6.3.15
Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (41) - Ibérico - Nº 2 - Primavera de 1989
Ibérico Nº 2 (houve nº 0)
Primavera de 1989
40 páginas p/b
ver enquadramento deste post aqui.
Finalmente consegui descobrir, entre a papelada cá de casa, este número do Ibérico. Era o único que me faltava encontrar e postar aqui. Fica assim completo um ciclo ou, melhor, dizendo, uma colecção ;-)
Quem quiser a versão em pdf do nº 0, nº 1 e/ou nº 2 (este), envie-me email, pf.
Editorial
Curiosos,
Nesta 'edição nº 2', a imagem confusa de textos entalados entre gravuras, e gravuras entaladas em texto, foi abolida. Optámos por um visual em que as palavras são preponderantes face ao grafismo de modo a
comunicar algo mais directo. Nesta 'edição nº 2' decidimos marcar uma época nova no âmbito das publicações independentes.
Decidimos ser um fanzine protótipo camuflado por uma imagem mais no estilo revista. Por isso, depois da situação revista adoptámos a terminologia...
RfEaVnIzSiTnAe
ou melhor,
FrAeNvZiIsNtEa
que, depois de uma combinação interna de caracteres,
FrAnZiStE
É tudo por hoje,
Enjoy the summer!
O Franziste IBÉRICO
Paulo Somsen
O Discurso Do Poder (por Fernando Magalhães)
Suor na pele. Electricidade nos nervos. A Realidade é cada vez mais o filme da realidade. A inversão vai-se procesando lenta e progressivamente. O medo vai-se instalando. O outro é uma ameaça. A sociedade
actual, esquizóide, caminha rapidamente para a esquizofrenia. O horror. E as locutoras da TV continuam a sorir.
1988: os mass-media, publicidade, prazer, cérebro, genética, técnicas de manipulação, sono induzido, espiritualidade sintética, dissociação interior, imagens, sexo, poder, normalização, despersonalização, coma.
Um relâmpago, o negativo da fotografia, um grito contido. 1988 e uma nova música, terrível, imergindo do inconsciente colectivo de uma Europa em pânico.
Das cidades industrializadas surgem homens, simultaneamente desesperados e lúcidos, para os quais a única salvação é o exercício de novas e derradeiras formas de poder e para quem a dor é a forma última de
prazer.
Construtores da nova ordem para uma Europa que, também ela, inconscientemente aspira a um novo totalitarismo, a troco da sua alma de velha rainha.
A Europa, cansada e niilista delega o seu antigo sonho de grandeza nas mãos do diabo.
Do Duplo
O homem move-se, existe, vive no real. O seu duplo-sombra movimenta-se, existe, vive nas trevas.
O movimento negro tenta deslocar o foco de consciência do homem, do seu real para o seu duplo-sombra.
O 1º passo é procurar fazer com que o homem tome a sua alienação como natural.
(...) Procurar fazer o anormal, o irreal, parecer normal. Deve procurar-se tornar o anormal, comum.
Instilar nas pessoas o desejo de ordem e de mudança.
(...) Acelerar o processo de despersonalização, atendendo em simultâneo aos seguintes pontos: 1 - Cuidar para que não surja nenhum momento de carência fundamental. 2 - Preenchimento, com substitutos, das
ânsias e aspirações. O princípio básico é: o real substituído pela ilusão. A palavra-chave é INVERSÃO.
É necessário aniquilar os valores antigos e substituí-los por outros, idênticos, mas de sinal contrário.
(...) Iluminar progressivamente o duplo-sombra, para que aquilo que é trevas, ausência, anulação, reflexo, não-ser, pareça luminoso.
(...) Os produtos, os substitutos preenchedores deste novo estado, devem permitir o controle dos seus utilizadores.
O homem passará assim a viver num contínuo sonambulismo. Imerso na realidade natural, sem a poder viver. Pode estar no meio do horror, mas apenas conseguirá perceber o duplo, a imagem invertida, que será
quela que o novo poder quiser apresentar.
É fácil inroduzir na falsa consciência do duplo, a ilusão.
Assim, o humano pode ter fome e no seu duplo sentir-se plenamente saciado; estar nu e sentir-se agasalhado. Trata-se simplesmente da manipulação da imagem, da ilusão que se pretende criar.
(...) Numa segunda fase é preciso inculcar nas consciências, a sensação de necessidade e consequente felicidade neste novo meio.
É claro que do outro lado, o lado do poder, este observa e controla conscientemente o verdadeiro e real foco das consciências.
Assim, na prática: podem detectar-se as verdadeiras e reais necessidades e aspirações, no foco real da consciência.
Imediatamente deverá ser introduzida na falsa consciência do duplo a imagem substituta, a ilusão que vai satisfazer essa necessidade ou aspiração.
Da Filosofia
No campo das ideias devem surgir constantemente novas teorias filosóficas estáticas. O movimento terá sempre de ser apresentado como cíclico. A perfeição está no ciclo completado.
Apologia da ordem e tranquilidade sociais. O ideal máximo de felicidade será o estatismo absoluto. A verdadeira filosofia tenderá a desaparecer. O humano cada vez mais passará a encará-la como um meio prático de alcançar o máximo conforto. O pensamento será considerado uma imperfeição humana. O ideal é a perfeição. A metafísica será considerada como um jogo, cujos resultados são a confusão e a desordem.
Da Ciência
A Ciência será considerada uma actividade exclusiva dos técnicos. Ciênci = Técnica. O técnico é aquele que se sacrifica pelo povo, que é obrigado a pensar nos meios que serão facultados a esse mesmo povo, com a finalidade de lhes proporcionar conforto e felicidade.
Do Trabalho
O trabalho manual será considerado uma actividade desejável.
O trabalho destina-se a desviar e aproveitar as energias suplementares do povo. Deve procurar-se fomentar a imagem de prazer, associada ao trabalho.
Será sempre o Estado, detentor do podfer, que fornecerá os meios para o povo produzir.
O Estado cuida do povo, pensa por ele, proporciona-lhe prazer.
O povo produzirá energia e trabalho para o Estado, omnipotente, que os utilizará consoante a sua vontade. Vampirismo.
Da Religião
A religião deverá ser considerada como uma das formas da metafísica, logo tendendo para a desordem e para a confusão.
Não deverá, porém, ser reprimida. Simplesmente, como forma primordialmente desordenada e confusa que é, deverá ser ordenada e condicionada pelo Estado que, assim, mais uma vez, satisfará o povo, oferecendo-lhe algo no início desordenado e confuso, trasformado numa forma ordenada, perfeitamente racional, pronta a ser utilizada na vida prática.
(...) É preciso, claro, nunca esquecer que, neste, como em todos os campos, cada passo dado, deverá visar sempre um crescente aumento de poder e uma progressiva divinização do ssitema.
Da Arte
A Arte consistirá na procura da forma mais útil. Utilidade, funcionalidade e prazer são conceitos indissociáveis da actividade artística.
Poderá ser considerado belo tudo aquilo que for harmonioso, no sentido de repousar, descansar os sentidos. As formas deverão ser anódinas, neutras, sem qualuqer significado ou sentido mais profundo.
Do Sexo
O sexo é uma actividade puramente mecânica; mais outra técnica para alcançar o prazer. É necessário para a produção de novos elementos úteis ao Estado.
O Amor é uma forma infantil da metafísica.
Do Estado
O Estado, síntese de todas as coisas, deverá ser a única entidade que se venera.
Deve venerar-se o Estado porque se deve venerar a perfeição.
Em 2º lugar deverá estar a sociedade (forma organizada de elementos dependentes do Estado), e em 3º os produtos e realizações deste último, visto serem dádivas ao povo.
Do Estado Como Perfeição
Para o Esatdo não há indivíduos.
Só o Estado conta, como entidade organizada, abstrata, máquina perfeita, sem erros humanos, sem qualquer falha. O Estado é a perfeição. O Estado é deus.
Aqui se satisfaz uma última possível necessidade do povo e do humano em particular: deus, entidade que transcende o homem, agindo no entanto sobre ele e no seu meio. O Estado possui estes atributos, ele é a entidade perfeita, acima da sociedade que dirige e controla todos os elementos que a constituem.
[Excertos do "Discurso do Poder", lidos pela primeira vez na emissão de 27/4/88 no programa "Estranhas Frequências" de Fernando Magalhães, na R.U.T.]
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