DN - Diário de Notícias
Discos pe(r)didos
Juntamente com os Heróis do Mar, os GNR foram um dos
grupos mais prolíficos da cena pop/rock portuguesa de 80. Prolíficos não só em
nome próprio, mas também como troncos de árvores genealógicas que cresceram dos
elementos ligados às duas bandas, quer em carreiras paralelas ou em caminhos a
solo depois da separação da «nave-mãe».
Comecemos por recuar a 1979, ano no qual o grupo nasce
quando Vítor Rua (ex King Fischer’s Band) começa a ensaiar com Alexandre Soares
(ex-Pesquisa), Tóli César Machado e Mano Zé. Em 1980 assinam pela Valentim de
Carvalho, editora para quem se estreiam, já em 1981, com o single Portugal na
CEE. Alexandre Soares é, então, guitarrista e vocalista. Mano Zé deixa,
entretanto, a banda, que fica reduzida a um trio, o mesmo que grava o segundo
single, Sê Um GNR, lançado ainda em 1981.
Vítor Rua foi, dos elementos do grupo, o primeiro a
encetar uma carreira paralela, editando CTU, nos Telectu, ainda em 1982. Deixa
os GNR pouco depois, abrindo então um caso de disputa jurídica pela posse do
nome da banda, que se estenderá durante anos, até ao cachimbo da paz, que
acontece apenas em meados de 90, quando é editada a compilação Tudo O Que Você
Queria Saber: O Melhor dos GNR. Até lá continua a editar regularmente, com os
Telectu. Grava ainda o álbum Pipocas (1986), Clássicos GNR (1989) e Mimi Tão
Pequena e Tão Suja (como Pós-GNR, em 1991).
Alexandre Soares, que sai do grupo entre 1982 e 83,
participa nos quatro primeiros álbuns de originais dos GNR. Deixa, contudo, o
microfone a Rui Reininho (que surge como vocalista em Independança, álbum de
estreia em 1982). Depois de Psicopátria decide, contudo, afastar-se
definitivamente. É então que enceta uma brevíssima carreira a solo, que se
materializa em apenas um álbum: Um Projecto Global.
Um simples olhar pelas duas fotos que se apresentam na capa
interior do álbum indiciam o cenário no qual nasceu: a própria casa de
Alexandre Soares. Numa espécie de antevisão do conceito de home recording, as
canções, nas quais se torna evidente o porquê da vontade em sair dos GNR, foram
pensadas, tocadas e gravadas numa sala, pelo próprio Alexandre Soares
(pontualmente com a ajuda de alguns amigos, entre eles Quico, nas teclas e
programações). Teclados, guitarras, gira-discos, uma mesa de mistura,
gravadores de bobinas... A maquinaria mostra-se sobre mesas e livros,
sublinhando o tom quase anarca e desenrascado do ambiente em que nasce o disco.
Um Projecto Global, na verdade, é um disco no qual valem
mais as ideias que as formas finais. O som mais parece o de uma maquete que o
de uma gravação «oficial». Contudo, esta falta de polimento parece intencional.
Não só pela falta de meios que terão
sido colocados à disposição do músico, mas certamente por uma vontade de
mostrar e viabilizar caminhos seus. Entre os mais curiosos elementos deste
disco a solo de Alexandre Soares destaca-se a presença de Pedro Ayres
Magalhães, que assina a letra de Luzes no Hotel, a faixa de abertura do disco.
Entre a lista de colaboradores referidos na ficha técnica do álbum, embora sem
designação específica da sua contribuição, surge Jorge Romão (dos GNR).
Pela evidente diferença de formas face ao que eram os GNR
de finais de 80, o passado de Alexandre Soares pouco lhe valeu junto aos media.
Um Projecto Global mal se deve ter escutado na rádio. E, por várias razões, o
disco acabou ignorado...
Esse insucesso deverá estar na origem do ponto final que
Alexandre Soares então colocou à sua carreira em nome individual. E a ideia de
eventuais sucessotres deste disco (de que fala em entrevista a Luís Maio no
livro Afectivamente GNR) acabou sem concretização.
Alexandre Soares voltou a estar no centro das atenções
quando, já nos anos 90, surge integrado na segunda formação dos Três Tristes
Tigres, assinando com Ana Deus e Regina Guimarães os álbuns, de absoluta
referência, Guia Espiritual (1996) e Comum (1998).
Nuno Galopim
ALEXANDRE SOARES LP «Um Projecto Global», Polygram, 1988,
LADO A: Luzes No Hotel, Hibernar, (Que) Ricos Dias, Fora de Casa; LADO B:
Respirar Chambo, Uma Coisa, Meus Amigos, Vozes, Recordo-me? PRODUÇÃO: Alexandre
Soares.
Sem comentários:
Enviar um comentário