DN - Diário de Notícias
25 Maio 2002
Discos Pe(r)didos
A alvorada de uma cultura alternativa na música
portuguesa é uma das mais importantes conquistas da segunda geração de 80.
Depois de aberto o espaço à explosão de uma cena pop/rock local, em grande
parte cantada em português (mesmo que plena de referências estéticas
importadas), a segunda «leva» de acontecimentos no Portugal musical de 80 fez
coexistir um tempo de ressurgimento de músicas de raiz tradicional com um surto
de criatividade urbana ciente de uma vontade em romper as formas mais imediatas
pelas quais se haviam definido os primeiros traços de uma identidade pop/rock
lusitana.
Graças ao aparecimento de novos espaços de ensaio e
apresentação pública de projectos (e aqui é inevitável a referência a um Rock
Rendez Vous em Lisboa e um Luís Armastrondo no Porto), fruto também da abertura
de estúdios de gravação, e, muito importante, a criação de alguns programas
(poucos) na rádio e novos veículos de jornalismo musical escrito, uma cultura
alternativa começa a brotar de forma evidente entre nós.
Sob a batuta de João Peste, na altura já um nome de
respeito ca cena «alternativa» local, graças ao trabalho dos Pop Dell’Arte, a
Ama Romanta é uma entre as várias editoras independentes que se aventuram no
mercado discográfico português de meados de 80. DE 1986 a 1991 a actividade da
editora será irregular nos tempos de agenda, mas determinante no lançamento e
abertura de horizontes. De resto, ao revisitar o seu catálogo contamos com
discos dos Pop Dell’Arte (o máxi «Querelle», o single «Sonhos Pop» e o LP «Free
Pop», em 87, o máxi «Illogik Plastik», em 89, e o CD «Arriba Avanti! Pop
Dell’Arte», em 91), Mão Morta (o álbum «Mão Morta», em 88), Mler Ife Dada (o
single L’Amour Va Bien Merci», em 86), Cães Vadios (o single «Cães Vadios», em
87), Anamar (o máxi «Amar Por Amar», em 87), Projecto Som Pop (com o álbum
«Pipocas», em 88), Sei Miguel (os álbuns «Breaker», em 88, «Songs About
Terrorism», em 89) e «The Blue Record», também em 89), Telectu (o álbum
«Camerata Electronica», em 88), Tozé Ferreira (o álbum «Música de Baixa
Fidelidade», em 88), Nuno Canavarro (o fundamental «Plux Quba, em 89), Santa Maria
Gasolina em Teu Ventre (o álbum «Free Terminator», em 89) e João Peste e o
Axidoxibordel (o único EP, em 90).
O catálogo da Ama Romanta abriu, contudo, com uma
compilação. Uma espécie de carta de intenções na qual tanto encontrávamos
projectos e nomes que depois permaneceram ligados à editora, como projectos
expressamente gerados para as gravações ali registadas e casos que seguiram,
depois, vida própria, em outras paragens.
Nomes de proa da cena «alternativa» portuguesa de meados
de 80 juntam-se no disco (duplo) que mais fielmente ilustra movimentações
diferentes, algumas com descendência, outras episódios únicos.
Momento inesperado e curioso na compilação, uma
entrevista de João Peste a Paquete de Oliveira (com música do próprio João
Peste) conduz-nos por uma série de importantes reflexões, hoje incrivelmente
ainda com mais sentido que em 86. Com texto e contexto, «Divergências» é «o»
retrato mais completo da cultura musical alternativa do Portugal de meados de
80, com algumas das suas faixas entretanto reeditadas na compilação «Sempre»,
retrato de fragmentos da história da Ama Romanta editada pela Música
Alternativa em 1999.
N.G.
VÁRIOS
«Divergências»
LP duplo, Ama Romanta, 1986
Lado A: Bastardos do Cardeal, Mler Ife Dada, Jorge
Martins, Miguel Morgado + Nuno Rebelo + Pedro Mourão, A Jovem Guarda;
Lado B:
Entrevista a Paquete de Oliveira, Pop Dell’Arte, Os Cães A Morte e o Desejo,
Mário e Peter, Maguedesi;
Lado C: Anamar, SPQR, Croix Sainte, Nuno Rebelo,
Extrema Unção;
Lado D: Bairro, Grito Final, João Peste, Bye Bye Lolita Girl,
Essa Entente, Linha Geral
Colectânea organizada por João Peste e Maria João Serra
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