BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 422
2 de Dezembro de 1992
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 100$00
32 páginas
Capa e algumas páginas interiores a 3 cores, outras a preto e branco.
Suplemento Manifesto (?Mensal?) de 4 páginas. Ver abaixo autoria do mesmo, na ficha técnica
Redacção, administração e serviços comerciais: Av. Infante D. Henrique, 334, 1802 Lisboa
Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
Rita Carmo (Fotografia)
Direcção Gráfica:
Cândida Teresa
Colaboradores:
Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
Bruno Branco
Bruno Maçães
Diniz Conefrey (ilustração)
Fátima Castro Silva (Porto)
Fernando Santos Marques
Gimba
Hélder Moura Pereira
Hélder Salsinha (fotografia)
Hugo Moutinho (Porto)
Isabel Lucena (Londres)
João Correia
João Bugalho
José António Moura
José Antunes
Lili Wilde (Londres)
Luís Mateus
Luís Pinheiro de Almeida
Maria Ana Soromenho
Maria Baptista
Maria João Gouveia
Mário Correia
Miguel Cunha
Miss Ex
Monsieur Sardin
Paulo da Costa Domingos
Paulo Somsen
Pedro Esteves
Pedro Portela
Rafael Gouveia (Paris)
Rui Eduardo Paes
Sérgio Noronha
Sofia Louro
Teresa Barrau
Vítor Vasques (fotografia)
Manifesto (suplemento):
Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
Tiragem média do mês anterior: 19 290 exemplares
Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
«KURTZWELLEN»
DE
KARLHEINZ STOCKHAUSEN
Work In
Progress
Stockhausen escreveu «Kurtzwellen» em 1968 para piano,
electronium, viola e quatro rádios de ondas curtas.
O uso que Cage faz do rádio receptor foi uma das mais
discutidas técnicas e propostas da música conceptual. Uma espécie de jogo Dada
levada ao mundo da rádio, ligando ou desligando o aparelho de acordo com a
notação e ouvindo tudo o que acontece nas ondas de rádio.
Mas Stockhausen tem uma visão diferente deste uso;
Stockhausen interessa-se menos pelos materiais e mais pelos processos de
modificação, e desenvolve a composição «processus» em «Kurtzwellen» onde os
materiais provêm das emissões de rádio em ondas curtas. Stockhausen recorre aos
sons da rádio como ponto de partida e cria situações para interacções estreitas
no seio do conjunto dos executantes; é a «música de toda a terra» que pode ser,
segundo Stockhausen, mais emocional, transcendental e emocionante que a própria
emissão de ondas curtas – o acontecimento consiste apenas no que o mundo
difunde agora.
Emanado do espírito humano e modificado continuamente
pela interferência mútua (rádio e intérprete instrumental) à qual todas as
emissões são sujeitas é elevada à maior unidade pelos músicos. Atinge-se um
mundo que nos oferece os limites do acessível, do imprevisível. «Deve ser
possível qualquer coisa não pertença a este mundo e se encontre por acaso,
qualquer coisa que até agora não podia ter sido descoberta por uma estação de
rádio». É essa coisa que procura descobrir com «kurtzwellen» (Griffiths, 1978, passim).
A transmissão radiofónica da música é uma mensagem sonora
imaginária, diferente da mensagem sonora falada.
Comunicação não figurativa cujos elementos são abstractos
em relação ao universo dos sons realistas e sem relação directa com eles. A
união da rádio com o fonógrafo, que forma generalidade das programações
radiofónicas, produz uma estrutura muito especial, uma «work in progress» já
que depende da sincronização da emissão radiodifundida, irrepetível. A recepção
em ondas curtas dessas frequências estabelece um princípio fantasmático, que
subentende toda a transmissão radiofónica.
Stockhausen pretende com «Kurtzwellen» um mundo
totalmente novo, um mundo universal, a participação humana em todos os
acontecimentos humanos, num pangeografismo. Cada ouvinte é potencialmente
anónimo e a difusão radiofónica tem um caracter desagregador das culturas
popular e individual.
Em «Espace», Varése preconizava micros interligados por
ondas de rádio e Nam June Paik aconselhava: «fechem os olhos e oiçam a música
da rádio como uma eternidade».
Convém esclarecer a escolha das ondas curtas feita por
Stockhausen: as ondas baixas são um modo de propagação sobre toda a Terra. Atenuam-se
regularmente com a distância, são tão mais intensas quanto mais potente for a
estação emissora. As ondas curtas, porém, projectam-se na camada de ozone a dez
quilómetros de altura depois de se propagarem da superfície, sujeitas assim a
variações e flutuações. As ondas médias têm uma forma incisiva de propagação
num espaço limitado de centenas de quilómetros sobre a superfície.
Em «Kurtzwellen», Stockhausen considerou um outro aspecto
técnico da rádio: a diafonia, que acontece quando uma estação se sobrepõe a
outra, resultando interferências da gama de frequências.
A exploração das estações, mudar de AM para FM, por
exemplo, é um algoritmo essencial para a detecção sucessiva e aleatória de
programas musicais. Um acto de espontaneidade gratuita mas também um acto
estético, segundo Belyne na sua «Psychobiology of Art», é também um dos actos
elementares da vida perceptiva do ouvinte radiofónico. (in: «Vibration 3»,
passim). Stockhausen deu instruções aos músicos duma forma geral usando os
sinais «+»e «-» como notação e inspirado na «yin» e no «yang» da filosofia
«zen» mas também na antinomia matemática do zero e do infinito. Pede para
reagirem a certos pontos de frequências e estudarem esses aspectos reactivos
nos ensaios. Esta notação de «+» e «-», já usada na música intuitiva de
«procession» serve como signo cinestésico onde as relações intuitivas dos
executantes entramem jogo. A mensagem musical de «Kurtzwellen» é estética e
sensualizada, conotativa, baseada sobre a associação de elementos (frequências radiodifundidas
e instrumentos musicais), um jogo como fonte da criatividade da imaginação e da
fantasia. Disse Degas sobre a pintura: «a pintura não é a forma, mas a maneira
de ver», esta asserção está implícita na composição de Stockhausen numa
realização sublime da sua tese metamusical.
Rui Eduardo Paes
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