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Os melhores álbuns de sempre
26 de Agosto de 2005
26 de Agosto de 2005
[51] QUARTETO 111
QUARTETO 111
No pobre panorama pop português de 60, afastado da efervescência
vivida entre Inglaterra e os Estados Unidos pela ditadura de Salazar e Caetano,
os Quarteto 1111 de José Cid foram um oásis de modernidade. O seu álbum de
estreia, homónimo, mantém-se como um manifesto à criatividade em regime de
experimentação febril.
TÍTULO Quarteto 1111
ALINHAMENTO Prólogo / João Nada / Domingo em Bidonville /
Uma Estrada Para a Minha Aldeia / A Fuga dos Grilos / As Trovas do Vento que
Passa / Pigmentação / Maria Negra / Lenda de Nambuangongo / Escravatura /
Epílogo
ANO 1970 (reedição em CD pela EMI Music Portugal)
PRODUTOR Quarteto 1111
Na década de 60, enquanto a maioria do Ocidente vivia uma
revolução social ancorada numa cultura juvenil que assumia declaradamente a
cisão com as gerações anteriores, ao Portugal governado pela ditadura
salazarista chegavam apenas ecos abafados dessa ebulição.
A maioria das bandas, com pouco espaço para mais que
animação de bailes de finalistas e afins, entregavam-se a versões de êxitos ou
a originais que não escondiam um evidente desejo de emulação do que se fazia em
Inglaterra ou nos Estados Unidos.
Como excepções, tínhamos os Sheiks, trabalhando freneticamente
sobre a explosão despoletada pelos Beatles, ou uns Jets cujo único EP editado,
fosse outro o país de edição, se inscreveria como título de culto da emergente
vaga psicadélica. O grande marco pop do Portugal de 60, contudo, seria da
responsabilidade de uma banda que, de forma inédita, conjugava a modernidade
além fronteiras com língua e motivos portugueses. Eram os Quarteto 1111 e
revelaram-se com uma A Lenda D’el Rei D. Sebastião sobre a qual Cândido Mota
aos microfones do Rádio Clube Português, opinava em 1967: “é um tema eterno, de
criação nacional e validade perene e universal”. Depois dele, continuariam a
caber ao Quarteto 1111 liderado por José Cid as mais excitantes manifestações
pop portuguesas, quer fosse nos acessos folk de Dona Vitória e Dragão ou nas
divagações ácidas de Os Monstros Sagrados e Génese. Em 1970, a criatividade que
até então se dispersara por singles e EPs concretiza-se finalmente em longa-duração,
o segundo da história da pop nacional – um ano antes, a Filarmónica Fraude
editava a sua brilhante estreia, Epopeia.
Quarteto 1111, álbum conceptual dedicado à emigração e à
Guerra Colonial, politicamente interventivo – também aí, em contexto rock, o
Quarteto foi pioneiro - e febrilmente
experimentalista, não teve vida longa. Pouco depois da edição, a censura
retirava-o das lojas, passando à clandestinidade de cópia pirata.
Contudo, aqueles que o conseguiram ouvir em tempo real e
todos os outros que, ao longo dos anos, com ele se foram deparando encontram
ali um magnífico manifesto à criatividade sem amarras. A folk de João Nada, o
funk de Pigmentação, o denso psicadelismo de Maria Negra ou Escravatura, as
experiências sónicas de Epílogo – quase impensáveis tendo em conta os meios
disponíveis aos músicos portugueses de então -, as colagens sonoras de Fuga dos
Grilos ou a sofrida melancolia de Domingo em Bidonville, todas elas, representam
uma sintonia entre anseio pela modernidade e desejo de vincar uma identidade
própria que o pop/rock português só conseguiria concretizar satisfatoriamente
quase uma década depois.
Mário Lopes
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