Ritual
Nº 10
Dezembro de 1989 / Janeiro de 1990
Revista Bimestral - Liége - Bélgica (em Francês)
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Collection d'Arnell-Andréa
Entrevista
No número 8 dei-vos conta do meu entusiasmo pelos Collection d'Arnell-Andréa. Dum ponto de vista puramente chauvinista, entusiasmou-me o facto de descobrir, enfim, um grupo francês que produz uma música tão forte e inebriante como a dos Cocteua Twins e ou Dead Can Dance. Mas, digamos a verdade, Cd'AA não é uma cópia afrancesada dos grupos britânicos: os cinco músicos deste grupo, formado em 1986, desenvolveram nas suas composições uma ambiência muito particular, uma atmosfera sombria e uma nostalgia dos dias de antanho (alguns falarão em romantismo). O grupo rapidamente seduziu, tanto entre nós como no outro lado do Canal: o seu primeiro maxi saiu, com efeito, numa editora inglesa, e deram em Março último um concerto no Rock Garden de Londres. Em resumo, os Collection d'Arnell-Andréa são um grupo que têm um caminho próprio, um grupo que não deve tardar a voos mais altos. A alguns dias da saída do seu primeiro álbum, a Ritual pediu a Jean-Christophe d'Arnell que desvendasse um pouco os mistérios da Collection.
RITUAL: Os clichés, são muito bons, mas nada vale mais que a opinião dos interessados quanto à imagem mediática do grupo. O Romantismo diz-vos algo?
Jean-Christophe d'Arnell: A minha definição de Romantismo é: «a transformação lírica da vida em arte: a aurora do Simbolismo». Se dizem que nós somos «românticos», eu respondo: «O Outono é o berço do nosso silêncio...»
RITUAL: Não há pesadelos, mas creio discernir uma certa oposição entre o belo e o horror que reaproxima a ambiência dos vossos textos de certos escritos de Lautréamont.
J.-C. A.: Eu não penso verdadeiramente que a oposição entre o belo e o horror seja flagrante. De facto, aquilo que pode parecer como o registo do horror, parece-se mais facilmente e mais naturalmente com acontecimentos simples e trágicos que são, pela força com que emergem, parte integrante de uma certa beleza de que falas. Assim, não há oposição, mas uma multitude de impressões que seria injusto reduzir a esses dois pólos: horror/beleza.
RITUAL: Eu senti uma grande importância na evocação ou na imagem da Natureza, nas vossas palavras/textos.
J.-C.A.: É certo que a Natureza, no sentido de livre e trágico do termo, conta enormemente naquilo que escrevemos; a «natureza-assassina», a «natureza-cúmplice», a natureza, o último refúgio lírico do Homem.
RITUAL: Certo: uma grande parte da alma dos Collection d'Arnell-Andréa está nessas duas frases. O grupo está fascinado pelo período de finais do século XIX, princípios do século XX. Isso requer, sem dúvida, algumas explicações.
J.-C.A.: Bem mais do que um interesse por esse período, trata-se de uma paixão; quando digo «bem mais», que dizer na verdade «para além de», ou «contrariamente». Há, de facto, dentro da paixão uma espécie de impotência de estar cara-a-cara do que o circunda e das coisas que ele impõe; nós não estávamos lá. Eu penso que esta dificuldade interior se repercute na nossa música. Penso mesmo, sinceramente, que esta paixão tende a exprimir-se apesar de nós, quer dizer que a ressonância da nossa música nos escapa por vezes e também nos transtorna. Muitas obras, acontecimentos, personagens dessa época fascinam-nos, mas nós retemos essencialmente o movimento Simbolista, tanto na literatura como na pintura e nas Artes em geral. Ignoro se a música permite exprimir de forma satisfatória os nossos sentimentos: tenho dificuldade em ter essa «impressão». Dito isto, creio muito nesta alquimia fascinante, entre a literatura e a música.
RITUAL: Ao lado de tudo o que exprimem por palavras, a música parece como que despojada, como que para realçar o valor das palavras.
J.-C.A.: Isso não é feito de todo nessa óptica pois, como já realçaste, o canto não é verdadeiramente colocado «à frente» do resto dos outros instrumentos. A nossa música é despojada por acaso, tal qual ela se nos impõe; é certo que nós não procuramos a todo o preço este ou aquele arranjo, ou instrumento suplmentar, que de todo o modo nos forçará obrigatoriamenre à impressão primitiva.
RITUAL: Abordemos este capítulo. Há, neste maxi single uma dedicatória a Wim Wenders. É, no entanto, surpreendente que, apesar de evoluirem dentro dessa ambiência nostálgica, façamos de Wim Wenders um representante dessa época, pois ele é uma imagem de modernidade, muito actual, muito inovador. Não há aqui uma contradição?
J.-C.A.: Não penso assim. O problema não é de saber onde se situa a modernidade; o filme Les Ailes du Désir (As Asas do Desejo) demonstra um testemunho soberbo dum problema mais profundo. Penso que o problema é pois mais forte que a decalagem entre o mundo e o mundo interior é grande.
Tudo o que foi dito aqui deve convencer-vos que os Collection d'Arnell-Andréa é um grupo à parte. Isso é tanto mais interessante que mesmo que toquem uma música que consideramos como tipicamente britânica, eles não se contentam em repetir os clichés. A Collection reclama a sua afeição à cultura francesa. O seu novo álbum deverá aliás precisar este interesse de modo mais nítido, confirmando o grupo na sua originalidade, longe dos clones continentais dos Joy Division. Um grupo como já não esperávamos.
Vincent Laufer
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