BLITZ
(Jornal Musical)
Ano IX
Nº 426
29 de Dezembro de 1992
Sai às Terças-Feiras
Director: Rui Monteiro
Preço: 100$00
32 páginas
Capa e algumas páginas interiores a 3 cores, outras a preto e branco.
Suplemento Manifesto (Mensal?) de 4 páginas. Ver abaixo autoria do mesmo, na ficha técnica
Redacção, administração e serviços comerciais: Av. Infante D. Henrique, 334, 1802 Lisboa
Director: Rui Monteiro
Chefe de Redacção: António Pires
Redacção:
Cristina Duarte
Miguel Francisco Cadete
Nuno Galopim
Raquel Pinheiro (Porto)
Rita Carmo (Fotografia)
Direcção Gráfica:
Cândida Teresa
Colaboradores:
Adágio Flor
Álvaro Romão
André Lepecki (Nova Iorque)
António Freitas
António Maninha
António Pedro Saraiva
Bruno Branco
Bruno Maçães
Diniz Conefrey (ilustração)
Fátima Castro Silva (Porto)
Fernando Santos Marques
Gimba
Hélder Moura Pereira
Hélder Salsinha (fotografia)
Hugo Moutinho (Porto)
Isabel Lucena (Londres)
João Correia
João Bugalho
José António Moura
José Antunes
Lili Wilde (Londres)
Luís Mateus
Luís Pinheiro de Almeida
Maria Ana Soromenho
Maria Baptista
Maria João Gouveia
Mário Correia
Miguel Cunha
Miss Ex
Monsieur Sardin
Paulo da Costa Domingos
Paulo Somsen
Pedro Esteves
Pedro Portela
Rafael Gouveia (Paris)
Rui Eduardo Paes
Sérgio Noronha
Sofia Louro
Teresa Barrau
Vítor Vasques (fotografia)
Manifesto (suplemento):
Ana Cristina
António Sérgio
Nuno Diniz
Jorge Lima Barreto
Manuel Dias
Tiragem média do mês anterior: 19 290 exemplares
Tal como disse aqui, este é um número de um período posterior em cerca de três anos e que cai naquela fase que então cataloguei como a segunda decadência, quicá o início dela, quiçá a última...
O Director continua a ser o mesmo (Rui Monteiro), alguns colaboradores são de qualidade (ver lista abaixo), mas já não era a mesma coisa. E fico-me por aqui.
Curiosamente, apesar da deriva mainstream a tiragem média decresceu.
A MÚSICA, A DANÇA E A POLIARTE
IV
Os «ballets» russos implementaram a acção interartística
(desde Pepita e Tchaikowsky, Fokine e o cenógrafo Benois e Stravinsky, ou com
«Parade», que reuniu Satie; Massine, Cocteau e Picasso. Balanchine com
Stravinsky, para a implantação de «Apollon Musagéte», consagram uma relação
bilateral da música e da dança. Em França, e sobretudo desde Lifar e Roland
Petit, incrementam-se as mais variadas situações poliartísticas.
Em 1924, «Relâche» é uma criação multimedia a partir de
uma coreografia de Jean Borlin, que inclui as figuras de Picabia para a
instalação/cenografia, as intervenções plásticas e de perfomance de Man Ray e
Marcel Duchamp, música de Satie.
Em 1932, Kurt Joss estabelece um ritual de dança / música
interarte com «Mesa Verde». Aurelio Miloss acompanha a vanguarda da música em criações
poliartísticas com música de Berio («Visage»), de Varèse («Déserts»), de
Bussotti («Raramente»), trabalha com os compatriotas Dallapicolla e Petrassi em
situações prospectivas e reforça a modernidade nas criações «Mandarim
Maravilhoso», de Bartok e do «Sacré du Printemps», de Stravinsky, que foram no
bailado do século XX grandes obras inspiradoras da interarte e recentemente do
multimedia.
Nos EUA, Marta Graham e George Balanchine revolucionaram
os conceitos de dança e tornam-se epigonais da dança do futuro. Marta Graham,
pela riqueza das suas propostas técnicas e abertura à performance art na dança
contemporânea. «Como bom músico, Balanchine não encontrou problemas em fazer
coincidir os passos de bailado com as notas».
Estes dois grandes profetas iniciam com o «New York City
Ballet», o movimento «modern dance», o último classicismo na dança. Na sua
esteira Merce Cunningham alia a objectividade da «modern dance» ao experimentalismo
de John Cage, ao multimedia, ao mix media. Em 1960, Cunningham cria
«Summerspace», com música gráfica de Morton Feldman e acção visual da pop art
de Rauchenberg.
Maurice Béjart seria no mundo da dança o grande autor da
relação música / multimédia. Em 1955, apresenta «Sinfonia para um homem só»,
que é a primeira grande obra de música concreta de Pierre Schaeffer e Pierre
Henry. Em 1969, coreografia «Nomos alpha», de Xenakis, para concepções de
espaços arquitectónicos. Em 1972, faz combinações numéricas e algorítmicas para
«Stimmung», de Stockhausen. Em 1973, estreia «Marteau sans Maître», de Boulez,
onde béjart faz os seus seis bailarinos representar os músicos-intérpretes numa
rigorosa relação da partitura musical e da notação coreográfica. As suas obras
com música de Boulez e explorações interarte e mixed media são «mallarmé I, II
e III» e «Pli Selon Pli». Henry compôs também para a dança poliartística «La
Reine Verte». Coreografia de Maurice Béjart.
Duas grandes figuras do bailado pós-modernista são Pina
Bausch e Einhild Hoffman; este criou «Jardim Proibido», com performance, free
dance, música experimental / colagem. «Cafe Müller» é uma obra-prima de Pina
Bausch; uma concepção poliartística paradigmática pela montagem técnica,
cinemática, o patchwork. Paul Taylor coreografou uma obra luxuriante multimedia
«Party Mix».
Músicas de massas como o jazz são absorvidas na dança
pós-guerra até a experimentalismos de cena como no caso de «Trio», de Carolyn
Carlson, que apresenta Surman e Philips a tocarem ao vivo junto aos bailarinos.
Pina Bausch seria, porém, o oráculo da pós-modernidade pela concepção musical
de patchwork, num ecletismo radical objectivado por recuperações musicais de
todos os quadrantes (com inclusão frontal da música ligeira) à moção de
soundtrack pisgada no cinema onde a música se conforma com processos
sonoplásticos e acções poliartísticas espúrias.
A dança pós-moderna incluiu a música e as artes cinéticas
no seu corpo estético. A sua notação coreográfica não foi um meio um fim em si
mesmo, já que pôde recorrer a outros meios de escritura como a notação
cinetográfica de Rudolf von Laban, que antecipa a notação-vídeo dos nossos
tempos. Nikolais, na supracitada «Kyldex I», coreografou um bailado com
luminocinética, de Shöffer e música de Pierre Henry.
Glenn Tetley, em 1968, cria o Nerlands Dance Theater
«Circles», com música de Berio e «Field Figures», com o Royal Ballet e
instalação musical de Stockhausen. Numa relação intermedia coreografou
«Imaginary Film», com música de Schönberg, num contexto intersemiótico
cinema-dança. Robert Joffrey, em 1967, cria «Astarte», com jogos de luz típicos
do «show» «rock-art» e mixed media. A cubana Alisia Alonso levanta a obra-prima
«Génesis», música de Nono e light show.
Nos anos 70, surgiu em força a estética pós-modernista
(do multimedia, da fragmentação, numa recuperação de projecto Bauhaus), tal
como obras de Alwin Nikolais e Paul Taylor.
Ailey e Nikolais confrontaram tipologias musicais
aparentemente antagónicas, como o jazz e o serialismo: Como o caso do
coreógrafo Rolf de Maré, que escolheu as músicas de Milhaud, Satie, Braxton e
Lacy. No trabalho de Jean Albert Cartier, com música de Bernard Parmegiani, o
movimento foi considerado mais importante do que a forma.
A obra de Hans van Mannen «Situation», é um bailado
gráfico com correspondências semióticas entre a música e extensões mediáticas.
Em «Squares» Mannen estrutura geometricamente a dança, a instalação e a música
e aluz. Hans van Mannen coordena situações musicais multimedia e trabalhou com
obras de Andriessen, Reich, e.a.
Carolyn Carlson, Louis Falco, James Dunn, John Taras,
Arthur Mitchell, são alguns coreógrafos pós-modernistas americanos atentos à
música e ao multimedia.
Jean Pomarés coreografou «Piéces et sketches detachées»,
com músicos integrados numa coreografia mobile, com o grupo Modern Dance, Jiri
Kyrlian depura a técnica do «ballet» contemporâneo e faz relacionar a música
numa profundidade própria da aliança Diaghilev / Stravisnky.
Twila Tharp, Lucinda Childs, trabalharam, como vimos, em
minimalismo e multimedia. Stockhausen incluiu em «Hymnen» sequências
coreográficas – ballet montagne, ballet momente – dando o carácter universal
dos materiais (tempo, harmonia, timbre, dinâmica), interacções multilaterais
(tempo, harmonia, timbre, dinâmica), interacções multilaterais dos diferentes
hinos, com cenografia de Gérard Fromanger, projecções cinéticas de E-B. Weill e
representação pelo Ballet Thêatre Contemporain.
Dança pós moderna em Portugal
Em Portugal a dança observou certas situações interarte e
expansões mediáticas com o ballet Gulbenkian, onde se fizeram notar, entre
outros, Vasco Wellenkamp, Elisa Worm, A. Rodrigues e Olga Roriz. Esta última
criou com Ricardo Pais «Elvis ao piano» (1988) e «3 canções de Nina Hagen»
(1983) no estilo pós-modernista. Madalena Vitorino procura outras
ecopraxiologias. Joana Providência recupera sintagmas históricos. Filipe Pires,
Carlos Zíngaro, A. Victorino d’Almeida, Constança Capdeville, António Emiliano,
entre outros, têm tido actividades solicitadas pela dança como compositores
independentemente dos respectivos níveis estéticos. Uma obra carismática para
dança é «Canto ecuménico», de Filipe Pires (coreografia de Aline Roux).
Wellenkamp, Ricardo Pais e Capdeville estrearam em 1985 «Só longe daqui».
Outras criações importantes de Cosntança Capdeville foram «Tempos» (Massano),
«Dimitriana», «Libera-me» (Wellenkamp), «Ritual um» (Jim Hughes).
Margarida Bettencourt («Io sono una bambina o sono um
disegno»), João Natividade («Con(m) certo sentido» e «Divagações»), A. Barros e
P. Masano («Lisboa-N.1.-Lisboa») trabalharam com Carlos Zíngaro, João fiadeiro,
que no ciclo IV de Nova Música Improvisada apareceu na gulbenkian com Miguel
Azguime, integra new music em obras de carácter inter-artístico (Sasportes /
Pinto Ribeiro, 1991). Vera Mantero criou «As quatro fadinhas do apocalipse»,
onde a música provém dos sons emitidos pelos bailarinos durante a execução.
Rui Eduardo Paes
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