais uma banda de country ou de blues. É isso que somos. Porque tocamos a partir e com o coração. E é isso o que os cantores e músicos do blues fazem. Mostramos a nossa versão daquilo que achamos que é a verdade de uma maneira forte e apaixonada. Por isso acho que a maioria das novas bandas não podem ser comparáveis aos Suicide. Não tocam o blues, limitam-se a fazer techno ou outra coisa qualquer.
. E a música electrónica pode ter blues?
- Claro. Tudo o que nasça do coração pode ter blues. Depende, é claro, de certas condições. Se for o dinheiro a ditar a música então não há blues. Recentemente terminei um disco com os Pansonic e a música deles aparentemente fria, a dado momento é extremamente bluesy. Até encontrei neles elementos de rockabilly. A primeira vez que os vi reparei que tinham algo de visceral e apeteceu-me logo trabalhar com eles. No fundo tudo o que possui sentimento e integridade artística tem blues. E é isso o que procuro. O blues é também algo que aprendemos a descobrir.
. Nos últimos anos tem surgido nos EUA a chamada electronic tape underground scene onde pontuam bandas como os Nautical Amanac, Wolf Eyes e Mammal? Já ouviu alguma coisa destes grupos?
- Não. Na verdade devo dizer que ando mais a ouvir-me a mim mesmo. Há uns anos atrás estava a par de tudo o que estivesse relacionado com a minha música. Agora, porém, limito-me a estar comigo mesmo. E isso foi uma das poucas coisas que aos poucos, ao fim de 30 anos, aprendi a fazer. Quando alguém me cede um disco para ouvir ou me fala de uma banda já não presto a mesma atenção. As pessoas dizem que eu as influenciei e isso basta-me. É um pouco como esta cena do electroclash, da qual dizem que somos os padrinhos. Sejamos então. A minha disponibilidade já não é a mesma. Tenho um filho de quatro anos e essa é uma condição que me transformou muito. Passei a ver o mundo não só com os meus olhos, mas também pelos olhos dele. Ao mesmo tempo sinto que o meu trabalho está a melhorar. Mas voltando ao que ando a ouvir posso dizer que o Mozart, o Miles Davis, e o John Coltrane me têm acompanhado bastante. É curioso porque sempre apreciei mais o Beethoven mas há três anos para cá comecei a ouvir Mozart com regularidade e descobri coisas fantásticas. Agora soa-me de uma maneira completamente diferente.
. Acha que é possível uma banda voltar a repetir uma situação como aquela que os Suicide viveram com “23 Minutes Over Brussels”?
- Não. Isso é totalmente impossível. Hoje já não se pode fazer ou dizer nada que consiga provocar as pessoas até esse ponto. Isso é, pelo menos, aquilo que eu penso. Não me parece que tal possa voltar a acontecer. A violência está em todo o lado, as pessoas vêem de tudo e já nada as pode salvar... (riso). Vivemos num mundo louco, repare na televisão e naquilo a que os miúdos estão expostos...
. Já não há então a possibilidade da música provocar um motim?
- Duvido. O que se pode fazer ainda?
. Se calhar permanecer quieto. Não fazer nada.
- Sim, é uma hipótese. Por falar nisso os Sex Pistols, num concerto em Nova Iorque, fizeram algo que eu sempre quis fazer. Permaneceram nos camarins enquanto eram filmados e no palco estava um écran que mostrava o que eles estavam a fazer. E isso era o concerto: os Sex Pistols sentados a conversar nos bastidores da acção. Nunca chegaram a aparecer em palco e provocaram, naturalmente, um motim. Portanto essa ideia é uma possibilidade: permanecer quieto no palco, um pouco como o John Cage. Eu porém não o faria. As pessoas pagam para nos ver e não vale a pena desapontá-las.
. Vão fazer digressões para promover o disco?
- Sim, vamos começar em Novembro com concertos em Londres, Berlim e Paris. Depois segue-se a Itália e mais tarde iniciaremos uma digressão pela América, que passará pelo Midwest e por Texas, onde já chegámos a tocar. Na verdade já não posso fazer tantas digressões como antigamente, devido às minhas responsabilidades paternais.


. Disse que os Suicide já tocaram no Texas. Como foram recebidos?
- De início pensei que nos iam matar. Fizemos lá um concerto, num festival, há cerca de uma ano e desconfiei mesmo que ia ser assassinado. Tocámos no mesmo palco que o Johnny Cash e o Willie Nelson, o que foi para nós uma honra, e descobrimos que a nossa audiência era muito jovem. Provavelmente a maioria daquele público ainda não tinha nascido quando os Suicide apareceram. Havia até pessoal envergando chapéus à cowboy e o sítio estava cheio. Nesse dia tocámos duas horas e de facto adoraram-nos. No Texas, quem diria!! E sabiam as letras das canções!! Ou seja os Suicide encontravam a sua audiência. 30 anos depois.
. Porque acha que a audiência era assim tão jovem?
- Acho que à medida que envelhecem, as pessoas acabam por assentar. Casam-se, têm filhos, arranjam empregos estáveis e deixam de ouvir música ou de seguir as bandas. A música é uma coisa jovem e rebelde que tendemos a fazer enquanto somos jovens. Quando envelhecemos deixamos de ouvir o que os putos andam a ouvir. Nos anos 70 passava horas a ouvir de tudo mas as coisas mudam. Ainda assim continuo sem saber porque razão há tantas pessoas a seguirem-nos.

José Marmeleira


THIS.CO
PROJECTO SONDA

Electrónica Do It Yourself
Projecto Sonda e Thisco são dois peculiares modos de estar no universo da electrónica nacional, dois portos de abrigo para uma série de projectos que, em conjunto, têm quebrado barreiras e, muito por culpa da sua atitude “Do It Yourself” (DIY), e persistência, sido capazes de inverter as regras do jogo. A Mondo Bizarre falou com Luís van S. e Fernando Cerqueira, respectivamente dos Sci-Fiction Industries e Ras.Al.Ghul, por parte da This.co e com David Banasulin, dos Ultimate Architects, em representação do projecto Sonda.







THIS.CO
. O que é a This.co?
L.v.S. - Uma editora totalmente independente nacional, por um lado. Por outro é um exercício de sado-masoquismo levado a cabo por todos os artistas que agregamos.
. O que levou à criação da This.co?
F.C. – A necessidade de dar um passo em frente, o que de certa forma veio a acontecer. Não em Portugal mas sim além fronteiras onde os Ras.Al.Ghul reforçam a sua posição e onde os Sci-Fi Industries são recebidos com excelentes críticas.
. Porquê a palavra This e porquê o simbolismo de lhe atribuem, inclusive a formas como “Thiscover” e “Thistroy”? E quanto à frase “Spread The Thisease”?
F.C. – Após vários anos infiltrado e contaminado por diferentes “caminhos” e organizações esotéricas/ocultistas bem como a minha necessidade de me comprometer socialmente, concebi This como uma alternativa consciente à vulgaridade reinante. O conceito This descreve-se como um organismo vivo de indivíduos dentro de um corpo invisível que tem como objectivo a não aceitação da alienação, conformismo, mediocridade e da apatia geral que consome os indivíduos na corrosão do desencanto, na melancolia do novo dia que nasce, numa indigna resignação, na raiva absurda de revoltas sem revolução. Spread the thisease – doença/vírus/propagação infecciosa/memes/contagioso padrão informativo que ao reproduzir-se, infecta a mente humana e altera-lhe o comportamento. Espalhem A Doença! Em This a simbologia tem a finalidade de nos fazer sentir interligados como um todo e ajudam-nos a comunicar uma ideia mais facilmente e reforçar a identidade, interpretada de forma diferentes por indivíduos diferentes.
. E porque optaram pela electrónica como modo de expressão?
L.v.S. – Quanto a mim resume-se ao facto de, após várias tentativas falhadas com bandas rock, verificar que as coisas nem sempre correm bem e que face a isso as pessoas tendem a deixar os ensaios e o trabalho do grupo para trás. Em contrapartida as máquinas não faltam aos ensaios, a criação surge espontaneamente, sem hora marcada. Mas posso assegurar que oiço muito mais rock ‘n’ roll alternativo que electrónica! A This.co está e tem estado disponível a outras formas de criação, vejam o caso de Matt Howden. Ser outsider é razão mais do que suficiente para ingressar nas nossas linhas.
. Acha que a política de “Faça Você Mesmo”, é, apesar de trabalhoso, artisticamente mais compensadora? E monetariamente?
L.v.S. – Sem dúvida! Se ficarmos à espera que alguém pegue no nosso trabalho neste país nunca sairíamos do quarto das máquinas! Gostaríamos de chegar ao maior número de pessoas possível, por isso todo o catálogo está disponível a nove euros, as vendas ainda são pouco significativas, mas o dinheiro não é motivação, ajuda apenas a concretizar sonhos.
. Como vê o facto d eo primeiro trabalho dos Sci-Fi Industries, “Dead People On Stylish Chairs” ter sido praticamente ignorado em Portugal mas extremamente louvado pela imprensa internacional mais ligada à electrónica?
L.v.S. – Portugal é o país do interruptor. Ora acende o pop desligando o rock, ora liga o house apagando o breakbeat, e assim sucessivamente, dando a ideia que o resto do mundo faz o mesmo. Lá fora as pessoas estão mais receptivas fazendo uso de critérios pessoais sem ter de fazer tábua rasa, como cá. Na corrente electrónica todos diziam ter o jazz como referência, agora não vivem sem os ritmos brasileiros, muito em breve todos dirão ter ficado marcados pelas bandas dos anos 80! Que conveniente! A imprensa internacional realçou efectivamente o facto de ser uma sonoridade nova e exótica, vinda de um país que não tem historial além fronteiras. Os Ras.Al.Ghul e Sci-Fi Industries tiram partido disso e convidam outros projectos a fazer o mesmo.
. A ignorância a que o seu primeiro disco foi votado não o impediu de lançar recentemente um segundo álbum, “Architectural Development”. A que se deve tal perseverança?
L.v.S. – Não posso desistir só porque estou invisível!! Aliás, a This.com tem primado pela invisibilidade em Portugal enquanto já goza de credibilidade na Europa. Há inclusive lojas da nossa capital, e com responsabilidade editorial, que nos vedam a venda! Sou um pintor impelido pela necessidade de criar, podendo nunca vir a vender uma tela sequer. Para agora seria dar razão aos que nos ignoram, desiludindo todos aqueles que nos apoiam cá, e especialmente, lá fora.
. Como é que os Ras.Al.Ghul chegaram até à editora espanhola Testinground?
F.C. – A Testinground andava à procura de novos grupos e como eles são amigos dos organizadores de um concerto nosso em Barcelona, os mesmos deram-lhes discos nossos, a Testinground mostrou-se interessada e o resto aconteceu naturalmente.
. Como explicaria as compilações da This.co a alguém que não está familiarizado com os projectos aí incluídos?
L.v.S. – São resultado do intercâmbio dos Ras.Al.Ghul, do Fernando em particular, com uma série de artistas e projectos mundiais, muitos deles de renome, que nos têm enviado criações suas sem qualquer tipo de condicionalismos estéticos. Poderão ficar com a ideia de alguma aleatoriedade, mas o facto é que os CDs representam uma enorme fatia da criação electrónica contemporânea, verdadeiramente underground, livre e libertária.
. Que recepção obteve a primeira compilação da This.co? Quais são as grandes mudanças entre o primeiro e o segundo volume da compilação?
L.v.S. – As reacções foram muito boas! Column One e Marc Wannabe figuraram algumas semanas (após o lançamento do CD “Thisconnected” na revista Wire), num especial sobre a nova electrónica de Berlim, o que nos realçou lá fora! A segunda compilação “Thisoriented” é mais negra e paradoxalmente mais pesada e acelerada. Penso que os trabalhos dos artistas convidados reflectem bem o estado de espírito da This.co criando uma atmosfera desconcertante. A capa volta a enganar aqueles que se deixam guiar pelas aparências: na “Thisconnected” as pessoas pensavam em metal/dark/industrial e nesta o layout sugere algo diferente, tipo “Warp”. A não existência de uma linha estética é só por si uma linha estética.
. Quais as dificuldades que têm encontrado para apresentar ao vivo os projectos da This.co?
L.v.S. – As dificuldades surgem, principalmente por não existirem locais. As salas desapareceram, os clubes nunca existiram, os bares preferem o DJ e o conceito de concerto está resumido às prestações de bandas. Um tipo com uma série de máquinas, que não põe obrigatoriamente as pessoas a dançar, não goza de muita credibilidade. Ora aqui estão mais uma série de bons motivos para continuar!


PROJECTO SONDA


. Como e quando nasceu o projecto Sonda?
- A ideia já existia desde finais de 2001, entre mim e o Bernardo Barata (baixista de José Castro e manager de TV Rural). Formalizou-se em Maio de 2002.
. Porque optaram por uma edição conjunta?
- Esta edição é um sampler caseiro, que pretende dar uma amostra das diferentes vertentes de cada banda. Daí que tenhamos resolvido colocar 2 temas de cada projecto.
. O que levou à inclusão destes quatro projectos – Asiouasi, Zé Castro, The Ultimate Architects, TV Rural -, e não de outros?
- A existência de cumplicidade entre todos. Em determinada altura já todos tocámos uns com os outros e às tantas, íamos asistir aos concertos uns dos outros... até que resolvemos assumir uma forma de colectividade.
. Porquê a vertente electrónica como modo de expressão?
Para os Ultimate Architects a electrónica representa uma espécie de “ver e sentir a quatro dimensões”, em relação ao espectro normal de três dimensões que rege os nossos sentidos. É um “admirável mundo novo” à espera de ser manipulado, explorado mas, sempre com um sentido de equilíbrio.
. Quais têm sido as reacções ao disco? Acha que há espaço no mercado e no mundo da música nacional para um projecto deste género?
- As reacções que me chegam são bastante boas e faço esta medição pela quantidade de pessoas com gostos e ideologias musicais distintas que estimam este trabalho. Dá-me uma grande satisfação atingir este cruzamento de pessoas. Acho que existe um nicho de mercado em Portugal para este tipo de projecto. A electrónica tem vindo a abrir portas há três anos e a prova disso são espaços como o Frágil, Incógnito, Maus Hábitos, etc. que têm feito algumas acções com bandas desta vertente.
. Acha que a política de “Faça Você Mesmo”, é, apesar de trabalhosa, artisticamente mais compensadora? E monetariamente?
- É trabalhosa, sim. E muito mais, sem sacrifício não se vai a lado algum. É compensadora no sentido em que quando alcançamos alguma coisa, sabemos que se deve só a nós e ao nosso esforço. Sentimos o ímpeto de continuar. Quanto à parte financeira, ninguém se mete na música pelo dinheiro (pelo menos no nosso cantinho, em Portugal). Até podermos física, mental e humanamente, continuaremos a nossa luta.
. Porque optaram os Ultimate Architects pela recuperação e reactualização da electrónica de cariz mais sombrio dos anos oitenta?
- O lado negro da arte foi algo que sempre me atraiu, seja pintura, poesia, cinema. Todos nós, em maior ou menor grau, somos atraídos pelo lado mais obscuro das coisas que nos rodeiam. A questão é que nós demonstramo-lo sem preconceitos e receios. Quanto aos anos 80 (electro) é uma referência incontornável.
. O que representa para si o facto de os Ultimate Architects terem sido convidados para integrar a colectânea de projectos nacionais da This.co?
- É um sinal de que, “nas sombras da indiferença, algo se move”. É uma grande honra podermos estar presentes numa compilação feita por pessoas que, assim como nós, se deparam com imensas dificuldades. Mas, o desejo que as move é o mesmo que nos move e faremos tudo para estar e participar na divulgação da electrónica do nosso país.
. Há alguma razão especial para o modo como os Ultimate Architects se apresentam em palco – com camisas escuras meticulosamente engomadas e gravatas?
- Pretendemos recriar um imaginário que primava pelo gosto estético e representava um determinado período de grande proliferação e experimentação musical. É uma homenagem, de certa forma, aos pioneiros dos anos 80, servindo de desculpa ao mesmo tempo para cada um de nós encarnar uma personagem do universo arquitectónico.
. Quais as dificuldades que tem encontrado para apresentar ao vivo os projectos da Sonda?
- Todas e mais algumas mas, temos que agradecer a alguns media que nos têm “estendido a mão”. A FNAC surge também como um local obrigatório de passagem pela abertura e mentalidade que tem e estão a fazer o que muitos media não fazem: apoio à música portuguesa independente do género e credo. Como sabemos não há muitos espaços para apresentações ao vivo mas... vamos criá-los. Este ano vamos fechar o circuito FNAC, Frágil e Maus Hábitos. Para o ano estamos a planear fazer um Festival Sonda.

Raquel Pinheiro








19.12.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (9) - Mondo Bizarre - Nº 7 - Maio de 2001


Mondo Bizarre
Nº7
Maio de 2001
Revista Trimestral - Portugal

Prosseguindo com a divulgação da Mondo Bizarre...

A apresentação deste fanzine / magazine / revista já foi feito neste post.

 Rough Trade

A Lojinha Das Delícias

Será que estamos todos a ficar saudosistas? Ou é mesmo normal este recuperar do passado recente? Cada década recuperou a anterior e agora que até as revistas de moda estão pejadas de figurinos que misturam o punk com as mais atrozes roupas dos anos 80, "Rough Trade Shops, 25 Years" é a caixa certa na altura certa.









Portobello Road, Camden Market. Nomes onde a música popular britânica e em especial o círculo londrino à volta do punk, da new wave e de todas as modas que se seguiram gravitava.
Durante anos, os portugueses não sabiam o que eram lojas de discos em segunda mão ou feiras de discos. Conheciam a Vandoma, a Feira da Ladra, e os mais afortunados iam a Londres e voltavam cheios de discos. Agora, claro, já todos compramos discos em segunda mão, e vimos o "Alta Fidelidade".
Um dos lugares ideais para comprar singles, 10", LPs de todos os géneros e feitios era (é) a Rough Trade. A Rough Trade começou quando Geoff Travis comprou o recheio de uma loja de discos e com ele abriu, em 1976, uma discoteca ali mesmo no número 202 da Kensington Park Road, pertinho de Portobello.
Não tardou que a loja começasse a receber visitas de gente cujos nomes não tardariam a tornar-se conhecidos: Mick Jones, Steve Jones, Nick Kent. O último era já jornalista do New Musical Express, os outros dois tornaram-se membros dos Clash e Sex Pistols.
Da loja às edições foi o passo seguinte. E é nesse contexto que, fora de Inglaterra, a Rough Trade se tornou mais conhecida. "Rough Trade Shops, 25 Years", dos Cabaret Voltaire e por toda a discografia dos Smiths, que foram, sem dúvida a banda que tornou a editora mais conhecida ou por discos dos Young Marble Giants, Go-Betweens, Buzzcocks e Sugarcubes.
Mas tanto a loja, hoje em dia situada na Talbot Road, evoluíram e foram acompanhando os tempos. Por isso, não admira que também os Chemical Brothers, Lemmon Jelly, Peaches, Clinic ou Echoboy façam parte desta caixa.
E claro, a par dos caixotes cheios de vinil, dos discos promocionais, do velho ar de loja de discos, a Rough Trade não perdeu tempo e pode também ser encontrada on-line. Quem quiser ter uma ideia, ainda que virtual, pode dar uma espreitadela em: www.roughtrade.com

Hugo Moutinho




13.12.14

Livros sobre música que vale a pena ler (e que eu tenho, lol) - Cromo #51: Luís Cangueiro - "Instrumetos de Música Mecânica"


Autor: Luís Cangueiro
título: Instrumentos de Música Mecânica
editora: Quinta do Rei - Lazer e Cultura, Lda
nº de páginas: 131
isbn: 978-989-20-0751-9
data: 2009 - Novembro (2ª Edição)

sinopse: 

Breve História da Música Mecânica
Reza a lenda que cerca de 2000 a.C. um imperador chinês recebera uma pequena caixa, oferta de um súbdito seu. Quando o imperador abriu a caixa, conta-se que do seu interior saiu uma mensagem sonora.
No Séc. I da nossa era, Heron de Alexandria descrevia no seu "Tratado Pneumática", autómatos e fontes musicais realizados por gregos, romanos e árabes. Mas é na Idade Média que nascem os verdadeiros instrumentos de música mecânica com a invenção dos relógios de pesos, aos quais se junta por vezes, um carrilhão mecânico, accionado pela rotação de um grande cilindro provido de cunhas, e dispostas de forma a reproduzirem uma ou mais melodias através dos diversos sons dos respectivos sinos. Ainda existem exemplares destes em Bruges, Salzburgo e outras cidades do norte da Europa.
É no Séc. XVII que o escritor francês, conhecido por Cyrano de Bergerac descreve numa das suas obras uma complicada caixa que permitia "ler com as orelhas". É ainda neste século que o fabrico de instrumentos de música mecânica sofre um considerável incremento, graças ao impulso de Atanásio Kircher, autor da obra "Musurgia Universalis", impressa em Roma no ano de 1650: as rodas de pás animam os autómatos e fazem mover cilindros ponteados, tocando melodias em órgãos hidráulicos. Infelizmente, a maioria destes instrumentos perdeu-se ou não se encontram em funcionamento.
Instrumentos mecânicos de grande dimensão eram instalados ao ar livre, nos parques dos castelos ou de residências nobres, reservados às elites, e movidos pela força hidráulica da água caindo sobre rodas. Foi todavia a substituição dos pesos por molas que permitiu a miniaturização e o aperfeiçoamento dos carrilhões e dos órgão automáticos.
Augsburg, depois Paris, Londres e o Jura na Suiça, transformaram-se em importantes centros de produção.
Na segunda metade do Séc. XVIII, a burguesia apaixona-se por este tipo de música: instalam-se jogos de capainhas nos relógios de parede das casas, produzem-se órgãos, harpas mecânicas, constroem-se "pássaros cantores" e espectaculares autómatos musicais, tais como, a "tocadora de tímpanos" de Kintzing e Roentgen, executada em 1784 para Maria Antonieta. Relojoeiros prestigiados desta época, também fabricantes de verdadeiras obras de arte, exportam inclusivamente para a Índia e China.
Duas obras teórico-práticas "A tonotecnia ou arte de gravar os cilindros" publicada em 1775, pelo P.e Engramelle e a monumental "Arte do fabricante de órgãos" da autoria de D. François Bedos de Celles, representam a súmula dos conhecimentos da época sobre esta matéria, permitindo ainda realizar grandes progressos no fabrico de instrumentos de música mecânica.
No Séc. XVIII, inicia-se também a produção de órgão de "barbarie" e de serinetas, instrumentos destinados a um público mais modesto, para serem sobretudo ouvidos na rua.
O barão Kempelen constrói nesta época o "turco falante", um boneco que se movimentava e "falava".
Quando o mestre relojoeiro genebrino Antoine Favre (1734-1820) inventa, em 1796, um mecanismo de música utilizando lâminas vibrantes de metal, produzem-se principalmente na Suiça e em França, sobretudo a partir de meados do século XIX, dezenas de milhar de caixas de música com cilindro, de todos os tamanhos, e que são exportadas para todo o mundo. Instalam-se estes mecanismos musicais nos mais divresos objectos: autómatos, quadros-relógios, garrafas, caixas rectangulares e redondas, peanhas, cadeiras, isqueiros, álbuns de fotografias e muitos outros objectos.
Será necessário esperar que Paul Lochmann invente em 1886 o disco metálico, que vai permitir um maior volume sonoro do que o cilindro tradicional. Começam então a surgir estes novos instrumentos mecânicos de pequenas e grandes dimensões, produzidos por marcas conceituadas como Polyphon, Regina ou Symphonion entre outras. Rapidamente vão sendo adquiridos para tocar em casas particulares ou para animar os cafés, os salões de dança, os cabarets, etc.
O piano, graças à sua robusta mecânica e à sua potência sonora, está divulgadíssimo, do "bastringue" com o seu enorme cilindro em madeira, aos "orchestrions_", ornados de tambores, címablos, castanholas, xilofones, etc. Será justo reservar um lugar de relevo para os pianos pneumáticos, de pedais ou eléctricos, e também para as pianolas, produzidos a partir de finais do Séc. XIX, cujas melodias eram registadas em rolos de papel perfurado.
Neste período, surgem ainda os grandes órgãos de carrocel, de feira ou de baile, tendo ficado célebres alguns dos fabricantes, tais como Limonaire ou Gavioli.
Pelo que acabamos de expor, podemos considerar o Séc. XIX, o "século de oiro" dos instrumentos de música mecânica. Foram as invenções do cartão e do rolo de papel perfurado, que vieram permitir o seu fabrico em maior escala. Uma nova clientela, que na sua maioria não sabe tocar qualquer instrumento, começa a ter acesso fácil à música.
Entre a segunda metade do séc. XIX e os primeiros anos do séc. XX, a produção de instrumentos de música mecânica conheceu o seu auge, não só pela diversidade dos modelos fabricados, como também pela sua grande divulgação na Europa e na América. Espalharam-se rapidamente aos milhares por casas particulares, lugares públicos, ruas, cafés, salões de dança, cabarets, gares, restaurantes e outros locais.
Este extraordinário florescimento de invenções e de produção de instrumentos de música mecânica, foi sendo lentamente asfixiada pelo aparecimento do fonógrafo e do gramofone, sobretudo depois de 1900, e mais tarde pela telefonia, únicos meios capazes de reproduzir a voz humana.





10.12.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (8) - Mondo Bizarre - Nº 6 - Fevereiro de 2001


Mondo Bizarre
Nº6
Fevereiro de 2001
Revista Trimestral - Portugal

A apresentação deste fanzine / magazine / revista já foi feito neste post.


THE FALL

A Luta Continua

Com uma existência que remonta ao final dos anos setenta e com dezenas de álbuns no activo, o que não é coisa que se encontre todos os dias, os The Fall, de Mark E. Smith, são uma raridade. Seja pela longevidade, seja pelo carácter irascível do seu líder. "The Unutterable", saído no final do ano passado, mantêm toda a fúria dos primeiros discos.


Em 1977 Manchester era um fervilhar de bandas, ideias, acontecimentos. Rapidamente a cidade se tornou um dos centros do punk e da new wave britânica, dando ao mundo os Joy Division, os Buzzcocks, e os Fall. Com um nome tirado do livro homónimo de Camus, os Fall (ou seja, A Queda), tiveram em "Short Circuit, Live At The Electric Circus", um disco que se tornou um marco do espírito manchesteriano da altura, a sua primeira exposição pública. Seguiu-se "Live At The Witch Trial", o álbum de estreia, que era um chinfrim desenfreado e descoordenado. Depois vem "Dragnet", o primeiro mergulho dos Fall no universo da dança, aqui em estado latente. A seguinte a realização do grupo digna de nota é "Xex Induction Hour", disco onde a paranóia sonora é domesticada e transformada em canções hipnóticas e ritmadas. "Perverted By Language" e "The Wonderfull and Frightening World Of The Fall", dois trabalhos de raiz mais pop, muito influenciados pela então mulher de Mark, Brix E. Smith.
1985 é o ano de "This Nation Saving Grace", o disco mais emblemático da banda. Manifesto político, saído da cabeça de Mark ao observar a Inglaterra infeliz e quase destruída de Margaret Tatcher, "This Nation Saving Grace" é a primeira síntese coerente entre o rock áspero, visceral e sórdido dos Fall com os sintetizadores, tudo condimentado por guitarras ferozmente sónicas. E a política continua a ser o mote de "Bend Sinister" um regresso ao som sujo e pouco sofisticado dos primeiros tempos. "Extricate" de 1990 é o paraíso dos sintetizadores e caixas de ritmos e abre caminho para este "The Unutterable". "The Unutterable" saído no final do ano passado, é uma súmula dos sons praticados pelos Fall ao longo dos seus 23 anos de carreira. As guitarras rugem sob um fundo maciçamente electrónico e dançável por cima do qual Mark E. Smith continua a cuspir as suas vítriolicas letras. Os Fall nunca tiveram uma carreira de sucesso, nunca arrebataram os primeiros lugares do top mas permanecem uma referência incontornável da música britânica. Presume-se que assim será até ao dia da morte de Mark E. Smith.



Raquel Pinheiro

 





7.12.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (7) - Mondo Bizarre - Nº 5 - Novembro de 2000


Mondo Bizarre
Nº5
Novembro de 2000
Revista Trimestral - Portugal

Consegui obter a quase totalidade dos números da revista Mondo Bizarre, que se publicou entre 1999 e 2006, aquando das minhas frequentes visitas à discoteca Carbono. Foi uma revista / magazine gratuita mas muito interessante do ponto de vista do conteúdo. Publicada, a preto e branco, em appel de jornal, formato A4, contava entre os seus colaboradores algumas das maiores luminárias jornalísticas do rock e pop alternativo / indie.
Pela capa que abaixo publico, do seu número 5, poderão aquilatar da variedade de géneros musicais tratados, que eram todos os que se movimentavam nas margens. Cada número, além de inúmeras recensões aos discos que iam saindo, publicava ainda artigos de fundo e entrevistas com bandas / artistas de renome nacional e internacional. Foi uma pena o seu desaparecimento, que só não foi total pois foi mantido um blog: http://mondobizarremagazine.blogspot.pt/, que também já não está muito activo, sendo agora a sua intervenção, muito mais pobre (sem desprimor), feita através do facebook, em: https://www.facebook.com/mondobizarremagazine

Como é habitual, escolhemos sempre um conteúdo para ilustrar o magazine em apreciação, neste caso uma interessante entrevista de Ann Shenton, dos Add N To (X).



ADD N TO [X]
Sexo Analógico e Rock ‘n’ Roll

Este podia muito bem ser o lema dos ADD N TO [X] já que compreende três dos principais interesses dos seus elementos. A propósito do novo álbum “Add Insult To Injury”, marcaram encontro com a imprensa no “Peep Show” da Calçada da Glória. À Mondo Bizarre calhou a sorte de falar com Ann Shenton, a princesa do sexo analógico.

. Até que ponto é que a pornografia influencia a vossa música? Ou será que tudo não passa de um “great rock ‘n’ roll swindle”?
- Sempre tivemos interesse sobre a dualidade homem/máquina, numa perspectiva sexual, e decididamente subscrevemos essa palavra com os nossos concertos. Para nós a sexualidade, o rock ‘n’ roll e a maneira como lidamos com o nosso equipamento analógico não são coisas forjadas. São coisas naturais. No entanto, há tanta gente que se limita a ficar atrás das suas racks de material digital e não faz nada... Tentamos fazer mais do que isso e interagir com as máquinas. Isso pode ser uma experiência bastante sexual. Nós queremos foder com as máquinas.

. Mas quem toma o papel activo?
- É como no vídeo de “Metal Fingers”, a mulher é que está a foder o robot até ele rebentar. Isso é fantástico...

. Por falar nos vídeos, quem é que os faz?
- Somos nós que os dirigimos. Eu tinha uma amiga que era animadora. Nós tínhamos a ideia geral do vídeo, eu desenhei o cãozinho e o resto, ou seja, a mulher com o robot na cama, fomos buscar a uma revista que encontrámos no lixo, em Bruxelas perto do “red light district”. Foi instintivo. Decidimos logo que era isso que queríamos fazer no vídeo. Esse tipo de coisas acontecem-nos com frequência. Por exemplo, um dia, enquanto vagueávamos pela rua, encontrei um Korg MS20 no lixo e se isso não tivesse acontecido, talvez a banda não existisse e eu não estaria aqui. Nós levámo-lo para casa e usámo-lo e achámos que tinha um som fantástico. Se não fosse ele talvez não tivéssemos tentado procurar mais material analógico.

. Alguma vez vos chamaram sexistas, apesar de terem uma mulher na banda?
- Nunca. Só na Internet é que falaram sobre isso por causa da capa do “On The Wires Of Our Nerves”, em que estou deitada numa maca com um sintetizador analógico a sair da barriga, numa situação semelhante à de um parto por cesariana. Houve algum burburinho sobre isso, mas nunca nos chamaram sexistas, exactamente por eu fazer parte da banda e ter consciência do que é certo ou errado. Não sou daquelas mulheres que nega qualquer tipo de sexualidade, mas se acho que as coisas estão a tomar um rumo pobre e estúpido, então não são concretizadas.

. Neste caso, pode dizer-se que é a censora?
- Não propriamente a censora. A banda sou eu, o Barry e o Steve e todos nós temos sentido de humor, mas as coisas seriam diferentes se a banda só tivesse homens.

. As pessoas compreendem o sentido de humor que tentam aplicar ao projecto?
- Pelo facto de haver uma mulher na banda é saudável haver este elemento sexual e, convenhamos, toda a gente está interessada em sexo. Não é só sensacionalismo, toda a gente é programada para ter interesse nisso quer goste ou não. É como estarmos aqui numa sex shop, é o único sítio aberto a esta hora do dia onde podemos mostrar o nosso novo vídeo sem ninguém se escandalizar. (risos)

. A banda já existia antes de se juntarem à Mute. Como é que o Daniel Miller vos descobriu?
- Ele foi ver um dos nossos concertos. Enquanto tocávamos, eu estava sempre a ver se conseguia descobrir ou cheirar o fumo dos seus cigarros, o que queria dizer que ele estava lá e que estava a gostar. Depois ele esteve em minha casa para falarmos um pouco e eu nem sabia que ele era o tipo dos Normal e que tinha escrito o “Warm Leatherette”. Quando ele saiu liguei ao Barry e foi aí que ele me disse que o Daniel Miller era dos Normal. Eu tenho esse disco e adoro-o, mas nem associei a pessoa. Pensei para mim: “Oh meu Deus, ele esteve em minha casa e eu nem sabia...”.

. Aliás, alguma da vossa música vai beber muito a esse tema. Concorda?
- Temos o mesmo feeling. Até certo ponto não podemos fugir muito a isso pois não?... No entanto a Mute veio numa altura importante para nós. A Satellite teve muita coragem em apostar em nós e por um lado sentimo-nos mal em abandonar o barco, mas era um passo que tínhamos de dar para andarmos para a frente.

. Gravaram parte de “Add Insult To Injury” em Sheffield. Também vos interessam todas aquelas bandas míticas dessa cidade – como os Cabaret Voltaire ou Huma League -, que foram pioneiros na utilização dos sintetizadores e material analógico antes de passarem ao digital?
- Sim, aliás Sheffield era a casa dessas bandas. Há uma história engraçada passada lá durante as gravações. Num dos intervalos fomos a um pub e estava lá o Phil Oakey (líder dos Human League) a olhar para as pessoas do tipo “sabem quem eu sou?” e depois apareceu a loira, que se chama Susan, e começou a olhar exactamente da mesma maneira. É impressionate a maneira como ela tem o cabelo da mesma maneira há anos. Parece que pararam no tempo. (risos)

. No entanto, as vossas influências não se ficam apenas por Sheffield...
- Claro que não. Nós ouvimos um pouco de tudo, desde Scott Walker, Wagner, Beethoven, Pierre Henry, Edgar Varese, Country & Western... Eu não gosto muito quando as pessoas são “especializadas” e só ouvem um determinado tipo de música, só vão a um determinado local, só saem com um determinado tipo de pessoas.

. Vocês também tentam transmitir uma imagem gráfica bastante forte. No entanto, a capa deste novo disco é bem menos “analógica” que as anteriores.
- Esta capa tem uma história estranha por trás. Imagina quando encontras no meio da rua uma luva perdida ou um sapato de bebé, ou quando aconteceu um acidente e ainda se podem ver alguns destroços na beira da estrada. Começamos a pensar o que é que aconteceu ali, o que é que se passou. Neste caso, eu e o Steve íamos por uma estrada no meio da noite, eu tinha uma pala na cabeça e de repente o Steve arranca-ma e diz: “tira isso, odeio isso”. A pala voou para os arbustos e ficou um quadro como aquele que te descrevi, do tipo: o que é que aconteceu aqui, será que alguém foi atacado ou...

. Tipo o “Blair Witch”?
- É isso, mais ou menos. O filme é um bocado desapontante, mas depois de o vermos tentámos assustar-nos para ver o que acontecia. Nós vimos o filme o ano passado no dia de Halloween. Fomos até Hamsterkeith, em Londres, e começamos a andar pelo bosque, e eu e alguns dos meus amigos ficámos perdidos, enquanto outros dois amigos estavam a tentar assustar-nos. Essa experiência foi mesmo assustadora, porque se estás num bosque, à noite, e andas normalmente, tudo bem, mas se começas a correr perdes a direcção e aí a ficar petrificado. Mas sentes-te bem. É como nós quando vamos para cima do palco, ficamos sempre petrificados, mas sabe tão bem... O nervosismo e o entusiasmo são coisas semelhantes, depende de como se lhes queira chamar. Quando vou para cimo de um palco fico tão nervosa que me tenho de auto-convencer que estou mesmo entusiasmada. Faço isso e bebo umas quantas vodkas. (risos)

. Como é que transportam o material dos discos para os concertos?
- Mantemo-nos fiéis a nós mesmos. A única diferença é que ao vivo temos que utilizar um sampler, porque muito do material é escrito num Mellotron e não o podemos levar em digressão porque é muito antigo. O nosso pertencia aos Procol Harum, Marillion, e agora pertence aos Add N To (X). Nós até somos membros do Mellotron Worlwide Club. Mas não o podemos levar para os concertos, porque seria a mesma coisa que levar a nossa avó em digressão. Daí que temos que samplar essas partes.

. Hoje em dia está muito na moda os elementos de bandas electrónicas colocarem discos em clubs. Alguma vez fez de DJ?
- Temos um amigo nosso que tem um clube em Londres chamado The Score. Eu fiz lá uma sessão há seis meses atrás e o bar ficou vazio em cerca de 5 minutos... (risos)

. O que é que passou, que fez assustar os clientes dessa maneira?
- Cânticos da Mongólia, Abba, Sex Pistols e a finalizar Black Sabbath, que foi quando a última pessoa saiu...

Hugo Moutinho





3.12.14

Livros sobre música que vale a pena ler (e que eu tenho, lol) - Cromo #50: Nikolaos Kotsopoulos (editor): "Krautrock - Cosmic Rock And Its Legacy"


Autor: Nikolaos Kotsopoulos (editor)
título: Krautrock - Cosmic Rock And Its Legacy
editora: Black Dog Publishing
nº de páginas: 192
isbn: 978-1-906155-66-7
data: 2009

sinopse: 

Os anos finais da década de 1970 na Alemanha Ocidental, froam um período de rupturas, agitação e revolução. As comunas espalharam-se como cogumelos, foram organizados protestos por todo o país, o desejo de ciniciar algo de nnovo permeou a juventude. Fora deste clima, uma cena musical explodia e mudaria para sempre a face do rock do mundo ocidental; por vezes anárquico, outras místico, mágico, ou utópico, ele empurrou o rock para além dos limites então conhecidos.
Nunca um género ou movimento per se, o Krautrock englobava uma grande diversidade de sons quase todos eles muito silvestres, assim como de atitudes, músicos antigos, do free jazz a Karlheinz Stockhausen, dos Dada ao Fluxus, do Romantismo Germânico aos Mothers of Invention. Os músicos operavam fora de qualquer categoria musical até então conhecida, cavando um novo tereno e voltando as costas quer ao passado do seu próprio país quer ao convencional rock anglo-saxónico. A sua visão fez disparar imaginações de geraçoes de músicos que se lhe seguiram: Cabaret Voltaire, Brian Eno, Nurse With Wound, PiL, DAF, Einstürzende Neubauten, apenas para citar uns quantos, todos eles creditaram o Krautrock como grande influência, referindo a sua ética descomprometida e a inovação sonora.
Da batida rígida da bateria dos Amon Düül, ao misticismo tingido de orientalismo dos Popol Vuh e aos assaltos sónicos de Conrad Schnitzler, Krautrock: Cosmic Rock and Its Legacy traça a história deste fenómeno. Ilustrado por fotos de concertos, posters, capas de discos e outro material visual raro, inclui ensaios de Michel Faber, Erik Davis, David Stubbs, e testemunhos de Gavin Russom (Delia and Gavin / Black Meteoric Star), Plastic Crimewave, Stephen Thrower (Coil / Cyclobe), e Ann Shenton (Add N to (X)) este é um compêndio essencial de uma música cujo espírito e ideias ainda vibram hoje em dia na cultura contemporânea.

Perfis das Bandas incluídos:
Agitation Free
Amon Düül
Amon Düül II
Anima
Ash Ra Tempel
Between
Can
Cluster
Cosmic Jokers
Embryo
Et Cetera / Wolfgang Dauner
Faust
Floh de Cologne
Gila
Sergius Golowin
Guru Guru
Harmonia
Kraftwerk
La Düsseldorf
Limbus
Nektar
Neu!
Popol Vuh
Achim Reichel
Conrad Schnitzler
Klaus Schulze
Xhol Caravan
Uli Trepte
Tangerine Dream
Walter Wegmüller
Witthüser And Westrupp

Produtores
Gerhard Augustin
Dieter Dierks
Rolf - Ulrich Kaiser
Conny Plank

Editoras
Bacillus
Brain
Kosmische Musik
Kuckuck
Ohr
Philips
Pilz
United Artists / Liberty







29.11.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (5) - Ritual - Nº 12 - Setembro / Outubro de 1990


Ritual
Nº 12
Setembro / Outubro de 1990
Revista Bimestral - Liége - Bélgica (em Francês)

A Ritual foi uma revista / Magazine musical dedicada à música indie, conforme se pode constatar na foto da capa que vos deixo abaixo.
Fica aqui a referência ao seu número 12, cujo conteúdo e tipologia musical abordados facilemnte se podem inferir a partir das chamadas de capa que a figura abaixo representa.


Talhada Independentemente & de Mentalmente Estranha

A cena musical independente francesa tem deixado uma impressão desagradável de trabalho por fazer, de inactividade, de tédio. As tentativas de algumas etiquetas e distribuidores são por isso louváveis e interessantes. A cena underground / alternativa beneficiou fortemente do trabalho de gente como Vita Nova (Grenoble), Les Ballets Mécaniques (Toulouse) ou ainda dos Les Disques Du Soleil Et De L'Acier. Mais recentemeente, a Permis de Construire e a Odd Size parecem ter ganho algum relevo. O último número da Ritual mencionava as edições de Dreaming Togheter e do álbum colaborativo (split album) Face To Face, com Die Form e Asmus Tietchens para a Odd Size. Impõem-se pois algumas palavras sobre esta nova editora.

A Odd Size tem a sua base em Paris. A etiqueta foi criada há dois anos pelos audiófilos (um dos seus fundadores não é um membro dos Nox?). Editaram uma primeira compilação internacional (Ciguri) e os discos dos Die Form, Dreaming Togheter, sendo que sai agora um novo volume da série Face To Face, com H.N.A.S. e Vox Populi ! ... Dois grupos que entravam já na compilação Ciguri.

Os H.N.A.S. (Hirsche Nicht Auf Sofa) de Aix La Chapelle propõem-nos uma música fora de qualquer categorização evitando todas as conotações fáceis e apresentando um estilo muito próprio. Fazendo lembrar os Nurse With Wound de início, os H.N.A.S. criam a sua própria ambiência musical onde cada parcela sonora evoca o mistério e provoca uma escuta atenta que nos embebe num ambiente de sonho. Os Vox Populi ! são originários de Paris. O seu primeiro álbum, Mysticismes, de 1986, maravilha-nos pela sua atmosfera planate e envolvente. A formação aqui presente, Home, Femme, Autruche Ou Radiateur parece mais trabalhado, mais cuidado e melhor produzido. As cinco faixas oferecem-nos cada uma um aspecto particular colocando em evidência os recursos de Axel Kyrou e dos seus companheiros. Permanent Revolution, por exemplo, é uma peça pessoal de funk original. Permanent Revolution Part 15 faz sobressair as guitarras tortuosas, que criam um clima pesado e lânguido.

Paralelamente à actividade de editora de discos, a Odd Size lançou-se também no papel de distribuidora e abriu uma loja. O catálogo de distribuição está já bem fornecido e compreende uma série de pequenas etiquetas (K7 e outras) francesas que até ao momento têm encontrado grandes dificuldades de distribuição: Vox Man, V.P.231, Electro-Institut, Illusions Productions... As etiquetas de outros países, tais como a Dossier (RFA), Atonal (RFA), Sterile (UK), Touch (UK), Insane Music (Bélgica), SST (USA) estão também representadas na distribuição.

Paradoxo: o negócio do catálogo com a SJ Organisation que já estava especializado na distribuição em França da maior parte das etiquetas supracitadas. O fim provável das suas actividades não entristecerá os fãs, pois a Odd Size virá, certamente, ocupar o seu lugar.

Finalmente, a abertura do armazém é uma boa coisa. Uma cidade como Paris tinha necessidade de , depois de muito tempo, ter uma coisa assim para os musicófilos, que seja uma alternativa ao mercantilismo das grandes superfícies do disco e à inevitável New Rose. Lugar de descobertas sonoras mas também um ponto de encontro e de comunicação. Numa fase posterior, a Odd Size prevê, de acordo com a sua política de independência, construir o seu próprio estúdio de gravação e de possuir a sua própria estrutura de produção. Esperemos que consigam atingir os seus objectivos e que as suas intenções não se tiornem letra morta

Eric Therer
Odd Size Records, rue de Laghornat 24, F-75018 Paris





18.11.14

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (4) - Blah Blah Blah (Lux) - Setembro de 2007


Blah Blah Blah (Lux) - Setembro de 2007

Não sei esta revista - magazine - fanzine teve saídas regulares (ou mesmo irregulares). Apareceu-me aqui no baú e, apesar de recente, o arquivamento merece uma referência aqui no blogue.
Como habitual escolhi um artigo, entre vários, compostos de entrevistas, artigos de opinião, recensões críticas de discos, etc. para publicar. Aqui fica ele:




Leonaldo de Almeida vs. Nanau

25 Years Party People

Sonhou com Arquitectura nas Belas Artes, mas estudou Pintura. Saltou para Dramaturgia no Conservatório Nacional, mas acabou no Curso de Formação de Actores. É formado em Artes Gráficas, mas trabalha com música. E embora seja aquilo a que comummente se chame um Disc Jockey, considera-se um “passador de discos”.
Leonaldo Almeida, DJ residente do Lux, tem no mínimo um percurso repleto de contradições, trajecto que assume aliás plenamente. É uma pessoa simples, mas com gostos requintados. Apaixonado por teatro, adora cinema e confessa nunca perder um filme de Manoel de Oliveira. Considera-se uma vítima da moda, e não esconde a sua paixão por marcas.
Ao longo de 25 anos, Leonaldo de Almeida (Nanau para os amigos) colaborou energicamente nos dois principais ícones da noite Lisboeta. Durante dezasseis anos passou música no Frágil e desde 1998 passa música no Lux, projecto que abraçou uma ano antes, quando Manuel Reis o desafiou para esta nova aventura.
Leonaldo é um homem discreto, talvez excessivamente, e demonstra uma estranha obsessão em manter uma postura low profile. Nunca gostou de se expor, muito menos de dar entrevistas ou aparecer em revistas. O seu maior pavor? Virar figura pública. Assume-se como um homem da sombra, quem sabe se por trabalhar na escuridão da noite... Tão discreto que quase não daríamos por ele, não fosse um estranho convite recebido este Verão, enquanto lia à sombra de uma cerveja aquele que é um dos seus livros de eleição: «O Tempo Reencontrado». E é precisamente um reencontro com o tempo para o qual é desafiado nesse misterioso convite. Um reencontro com alguém que Leonaldo nunca esqueceu, mas que sobre o Leonaldo pouco ou nada sabe.
Num convite endereçado em 1982, o jovem Nanau convida o ainda jovem Leonaldo para uma conversa a dois em 2007. Porque o tempo passa. Porque sobre Leonaldo tudo queremos saber. Porque a verdadeira identidade de um homem, como tão bem narrou La Rochefoucauld, está na mente e não no corpo. Decorridos 25 anos de carreira, como numa conversa em frente a um espelho, Nanau entrevista Leonaldo...

. Vieste cedo Leonaldo!
- Pontual como sempre, Nanau.
. Os bons hábitos não se perdem.
- Nem a educação. E como vês eu vim, acedi ao teu convite.
. É incrível como o tempo passa depressa, não concordas? Já passaram 25 anos desde a última vez que nos cruzámos, ali no Bairro Alto, na cabine de som do Frágil. Foi há tanto tempo e no entanto parece que foi ontem.
- Com a idade descobrirás que o hoje muito depressa se transforma em ontem. Aliás toda a história do homem e das coisas não pára. E assim, como num abrir e fechar de olhos, passam 25 anos de uma vida sem darmos por isso.
. É estranho olhar para mim daqui a 25 anos. Imaginas-te daqui a outros tantos?
- Não. Nem sequer pensei nisso. Até porque ainda não chegou nenhum convite teu do futuro. Prefiro aguardar para ver. Para já, contento-me com a visita do Nanau que surgiu do passado.
. Entre passado e futuro fiquemos então no presente!
- O Presente? O presente não existe. Existe o futuro, existe o passado, e entre os dois... não existe nada.
. Lembras-te como foste parar ao Frágil?
- Queres dizer se me lembro como fomos parar ao Frágil? (risos).
. Sim.
- Antes da abertura do Frágil eu já era amigo do Manuel Reis e do sócio dele, o Carlos Fonseca. Na verdade acompanhei todo o projecto do Frágil: das obras à decoração, passando pela organização, constituição da equipa, etc. Conversámos muito sobre aquilo que poderia vir a ser o modo de funcionamento de um bar, para o qual era aliás necessário contratar duas pessoas para passar música. Ora em 1982, encontrar DJs era uma tarefa bastante difícil. Pura e simplesmente não existiam.
. Não existiam DJs? Então o que é que tu eras? Quero dizer... o que é que eu sou em 1982?
- És aquilo que os outros vêem em ti. Estava-te a contar que na altura não existia a figura do DJ. Propus que convidassem para o Frágil o João Piconé, que não só punha música em festas, como também tinha bastante jeito para fazê-lo. Fizeram-lhe o convite, tendo ele ficado encarregue de encontrar uma segunda pessoa para passar música com ele. Mas a poucos dias da abertura do Frágil a pessoa desistiu e lá me convenceram a ocupar o lugar. A princípio não levei a coisa muito a sério. Foi assim, de um dia para o outro e de forma totalmente inesperada que eu comecei a passar música... Até hoje. Do Frágil ao Lux.
. E o que fazias antes de ir passar música para o Frágil?
- Dava aulas de Educação Visual e Trabalhos Manuais no Ensino Preparatório. Mantinha também uma actividade regular no Teatro, já que pertencia a um grupo independente e trabalhava em cenografia. Entrei no universo do teatro por via do Osório Mateus. Foi ele que me puxou para esse mundo tão fascinante. Isto para não falar, claro está, na minha paixão por arte. Mas porque me perguntas tudo isto? Será que não sabes quem és?
. Digamos que quero ter a certeza de que tu e eu somos a mesma pessoa. Nunca se sabe quem é que o futuro nos reserva.
- Ou quem é que o passado nos traz à memória... Enfim. A verdade é que tudo começou por mero acaso, um daqueles acasos que surgem de rompante nas nossas vidas. E assim passaram 25 anos.
. Estás-me a dizer que foi um acaso que mudou a tua vida?
- Diz antes que foi um acaso que mudou a nossa vida. São os acasos do destino, e quis um acaso que a minha carreira de “passador de música” começasse desta forma.
. Passador de música? (risos)
- Voltarei a falar sobre este assunto mais à frente. Para já foquemo-nos no início.

 . Como queiras. Em 1982, quando a tua carreira de DJ começou, o mínimo que se pode dizer é que já tinhas um percurso cheio de contradições.
- Sem dúvida. Foi um percurso um tanto ou quanto animado (risos). Comecei por tirar o curso de Artes Gráficas na Escola António Arroio. Depois quis seguir arquitectura, pelo que fiz um curso suplementar de acesso às Belas Artes. Mas como era péssimo aluno a matemática, não consegui entrar em arquitectura e resolvi seguir para pintura. Estávamos no período do “pós 25 de Abril”, entre 1974 e 1976, e a Faculdade de Belas Artes praticamente não funcionava (greves, faltas, fechos, abstencionismo, etc.). Por este motivo inscrevi-me no Conservatório Nacional, mais precisamente na Escola Superior de Teatro, para seguir o Curso de Dramaturgia e Encenação... Algo que também não aconteceu porque o curso fechou por falta de alunos (éramos 2 ou 3). Os meus colegas e eu passámos então para o Curso de Formação de Actores.
. Tantas contradições no rumo da tua vida! Será que alguma vez te levaste a sério? Nunca te fixaste em nada, saltaste de curso para curso, fizeste Teatro e acabaste a pôr música...
- Culpas-me a mim ou a nós os dois? Quando olho para trás prefiro culpar o destino. Esse destino ingrato que nunca me deixou fazer o que quis. Talvez sejam estes os acasos de que eu te falava há pouco: as coisas foram acontecendo, sem rumo, sem estratégia.
. Sim, já percebi. São os acasos do destino.
- Voltando à pintura, durante estes 25 anos desenvolvi uma carreira de pintor paralelamente à música. Não me considero um artista plástico profissional. Pinto porque gosto. Faço exposições esporádicas. Sou um artista ocasional, com um percurso irregular, e com a agravante de ser muito preguiçoso, facto que me inibe na medida em que não permite que eu desenvolva por demais o meu trabalho.
. E assentaste nalgum estilo em particular? Será que vais fazer de mim um pintor famoso, cujos quadros serão expostos nas principais galerias internacionais?
- Não sonhes. Ainda és jovem e os jovens gostam de sonhar. Sonham com um mundo melhor, com um futuro diferente, com carreiras de sucesso, com dinheiro, com poder e tantas coisas mais. A paz no mundo por exemplo. Ou o fim da fome em África. Não digo que um jovem não deva sonhar. Sonhar faz parte da vida, sonhar é acreditar. Houve mesmo quem dissesse que “o futuro pertence àqueles que acreditam na beleza dos seus sonhos”. Palavras de uma grande senhora do século XX (Eleanor Roosevelt). Mas não devemos sonhar em demasia, porque às vezes, quando olhamos para o mundo que nos rodeia, questionamo-nos sobre o legado que os outrora “jovens sonhadores” nos deixaram...
. Muito filósofo, este Leonaldo, que me chega do futuro. Filósofo e pessimista.
- Não confundas pessimismo com realidade. Muito menos filosofia com a minha visão do mundo. Voltando à tua questão sobre o meu estilo, não me parece que tenha aderido a um género específico de pintura. Gosto de tudo, embora tenha uma especial apetência pela pintura americana contemporânea, com a qual me identifico e que é para mim uma fonte de inspiração. No entanto sou pouco sensível ao vídeo e às instalações, que são formas de arte que hoje estão muito em voga (embora goste de alguns artistas ligados a este movimento: o Bruce Nauman, o Bill Viola, ou o Gary Hill).
. Pintura americana contemporânea? Então sempre vou acabar a expor em Nova Iorque (risos)....
- Duvido. Ainda agora estive em Madrid e adorei rever a pintura religiosa dos séculos XVI e XVII. Vi-a com outros olhos, descobri coisas nas quais nunca tinha reparado: a representação das personagens, o cuidado em respeitar as proporções, o realismo das cenas representadas, a genialidade dos retratos. Digamos que é a perfeição do traço na escola flamenga!

. Que história é essa entre ti e o design? Li por aí numa revista que vou estar ligado a uma mostra de design?
- Sim. Em 1988. Por via da Loja da Atalaia. Serás convidado para participar numa mostra organizada, patrocinada e produzida pelo Manuel Reis. Um evento para o qual ele irá convidar um grupo de jovens designers a exporem os seus trabalhos.
. E o que é que tu expuseste? Se me fores adiantando ideias, poderei começar já a trabalhar nelas. Afinal de contas, para mim 1988 é daqui a 6 anos... (risos).
- Pois fica sabendo que para mim foi há 19! Enfim. Sem comentários. Entre outros objectos expus uma “Mesa Consola de Vidro”, à qual dei o nome de “Niagara”, em homenagem ao filme do Henry Hathaway e à Marilyn Monroe, que nele participa.
. A Marilyn Monroe? “Happy Birthday Mr. President”!
- Creio que ninguém esqueceu esse episódio. A começar pelo próprio JFK, onde quer que possa estar a sua alma... Como também ninguém terá esquecido o «Diamonds are a Girl’s Best Friend» ou o «I Wanna be Loved by You».
. Por falar em música, como nasceu em ti o gosto pela música?
- Ora aí está em mim mais um paradoxo. Embora a minha vocação não fosse a música, nem tão pouco a minha área de formação, acabei a passar música no Frágil em 1982 e hoje continuo a fazê-lo  no Lux. Desenvolvi o meu gosto melómano muito cedo, por volta dos quatro ou cinco anos de idade. Gostava de ouvir os discos do meu pai (Elvis Presley), assim como a música das minhas tias (Frank Sinatra, Beach Boys, Rolling Stones, Beatles). Infelizmente durante muitos anos foi difícil comprar discos em Portugal, e era ainda mais difícil ter acesso à informação, que contrariamente a hoje não era muita. Como muitas pessoas da minha geração, fui marcado por uma emissão de rádio que passava no Rádio Clube Português, o famoso «Em Órbita». Graças a este programa pude descobrir muitas novidades.
. Para não falar nessa tua curiosidade inata em pesquisar novos títulos.
- Sim. Para além de tentar acompanhar a evolução da música, sempre tive curiosidade em ouvir todos os géneros de música: da clássica ao hip-hop, passando pelo jazz, o house, o techno, o rock, etc. Toda a música desperta em mim uma fome de conhecimento. Ainda hoje, gostando ou não, tento ouvir de tudo um pouco, procurando estar sempre a par das novidades. Afinal de contas, para criticar é preciso gostar ou não gostar, para gostar é necessário conhecer, e para conhecer é obrigatório ouvir o bom... e o menos bom.
. Queres dizer o maus.
- Sim. Se quiseres ser politicamente incorrecto chama-lhe o mau. Mas nada é absoluto. Como definir o bom e o mau? O que é isto de música boa e música má? Lá por eu não gostar de uma determinada música não quer dizer que ela seja má! Quem sou eu para definir os critérios de selecção? Obviamente, tenho um critério pessoal, o meu critério. Mas isso todos nós temos, e não falo apenas de mim e de ti. Falo de todas as pessoas, que são livres de gostar (ou não) de uma música. A isto chamam-se os gostos e, como diz o ditado, “gostos não se discutem”. Pessoalmente gosto de todos os géneros e estilos. Não tenho uma norma-padrão de escolha. Mas como em tudo na vida, também na música existem coisas boas e coisas más. Ou antes, digamos que há coisas que eu considero boas e coisas que eu considero menos boas...
. E ainda te consideras fã de algum grupo?
- Ouço de tudo um pouco e já não sou “fã” de ninguém. Com a idade vai-se perdendo esse conceito de se ser fã de um cantor ou de um grupo. A última banda da qual fui fã, se bem me recordo, foram os The Smiths nos anos oitenta (1982-1987). São contemporâneos teus que deves conhecer bem (risos). Mas também fui “fã” do David Bowie, dos Roxy Music, dos Talking Heads, dos Joy Division, dos Velvet Underground, dos Depeche Mode e até do Prince...
. Consideras que a música é indissociável de ti?
- Considero que a música é indissociável de nós. Assim o era em 1982, assim continua a ser em 2007. Quando ouço música isso faz-me sentir bem. Gosto de ouvir música quando leio. A música transporta-me para outras dimensões, estimula os meus sentidos e reflecte o meu estado de espírito (contrariamente a certas pessoas que quando estão tristes ouvem música alegre, como se a música fosse Prozac).
. Prozac?
- É algo de que ouvirás falar um dia. Prozac, Viagra, Aquecimento Global, Sida, 11 de Setembro, Maastricht, Ruanda, Bin Laden, o CD, Timor, Expo 98, Auto-estrada até ao Algarve, o Euro, a queda do Muro de Berlim, o DVD, a Mónica Lewinsky e tantas outras coisas. A Internet, por exemplo. Mas deixa-te ficar em 1982. Vive a tua idade e atua época. Como te disse no início da conversa, a história do homem e das coisas não pára. Tudo irá acontecendo e nada poderás fazer contra o curso do tempo.
. Dizias sobre a música...
- A música é indissociável do meu quotidiano, embora possam passar dias em que não tenha necessidade de ouvir música. Não vivo para a música, a música faz parte de mim. Também gosto de silêncio. O silêncio é muito importante e talvez não seja por acaso que os Depeche Mode tenham escrito uma música chamada «Enjoy The Silence». Ou noutro registo, que o John Cage tenha chocado o mundo em 1952 com os seus «4’33”». Quatro minutos e trinta e três segundos de puro e absoluto silêncio. Ou o equivalente em ruídos vindos do público: pessoas a tossir, a bocejar, a protestar, telemóveis a tocar, etc.
. Telemóveis?
- Não queiras saber o que é. Para que conste, apenas te direi que é um telefone sem fios, que tem a particularidade de caber no bolso, que toca sempre no momento errado, e que muitas vezes tem o dom de te acordar durante o sono (risos). Será também para ti uma nova fonte de despesas...
. Tentarei ter cuidado.
- Falamos daqui a 25 anos quando já tiveres pago a tua primeira factura. Se ainda te lembrares deste conselho. Voltando à música, eu passo sem música e não tenho uma dependência absoluta dela, como se de uma droga se tratasse. Já te disse que gosto do silêncio, seja lá o que isso for. Alguém disse – e bem – que “o silêncio não tem contornos, assim como o espaço não tem limites, porque tal como o espaço, o silêncio é consubstancial a tudo”. Gosto desta frase. Gosto do silêncio. E gosto de ouvir música. Todo o tipo de música...
. Como era o Frágil no início dos anos 80?
- Quando o Frágil abriu em 1982, a noite lisboeta era muito diferente daquilo que é hoje. No início da década de oitenta havia muito pouca oferta: apenas alguns bares (Rockhouse) e algumas discotecas (Jamaica, Trumps). A abertura do Frágil veio preencher um espaço que não existia. As pessoas iam ao Frágil para beber um copo e para ouvir música. Iam também para conversar, para falar de projectos e de trabalho. O Frágil atraiu um público ligado às artes (actores, músicos, arquitectos, artistas plásticos) e de certa forma, tornou-se num clube elitista. Não no sentido conservador da palavra, mas na medida em que acabou por congregar esta clientela no seu espaço.
. E o Frágil não era só um bar...
- Pois não. Era muito mais do que isso. Rapidamente começaram a surgir eventos artísticos e culturais naquele espaço: desfiles de moda, recitais de poesia, concertos, exposições, e até teatro! Tens de perceber que o conceito de noctívago não existia na altura. Até à abertura do Frágil apenas existiam as tertúlias nos cafés (durante os anos 70) e pouco mais. Rapidamente, este hábito de ir até ao café depois do jantar, transformou-se em ida ao Frágil a partir de 1982.
. É essa mudança no comportamento das pessoas que explica, a teu ver, o sucesso do Frágil?
- Só em parte. Na realidade foi muito mais do que isso. Creio que há um conjunto de factores que contribuíram para que o Frágil se tenha tornado num lugar tão especial.
. Um conjunto de factores?
- Em primeiro lugar a música. A casa procurou sempre seguir um critério de qualidade. Foi uma preocupação constante divulgarmos as tendências musicais mais recentes. Éramos muito rigorosos e exigentes na escolha. Diga-se de passagem que era mais fácil para mim na altura escolher em cem discos dez que fossem bons, do que hoje em 2007 escolher em mil dez que se aproveitem. Por outro lado, no Frágil dos anos oitenta sempre tivemos a preocupação de não passar música comercial. Até música clássica cheguei a passar. Fechei noites com as «Quatro Últimas Canções» do Richard Strauss. Imaginas? As pessoas iam ao Frágil para ouvir música, que era por si mesmo um factor de deslocação. Ouvia-se música e conversava-se!
. Em segundo lugar...
- Em segundo lugar a porta. A Anamar e a Margarida Martins (Guida Gorda) ajudaram muito a fazer a casa. Quem não se lembra da emblemática frase “só para clientes habituais”... (risos).
. Mas havia mais pessoas ligadas ao Frágil, certo?
- Sim. É o meu terceiro ponto: a colaboração de uma formidável equipa de trabalho. Refiro-me ao importante contributo de pessoas como o José Ribeiro da Fonte (aconselhava na programação dos espectáculos musicais), a Manuela Gonçalves (a estilista que desenhou as fardas do pessoal, entre outras coisas), o João de Paris (que assistiu e acompanhou o nascimento da casa), a Margarida Subtil (que apoiou imenso no trabalho do dia-a-dia), o Paulo Graça (em 1982 ainda não existiam Light Jockeys e o Paulo era o nosso iluminotécnico), o Jónatas (o gerente da casa, que estabeleceu e impôs muitas das regras de funcionamento) e o Luís Monteiro (que fazia cenários e objectos cenográficos). Depois a localização do Frágil. Em 1982 o Bairro Alto estava a nascer, e não tinha nada a ver com aquilo em que se tornou hoje. Se soubesses como Lisboa e a noite mudaram em 25 anos...
. Devo ler nas entrelinhas alguma decepção?
- Não. Nada disso. É apenas uma constatação.
. Voltando aos teus 16 anos no Frágil. O teu trabalho não se limitava a passar música...
- É verdade. Fiz muitas outras coisas naquela casa. Comprava os discos, por exemplo. E nos anos oitenta não se comprava discos com a mesma facilidade do que em 2007. Tinha de ir à Valentim de Carvalho, à Bimotor ou à Contraverso. Por vezes recebia a visita de alguns importadores que iam ao Frágil vender discos. Hoje é tudo muito diferente. Centros comerciais, grandes superfícies, amazon.com, FNAC...
. O quê? A FNAC já chegou a Portugal?
- Sim, a FNAC já chegou a Portugal! (risos) Olha que já não estamos em 1982! Temos uma segunda travessia sobre o Tejo, podes passear por Lisboa em três linhas de metro diferentes, e até já se fala num novo aeroporto, vê lá tu. Em 25 anos muita coisa mudou neste nosso pequeno país à beira-mar plantado. Quase me apetece dizer que tudo mudou.
. Vejo que o futuro me reserva muitas surpresas...
- Talvez. Também colaborei nos trabalhos de decoração do Frágil (cerca de duas vezes por ano alterávamos o espaço), assim como na produção e realização de eventos. Tinha a cargo o convite de pessoas para irem passar música ao bar. Visto não existirem DJs convidava amigos e conhecidos. Enfim. De certa forma fazia de tudo um pouco. Era o espírito de equipa no seu expoente máximo. Mudava lâmpadas quando era necessário, pintava paredes e até a sanita da casa de banho cheguei a desentupir.
. Leonaldo o canalizador! (risos)
- Diz antes Nanau o canalizador!
.Pois...
- Também me lembro de tratar dos “efeitos especiais” durante a noite. Na altura não existiam Light Jockeys, muito menos Vídeo Jockeys. Durante a mudança de uma música para outra, lá tinha eu de carregar a correr num botão para mudar as luzes, e noutro botão para fazer avançar o projector de slides.
. E as festas do Frágil?
- As festas do Frágil? É impossível esquecer as festas do Frágil! Ficarão para todo o sempre gravadas na minha memória, e na memória de quem por lá passou. Aniversários, fins de ano, festas temáticas, qualquer pretexto era motivo para uma festa. Começaram por ser festas com quinhentas pessoas (os tais “clientes habituais”). Depois começámos a convidar mil pessoas o que implicou passar-se para a rua. Com o tempo as pessoas foram puxando mais pessoas, até ao dia em que a casa começou a tornar-se pequena para acolher tanta gente. Foi aí que o Manuel Reis começou a pensar em fazer festas fora do Frágil, alugando para o efeito um espaço no exterior. Mas a grande festa, a festa que marcou uma época, uma geração e talvez a cidade de Lisboa... foi a festa do 10º aniversário do Frágil, em 1992. Juntámos 12.000 pessoas na antiga fábrica da Tabaqueira em Xabregas. Doze mil pessoas. Estás a ver o que isso representa? Para mais no início  dos anos 90!
. Foi o início de uma nova era?
- De certa forma. Mas a noite já tinha começado a mudar. Na segunda metade dos anos 80 surgiram em Lisboa três novas discotecas: o Kremlin, o Plateau e o Alcântara. O número de noctívagos cresceu, os hábitos das pessoas foram-se alterando, e a oferta diversificou-se. Assistiu-se a uma transformação radical da noite. A começar no próprio Frágil.
. Achas que esta mudança nos hábitos dos noctívagos teve alguma influência na tua forma de trabalhar?
- Até certo ponto. Foi uma alteração radical na postura do público. As pessoas começaram a sair de casa também para dançar, e não só para ouvir música ou conversar.
. E o que mais mudou no final dos anos 80?
Surgiram novos actores no panorama musical internacional. Para não falar nos acontecimentos que influenciaram profundamente o conceito da noite e da dança. Em 1988 nasceu em Manchester o movimento Madchester, onde grupos como os Happy Mondays, os New Order ou os Stone Roses sobressaíram. Em torno deste movimento apareceu também uma nova droga que teve muito sucesso entre os consumidores de drogas: o ecstasy. Foi o princípio das Raves...
. Raves?
- As raves eram enormes festas ao ar livre, organizadas no próprio dia, e para as quais as pessoas eram convidadas à última da hora para não atrair a atenção das autoridades. Os participantes drogavam-se com ecstasy e, em termos de dança. Podemos dizer que eram verdadeiras orgias de dança. Aparecem também novos géneros musicais: o techno, o trance (em Goa) e o acid house. E claro, juntamente com tudo isto nasceram a “club culture” (ou “cultura de clube”) e a “dance music”. Mas o acontecimento mais importante de todos foi o aparecimento de um novo actor da noite.
. Quem?
- O DJ, ou Disc Jockey. O “maestro” da noite. É nesta altura que os DJs passam a ser a figura central – e fundamental – na animação das noites. Uma figura que se mantém até aos nossos dias, embora hoje muito mais sofisticado, em parte por causa do progresso nas tecnologias disponíveis.
. Lembras-te de algum desses primeiros DJs?
- Paul Oakenfold, Gilles Peterson...
. E qual foi a repercussão das raves em Portugal?
- Em Portugal começaram a surgir pequenas raves no início dos anos 90. As primeiras tiveram lugar num pequeno armazém de Xabregas. Mas eram raves à nossa escala, enquanto que no Reino Unido começaram a tornar-se num problema de sociedade ao ponto de serem posteriormente marginalizadas numa Lei de 1994 (o “Criminal Justice and Public Order Act”).
. Pelo que me estás a contar, estamos perante uma Revolução no conceito da noite! E como em todas as Revoluções, a mudança veio não só de dentro, como também de fora.
- Sim. E como já referi o Frágil começou a tornar-se num espaço pequeno.
. Foi essa limitação que esteve na origem do projecto Lux?
- Precisamente. Foi a partir dessa altura que o Manuel Reis começou a pensar em sair do Frágil para um espaço novo e maior. Se olharmos para a realidade dos factos, passámos do pequeno clube de “clientes habituais” para noites com 12.000 pessoas. Ou seja, dos habitués ao público anónimo. Esta foi sem dúvida a principal consequência desta Revolução que se viveu na noite. A festa do 10º aniversário do Frágil conscencializou-nos de que se impunha partir para novos horizontes.
. Voltando ao “projecto Lux”. Pelo que percebi, este surgiu de uma conjugação de quatro factores: limitação de espaço no Frágil, mutação da noite, aparecimento de uma gigantesca massa de público anónimo, para além de ser uma ideia que já vinha do passado, certo?
- Correcto. E foi assim que em 1998 abriu no Cais da Pedra o Lux. Saímos do Frágil em 1997 e durante um ano preparámos a abertura deste marco incontornável da noite alfacinha. Sabias que o edifício do Lux é um dos primeiros edifícios em betão a ter sido construído na cidade de Lisboa?
. Não sabia. E no que toca ao Lux, colaboraste na montagem do espaço?
- Não tão activamente como na abertura do Frágil. Digamos que acompanhei o projecto sem no entanto me envolver em demasia. Foi uma opção pessoal.
. Quando o Lux abriu tornaste-te logo DJ residente?
- Sim. Até tinha um horário bastante sui generis para um “actor” da noite. Em 1998 o Lux abria por volta das 18h, e era eu que passava música até ao início da noite. Entretanto, o Manuel Reis deixou de explorar a tranche horária que se estendia entre o final do dia de trabalho e a hora do jantar. Foi aí que voltei para a noite propriamente dita, ficando a meu cargo as noites de terça-feira e a abertura de uma das noites do fim de semana.
. E porquê as noites de terça-feira?
- Porque a terça-feira é um dia calmo e eu não gosto de passar música para multidões. Já te disse que sou um “passador de música” e não um DJ. Não me identifico com a personagem do DJ!
. Lá estás tu com isso do “passador de música”. Afinal de contas porque é que não te consideras um DJ?
- Porque não sou, nem quero ser, um DJ. Chama-me “passador de música”, chama-me “passador de discos”, mas não me chames DJ.
. Como quiseres...
- É mais do que querer. Eu não sou um DJ convencional. Tenho uma postura atípica. Não gosto de tocar em discotecas, e não gosto de ter de pôr música para ver os bracinhos todos no ar. Para mim é fundamental gostar daquilo que estou a ouvir e divertir-me quando estou a passar música. É claro que isto pode parecer de um egoísmo feroz aos olhos de quem quer ouvir música para dançar. Mas pouco me importa. Eu passo aquilo que quero ouvir, a música que gosto de ouvir, e nunca aquilo que os outros querem ouvir.
. Estás a ser politicamente incorrecto. Direi mesmo irreverente. É nisto que eu me vou transformar daqui a 25 anos?
- Sem dúvida! (risos) Tens de perceber que hoje em dia os DJs são animadores. Ora eu não me considero um animador. Recuso-me a passar música para animar, é o pior que me podem pedir. Música é música, música é para ouvir, mas música não é para animar. Música de animação só nas feiras e nos arraiais.
. Se soubesses como discordo das tuas palavras!
- Tanto me faz. Daqui a 25 anos concordarás comigo.
. Se pensares bem, “passador de música” ou DJ, são duas designações para uma mesma realidade...
- Não Nanau. Eu diferencio-me dos DJs não só pelo que acabei de te explicar, mas também pela minha forma de trabalhar. Ao contrário dos DJs actuais, não utilizo maxi-singles, utilizo álbuns. Recorro por vezes ao vinil, mas funciono sobretudo com CDs. Ora tudo isto é contrário à forma como trabalha um DJ, que chega a uma noite com a sua mala mais os seus duzentos discos, e passa música tendo como única preocupação ver os bracinhos todos no ar. Por outro lado, nunca me interessou a técnica do DJing. Fazer ligações, misturas, remixes e montagens, são coisas que não têm nada a ver comigo. Pelo contrário. Gosto de ouvir o corte radical entre duas músicas, de sentir que estou a passar de um estilo para outro estilo. Ora hoje, com o evoluir das tecnologias, por vezes o trabalho dos DJs é tão bem feito que nem se dá pela passagem de uma música para a outra...
. Li na programação do Lux que chamaste Às noites de terça-feira Eccentrics by night. Porquê esta designação? Será que te consideras um excêntrico?
- (risos) A designação das noites Eccentrics by Night é inspirada no filme «They Live by Night» (1948), do cineasta norte-americano Nicholas Ray. É a história de um fugitivo que se apaixona por uma mulher. O clássico protótipo do casal em fuga, por muitos considerado como um dos filmes percursores do famoso «Bonnie and Clyde» de Arthur Penn (1967.
. Mas apenas te limitaste a adaptar o nome do filme, ou de certa forma consideras-te um excêntrico?
- Sim, podes ver-me como um excêntrico. Não no sentido próprio da palavra, mas num sentido figurado. Sou excêntrico na medida em que gosto de passar música que as pessoas não estão habituadas a ouvir e, sobretudo, que não estão à espera de ouvir. Música excêntrica por não ser comercial. Música com qualidade, ou pelo menos música que eu considero ter qualidade. Por outras palavras, sou excêntrico pois reivindico a liberdade de passar aquilo que quero, dando a ouvir às pessoas não aquilo que elas querem, mas aquilo que não estão habituadas a ouvir, ou que normalmente não ouvem em espaços públicos...
. Gostas de teatro, gostas de artes plásticas e pelo que já me apercebi ao longo desta conversa (que já vai longa) gostas de cinema.
- Adoro cinema. Mas tenho gostos muito específicos. Sou um grande fã de cinema clássico americano (anos 30, 40 e 50). Também gosto do expressionismo alemão dos anos 20 (Lang, Murnau, Wiene), de cinema francês (Godard, Téchiné, Truffaut) e claro, tenho uma grande admiração pelo trabalho do Manoel de Oliveira.
. E o cinema norte-americano contemporâneo?
- Considero que o cinema americano de hoje já não é a mesma coisa. Dispenso os efeitos especiais e as grandes produções de Hollywood. Há um excesso de tecnologia nas produções modernas que não me interessa, mas que não digo ser desinteressante. Eu é que não gosto. Assim como a música, acho que o cinema banalizou-se e hoje há trinta filmes em cartaz, poucos dos quais se aproveitam. Mas não perco um filme de Lynch, Cronenberg ou Tarantino. São três cineastas americanos contemporâneos que muito aprecio.
. És selecto no cinema, não deixas que te apelidem de DJ... Será que também é selecto na música que escolhes enquanto “passador de música”?
- Já te disse que tenho os meus critérios de escolha e de qualidade. Tenho os meus gostos. Ao contrário dos DJs convencionais nunca me identifiquei com a club culture, algo que sempre achei oco, fútil e desinteressante. Só de ouvir a expressão dá-me vontade de rir. Onde é que está a cultura? Onde é que já se viu isso? Que gente é essa? É uma patetice! Penso o mesmo em relação à dance music. Gosto muito de música para dançar, mas não de dance music. Hoje em dia grande parte da música de dança que se ouve( logo que se produz) é de qualidade muito duvidosa. Não dou muita importância à dance music que para mim é uma parte minúscula da música em geral. Há mais música para lá da dance music! Mas gosto de dançar, sempre adorei dançar e ainda danço. Embora para mim a música e a música de dança não se resumam à dance music.
. Consideras então que houve uma banalização da música nestes últimos 25 anos? As coisas mudaram muito neste últimos 25 anos?
- Quando chegares a 2007 irás aperceber-te disso. O excesso de produção banalizou tanto a música, que ela não só está por todo o lado (do autocarro ao hall de hotel, do supermercado ao café, do carro ao elevador) como também perdeu qualidade. Qualquer pessoa hoje faz música. Basta ter um PC em casa! Esta massificação da criação musical tem um lado positivo (surgem de vez em quando trabalhos novos com qualidade), mas tem também um lado negativo (surge muita porcaria). Encontrar hoje dez discos bons em mil, é como no passado o Vasco da Gama ter conseguido chegar à Índia.
. Sentes influência de algum DJ na tua forma de trabalhar?
- Tirando aquilo que herdei de ti quando eu era o Nanau... não. Enquanto a maioria dos DJs dizem ter sido influenciados por X ou Y, eu não sinto influências de ninguém no meu trabalho. Nunca aderia à “escola” do DJing, muito menos à “escola” deste ou daquele DJ.
. Como vês essa “massa de público anónimo” de que me falavas há pouco?
- Voltamos àquilo que já disse. Dou mais valor à cultura musical do que à cultura de clube. Aliás a cultura musical está-se a perder. Os frequentadores de discotecas falam em som e batidas, não me música. Tenta imaginar um diálogo entre dois adolescentes no século XXI: “É pá, ontem ouvi um DJ que tinha um som do caraças. Fazia umas passagens bué da boas”. O que é isto? O que é que isto tem a ver com música? Os jovens de hoje estão mais ligados à batida e ao som do que ao ritmo, À composição, à qualidade da voz, a uma guitarra ou a uma bateria bem tocadas. Até isto a dance music provocou. A voz desapareceu. Já cheguei a estar numa discoteca e não ouvir voz durante horas!
. De facto...
- Enquanto que há 25 anos atrás as pessoas saíam para ouvir música, hoje o jovem adolescente sai à noite, no seu ritual de fim de semana, para abanar a cabeça, beber e fazer disparates. O que leva a comportamentos selvagens dentro dos espaços, com má criação e decadência à mistura. Este excesso de produção tornou as músicas efémeras. A conjugação destes factores cria uma alienação que me choca. O público de hoje não é exigente, nem sequer sabe o que está a ouvir. Com tantos géneros, tudo se tornou passageiro e as pessoas não se fixam em nada. Aquilo que ouves hoje amanhã deixará de existir. Quanto mais ruído e mais barulho melhor.
. No fundo estás-me a dizer que a banalização da música desviou os interesses dos jovens. Em vez de se fixarem na música, fixam-se noutras coisas. No disparate e no barulho por exemplo...
- Infelizmente é esta a realidade que irás encontrar em 2007. É claro que o aumento exponencial da oferta também não ajudou. Há 25 anos existiam meia dúzia de bares e duas ou três discotecas. Hoje tens mil bares e cem discotecas. A oferta é imensa e as pessoas dispersaram. Com a agravante de se ouvir as mesmas músicas em todo o lado.
. Mas se há oferta é porque há procura, certo?
- Durante a semana não há noite. Só aos fins de semana. E sair à noite já não é o ritual que era. Hoje sai-se à noite como se vai a um estádio de futebol. Mesmo espírito, mesma cerveja, mesma barulheira, mesma confusão. Houve uma tal banalização do “sair à noite” que a oferta só pode ser mais do que muita. Mas não me interpretes mal, não quero com isto dizer que no passado é que era bom e que hoje é tudo mau.
. O que é que na tua opinião melhorou em 25 anos de DJing, perdão, em 25 anos de “passagem de música”? (risos)
- Mais escolha, mais liberdade, melhor tecnologia.
. É verdade que esse espaço onde irei trabalhar daqui a 25 anos, o Lux, é um espaço único em Lisboa e até mesmo no mundo?
- Sem dúvida alguma. E a vários níveis: a decoração do espaço, a música que lá passa, o ambiente criado por quem lá vai, etc. Existe um “espírito Lux” que vai muito além da simples discoteca. No fundo, talvez seja uma transposição para o século XXI daquilo que foi em tempos o Frágil...
. Está quase na hora de regressar a 1982. Esta minha viagem a 2007 já vai longa e o comboio do tempo não espera.
- Eu não tenho pressa. Além de que não tenho de regressar contigo nesse comboio do tempo. Apenas me limito a ser consumido pelo futuro, como todas as pessoas aliás.
. Depois desta conversa fiquei com uma curiosidade: como é que o Leonaldo artista plástico representaria o Leonaldo DJ?
- Uma tela branca.
. Tela branca? Herdaste de mim a mania do low profile...
- De certa forma herdei. Como sabes nunca gostei de me expor, de dar entrevistas, da sair nas revistas. Sempre tive pavor de virar figura pública, de me promover ou de promover o meu trabalho. A minha postura low profile manteve-se até hoje e nunca mudará. Verdade seja dita, nunca tive muito jeito para a autopromoção (risos). Mas também herdei de ti outras coisas.
. Por exemplo?
- O gosto de viajar, de conhecer novas culturas e outras civilizações. Gosto de ir para longe, para lugares exóticos. E também gosto de cidades cosmopolitas, do mar, da natureza e da calma.
. E literatura? Ainda lês muito?
- Adoro ler. É uma forma de nos conhecermos a nós próprios, os sentimentos, os outros, os lugares. Não encaro a leitura como passar o tempo, mas como um enriquecimento pessoal.
. Gostei de te ver Leonaldo. Ou será melhor dizer que gostei de me ver daqui a 25 anos?
- Eu também gostei de me rever. Continuas igual a quem fui.
. Tenho de ir. O comboio do tempo não perdoa atrasos. Posso deixar-te aqui sozinho no tempo presente?
- Quando muito deixar-me-ás sozinho no futuro. O presente não existe. Existe o passado, existe o futuro, e entre os dois...
. Sim, já sei. Entre os dois não existe nada.
-
Fidélio
tHe UltiMaTe diSoRDer
Versão integral da entrevista em
blog.myspace.com/leonaldodealmeida
myspace.com/leonaldodealmeida



YEN SUNG
Nanau: Moreno, magro, caprichoso, reservado, flexível, fácil, organizado, conhecedor, culto, clássico, artista, amigo, compreensivo, “moody”, arrojado, viajado, simpático, arrogante, DJ, colega, quase irmão.

ZÉ PEDRO MOURA
Em Abril de 88, o Nanau foi o anfitrião na minha primeira sessão de DJ no Frágil. São quase duas décadas, difíceis de resumir em poucas linhas.
Com a ajuda involuntária do Ferry nos Roxy Music, estas são algumas “imagens” do Leonaldo:
“There’s a new sensation / A fabulous creation / A danceable solution / To teenage revolution / Do it on the tables / Quaglino’s place or mabel’s / Slow and gentle / Sentimental / All styles served here / Tired of the tango / Fed up with fandango / Dance on moonbeams / Slide os rainbows / In furs or blue jeans / Bored with the beguine / The samba isn’t your scene / See la goulue / And nijinsky / Do the stransky / But it can´t beat strand power / The Sphynx and mona lisa / Lolita and guernica / Did the strand”

PINK BOY
Recordo-me do Nanau desde as minhas primeiras saídas à noite no início dos anos 90. O mesmo é dizer, saídas no Bairro Alto, mais precisamente no Frágil. No meu imaginário foi e continua a ser uma personagem incontornável. Recordo-me que durante bastante tempo não sabia quem era aquela figura esguia, vestida de preto e que, aos meus jovens olhos, conseguia sempre criar uma enorme barreira à sua volta. Uma barreira recheada de mistério digna de uma verdadeira estrela de cinema ou pop. Quis o destino (neste caso chamado Manuel Reis) que anos passados trabalhássemos juntos aqui no Lux. Foi assim que vim a descobrir que, por detrás da nuvem de mistério, estava o Leonaldo. Por vezes sisudo e aborrecido mas também meigo, simpático e muito divertido!!! Uma coisa é certa. Conhecendo-o, é impossível não gostarmos dele!!!

dexter
deck 1
deck 2
David Bowie
Andy Warhol
Whiskey
Água
Preto
Branco
Arrogante
Charmoso
Fumo
Sombra
Tabaco
Guerrilla
Cabedal
Veludo

RUI VARGAS
Nanau Maria!
Ousado, teimoso, imprevisível, sincero, rabugento, informado, pontual, convicto, malandro, atento, vaidoso, exigente, inconformado, precioso.

TIAGO
A melhor história é a dele. Viu e ouviu de tudo, um pouco por todo o lado e isso reflecte os seus sets. Não há DJ na história que tenha atitude mais cool que o Nanau. Dotado de um incrivelmente charmoso mau humor, toca sentado e bebe whiskey... what the... Uma visão incrível acompanhada da melhor banda sonora.




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