BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 424
15 de Dezembro de 1992
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 100$00
32 páginas
Capa e algumas páginas interiores a 3 cores, outras a preto e branco.
Suplemento Manifesto (?Mensal?) de 4 páginas. Ver abaixo autoria do mesmo, na ficha técnica
Ficha Técnica (parcial)
Redacção, administração e serviços comerciais: Av. Infante D. Henrique, 334, 1802 Lisboa
Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
Rita Carmo (Fotografia)
Direcção Gráfica:
Cândida Teresa
Colaboradores:
Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
Bruno Branco
Bruno Maçães
Diniz Conefrey (ilustração)
Fátima Castro Silva (Porto)
Fernando Santos Marques
Gimba
Hélder Moura Pereira
Hélder Salsinha (fotografia)
Hugo Moutinho (Porto)
Isabel Lucena (Londres)
João Correia
João Bugalho
José António Moura
José Antunes
Lili Wilde (Londres)
Luís Mateus
Luís Pinheiro de Almeida
Maria Ana Soromenho
Maria Baptista
Maria João Gouveia
Mário Correia
Miguel Cunha
Miss Ex
Monsieur Sardin
Paulo da Costa Domingos
Paulo Somsen
Pedro Esteves
Pedro Portela
Rafael Gouveia (Paris)
Rui Eduardo Paes
Sérgio Noronha
Sofia Louro
Teresa Barrau
Vítor Vasques (fotografia)
Manifesto (suplemento):
Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
Tiragem média do mês anterior: 19 290 exemplares
Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
AO VIVO
IMPROVISAÇÃO, EIS A QUESTÃO
Um ciclo de concertos dedicado ao tema «Nova Música
Improvisada» apresenta inevitavelmente, para além do interesse suscitado pelos
participantes, um especial aliciante, colocando-nos questões habitualmente
escamoteadas no que concerne à caracterização íntima de uma música e do seu
fazer. Os dois concertos em que Carlos Zíngaro foi o anfitrião deveram o seu
especial sucesso ao facto de terem sido conduzidos por um quarteto de
experimentados improvisadores-compositores, para além do violinista português
as luminárias Frederic Rzewski, Richard Teitelbaum e Barre Philipps,
indiferenciando-se no seu trabalho os dois processos de criação musical.
A música que se ouviu fez-lhes inteira justiça: da gestão
minimal de sons e silêncios Às massas orquestrais providenciadas pela
tecnologia montada no palco, do esquematismo dodecafónico à explosão
libertadora resultante da plena integração dos instrumentistas, do
impressionismo mais preciosista ao gestualismo e à visceralidade expressiva, da
caixinha de música, com todos os elementos cautelosamente concertados, à
parasitagem electrónica de todo o espectro audível, tudo pôde acontecer.
Frederic Rzewski, o lendário autor de “The People United Will Never Be
defeated”, percorreu ao piano os vocabulários com que este é conotado,
detendo-se sobretudo nas referências românticas e impressionistas e
introduzindo pequenos motivos, notas ou acordes isolados, exactamente nos
momentos em que tinham de acontecer ou seria o abismo. Barre Phillips esteve
dividido entre a sua vocação lírica (aquela mesma ilustrada pelos seus discos
na ECM) e um discurso no contrabaixo construído em torno de fraseados
desconstruídos. Richard Teitelbaum ora foi discreto, confirmando a sua fama
como «humanizador» da informática musical, ora se responsabilizou pelos
fabricos sonoros mais surpreendentes de ambas as sessões, com utilização, por
exemplo, de «samples» do canto rural transmontano ou dos judeus safarditas
medievais. Carlos Zíngaro, por sua vez, integrou-se na nuvem de tonalidades
geral tocando acústico, com a sua linguagem violinística feita de
armadilhamentos gramaticais, ou ligando o seu instrumento, via «pitch to Midi»,
a várias máquinas e «gadgets» electrónicos, como o «delay», o que lhe permitiu
dobrar fraseados e acrescentar sentidos.
Já Azguime, no seu espectáculo a solo denominado
«Ícones», com a participação do coreógrafo João Fiadeiro, lidou bastante menos
com a gama de possibilidades presenteadas pelo binómio intuição/memória.
Evidenciando uma técnica excelente e uma imaginação cénica cuidada, o
percussionista português apresentou seis peças de música organizadas por
módulos, cada um com o seu específico «set» de instrumentos, incluindo uma
escada e uma dorna. Sem poder explorar devidamente as potencialidades sonoras
que tinha ao dispor, foram exercícios de virtuosismo, e pouco mais, o que nos
apresentou. Ora, não é a exibição de faculdades que define, no essencial, a
prática processual da improvisação.
Velez, pelo seu lado, com os préstimos de Steve Gorn nas
flautas bansuri e do percussionista Randy Carfton, deitou por terra toda e
qualquer conotação com o jazz do acto de improvisar. A música deste agrupamento
situa-se algures entre a World Music e a New Age, se bem que não se confunda
com a generalidade dos produtos que exibem tais rótulos, dada a maior seriedade
dos seus propósitos.
E se no caso desta formação a prática e o conceito são
indissociáveis, no dos portugueses Telectu, que tocaram em duas sessões com o
baterista e percussionista Chris Cutler, fundador de grupos do «art rock» com a
fama dos Henry Cow ou dos Art Bears, o concerto foi tudo, obliterando a
auto-suficiência performativa da música. Pretendendo enumerar as técnicas e
«tendências» de dez anos de existência enquanto duo, Jorge Lima Barreto e Vítor
Rua protagonizaram uma actuação descosida, durante a qual foi-lhes impossível
interligar os diversos elementos («situações», chamaram-lhes) que se propuseram
reunir. O espectáculo, preparado com estipulações seccionadas ao minuto e
incluindo a vídeo-arte de Rua bem como a instalação e luminotecnia de António
Palolo, ou pecou pela pura inércia, nada acontecendo, ou foi prejudicada pelo
atabalhoamento de citações e referências, o minimalismo, o free rock, o «jazz
mimético», a electro-acústica experimental atropelando-se numa desfilada incongruente.
A improvisação pode ser hiper-calculada e ainda assim
falhar no momento da verdade, foi o que se ficou a saber. É pena, pois os
últimos feitos dos Telectu, em particular o CD «Evil Metal», prometiam bastante
mais.
BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 422
2 de Dezembro de 1992
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 100$00
32 páginas
Capa e algumas páginas interiores a 3 cores, outras a preto e branco.
Suplemento Manifesto (?Mensal?) de 4 páginas. Ver abaixo autoria do mesmo, na ficha técnica
Ficha Técnica (parcial)
Redacção, administração e serviços comerciais: Av. Infante D. Henrique, 334, 1802 Lisboa
Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
Rita Carmo (Fotografia)
Direcção Gráfica:
Cândida Teresa
Colaboradores:
Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
Bruno Branco
Bruno Maçães
Diniz Conefrey (ilustração)
Fátima Castro Silva (Porto)
Fernando Santos Marques
Gimba
Hélder Moura Pereira
Hélder Salsinha (fotografia)
Hugo Moutinho (Porto)
Isabel Lucena (Londres)
João Correia
João Bugalho
José António Moura
José Antunes
Lili Wilde (Londres)
Luís Mateus
Luís Pinheiro de Almeida
Maria Ana Soromenho
Maria Baptista
Maria João Gouveia
Mário Correia
Miguel Cunha
Miss Ex
Monsieur Sardin
Paulo da Costa Domingos
Paulo Somsen
Pedro Esteves
Pedro Portela
Rafael Gouveia (Paris)
Rui Eduardo Paes
Sérgio Noronha
Sofia Louro
Teresa Barrau
Vítor Vasques (fotografia)
Manifesto (suplemento):
Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
Tiragem média do mês anterior: 19 290 exemplares
Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
«KURTZWELLEN»
DE
KARLHEINZ STOCKHAUSEN
Work In
Progress
Stockhausen escreveu «Kurtzwellen» em 1968 para piano,
electronium, viola e quatro rádios de ondas curtas.
O uso que Cage faz do rádio receptor foi uma das mais
discutidas técnicas e propostas da música conceptual. Uma espécie de jogo Dada
levada ao mundo da rádio, ligando ou desligando o aparelho de acordo com a
notação e ouvindo tudo o que acontece nas ondas de rádio.
Mas Stockhausen tem uma visão diferente deste uso;
Stockhausen interessa-se menos pelos materiais e mais pelos processos de
modificação, e desenvolve a composição «processus» em «Kurtzwellen» onde os
materiais provêm das emissões de rádio em ondas curtas. Stockhausen recorre aos
sons da rádio como ponto de partida e cria situações para interacções estreitas
no seio do conjunto dos executantes; é a «música de toda a terra» que pode ser,
segundo Stockhausen, mais emocional, transcendental e emocionante que a própria
emissão de ondas curtas – o acontecimento consiste apenas no que o mundo
difunde agora.
Emanado do espírito humano e modificado continuamente
pela interferência mútua (rádio e intérprete instrumental) à qual todas as
emissões são sujeitas é elevada à maior unidade pelos músicos. Atinge-se um
mundo que nos oferece os limites do acessível, do imprevisível. «Deve ser
possível qualquer coisa não pertença a este mundo e se encontre por acaso,
qualquer coisa que até agora não podia ter sido descoberta por uma estação de
rádio». É essa coisa que procura descobrir com «kurtzwellen» (Griffiths, 1978, passim).
A transmissão radiofónica da música é uma mensagem sonora
imaginária, diferente da mensagem sonora falada.
Comunicação não figurativa cujos elementos são abstractos
em relação ao universo dos sons realistas e sem relação directa com eles. A
união da rádio com o fonógrafo, que forma generalidade das programações
radiofónicas, produz uma estrutura muito especial, uma «work in progress» já
que depende da sincronização da emissão radiodifundida, irrepetível. A recepção
em ondas curtas dessas frequências estabelece um princípio fantasmático, que
subentende toda a transmissão radiofónica.
Exploração Metamusical
Stockhausen pretende com «Kurtzwellen» um mundo
totalmente novo, um mundo universal, a participação humana em todos os
acontecimentos humanos, num pangeografismo. Cada ouvinte é potencialmente
anónimo e a difusão radiofónica tem um caracter desagregador das culturas
popular e individual.
Em «Espace», Varése preconizava micros interligados por
ondas de rádio e Nam June Paik aconselhava: «fechem os olhos e oiçam a música
da rádio como uma eternidade».
Convém esclarecer a escolha das ondas curtas feita por
Stockhausen: as ondas baixas são um modo de propagação sobre toda a Terra. Atenuam-se
regularmente com a distância, são tão mais intensas quanto mais potente for a
estação emissora. As ondas curtas, porém, projectam-se na camada de ozone a dez
quilómetros de altura depois de se propagarem da superfície, sujeitas assim a
variações e flutuações. As ondas médias têm uma forma incisiva de propagação
num espaço limitado de centenas de quilómetros sobre a superfície.
Em «Kurtzwellen», Stockhausen considerou um outro aspecto
técnico da rádio: a diafonia, que acontece quando uma estação se sobrepõe a
outra, resultando interferências da gama de frequências.
A exploração das estações, mudar de AM para FM, por
exemplo, é um algoritmo essencial para a detecção sucessiva e aleatória de
programas musicais. Um acto de espontaneidade gratuita mas também um acto
estético, segundo Belyne na sua «Psychobiology of Art», é também um dos actos
elementares da vida perceptiva do ouvinte radiofónico. (in: «Vibration 3»,
passim). Stockhausen deu instruções aos músicos duma forma geral usando os
sinais «+»e «-» como notação e inspirado na «yin» e no «yang» da filosofia
«zen» mas também na antinomia matemática do zero e do infinito. Pede para
reagirem a certos pontos de frequências e estudarem esses aspectos reactivos
nos ensaios. Esta notação de «+» e «-», já usada na música intuitiva de
«procession» serve como signo cinestésico onde as relações intuitivas dos
executantes entramem jogo. A mensagem musical de «Kurtzwellen» é estética e
sensualizada, conotativa, baseada sobre a associação de elementos (frequências radiodifundidas
e instrumentos musicais), um jogo como fonte da criatividade da imaginação e da
fantasia. Disse Degas sobre a pintura: «a pintura não é a forma, mas a maneira
de ver», esta asserção está implícita na composição de Stockhausen numa
realização sublime da sua tese metamusical.
BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 417
27 de Outubro de 1992
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 100$00
32 páginas
Capa e algumas páginas interiores a 3 cores, outras a preto e branco.
Suplemento Manifesto (Mensal?) de 4 páginas. Ver abaixo autoria do mesmo, na ficha técnica
Ficha Técnica (parcial)
Redacção, administração e serviços comerciais: Av. Infante D. Henrique, 334, 1802 Lisboa
Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
Rita Carmo (Fotografia)
Direcção Gráfica:
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Colaboradores:
Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
Bruno Branco
Bruno Maçães
Diniz Conefrey (ilustração)
Fátima Castro Silva (Porto)
Fernando Santos Marques
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Hélder Salsinha (fotografia)
Hugo Moutinho (Porto)
Isabel Lucena (Londres)
João Correia
João Bugalho
José António Moura
José Antunes
Lili Wilde (Londres)
Luís Mateus
Luís Pinheiro de Almeida
Maria Ana Soromenho
Maria Baptista
Maria João Gouveia
Mário Correia
Miguel Cunha
Miss Ex
Monsieur Sardin
Paulo da Costa Domingos
Paulo Somsen
Pedro Esteves
Pedro Portela
Rafael Gouveia (Paris)
Rui Eduardo Paes
Sérgio Noronha
Sofia Louro
Teresa Barrau
Vítor Vasques (fotografia)
Manifesto (suplemento):
Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
Tiragem média do mês anterior: 19 290 exemplares
Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
COLECTÂNEAS 2
ARTE BRUTA
A música em estado bruto tem com a fórmula «compilação»
um vínculo especial: vê-se impedida de ser Obra, produto acabado...
Uma das principais figuras do dadísmo, Hugo Ball,
escreveu no princípio do século sobre a “Appassionata” de Beethoven aquilo que,
afinal, pode ser dito em defesa de uma música verdadeiramente «intensa»,
embora, para melhor entendermos estes considerandos, seja aconselhável
abstrairmo-nos de questões como a expressividade ou a mensagem, pois não é da
transmissão de sentimentos e estados de espírito que se trata, mas da força
intrínseca às construções sonoras: «Afecta os vossos nervos, faz com que vos
apeteça dizer coisas bonitas e estúpidas e bater nas cabeças de quantos
conseguem criar tamanha beleza apesar de viverem neste vil inferno. Será até
melhor não bater na cabeça de ninguém, pois podem ficar com a mão dorida. É
preciso, sim, explodir-lhes com as cabeças, sem qualquer piedade.» De facto,
para o melómano sedento de intensidade, partidário das facções «hardcore» das
músicas actualmente em jogo, do rock à electrónica dita «erudita», passando
pela improvisação pós-jazzística, Beethoven será o melhor exemplo do que não é
uma «arte bruta».
E para que os termos fiquem bem definidos, cite-se o que
referiu nos anos 20 um outro autor Dada, Huelsenbeck: «A alma é por natureza
vulcânica. Todo o movimento produz, naturalmente, ruído. Enquanto que o número,
e por consequência a melodia, são símbolos pressupondo a faculdade da
abstracção, o ruído é uma chamda directa à acção. A música de qualquer natureza
é harmoniosa, artística, uma actividade da razão – o “bruitisme”, esse, é a
própria vida, não pode ser julgado como um livro, é antes uma parte da nossa
personalidade, que nos ataca, persegue e despedaça. O “bruitisme” é um modo de
entender a vida que, por estranho que pareça, nos compele a tomar uma decisão
absoluta (...)».
Desde então pouco mudou no entendimento deste domínio da
intervenção musical – apenas se levaram as implicações inerentes um pouco mais
longe. Percebe-o Greil Marcus no seu extenso e fascinante ensaio sobre o punk e
os Sex Pistols, articulando o fenómeno que marcou a segunda metade da década de
70 e o percurso deste grupo em particular na linhagem que remonta,
precisamente, ao famoso Cabaret Voltaire de Zurique e cuja última expressão foi
protagonizada pela Internacional Situacionista por alturas do Maio de 68
francês. É do conjunto formado pela abstracção semântica, o transe das
estruturas, os glissandos não-virtuosísticos, a harmonia «pré-histórica» ou os
gritos «de dor e hilariedade» que se retira o significado profundo da música
«bruta», tal como vem sugerido em “Lipstick Traces”.
Pois foi este tema que deu vida à compilação “Hardis
Bruts – Hommage à l’Art Brut”, recentemente editada pela francesa AYAA e
infelizmente sem distribuição portuguesa. Um disco curioso, até pelo mote que
os diversos projectos ilustram, cada um a seu modo. O parágrafo que inspirou
esta recolha foi retirado a Dubuffet e não podia ser mais apropriado: «A arte
não dorme nas camas que lhe fazemos; escapa-se assim que pronunciamos o seu
nome: o que ela ama é o anonimato. Os seus melhores momentos são aqueles em que
se esquece como se chama». Na verdade, o que acontece, inevitavelmente, com
toda e qualquer colectânea é o extremo relativismo derivado da coexistência dos
vários participantes, ou pelo menos a desimportância dos seus nomes para o
ouvinte, que é levado a centrar-se na sucessão das peças musicais e a não
considerar as respectivas autorias. Num disco com tais características, a
diversidade apresenta-se como uma exponenciação de possibilidades: pouco importa
a identificação que determinada peça, se o que está em causa é a riqueza e
frequência das mutações, a forma com que se processam, o efeito de vertigem
obtido. «Jolifanto bambla ô falli bambla / Grossiga m’ pfa habla horem / Égiga goramen / Higo bloiko russula huju /
Hollaka hollala / Anlogo bung / Blago bung», recitavam os poetas Dada,
impedindo a concretização e fixação de sentidos, pois era a exaltação do caos
fundador aquilo que se buscava. Tencionam fazer isso mesmo, igualmente, as
compilações “bruitistes”.
Em “Hardis Bruts” participam The Blech, Cedric Vuille,
René Lussier, Danny Finney, Ferdinand Ricard, David Moss, The Work, L’Ensemble
Raye, Klimperei, Toupidek Limonade, Look de Bouk e Lars Hollmer, e tanto melhor
se grande parte desles desconhecemos totalmente. O CD caracteriza-se, acima de
tudo, pelo seu irreverente hibridismo, cruzando-se, sem jamais se fundirem ou
sequer se identificarem totalmente, o pop/rock, o jazz, a música contemporânea
de câmara, os ritmos étnicos ou o mais que se ouve (em “Kaisermarsch” dos
Blech, logo para começar), e sem que esses cruzamentos se «resolvam» seja como
for, tudo ficando em estado de crueza e inacabamento gerais. Como se sabe, não
há tipologia musical mais produzida e «acabada» do que a fusão – ora, o que vem
contido nestas faixas é o inverso, nada cristalizando em formas definitivas.
Alguns dos intervenientes chegam inclusivamente a «ideologizar» o seu
posicionamento, como Richard, que justifica os ruídos de fundo, pouco
«convenientes» neste tempo de gravações digitais, em «Pas mal à l’heure» com um
simples argumento: «Si on les filtre, on perd la vie».
Inscreve-se nesta linha um vinil compilado por Eric
Lanzillotta e intitulado “Perpetual State of Oracular Dream”, volume da
Anomalous Records importado pela Ananana que junta momentos de alguns projectos
conhecidos (de Asmus Tietchens, Cranioclast, Arcane Device, Haters e Mimir), a
outros agrupamentos cuja origem e destino são uma deliciosa incógnita, como
Debt of Nature, Genocide Organ, blackhumour (assim mesmo, sem maiúscula!),
Crash Worship, Premature Ejaculation, Hirsch Quadrat e Plecid. O interesse do
disco está em reunir contribuições não de música como tal entendida, seguindo
os parâmetros comumente aceites, mas de uma «sound art» em que o uso das tecnologias
electrónicas mais avançadas permite, por paradoxal que pareça, efabular a
imperfeição.
É particularmente interessante, neste aspecto, o que
fazem os blackhumour em “Tab to Block Bicuspid”, um «audio-work» inteiramente
baseado em vozes, no caso captadas por telefone e que são tratadas de imediato
no próprio gravador, com cortes e colagens não estranhos às técnicas do
«cut-up» formuladas por Brion Gysin, o inventor da «dream machine». O curioso é
que os criadores envolvidos mantêm-se a coberto do nome «blackhumour», nada se
sabendo deles, e o resultado dessa escolha está patente na objectualização dos
sons vocais conseguida, para todos os efeitos os mais básicos e imediatos que
temos ao dispor. «É importante as pessoas compreenderem que este material destina-se
a ser ouvido fora do contexto de qualquer diálogo musical», referiu um elemento
do colectivo à “Vital”.
Para algo ser encarado como objecto, «ser objectivo», tem
de ser representado, e é isso exactamente o que se passa com a voz quando
trabalhada pelos blackhumour. A voz, no palco, e o cantor ou o actor que a
profere; numa obra de poesia concreta como esta desloca-se, é a representação
de um acto quando já este dissipou por inteiro o seu poder. Não é uma voz, mas
o «clone» dessa voz. O sujeito perdeu-se algures no trajecto, fazendo jus à
noção de que o objecto, afinal, não é determinável por ele. Pode falar-se, se
se quiser, de desumanização, pois é isso o que está em causa na mutilação e
fragmentação destas falas apanhadas no ar, aspectos do presente tráfico
comunicacional tornados em arte, «arte bruta», aquela que acompanha o processo
de cisão do homem contemporâneo, cada vez menos o sujeito dos seus actos,
esquizóide e dividido.
Não é outra coisa o que realizam os Phauss numa
colectânea sem título que os coloca a par e em colaboração com Zbigniew
Karkowski e Ulf Bitting, um CD da Silent Records também comercializado entre
nós pela Ananana. “Final Folklore” é apresentado ironicamente como um composto
em que tomam parte o «lohengrin» de Wagner, a música joujouka de Marrocos ou o
folclore sueco, tendo sido «gravado, regravado, equalizado, misturado e mutado»
num estúdio electro-acústico de Gotemburgo, pelo que as notas incluídas
indicam. O produto final é uma compacta massa de ruído, evoluindo por subtilezas
mínimas (minimais, até) durante 24 exasperantes minutos. Esta é a arte dos sons
possível, compreendemos, depois de desfeitas todas as tradições, uma
(não)-música terminal, barroca ao nível do absurdo, criada sob as pulsões de
thanatos, essas mesmas que nos ligam à terra, ao que é perene e mortal. Foi
Richard Huelsenbeck, também, quem disse que o «bruitisme» é como que «um
regresso à Natureza», «música construída por circuitos de átomos»...
Rui Eduardo Paes
MÚSICA & RÁDIO
Todas as extensões tecnológicas do homem (os «mass
media», por exemplo) são subliminares, doutra forma não suportaríamos a acção
que exercem sobre nós. Para McLuhan a rádio é uma extensão do sistema nervoso
central só igualada pela própria fala humana.
A telecomunicação é um canal artificial e necessita dum
sistema técnico, leva a uma experiência vicarial, de intercomunicação.
Brecht escreveu; «pequena caixinha que carreguei quando
em fuga / para que as válvulas não pifassem / que levei de casa para o navio e
o trem / para que os meus inimigos continuassem a falar-me / perto da minha
cama e para minha angústia. As últimas palavras da noite e as primeiras da
manhã / sobre as suas vitórias e sobre os meus problemas – promete-me que não
ficas muda de repente.» (McLuhan, 1964, pg. 89).
No espaço acústico tudo é vazio, não há nada que ver. O
público do concerto clássico, por isso mesmo, fecha os olhos. O espaço acústico
não tem foco referente, é uma esfera sem fronteiras fixas, um espaço contido
pela coisa em si – é dinheiro, fluente, cria as suas dimensões momento após
momento. Analiza toda a gama de emoções (marcha, ópera...). A rádio restaurou a
presença do som ausente – assim a rádio é a evocação duma imagem visual.
A rádio tem o poder de envolver as pessoas em
profundidade proporcionando uma vivência musical particular.
Produção Radiofónica
No que respeita à programação radiofónica, a retórica da
rádio pode ser construída de duas formas: verticalmente, um programa que é
editado semanalmente e à mesma hora (ex. «os Musonautas, no «Correio da Manhã,
terças, uma da madrugada). Ou horizontalmente, corresponde à sucessão horária
dos diferentes programas a partir da grelha, ao seu alinhamento. Também
programas de carácter bidireccional como «discos pedidos pelos ouvintes».
Na rádio distinguem-se três planos: grande, médio e
panorâmica – são obtidos pela distância dos intérpretes (locutores, músicos,
actores, convidados, etc...) em relação ao microfone.
Na rádio, cada voz, cada interpretação é submetida a
filtragens, ampliações, enquadramentos. O editor é colocado em situações que
melhoram, em geral, as suas exigências. A transmissão radiofónica da música
adjectiva e qualifica a semiologia musical.
Os sons dos rádios transístores (dos pequenos e roufenhos
aos grandes «mega bass» com baixos convincentes) dos aparelhos FM de alta
fidelidade e ambiência, aos rádios «walkman» (intimidade exclusiva da fruição
através de auscultadores).
Com todos estes tipos de aparelhos mais difundidos no
mercado a rádio propicia a intimidade ao jovem, e o isolamento, mas,
opostamente, revitaliza os laços tribais do mundo do mercado comum da canção
como ressonância semiológica.
O ouvido é intolerante, fechado, exclusivo; esta completa
clausura da acção envolve o ouvinte numa independência que o torna remoto e
inacessível (maxime na audição via «walkman»).
A tela mística e sonora com que se revestem as auditórias
da rádio fornece privacidade para o trabalho caseiro ou imuniza o ouvinte dos
enredos sociais do trabalho.
Indústria Musical Na Rádio
As grandes editoras multinacionais discográficas dividem
a música na rádio; por um lado a bagatela, o vulgar, o fenómeno do tubo,
visando o espectro jovem do público consumista e, por outro lado, a música de
arte ou a experimental, a culta, ou simplesmente aquela conotada como
diferente, visando uma faixa restrita do auditório. Mesmo as rádios emissoras
independentes, ou «alternativas», ou «livres», na impossibilidade económica de
apoiarem a criação musical isenta do estigma do estereotipo e da estandardização
ou do modernismo académico, são induzidas ao jogo concorrencial com a agravante
de terem de suportar leis de consumo impostas pelas multinacionais do disco:
identificando-se como signo de independência ou diferença os produtos
economicamente pouco significativos das editoras ditas «independentes»
tornam-se produtos residuais, despojos, ou restos que ficam dispensados pela
procura e considerados disponíveis pela indústria do disco, muitas vezes com o
nome de «música de prestígio», já que o lucro não justifica investimentos
publicitários.
A rádio porém aponta para uma contradição: reforçando a
alienação do consumismo (dos jovens compram de acordo com o efémero da moda
«pop») o auditor mais consciente procura adquirir o disco que não pode ouvir na
rádio.
Rádio: Voxx Programa: "Operação Drunfo" Edição Número 3 2 horas, aos Domingos à tarde... Autores: Vítor Junqueira e João Gonçalves Convidado: FERNANDO MAGALHÃES Cedência da Gravação: Tiago Carvalho Agora também no Mixcloud
BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 426
29 de Dezembro de 1992
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
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32 páginas
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Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
Rita Carmo (Fotografia)
Direcção Gráfica:
Cândida Teresa
Colaboradores:
Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
Bruno Branco
Bruno Maçães
Diniz Conefrey (ilustração)
Fátima Castro Silva (Porto)
Fernando Santos Marques
Gimba
Hélder Moura Pereira
Hélder Salsinha (fotografia)
Hugo Moutinho (Porto)
Isabel Lucena (Londres)
João Correia
João Bugalho
José António Moura
José Antunes
Lili Wilde (Londres)
Luís Mateus
Luís Pinheiro de Almeida
Maria Ana Soromenho
Maria Baptista
Maria João Gouveia
Mário Correia
Miguel Cunha
Miss Ex
Monsieur Sardin
Paulo da Costa Domingos
Paulo Somsen
Pedro Esteves
Pedro Portela
Rafael Gouveia (Paris)
Rui Eduardo Paes
Sérgio Noronha
Sofia Louro
Teresa Barrau
Vítor Vasques (fotografia)
Manifesto (suplemento):
Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
Tiragem média do mês anterior: 19 290 exemplares
Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
A MÚSICA, A DANÇA E A POLIARTE
IV
Os «ballets» russos implementaram a acção interartística
(desde Pepita e Tchaikowsky, Fokine e o cenógrafo Benois e Stravinsky, ou com
«Parade», que reuniu Satie; Massine, Cocteau e Picasso. Balanchine com
Stravinsky, para a implantação de «Apollon Musagéte», consagram uma relação
bilateral da música e da dança. Em França, e sobretudo desde Lifar e Roland
Petit, incrementam-se as mais variadas situações poliartísticas.
Em 1924, «Relâche» é uma criação multimedia a partir de
uma coreografia de Jean Borlin, que inclui as figuras de Picabia para a
instalação/cenografia, as intervenções plásticas e de perfomance de Man Ray e
Marcel Duchamp, música de Satie.
Em 1932, Kurt Joss estabelece um ritual de dança / música
interarte com «Mesa Verde». Aurelio Miloss acompanha a vanguarda da música em criações
poliartísticas com música de Berio («Visage»), de Varèse («Déserts»), de
Bussotti («Raramente»), trabalha com os compatriotas Dallapicolla e Petrassi em
situações prospectivas e reforça a modernidade nas criações «Mandarim
Maravilhoso», de Bartok e do «Sacré du Printemps», de Stravinsky, que foram no
bailado do século XX grandes obras inspiradoras da interarte e recentemente do
multimedia.
Nos EUA, Marta Graham e George Balanchine revolucionaram
os conceitos de dança e tornam-se epigonais da dança do futuro. Marta Graham,
pela riqueza das suas propostas técnicas e abertura à performance art na dança
contemporânea. «Como bom músico, Balanchine não encontrou problemas em fazer
coincidir os passos de bailado com as notas».
Estes dois grandes profetas iniciam com o «New York City
Ballet», o movimento «modern dance», o último classicismo na dança. Na sua
esteira Merce Cunningham alia a objectividade da «modern dance» ao experimentalismo
de John Cage, ao multimedia, ao mix media. Em 1960, Cunningham cria
«Summerspace», com música gráfica de Morton Feldman e acção visual da pop art
de Rauchenberg.
Maurice Béjart seria no mundo da dança o grande autor da
relação música / multimédia. Em 1955, apresenta «Sinfonia para um homem só»,
que é a primeira grande obra de música concreta de Pierre Schaeffer e Pierre
Henry. Em 1969, coreografia «Nomos alpha», de Xenakis, para concepções de
espaços arquitectónicos. Em 1972, faz combinações numéricas e algorítmicas para
«Stimmung», de Stockhausen. Em 1973, estreia «Marteau sans Maître», de Boulez,
onde béjart faz os seus seis bailarinos representar os músicos-intérpretes numa
rigorosa relação da partitura musical e da notação coreográfica. As suas obras
com música de Boulez e explorações interarte e mixed media são «mallarmé I, II
e III» e «Pli Selon Pli». Henry compôs também para a dança poliartística «La
Reine Verte». Coreografia de Maurice Béjart.
Duas grandes figuras do bailado pós-modernista são Pina
Bausch e Einhild Hoffman; este criou «Jardim Proibido», com performance, free
dance, música experimental / colagem. «Cafe Müller» é uma obra-prima de Pina
Bausch; uma concepção poliartística paradigmática pela montagem técnica,
cinemática, o patchwork. Paul Taylor coreografou uma obra luxuriante multimedia
«Party Mix».
Músicas de massas como o jazz são absorvidas na dança
pós-guerra até a experimentalismos de cena como no caso de «Trio», de Carolyn
Carlson, que apresenta Surman e Philips a tocarem ao vivo junto aos bailarinos.
Pina Bausch seria, porém, o oráculo da pós-modernidade pela concepção musical
de patchwork, num ecletismo radical objectivado por recuperações musicais de
todos os quadrantes (com inclusão frontal da música ligeira) à moção de
soundtrack pisgada no cinema onde a música se conforma com processos
sonoplásticos e acções poliartísticas espúrias.
A dança pós-moderna incluiu a música e as artes cinéticas
no seu corpo estético. A sua notação coreográfica não foi um meio um fim em si
mesmo, já que pôde recorrer a outros meios de escritura como a notação
cinetográfica de Rudolf von Laban, que antecipa a notação-vídeo dos nossos
tempos. Nikolais, na supracitada «Kyldex I», coreografou um bailado com
luminocinética, de Shöffer e música de Pierre Henry.
Glenn Tetley, em 1968, cria o Nerlands Dance Theater
«Circles», com música de Berio e «Field Figures», com o Royal Ballet e
instalação musical de Stockhausen. Numa relação intermedia coreografou
«Imaginary Film», com música de Schönberg, num contexto intersemiótico
cinema-dança. Robert Joffrey, em 1967, cria «Astarte», com jogos de luz típicos
do «show» «rock-art» e mixed media. A cubana Alisia Alonso levanta a obra-prima
«Génesis», música de Nono e light show.
Nos anos 70, surgiu em força a estética pós-modernista
(do multimedia, da fragmentação, numa recuperação de projecto Bauhaus), tal
como obras de Alwin Nikolais e Paul Taylor.
Ailey e Nikolais confrontaram tipologias musicais
aparentemente antagónicas, como o jazz e o serialismo: Como o caso do
coreógrafo Rolf de Maré, que escolheu as músicas de Milhaud, Satie, Braxton e
Lacy. No trabalho de Jean Albert Cartier, com música de Bernard Parmegiani, o
movimento foi considerado mais importante do que a forma.
A obra de Hans van Mannen «Situation», é um bailado
gráfico com correspondências semióticas entre a música e extensões mediáticas.
Em «Squares» Mannen estrutura geometricamente a dança, a instalação e a música
e aluz. Hans van Mannen coordena situações musicais multimedia e trabalhou com
obras de Andriessen, Reich, e.a.
Carolyn Carlson, Louis Falco, James Dunn, John Taras,
Arthur Mitchell, são alguns coreógrafos pós-modernistas americanos atentos à
música e ao multimedia.
Jean Pomarés coreografou «Piéces et sketches detachées»,
com músicos integrados numa coreografia mobile, com o grupo Modern Dance, Jiri
Kyrlian depura a técnica do «ballet» contemporâneo e faz relacionar a música
numa profundidade própria da aliança Diaghilev / Stravisnky.
Twila Tharp, Lucinda Childs, trabalharam, como vimos, em
minimalismo e multimedia. Stockhausen incluiu em «Hymnen» sequências
coreográficas – ballet montagne, ballet momente – dando o carácter universal
dos materiais (tempo, harmonia, timbre, dinâmica), interacções multilaterais
(tempo, harmonia, timbre, dinâmica), interacções multilaterais dos diferentes
hinos, com cenografia de Gérard Fromanger, projecções cinéticas de E-B. Weill e
representação pelo Ballet Thêatre Contemporain.
Dança pós moderna em Portugal
Em Portugal a dança observou certas situações interarte e
expansões mediáticas com o ballet Gulbenkian, onde se fizeram notar, entre
outros, Vasco Wellenkamp, Elisa Worm, A. Rodrigues e Olga Roriz. Esta última
criou com Ricardo Pais «Elvis ao piano» (1988) e «3 canções de Nina Hagen»
(1983) no estilo pós-modernista. Madalena Vitorino procura outras
ecopraxiologias. Joana Providência recupera sintagmas históricos. Filipe Pires,
Carlos Zíngaro, A. Victorino d’Almeida, Constança Capdeville, António Emiliano,
entre outros, têm tido actividades solicitadas pela dança como compositores
independentemente dos respectivos níveis estéticos. Uma obra carismática para
dança é «Canto ecuménico», de Filipe Pires (coreografia de Aline Roux).
Wellenkamp, Ricardo Pais e Capdeville estrearam em 1985 «Só longe daqui».
Outras criações importantes de Cosntança Capdeville foram «Tempos» (Massano),
«Dimitriana», «Libera-me» (Wellenkamp), «Ritual um» (Jim Hughes).
Margarida Bettencourt («Io sono una bambina o sono um
disegno»), João Natividade («Con(m) certo sentido» e «Divagações»), A. Barros e
P. Masano («Lisboa-N.1.-Lisboa») trabalharam com Carlos Zíngaro, João fiadeiro,
que no ciclo IV de Nova Música Improvisada apareceu na gulbenkian com Miguel
Azguime, integra new music em obras de carácter inter-artístico (Sasportes /
Pinto Ribeiro, 1991). Vera Mantero criou «As quatro fadinhas do apocalipse»,
onde a música provém dos sons emitidos pelos bailarinos durante a execução.
BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 427
5 de Janeiro de 1993
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 100$00
32 páginas
Capa e algumas páginas interiores a 3 cores, outras a preto e branco.
Ficha Técnica (parcial)
Redacção, administração e serviços comerciais: Av. Infante D. Henrique, 334, 1802 Lisboa
Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
Rita Carmo (Fotografia)
Direcção Gráfica:
Cândida Teresa
Colaboradores:
Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
Bruno Branco
Bruno Maçães
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Gimba
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João Bugalho
José António Moura
José Antunes
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Maria João Gouveia
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António Sérgio
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Tiragem média do mês anterior: 19 290 exemplares
Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
I N A – G R M
MÚSICA MISTA
Dois compactos com carimbo INA-GRM dão-nos uma
perspectiva ajustada do que é a electro-acústica. Quem não compreendia do que
se tratava fica agora a saber...
O facto de o INA-GRM produzir estes dois discos decorre,
por assim dizer, da ordem natural das coisas: o Groupe de Recherches Musicales,
fundado pelos pioneiros da música concreta Pierre Schaeffer e Pierre Henry, em
1958, está optimamente colocado para protagonizar algumas das mais
interessantes investigações em curso relativas à contribuição das tecnologias
de ponta para o alargamento das possibilidades acústicas, e consequente
enriquecimento da criação experimental. “Sax – Computer” (Musique Française d’Aujourd’hui),
do multi-saxofonista Daniel Kientzy com apoio de Daniel Teruggi, ou “Chatakoa /
And Around” (Celia Records), disco contendo duas composições de Jean Schwarz e
apresentando como solistas Michel Portal no clarinete baixo e o duo constituído
por Charles Austin (saxofones e flauta) e Joe Gallivan (percussão), com Teruggi
na mesa de operações do SYTER – Système Temps Rèel Audionumérique, são disso os
melhores exemplos que poderíamos encontrar.
Estão representadas em ambos os títulos as virtualidades
mais audaciosas da electro-acústica. O SYTER é um sofisticado processador, com
a propriedade de sintetizar, transformar e analisar os sons em tempo real e
capacidade para interagir com o agente que lhe fornece a matéria-prima sonora,
no caso cada um dos músicos indicados.
Como indica Philip de la Croix nas notas que acompanham o
primeiro CD, Kientzy pode mesmo ser considerado um «actor» e não apenas um
intérprete das peças escritas por Teruggi, especialista da acusmática e docente
de psicoacústica na Sorbonne, Jean-Claude Risset, um antigo aluno de Jolivet
que trabalhou com Max Matthews nos Bell Telephone Laboratoires, e Gilles Racot,
discípulo de Schaeffer (et pour cause...), investigador no IRCAM e ainda um
artista plástico de renome internacional. Em música, um actor, na decorrência,
é alguém que «comete actos sonoros», sendo surpreendente, na verdade, como
Daniel Kientzy explorando as diferentes qualidades tímbricas dos saxofones
soprano, tenor e contrabaixo, é capaz de gerir com parcimónia tão complexos jogos,
constantemente dialogando com o computador, ora lhe impondo orientações, ora de
imediato reagindo às suas respostas.
E tanto assim que muito dificilmente o ouvinte consegue
distrinçar o que é obra sua e aquilo que teremos de definir como uma projecção,
«imagem sonora computadorizada». Não é só de uma ilusão auditiva que se trata,
note-se: a distinção entre sons naturais e artificiais desfez-se, determinando
novos parâmetros para a percepção humana. Daí que se possa afirmar, como já tem
sido feito, ser esta uma prática musical «desterritorializante». A música
electro-acústica, ao contrário da ideia que dela habitualmente se faz, não
consiste apenas no tratamento electrónico da execução de um instrumento
acústico ou de sons ambientais registados previamente: permite, isso sim, a
integração de elementos de universos diferentes. Não se fica, pois, pela
transformação, ou pela «passagem». Em França, chamam-lhe música «mista», dado
que todos os reenvios são possíveis. É em consciência, e com uma sobriedade notável,
aliás, que Michel Portal separa as águas durante a sua intervenção em
“Chantakoa”. A condição que colocou a Schwarz para a sua participação
demosntra-o cabalmente. Interessou a este conceituado soprador de jazz,
considerado também como um dos melhores intérpretes do repertório clássico e
contemporâneo para clarinete, um factor em especial: que a dimensão electrónica
servisse, tão-somente, para «renovar o som acústico».
Processamentos de sinal como especialização, reinjecção,
filtragem, leitura invertida, harmonização e retardamento, proporcionados pelo
SYTER e próprios de uma tecnologia digital sofisticada, funcionam assim como um
enquadramento «humano» adverso à generalidade dos investimentos
músico-tecnológicos actuais. O que é importante se tivermos presente que o
equipamento escolhido para a concretização destas peças musicais não está
propriamente ao dispor do utilizador comum. Longe do cenário proporcionado
pelos «home studios» e da estética «hacker» dos «piratas» da computação, era de
supor que a música produzida em instituições ultra-especializadas como são o
GRM ou o IRCAM (é neste último, de resto, que Racot desenvolve as suas
pesquisas com um outro sistema de síntese em tempo real, o QUATRON) só poderia
contrariar a massificação técnica e processual a que somos constrangidos,
devido ao fabrico em série de máquinas com aplicação musical, por meio de uma
intervenção igualmente desajustada, porque demasiado selectiva. Os resultados
(estes resultados, pelo menos) não o confirmam, porém.
“Xatys”, a composição de Teruggi, é um encadeado de
cortes abruptos e ataques de rompante, entre a corporalidade e presença física
do saxofone e a sua fantasmização extrema. É, no entanto, com “Voilements” de
Risset e “Exultitudes” de Gilles Racot que ficamos cientes das motivações
básicas do Groupe de Recherches Musicales e isso devido à tónica dada à banda
magnética. A montagem, colagem e demais manipulação de fitas, em «contacto
directo com o sonoro», caracterizaram, como se sabe, os investimentos da
«musique concrète», e é esse o investimento aplicado nestes álbuns, ainda que
com a devida actualização ao nível dos procedimentos. No primeiro tema o
trabalho de esculturação sonora promovido pelo SYTER e as sínteses elaboradas
pelo programa Music V, ou no segundo os processamentos de estúdio, trazem
outras implicações mas preservam os princípios de sempre, como «realizar
deliberadamente todas as microestruturas acústicas que possam ser necessárias à
composição de uma obra musical de tipo novo», para citar Henri Pousseur. Não é
por acaso que Daniel Teruggi dedica grande parte da sua actividade à preparação
de bandas magnéticas, destacando-se “Eterea-Aquatica-Focolaria Terra”.
É sobre uma fita, também, que dialogam Austin e Gallivan
em “And Around”, de Jean Schwarz, remetendo-nos automaticamente para o
concretismo. Até nas definições dos materiais incluídos nos sete movimentos da
peça, constando uma «ruptura com apoio numa sinfonia ferroviária», um «jogo
entre gotas de água e elementos integrados» ou «um espaço imaginário com passos
sobre folhas secas, areia e sons indefiníveis». Para todos os efeitos, as
coisas são tal qual como verificaram Schaeffer e Henry: antes de tudo o mais
estão os objectos sonoros, ou seja, tudo aquilo que ouvimos, e entre estes só
achamos os objectos propriamente musicais quando (e se) lhes acrescentamos um
juízo de valor, bastando isso. O que, claro, não é fácil.
BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 433
16 de Fevereiro de 1993
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 100$00
40 páginas
Capa e algumas páginas interiores a 3 cores, outras a preto e branco.
Ficha Técnica (parcial)
Redacção, administração e serviços comerciais: Av. Infante D. Henrique, 334, 1802 Lisboa
Director: Rui Monteiro
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Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
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Cândida Teresa
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Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
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Diniz Conefrey (ilustração)
Fátima Castro Silva (Porto)
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João Bugalho
José António Moura
José Antunes
Lili Wilde (Londres)
Luís Mateus
Luís Pinheiro de Almeida
Maria Ana Soromenho
Maria Baptista
Maria João Gouveia
Mário Correia
Miguel Cunha
Miss Ex
Monsieur Sardin
Paulo da Costa Domingos
Paulo Somsen
Pedro Esteves
Pedro Portela
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Sérgio Noronha
Sofia Louro
Teresa Barrau
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Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
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Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
AS ORIGENS
TECHNO 50 / 70
De pachhhh-bk-iiipschhhhhhh-bik a bzzzzzzzzzzzzz via
boiiing boom tachak
Ninguém nasce por geração espontânea. Os biólogos e
bio-químicos desde há muito deixaram clara a existência de um longo processo
evolutivo biológico, antecedido por uma ainda mais longa fase de ensaios
químicos (pré-biológicos), unicamente para explicar a origem de vida na Terra.
Com os géneros musicais, por mais cibernéticos, afastados
dos padrões biológicos ou desumanos que os queiram caracterizar, há também que
entender a necessidade de uma pré-história onde as bases fundamentais, os
vocabulários possam nascer, desenvolver-se.
Só é possível um «Charly» de uns Prodigy porque, desde o
advento das electrónicas, o homem sempre tentou nelas encontrar um veículo para
diversas aplicações, entre as quais as musicais.
As primeiras experiências válidas podem ser encontradas
em trabalhos experimentalistas assinados por nomes como Karlheinz Stockhausen,
Iannis Xenakis ou Pierre Boulez, nos anos 50.
Stockhausen deve aqui ser referido como um nome
fundamental, uma vez que «Gensag Der Junglinge» (1956) pode ser apontado como
dos primeiros trabalhos a remodelar os até então frequentes encontros entre as
técnicas de gravação ligadas à música concreta e certas escolas electrónicas.
Este trabalho, juntamente como outros por si assinados (como «Hymnen» ou «Aus
Den Sieben Tagen») serviram de base para intensos estudos (Stockhausen, e a grande
maioria dos seus contemporâneos, era académico), tendo encantado espíritos
igualmente inovadores como os de Terry Riley ou Philip Glass que, mais tarde
podemos encontrar como membros fundadores do movimento minimal repetitivo
norte-americano. A techno foi, portanto, um território de estranha e quase
impenetrável experimentação. Claro que, nesta altura, o termo techno não
existia, nem faria qualquer significado.
Para terem ideia do som destes primeiros ensaios
«technológicos», tentem brincar, simultaneamente, com um rádio de ondas curtas
e as mais estranhas fontes geradoras de som, desde cordas de piano soltas a
gotas de água em dia de chuva.
Por territórios experimentalistas a techno permaneceu até
à alvorada dos anos 70. Antes, ainda nos anos 50, devemos apontar algumas
tentativas de fuga aos nebulosos laboratórios nomeadamente as protagonizadas
pela BBC Radiophonic Workshop, responsável pela concepção de sons para
programas da série «Dr. Who» - talvez se recordem de alguns destes sons na
brincadeira dos KLF, sob o alter-ego The Timelords, «Doctorin’ The Tradis». Por
essa mesma altura, na Califórnia, o dr. Robert Moog dedicava, diariamente,
horas de estudo a um projecto seu que, apenas em 1972, fez a sua estreia em
disco: o sintetizador (o disco era «Son of My Father» dos Chicory Tip). Com um
novo meio disponível, e outros tantos em fase de acabamento, a techno viveu
então a aurora de um processo que, em menos de dez anos dela faria um dos
elementos fundamentais da música.
Sediados nos «sagrados» estúdios Kling Klang em
Düsseldorf, quatro alemães desenvolviam os fundamentos estruturais para uma
nova linguagem exclusivamente derivada de códigos electrónicos. Filhos-prodígio
de uma vaga «electrónica» surgida na Alemanha em 1970, os Kraftwerk souberam, a
princípio, investigar as possibilidades e capacidades dos seus instrumentos.
«Kraftwerk 1» (1971), «Kraftwerk 2» (1972) e «Ralf and Florian» (1973) pouco
mais permitiam que novos ensaios, novos testes. Em 1974, uma vez dominada a
nova tecnologia, criam o clássico «Autobahn», o primeiro disco «techno» para
ouvidos menos sofisticados. Com os sucessores «Radio Activity» (1975), «Trans
Europe Express» (1977) e, sobretudo, «The Man Machine» (1978), definem as
regras para uma aproximação das novas linguagens à chamada música popular. Yello,
Yellow Magic Orchestra, Human League ou Gary Numan completam a elaboração de
princípios suficientes para que, em finais de 70, surja, explosivo, o fenómeno
da «techno pop».
O entendimento entre linguagens «techno» e a música de
dança foi, pela primeira vez, concretizado pelos próprios Kraftwerk, por
ocasião da composição de «The Model» em 1978. Pouco tempo bastou para que
outros lhe seguissem os passos. Além das diversas abordagens dançantes «techno
pop» (Depeche Mode, Heaven 17, OMD, ...) ou de si derivadas (Yello, Yellow
Magic Orchestra, Ryuichi Sakamoto), outras leituras em breve se tornaram
possíveis. Seguindo pistas já ensaiadas no «funk» de finais de 70, alguns entre
os primeiros «rappers» desenvolveram as vias «electro». «Planet Rock» dos
África Bambaataa pode servir como exemplo. Foi também por mãos negras que, na
Detroit de meados de 80, DJs como Derrick May, Kevin Saunderson ou Juan Atkins
protagonizavam um processo de fusão entre linguagens «techno» e os ritmos
«house» que então emergiram em Chicago. Eram os primeiros passos da «techno
house» que, passados quase seis anos, conheceu já tantas formas quanto as que a
imaginação de músicos e DJs tem permitido: «acid house», «hardcore techno»,
«progressivo house», «new beat», «italo techno», «techno trance», blá blá blá
bzzzzzz!
BLITZ
(Jornal Musical)
Ano VI
Nº 285
17 de Abril de 1990
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 75$00
28 páginas
Capa a 3 cores e interior a preto e branco
+ Poster:
Ficha Técnica (parcial)
Redacção, administração e serviços comerciais: Rua Sacadura Cabral, 26, Dafundo, 1495 Lisboa
Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Direcção Gráfica: Cândida Teresa
Colaboradores:
Belino Costa
Cristina Duarte
Cristina Peres
Eduarda Martins Ferreira
Eugénio Teófilo
Fátima Castro Silva (Porto)
Fernando Magalhães
Fernando Santos Marques
Fernando Sobral
Fred Somsen
João Correia
João Bugalho
João Vaz
Jorge Dias
José António Moura
José Guedes
Luís Maio
Luís Peixoto
Miguel Cunha
Miguel Francisco Cadete
M. Nuno Figueiredo (EUA)
Miguel Santos
Miguel Somsen
Miguel Telhinhas
Paula Bach
Paulo Somsen
Pedro Cardoso
Pedro Portela (Braga)
Rafael Gouveia (Paris)
Sílvia Alves
Tiago Baltazar
Vasco Fernandes
Manifesto (suplemento):
Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
Fotografia:
João Tabarra
Carlos Didelet
Tiragem média do mês anterior: 22 256 exemplares
Entrevista
IN THE
NURSERY
UMA
OUTRA ODISSEIA
Os In The Nursery, abriram a nova década com um sopro
quase total de classicismo, em «L’Esprit». Mas será que podemos chamar
«clássica» à música feita com «samplers»? E para onde caminham os gémeos
Humberstone que, em quase dez anos de actividade, renegaram totalmente o rock
tradicional, para ssumirem, de disco para disco, a grande aventura épica e
heróica da epopeia? Sem abrandarem o passo, Nigel e Klive Humberstone
prestaram-se a todos os esclarecimentos pretendidos pelo BLITZ, em mais uma
entrevista histórico-exclusiva.
- Começando obviamente pela vossa evolução, nós pensamos
que a vossa música mudou bastante desde a origem. Antes utilizavam mais o baixo
e a guitarra e tinham uma formação inicial muito mais rock. O que acham?...
Klive – Sim, sim. Já nem usamos guitarras.
Nigel – Para construir o tipo de música que idealizamos,
precisamos mais dos «samplers» e das percussões – nomeadamente os tímbales e as
tarolas...
- Foi uma grande evolução, não? O vosso som inicial, de
«When Cherished Dreams Come True» era muito fechado, nada comparável às
sonoridades grandiosas de agora!
K – Provavelmente. Pois quando começámos, usávamos um
pequeno quarto de sótão. Mas foi também uma fase de exploração das guitarras,
tentando tirar delas tudo aquilo que queríamos – o som de um violoncelo ou de
uma orquestra.
- Com uma guitarra!?
K – Acabei por ficar frustrado com a guitarra porque não
conseguia o que queria dela. Foi preciso procurar os verdadeiros instrumentos
ou melhores alternativas. Usámos então principalmente os teclados. É claro que
uma orquestra seria bastante melhor...
- Esse primeiro disco, praticamente desconhecido pela
actual maioria dos vossos seguidores, foi especialmente concebido – uma capa
estudada, um vídeo... Foi um grande investimento?
K – Acho que sim, mas só porque foi fácil realizar tudo
isso, uma vez que na altura éramos todos estudantes da Escola de Artes. Eu
estava ligado ao vídeo e tive todas as facilidades financeiras e de
equipamento; o mesmo se passou com a impressão.
N – No nosso primeiro disco as capas foram feitas por
meio de trama. Foi uma edição de mil cópias, mas posteriormente já houve uma
outra de mais 750.
- Como é que se estabeleceu a ligação com a editora
Paragon?
N – Eles contactaram-nos depois de nos verem num concerto
em Sheffield. Já tinham feito alguns discos e andavam à procura de bandas da
zona.
K – Foi muito estranho, porque nunca tínhamos estado num
estúdio antes...
- Como surgiu então Douglas P. (Death In June) e o vosso
disco para a sua editora New European Recordings (NER)?
K – Ele apareceu num concerto nosso em Londres e depois
abordou-nos, mesmo no final.
Quanto às gravações, fomos nós que as pagámos. No
entanto, continuámos com total controlo das faixas, ele apenas as lançou.
- Nessa mesma altura, em «Sonority», o som era
extremamente militarista. Seria a influência dos D.I.J.?
N – Não, foi somente um período em que pretendíamos ter
um som poderoso, embora quando actuamos ao vivo o nosso som seja ainda mais
potente. Acho que os discos são mais complexos e delicados.
- E quanto a «Elegy»? A sonoridade é militarizada e a
letra totalmente antimilitarista. Talvez nem tanto a música, mas mais o modo
como utilizam a percussão.
N – O problema é que as pessoas associam os tímbales aos sons
militares. O tímbale é um instrumento utilizado nas orquestras, porém não da
mesma forma que nós o fazemos, por isso não tem a mesma conmotação.
- Mas vocês saíram da NER bastante depressa. Não ficaram
satisfeitos?
K – Fizemos apenas esse EP e mais duas faixas que
surgiram na compilação «From Torture To Conscience». Nós estávamos satisfeitos,
mas ele apenas lançava o nosso material, não nos financiava nem existiam
quaisquer compromissos. Nessa altura conhecemos Rob, da Sweatbox, que quis
produzir um disco nosso. Ele deu-nos dinheiro para entrar de novo em estúdio, e
foi essa a diferença, pois estávamos já a compor novos temas.
- Na Sweatbox, o vosso som mudou bastante. Foi o início
da teatralidade e da pompa actual!
K – Julgo que sim! Tudo cresceu com a nossa experiência e
de sabermos aquilo que queríamos fazer. Além disso, os novos estúdios
proporcionaram-nos melhores condições técnicas.
- Mas desde a frustração inicial de não conseguirem o som
pretendido, até às sonoridades de agora, parece ter havido uma ideia exacta de
como prosseguir. O LP «Twins» é afinal um disco de pura transição.
K – Sim, é verdade. Esse foi o primeiro disco feito só
por nós dois – os gémeos (the Twins). Tudo o que foi feito antes era mais
baseado na prática dos instrumentos em conjunto. O resultado, era depois
concretizado no estúdio. «Twins» é o primeiro disco criado essencialmente em
estúdio – é mais solitário, mais conceptual, baseado não na convivência mas na
tecnologia.
- Para o facto poderá ter contribuído a frequência de
Klive em diversos eventos clássicos? Isso é mútuo?
N – Sim, é o tipo de música que desejamos criar. Fomos a
concertos e descobrimos os sons fantásticos que se podem obter sem PA. Nós
queremos recriá-lo, ainda que usemos «samplers» e sintetizadores.
- Achas que é mais fácil utilizando os «samplers»?
N – Nós não escrevemos música, portanto... De certa forma
compomos música clássica de uma maneira nova.
- Nesse aspecto achas que têm algo a ver com os Dead Can
Dance?
N – Eles utilizam instrumentos verdadeiros... apesar de
nós ocasionalmente já o termos feito, mas agora limitamo-nos aos «samplers».
- As pessoas, por vezes, já têm comparado os ITN a Wagner.
Opinião?
K – Mas não deviam!... Isso deve-se sobretudo a um
folheto promocional em que Wagner era citado mais como uma analogia, ou mesmo
uma referência. Isso queria dizer que podemos ser o equivalente a Wagner, no
campo da música clássica e no Séc. XX.
- Qual o significado, ou melhor, o conceito que vocês
entendem como clássico?
K – Algo que define um período.
- Nesse sentido, o Acid é a música clássica dos anos
80...
K – Talvez isso até seja possível daqui a uns 15 ou 20
anos, quando ouvirmos a música da década de 80.
- Só o que permanece é clássico!?
K – Toda a música permanece!... Mas quando ouvimos, por
exemplo, um tema de Acid-House, ligamos logo ao Verão de 88. Connosco isso é
mais difícil.
- Então não são uma banda clássica! Pois pelo vosso raciocínio,
os ITN são dificilmente referenciáveis a um ano concreto.
K – Talvez seja melhor então chamá-la de orquestral.
Porque com a música clássica não se consegue realmente definir um período de
tempo. Talvez orquestral seja realmente melhor.
- Uma banda orquestral, que não usa orquestra!!!
K – Ah... Orquestral, é um termo para um som. Para mim,
orquestral quer dizer um som grandioso, enorme, o que não exclui as partes mais
calmas. Como não temos uma orquestra de 20 pessoas ao nosso dispor, somos só
nós, tentando criar um som orquestral. Então temos de recorrer À tecnologia, é
o único caminho.
- Como é que utilizam os «samplers»? Têm de possuir o som
original?
N – Sim, o som original, que é oriundo de instrumentos
autênticos.
- Então vocês têm de tocar o instrumento!
N – Não, existe uma espécie de biblioteca de sons que
podemos dispor para trabalhar.
- O facto de vocês serem gémeos deve repercussões
especiais na vossa música?
N – Possuímos um sentimento comum muito forte. É muito
mais fácil trabalhar a dois do que com o grupo inteiro, do mesmo modo, é mais
fácil para duas pessoas do que para uma só. Nós somente pensamos que connosco
isso resulta.
- Achas que o poderias fazer com outra pessoa qualquer,
que não o teu irmão?
N – Não.
- Então a ligação é bastante forte...
N – Sim, nós temos pensamentos e conceitos semelhantes.
Possuímos ideias distintas mas depois unimo-nos e construímos em conjunto.
- Esse pode ser um dos motivos que levou Ant Bennett, o
vosso colaborador inicial, a sair?
N – Ele poder-se-ia ter sentido um pouco à parte, mas
penso que tinha projectos diferentes dos nossos que queria concretizar. Acho
que Ant pensava que o grupo não teria futuro. Afinal, foi melhor assim.
K – Ele teve um bebé recentemente. Assentou...
- E como surgiu a colaboração posterior de Gus Ferguson,
dos Test Dept que já tocou com os Dead Can Dance e Heavenly Bodies?
N – Penso que foi Rob, na Sweatbox, que o trouxe. E como
nós procurávamos na altura alguém para tocar violoncelo, ele ajudou-nos...
Aliás, já o conhecíamos dos Heavenly Bodies, com os quais costumávamos tocar.
- E quanto ao aparecimento dos actuais colaboradores – o
percussionista Q e a vocalista Dolores Marguerite? Foi pela necessidade ou
apenas porque se apresentava como interessante trabalhar com eles?
K – Nós precisávamos realmente de um percussionista. Q
era um velho conhecido da Escola de Artes que, além de estar disponível, era
nosso amigo. Ele nem sabia tocar quando se juntou a nós. A sua progressão foi
notável.
Quanto a Dolores, também era nossa amiga, logo
pedimos-lhe que aperfeiçoasse o seu francês para começar a cantar.
- E porquê o uso do francês e não do alemão, por exemplo
em «Elegy»?
N – O francês é uma língua muito emotiva, condizendo
melhor com a nossa sonoridade. O alemão é muito rude, brusco...
- Qual é a nacionalidade de Dolores? O nome sugere-nos a
Espanha...
K – Ela tem ascendência grega e espanhola, porém a sua
nacionalidade é inglesa.
N – Ela estudou francês mas também fala alemão...
- A propósito das línguas, existe alguma mensagem
especial a transmitir?
N – Não, não há uma mensagem específica. É como um
artista que se deseja exprimir. Nós exprimimo-nos através da música, pois é o
que sabemos fazer melhor. Nem temos qualquer tipo de slogan ou de mensagem
política, o que não quer dizer que sejamos apolíticos. Apenas não queremos
forçar nada.
- E então «Elegy» e «Profile 63», com o discurso de
Kennedy?
N – Não queríamos dizer nada de especial. Tenho um disco
com discursos dele e acho que são muito poderosos, pelo que os usei. Só algum
tempo depois percebi que era sobre o Vietname, sobre o qual estou muito
interessado. O discurso foi apenas utilizado como trecho musical, apenas para
enfatizar a música.
- Os In The Nursery têm separado a carreira em singles
(maxis/EPs) e álbuns, quando o habitual é os singles servirem de suporte e
promoção, com outras versões, desses mesmos LP. É uma questão de atitude,
presume-se?
K – Por exemplo, «Trinity» foi feito com um determinado
sentido... não funcionaria como um álbum, digamos que foi encarado como um
pequeno projecto. A música que se escolhe para um single normalmente não
funciona bem num LP. É diferente!
- Mas tem que haver uma conexão. Porque a música que se
apresenta em álbum e em single pode ter sido feita na mesma altura, tal como
aconteceu agora com o formato CD, no qual se agregaram singles e álbuns do
mesmo período. Em vinil existe uma separação, e agora em CD está tudo junto!
K – Isso deve-se sobretudo ao facto de ser mais fácil, e
também de tr todo o nosso material em CD. Eu encaro um disco de vinil mais como
um objecto, e os CD mais como uma peça de documentação sonora de qualidade
desses mesmos objectos.
- Sendo assim, os discos de vinil são mais importantes?
K – Sim, sim. Penso que os CD’s são óptimos, mas são como
um álbum de fotografias. São um documento compacto de momentos soltos.
- Como encaram o vosso material mais recente? É o
sucessor natural de «Koda»?
K – É a progressão natural, sim. Mas levou-nos muito mais
tempo e é muito mais complexo.
N – Neste novo álbum há temas semelhantes a alguns de
«Koda». Pois nós ainda somos muito influenciados pelas mesmas coisas que nos
rodeiam, pelos mesmos autores, por frases preferidas ou trechos musicais que
teimam em retomar o nosso espírito.
- Mas com certeza muitas coisas mudaram!
N – Usamos muitas mais sequências de computador, daí que
o som seja mais... digamos... cíclico.
- No princípio vocês mudava, muito as vossas sonoridades,
mesmo dentro do mesmo disco. Agora estão mais estáveis. Significa isto que já
atingiram as metas pretendidas ou um qualquer ponto de equilíbrio?
N – Sabemos o tipo de música que realmente queremos
construir. Talvez seja difícil progredirmos daí. Esta é a música de que nós
ainda gostamos e não vamos mudar só porque as pessoas estão à espera.
- E como se poderá reproduzir ao vivo «L’Esprit»?
K – Provavelmente só tocaremos ao vivo três das novas
faixas. O resto ficará como material de estúdio que não se pode reproduzir em
palco. É demasiado difícil.
- Isso foi pensado para ser já assim?
K – Há certas faixas que nem é necessário recriar em
palco porque nunca o conseguiríamos fazer melhor.
- Então quando vão para um palco pretendem ainda fazer
melhor do que em disco?
K – Não é bem isso. Mas existem faixas antigas, como por
exemplo, «Deus Ex Machina», de «Sonority», que resultam sempre melhor ao vivo.
Nunca ficámos satisfeitos com a gravação desse tema, por isso, ao vivo é sempre
muito melhor.
- O local das vossas actuações precisa de alguma acústica
especial, ou pode ser numa sala qualquer, como um vulgar concerto de rock?
K – Por vezes, tem mesmo que ser. Numa «tournée» não
podemos ser esquisitos, senão ficamos em casa. No entanto, todo o nosso som
funciona pelos amplificadores, o que se aproxima bastante de um simples
concerto de rock.
- Há alguma particularidade nos vossos concertos? Slides,
vídeo...
N – Sim, temos slides e, ocasionalmente, vídeo.
Normalmente são excertos de filmes ou imagens que nos interessam dos mais
variados modos... clips, capas... é uma atmosfera que se cria com a música.
- Existe algum elo com a vossa música nessas imagens?
N – Há uma sequência que procuramos manter.
- Estão também interessados em tocar em Portugal, não é
verdade?
N – Sim, nós gostaríamos de tocar aí, só é necessário que
exista uma organização.
- E quais as condições? Cachet, estadias, etc...
N – Só queremos que organizem os espectáculos
conjuntamente com a Espanha, pois para virmos com os camiões só para Portugal
custa bastante dinheiro.
- E em relação a música para um filme? Alguém vos
contactou?
N – Não, mas gostaríamos.
- Dentro do mesmo tema, porquê a necessidade de criar um
cenário visual? Precisam de imagens para compor? Afinal «Stormhorse» é a banda
sonora para um filme inexistente...
K – A razão por que dissemos isso foi para levar as
pessoas a pensar que existia realmente um filme e de imaginarem como seriam
essas imagens.
- Mas não é preciso afirmar que é uma banda sonora para
que isso aconteça.
K – Talvez! Mas nós sempre quisemos fazer uma banda
sonora. Se o filme não vem até nós, não é razão para que deixemos de fazer a
música para um qualquer filme, apesar de ele nem existir.
- Mas depois as pessoas querem ver o filme...
K – Eu sei. É chato!... O objectivo é só o de levar as
pessoas a pensar como seriam as imagens que o disco sugere. Pela imaginação e
por tudo aquilo que se vê, quando se fecham os olhos e se ouve a música.
- Que tipo de música costumam ouvir?
N – Gavin Friday... gosto muito das suas últimas
produções.
K – Actualmente, Gavin Friday...
- Recentemente, abandonaram a Sweatbox, porquê?
N – A Sweatbox deixou de fazer discos. O Rob
aconselhou-nos a procurar outra editora.
- E porquê a Third Mind?
N – Porque é uma pequena empresa e gostamos do modo como
organizam as coisas, além diso já tínhamos tido a experiência de trabalhar com
eles, aquando da edição da compilação «Life At The Top (Abstract Magazine 4)».
- E, para terminar, qual o significado do vosso nome?
K – O nome surgiu em 81 e foi escolhido depois de o
encontrarmos em diversas frases e sítios. Escolhemo-lo porque muitas das nossas
letras têm a ver com a infância, com os sentimentos e a inocência desses
tempos. Quando demos o nosso primeiro concerto na escola de Artes de Sheffield,
foi preciso escolher um nome, e então usámos esse. Mas agora, temos estado
lentamente a transformá-lo no logotipo ITN.
- É quase o meso, não?
K – É que «In The Nursery» já não significa nada para nós,
actualmente, para além de ser um pouco embaraçosos aqui em Inglaterra.
- Nós não nos importamos...
Eugénio Teófilo
Fred Somsen
João Correia
Críticas
VÁRIOS
«OIHUKA 89»
De Espanha chegou-nos mais uma amostra daquilo que
poderíamos considerar como um pseudo pós-rock ibérico. Tem todas as
características epidérmicas daquela movida que nos assaltou no princípio da
década passada – música conservadora, chata, com a mania que é a maior e que
engata muita gente com aqueles solos de perder a língua por entre os dentes – à
qual avança uma página num imaginário diário de transmisões aero-deterioráveis
com um rock’n’punk’n’roll de três minutos de fama, com uma daquelas fugazes
passagens por cima de um palco de metro-e-meio-de-largura-por-dois-de-comprido
e com uma assistência de meia dúzia de distraídos adolescentes pingados.
Mas, embora o som praticado adiante algo a essa nossa vã
movida, a idade dos grupos vem tornar quase inútil uma possível esperança de
recuperação, pois todos eles são de formação recente (de 1986 em diante). Com
efeito, as repercussões de viver num estado ditatorial podem provocar reflexos
lentos numa evolução que se desejava promissora (a maioria dos grupos presentes
vem da terra do charmoso duo de olheiras bem rasgadas pela moda da pomada –
estou a falar dos bascos Duncan Dhu) e causar grandes «pasmadeiras», daquelas
de estar meia hora com os olhos fechados e a boca aberta.
Oito grupos fazem parte de «Oihuka 89»: Los Bichos,
Tahures, Delirium Tremens, Hertzainak, Tijuana In Blue, La Polla Records, Ancha
Es Castilla e Jotakie. Vale a pena reter os nomes de Los Bichos, La Polla
Records e Delirium Tremens pois ficou-nos a ideia de que nem tudo o que é punk
é rock e vice-versa. Qualquer destes três grupos passou a infância a trabalhar
para ajudar a família a combater a miséria social e o desemprego, além daquelas
reivindicações próprias lá dos bascos. A sua música passa pelo melhor punk de
89 e pelo melhor rock de 77. O que já não é nada mau... Em relação aos outros,
vão desde o pior Doutores e Engenheiros (Tahures) a um aparecido mas
desmanchado piropo a Lena D´Água (Jotakie).
«Oihuka 89» será um bom detergente para os frágeis dedos
das senhoras donas-de-casa que, enquanto varrem a sala das arrumações,
dispersam com suaves contorsões abdominais as pobres baratas que pacatamente se
entretinham a imaginar o apresentador do «Haja Música» num relato de futebol
com cinco galinhas. Limpeza contundente!
(LP, Oihuka 0-181, 1989)
*** (3 estrelas)
Miguel Santos
CLOCK DVA
«BURIED DREAMS»
Há ano e meio, e depois de cerca de 5 anos e meio de
interregno, os Clock DVA regressaram às lides musicais para perturbarem as
mentes dos mais desprevenidos. Foi o (re)início de mais uma viagem assustadora
às paisagens mais obscuras da cena independente britânica, primeiro com três
12” - «The Hacker», «Hacked» e «The Act» - e, mais recentemente, com «Sound
Mirror» (também máxi single) e o álbum «Buried Dreams».
Para os mais familiarizados com o som dos Clock DVA fica
o aviso: em «Buried Dreams» o velho quarteto saxofone / guitarra / baixo /
bateria foi dispensado para ser substituído pela tecnologia de ponta (i.e.
computadores, sequenciadores, samplers, etc.), estando, por isso, a única
semelhança entre os velhos DVA de 85 (ou mesmo 80) e os de agora, no line-up,
no nome do projecto e na filosofia.
«Buried Dreams» é o despontar para um mundo novo,
dominado pelas comunicações e tecnologia. Neste álbum vamos encontrar todas as
sonoridades ligadas aos movimentos mais marginais e obscuros, no entanto, à
semelhança dos outros discos, somos atraídos por algo misterioso e
inexplicável.
A voz de Adi pouco mudou. O seu tom grave, rouco, vem dar
um toque peculiar Às melodias electrónicas. Em «Buried Dreams» abundam as
caixas de ritmos e os sintetizadores, mas de modo algum estes instrumentos
atribuem um ambiente dançável ao disco. Talvez em temas como «The Hacker» e
«Sound Mirror» sejamos forçados a movimentar o corpo (e a alma), mas não é esse
o objectivo de Adi e os Clock DVA. Esta não é uma produção para as pistas de
dança, é sim uma gravação para acompanhar exposições de Peter Witkin,
documentários sobre Auschwitz, filmes de Cronenberg ou David Lynch, livros de
De Sade ou Lautréamont, filosofias Crowleyanas, etc., etc., etc.
«Buried Dreams» combina o Punk Progressivo dos velhos DVA
com a violência electrónica. É um assassino digital, um terrorista matemático,
a álgebra do mal, a tecnologia oculta.
Estão avisados. A escolha é vossa. Cuidado com «Velvet Realm», «The Unseen» e «The
Reign». Será que à terceira os planos de Adi vão por diante?
(LP/CD,
Interfisch Records, 90, Imp. Por Contraverso)
**** (4 estrelas)
Fred Somsen
TELECTU
«DIGITAL BUIÇA»
Eis que é editado um novo longa-duração de originais do
duo Telectu. A maioria de vocês deve ficar surpreendida com esta tamanha
profusão de edições, pois ainda há pouco mais de um mês foi editado a aventura
«Live At The Knitting Factory, New York City» pela MC – Mundo da Canção.
Mais uma vez me vou repetir ao dizer que essa
proliferação de trabalhos editados pelo duo, em oito anos de colaboração, é uma
prova (mais que provada – basta referir dois ou três diferentes nomes do
conjunto da sua discografia) da sua ecléctica criatividade sonora.
«Digital Buiça» é editado por uma outra novel editora
portista. Depois da MC – Mundo da Canção abrir as suas portas à edição de
projectos portugueses merecedores de tal testemunho (degrau natural na evolução
de um grupo), agora é a vez da Tragic Figures ajudar a implantar um verdadeiro
sistema de edição e distribuição independente. Escolheu também para a sua
estreia um trabalho dos Telectu e promete várias surpresas (que não o são assim
tanto, pois o BLITZ já divulgou algumas delas) para um futuro próximo.
Se «Live At The Knitting Factory» (local de passagem
frequente de artistas como John Zorn, Fred Frith, Bill Frisell ou Joey Baron,
recentemente dados a conhecer ao público português numa apresentação ao vivo no
Forum Picoas) representava um laço apertado, numa perfomance ao vivo, em volta
de vários temas que abraçavam tipologias tão diversas e que se queriam
registadas, de forma a que uma nova liberdade de composição se pudesse seguir,
«Digital Buiça» vem manifestar vinilicamente esse novo estádio musical que os
Telectu recentemente têm vindo a divulgar nos nossos palcos.
São dois conjuntos estruturais - «Hotel Lisboa» (15’072)
no lado A e «Laribau» (23’24”) no lado B – representativos de uma maior
acessibilidade por parte dos Telectu (ou será nossa?), onde Vítor Rua e Jorge
Lima Barreto abordam ambientes naturais com uma sensível aproximação
instrumental (reparar na sequência em que Vítor Rua faz deslizar pelas cordas
da sua guitarra um arco de violino, em «Laribau»), ambientes de puro cuidado
técnico (maior destaque no princípio de «Hotel Lisboa») ou ambientes miméticos
de várias correntes musicais contemporâneas de vanguarda. Jorge Lima Barreto
explora o computador rítmico com uma metodologia pós-moderna, no sentido de «decoração»
estética, dá completa liberdade de voo ao seu saxofone digital. Por seu lado,
Vítor Rua mostra subtilmente o virtuoso criativo que ele é nas várias
metodologias de abordagem de uma guitarra (tema em que está actualmente a fazer
um estudo, para futura edição).
Como nota final, acrescento que a capa é um poema visual
de Ernesto M. de Melo e Castro, que esta edição é de apenas 500 exemplares e
que está disponível para além das boas discotecas de Lisboa, Porto, Braga e
Coimbra, através dos serviços de correio, à cobrança (sem acrescento de
portes). Façam as encomendas (Tragic Figures, Apartado 2137, 4202 Porto/Codex)
e devorem avidamente as espiras daquele que em breve se tornará, devido ao seu
valor estético geotemporal, um disco de coleccionador.
(LP,
Tragic Figures TF001, 1990)
4* (4
estrelas)
Miguel
Santos
PSYCHIC TV
«LOVE
WAR / RIOT»
«KONDOLE
/ DEAD CAT»
Nunca o «acid-sond» dos Psychic TV se aproximou tanto da
descontracção e da boa disposição como neste «Love War Riot». Em vez da rigidez
perfeccionista e obcecada das anteriores produções, este novo maxi, também
disponível numa versão limitada e alternativa de 10”, tem o seu quê de
semidisco-sound, policial de acção, 007, acid-pop, ou até mesmo de New Beat...!
Sobretudo, tem muito menos de simples alucinação e muito mais de emotividade.
«Love War Riot» é mais um exercício louco de Acid, mas
não tão fastidioso e comprometido com os ideais, como os anteriores «Tune in» e
«Joy». Aqui, sobre a inconfundível e monótona batida Acid, há lugar para a
diversidade que os «samplers» permitem, através da arte da pirataria
indiscriminada, que se traduz na prática, sobre o vinil, em sons loucos de
sirenes, vozes e alucinados pseudo-solos de bateria – estes talvez até
genuínos. ‘Love War Riot’ é essencialmente, o que não deixou de me surpreender,
um disco tragável e pouco indigesto, tendo em conta as últimas produções
cegamente Acid dos actuais Psychcic TV. O que afinal, não pode deixar de
constituir um elogio!
Passando agora à frente, o assunto chama-se «Kondole /
Dead Cat» e é de longe muito mais sério, principalmente porque reúne a música
para dois filmes de David Lewis. A primeira peça, que corresponde ao filme
«Kondole (The Whale)», e tem originalmente 23 minutos de duração. A segunda,
pertence ao filme «Dead Cat» e foi gravada novamente a 23 (Janeiro de 89),
exactamente um ano mais tarde. O que existe de comum entre as duas, isto para
além de estarem ligadas às produções visuais de David Lewis, é o facto de ambas
marcarem o regresso dos Psychic TV às temáticas ritualistas e mágicas (bem
hajam, obrigado, eu é que agradeço!), que tão longe os levaram num passado já
algo longínquo.
Reza a lenda que «Kondole», o único possuidor do fogo,
acabou um dia por ser atingido em plena cabeça (!!) por uma lança,
transformando-se em seguida numa baleia. A música para este momento trágico
transmite sobretudo o sofrimento do processo, no qual a água abraça a baleia,
cujos gemidos fazem tremer as profundezas e a dor perturba a terra. Na
atmosfera, os trovões desta mutação ecoam sobre a angústia inconformada de uma
criança que chora, perdida para sempre, no tempo. No outro lado está «Dead
Cat»: este «É o filme de um sonho! Materializa em imagens a transição dolorosa
de uma mudança de sexo (...) as imagens são intencionalmente violentas (...)
não é um filme para se apreciar!» (adaptado das palavras de David Lewis). O som
de ‘Dead Cat’ assenta ainda mais num ambiente ritual e cerimonial, baseado em
sons irreais, infinitas percussões e construções melódicas orientais, com
flautas e outros instrumentos acústicos. As baleias, ou os golfinhos, assumem
aqui, uma ligação da qual nem nos damos conta, entre a sua inteligência e
memória, e toda uma série de pesquisas sobre a origem das espécies, pois, para
os Psychic TV, a pesquisa da realidade (objectivo primeiro da sua existência)
sempre se fez com todas as dimensões do conhecimento. Mesmo com aquelas que a
ciência não reconhece.
«Kondole / Dead Cat» é divino, apocalíptico, desumano e
irreal – em resumo, excelente! Aproveitem bem este rápido e fugaz regresso dos
Psychic TV Às suas ideias originais, é o meu conselho, porque as sua spróximas
produções serão: «Towards Thee Infinite Beat» (LP/CD), «Beyond Thee Infinite
Beat» (12”/CD) e «Je T’Aime» (12”). Está tudo dito, não?
(12”/10” miniLP, Temple Records, 1989)
**,5 (2 estrelas e meia)
(LP, Temple Records, 1990)
**** (4 estrelas)
João Correia
TRISOMIE 21
«PLAYS THE PICTURES»
Saber envelhecer é essencialmente saber amadurecer e
estar apto para suportar com à-vontade os desígnios e impiedades dos tempos. Saber
envelhecer é, paradoxalmente, estar consciente de que, com mais anos em cima,
poderemos conservar um mínimo de saúde e juventude mental. Passe o clichá,
saber envelhecer é saber dominar a juventude dentro de nós. Estas afirmações
são tão pirosas e vistas como reais e presentes. E é isso que os Trisomie 21
têm sabido fazer durante os cerca de oito anos da sua existência e acção neste
mundo.
Através de um processo evolutivo capaz e sem tropeços os
Trisomie 21 trabalharam até alcançarem uma sonoridade competente e
profissional, por alturas do surpreendente «Chapter IV». Para trás haviam
ficado discos hesitantes que, posteriormente, viram a sua re-comercialização
traduzida em dois discos: «First Songs Vol. I & II», respectivamente com os
subtítulos «Passions Divisées» e «Le Repos Des Enfants Hereux». O auge
conseguido com «Million Lights» possibilitou-lhes uma liberdade substancial
para arrancarem com outras inspirações mais originais, visando o afastamento das
obras prévias. Assim, assustaram alguns com «Works», fazendo um disco
inicialmente decepcionante – desde a concepção da capa ao som – mas, com o
passar dos tempos, solene e bonito. Mais uma vez, o passar dos tempos sempre a
ditar a sua lei.
O problema actual dos Trisomie 21 é que, não prometendo
nada, acabam por colocar os seus fãs numa posição de expectativa indesejável e
acidental. Isso sucedeu a partir de «Million Lights» quando se esperavam
maravilhas do grupo. O que afinal não se concretizou, permanecendo fiel à
discrição e trabalho. E mais uma vez, «Plays The Pictures», sendo à primeira
audição altamente decepcionante, acaba por atrair e por marcar, uma segunda
vez, uma perigosa mudança.
Seja como for, perigosos ou não, os T21 continuam
fabulosamente inspirados. «Plays The Pictures», como o nome indica, testemunha
um fascínio do grupo pelos filmes, pelo Cinema, e se «One Last Play» (um dos
dois temas cantados) revela uma confrangedora falta de qualidade – pelo meio
gritam 31 vezes por New York – já o mesmo não se pode dizer dum disco «para
filme» composto por onze magistrais hinos de dois-três minutos de inspiração
minimal/instrumental. Uma surpresa... após seis audições.
E se têm paciência para esperar até lhe adquirirem o
gosto, não caiam na esparrela de comprar o disco em vinil, quando o CD tem mais
dez – 10 – dez temas. Se o álbum é uma obra (e é!), não é justo que se venda
essa obra com dois preços diferentes. É exactamente o mesmo que comprar um
filme-vídeo mais barato porque a versão está encurtada...
(LP/CD,
Play It Again Sam, 90)
**** (4 estrelas)
Miguel Somsen
SOULSIDE
«HOT BODI-GRAM»
Na terra da esperança não há Invernos. Por que será que
os Soulside fazem música para aquecer Invernos?
«Hot Bodi-Gram» é o segundo LP do grupo, depois do muito
(!) aclamado «Trigger». Foi gravado no Verão passado, em Eindhoven (Holanda) e
pretende representar convenientemente o stress psicológico ao qual os quatro
membros do grupo têm vindo a ser submetidos, desde a sua formação em 1985. É
mais uma ou, melhor, uma outra
ramificação do hardcore de Washington DC, uma antimúsica-diversão de
insvestidas rápidas, de saltar com os pés para o ar, por entre «slows»
assassinos de dias estragados por falsas dignidades. O velho baixo de Johnny
Temple galga, de língua de fora e saliva a escorrer-lhe pelas cordas, os
compridos membros do seu dono – reparae-se em «Pembroke» e nos acordes finais,
onde o vocalista beija o que lhe resta da vida com um «don’t disappear»
misecordioso. Em «New Fast Fuck», a guitarra fora de moda de Scott McCloud
sussurra-nos ao ouvido, já previamente precavido contra desleixadas descargas
fora-de-ordem, o quanto tem em apreço os três acordes básicos aprendidos quando
estudava a gramática da segunda classe, por volta de 77, mais ano menos ano.
Bobby Sullivan, com umas vocalizações confidentes – como o sabor doo bagaço nas
afiadas lâminas da sua garganta seca – dá o que pode na versão de «Crazy»
(original de Willie Nelson), o melhor tema de «Hot Bodi-Gram» (e uma excepção
num álbum que, sem dúvida, é uma decepção, depois do excelente 7” «Bass/103»).
Do baterista dispenso-vos os comentários. «I’m crazy for trying, I’m crazy for
crying, but I’m crazy for loving you?» Tenho as minhas reticências!
(LP, Dischord DISCHORD 38, 1989)
**,5 (2 estrelas e meia)
Miguel Santos
BIOTA
«TUMBLE»
Chris Cutler continua a surpreender os seus fãs com as
suas magníficas edições no catálogo da Recommended, editora recomendável, quer
pela qualidade e originalidade dos projectos que representa quer pela coerência
que tem mantido na sua já longa existência (o Magalhães que o diga).
Em finais de 89 surge esta edição, assinada por um
colectivo exímio em rasgos de criatividade, caracterizada por um conjunto de
blocos acústicos empilhados segundo uma estrutura muito peculiar.
Os BIOTA (Mnemonists para os amigos), com larga
experiência no campo das sonoridades irreverentes, iniciaram-se em 1979 quando
lançaram o LP «Mnemonists Orchestra». Há quem os tenha comparado, na altura, ao
radicalismo dos seus compadres Residents, isto apesar de, na realidade terem
pouco a ver com eles.
Hoje, os BIOTA trabalham segundo moldes ligeiramente
diferentes. Duas operações fundamentais descrevem o método utilizado pelos seus
elementos (William Sharp, Gordon Whitlow, Mark Piersel, Tom Katsimpalis, Steve
Scholbe, Larry Wilson e Randy Yeats): Primeiro, a fase criativa, de curtos
trechos desenvolvidos em pequenas estruturas instrumentais. Depois a fase de
mistura, onde estas peças sofrem alterações drásticas, quer ao nível dos
timbres, quer ao nível das frequências e das modulações.
No caso concreto desta edição, surgida em formato
compacto, os BIOTA foram mais longe. Sem utilizar a voz humana, criaram
ambientes equivalentes através do uso do «sampling» e da digitalização de
sinais analógicos.
Com funções específicas programadas, os BIOTA filtram e
reordenam o material tratado, obtendo um todo de difícil caracterização.
«Tumble» são 74 minutos da vida que não podem ser vividos
de outra forma. Personifica uma excelente experiência de duas correntes, a
priori, incompatíveis. Deslumbrante.
Sessão ao vivo, gravada no «Theatre de la Manufacture» em
Nancy.
A tríade Nox, Cecile Babiole, Laurent Perrier e Gerome,
prossegue o seu desejo no seio da música progressiva. Nesta experiência seguem
rumo por um campo cuja aceitação por alguns escutantes pode ser difícil.
Do eixo das compilações pelos diversos continentes, os
Nox acautelaram um nome e deram-se a conhecer a um auditório sucessivamente
mais amplo. E não escondem a sua admiração pela vanguarda alemã, nomeadamente
pelo Neu e Faust.
De regresso à terra-mãe encontraram em Nancy um projecto
editorial, a tempo inteiro, de superior qualidade e encetaram então um
relacionamento suficientemente estreito para que fosse lá a sede do seu
primeiro trabalho de originais em 33 rotações, o Lp «Crowd». O segundo Lp,
«Acte 1», reavalia e reformula o conceito tradicional dos Nox: uma bateria
enérgica, por vezes extenuante, um ritmo suficientemente frenético, sempre
tribal, um anseio de criar um mito, sem rito, e ofertar a mensagem a quantos
for possível, assim se estabelece o comensalismo editora-grupo.
Como no próprio espectáculo ao vivo, o compacto não
possui demarcações dos vários temas e tenta transportar quem o escuta à noite
em que foi gravado, mostrando os instrumentos no seu trabalho mais rude, menos
estilizado.
Não se encontra na sua música uma uniformidade sonora,
daí que os possam comparar a projectos de índole suficientemente dispare para
suscitar a curiosidade de qualquer um.
Contacto:
KERNERSTRASSE 15, D-7156 WUNSTENROT, WEST GERMANY.
#60 - "Brian Eno (starsailor)" Fernando Magalhães 08.01.2002 150308 Do período pop: Here Come the Warm Jets (1973) - 9/10 Takin...
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LULU (versões mais antigas - com alguns textos em falta, entretanto descobertos. Tal já não acontece com as versões mais actuais, publicadas agora na Bubok - Portugal - ver acima)
Volume 1 - 1988/1991
Volume 2 - 1992/1994 (460 páginas, formato maior que A4)
Volume 3 - 1995 (336 páginas, formato maior que A4)
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Volume 12 - 2004/2005 (476 páginas, formato maior que A4)