Fernando Magalhães e o jazz
Texto
Tiago Carvalho
01 abril 2025
Fernando Magalhães
Luís Jerónimo e Tiago Carvalho têm publicado compilações de textos de Fernando Magalhães, crítico de música do jornal Público que morreu em 2005. Convidamos Tiago Carvalho a escrever sobre a relação do influente crítico com o jazz.
Fernando Magalhães começou a interessar-se mais profundamente pela música jazz em 2002, portanto já com 47 anos, passando a assinar semanalmente a página de jazz do suplemento “Mil Folhas” do jornal Público.
Antes disso, escrevia principalmente sobre pop/rock e música de raiz tradicional (folk), áreas em relação às quais tinha um conhecimento enciclopédico, tendo escrito esporadicamente sobre jazz, ou, mais propriamente, sobre artistas e discos que talvez sejam mais bem situados nas margens do jazz. Como são exemplo John Lurie e os Lounge Lizards, Weather Report, John Zorn, Jon Hassell, Carla Bley, Pat Metheny, Raymond Scott, Soft Machine, Jan Garbarek, para mencionar só alguns dos seus favoritos.
Em mensagem publicada no Fórum Sons (plataforma da internet dedicada à música) em 2002, Fernando Magalhães elencava os discos de jazz que possuía. Cerca de 300 álbuns de 103 artistas.
O súbito despertar de entusiasmo pelo jazz deu-lhe a oportunidade de escutar e escrever sobre a agenda de novas edições de discos e também os clássicos reeditados. As recensões a discos e as críticas a concertos de jazz passaram então, a partir de 2003, a constituir a maior porção da sua crítica musical, em comparação com outros campos.
Quem tiver interesse nestes textos, pode procurar nos volumes 10, 11 e 12 dos “Escritos de Fernando Magalhães”, publicados em PDF e formato físico na editora on-demand Bubok. O confronto entre este “admirável mundo novo” e a sua bagagem musical levou a que com frequência estabelecesse ligações pouco habituais entre o jazz e formas musicais aparentemente tão distantes como a world music, a psicadélica, a cena pós-rock de Chicago, o Rock In Opposition. Para afinal nos permitir concluir que estes mundos não eram tão afastados assim.
Não se espere um Fernando Magalhães sistemático na sua relação com o jazz. Embora não tenhamos dúvidas de que para lá caminharia, atendendo ao grau de envolvimento que dedicava a tudo o que lhe despertava paixão, não fosse o seu precoce falecimento em 2005.
Pode-se esperar sim, no seu gosto jazzístico, traços da sua personalidade que se refletia igualmente no gosto pela pop, pelo rock, pela eletrónica, pela música experimental: grande abertura a artistas e trabalhos marginais, obscuros, inovadores, arrebatamento por obras de marcado sentido de risco, fuga às convenções, sensibilidade ao sentido de humor.
Palavras finais do próprio Fernando Magalhães, na mensagem “Eu, crítico de jazz”, originalmente publicada no Fórum Sons e agora constante do Volume Extra dos “Escritos de Fernando Magalhães”:
Bom. Em primeiro lugar. Não sou, nunca serei, nem pretendo ser crítico de jazz, da mesma maneira que não me considero crítico de rock, pop, eletrónica, experimental, seja lá o que for.
Sou apenas alguém que gosta de música, é viciado em música e já ouve música há muitos e muitos anos. Com uma certa apetência pelas sonoridades mais bizarras ou “outside” (para utilizar um termo caro a uma certa gíria do jazz...)
A minha relação com o jazz está longe de ser a de um jazzófilo típico. Normalmente gosto dos discos de jazz que escapam ao jazz-jazz, preferindo amiúde, em cada intérprete, obras que saem do seu discurso mais habitual. Com exceções, claro.
Acaba de ser publicado o “Volume Extra” dos “Escritos de Fernando Magalhães”, disponível em edição física ou PDF: bubok.pt.