17.4.17

DN - Série: Discos Pe(r)didos (14)



DN - Diário de Notícias
25 Maio 2002

Discos Pe(r)didos


A alvorada de uma cultura alternativa na música portuguesa é uma das mais importantes conquistas da segunda geração de 80. Depois de aberto o espaço à explosão de uma cena pop/rock local, em grande parte cantada em português (mesmo que plena de referências estéticas importadas), a segunda «leva» de acontecimentos no Portugal musical de 80 fez coexistir um tempo de ressurgimento de músicas de raiz tradicional com um surto de criatividade urbana ciente de uma vontade em romper as formas mais imediatas pelas quais se haviam definido os primeiros traços de uma identidade pop/rock lusitana.
Graças ao aparecimento de novos espaços de ensaio e apresentação pública de projectos (e aqui é inevitável a referência a um Rock Rendez Vous em Lisboa e um Luís Armastrondo no Porto), fruto também da abertura de estúdios de gravação, e, muito importante, a criação de alguns programas (poucos) na rádio e novos veículos de jornalismo musical escrito, uma cultura alternativa começa a brotar de forma evidente entre nós.
Sob a batuta de João Peste, na altura já um nome de respeito ca cena «alternativa» local, graças ao trabalho dos Pop Dell’Arte, a Ama Romanta é uma entre as várias editoras independentes que se aventuram no mercado discográfico português de meados de 80. DE 1986 a 1991 a actividade da editora será irregular nos tempos de agenda, mas determinante no lançamento e abertura de horizontes. De resto, ao revisitar o seu catálogo contamos com discos dos Pop Dell’Arte (o máxi «Querelle», o single «Sonhos Pop» e o LP «Free Pop», em 87, o máxi «Illogik Plastik», em 89, e o CD «Arriba Avanti! Pop Dell’Arte», em 91), Mão Morta (o álbum «Mão Morta», em 88), Mler Ife Dada (o single L’Amour Va Bien Merci», em 86), Cães Vadios (o single «Cães Vadios», em 87), Anamar (o máxi «Amar Por Amar», em 87), Projecto Som Pop (com o álbum «Pipocas», em 88), Sei Miguel (os álbuns «Breaker», em 88, «Songs About Terrorism», em 89) e «The Blue Record», também em 89), Telectu (o álbum «Camerata Electronica», em 88), Tozé Ferreira (o álbum «Música de Baixa Fidelidade», em 88), Nuno Canavarro (o fundamental «Plux Quba, em 89), Santa Maria Gasolina em Teu Ventre (o álbum «Free Terminator», em 89) e João Peste e o Axidoxibordel (o único EP, em 90).
O catálogo da Ama Romanta abriu, contudo, com uma compilação. Uma espécie de carta de intenções na qual tanto encontrávamos projectos e nomes que depois permaneceram ligados à editora, como projectos expressamente gerados para as gravações ali registadas e casos que seguiram, depois, vida própria, em outras paragens.
Nomes de proa da cena «alternativa» portuguesa de meados de 80 juntam-se no disco (duplo) que mais fielmente ilustra movimentações diferentes, algumas com descendência, outras episódios únicos.
Momento inesperado e curioso na compilação, uma entrevista de João Peste a Paquete de Oliveira (com música do próprio João Peste) conduz-nos por uma série de importantes reflexões, hoje incrivelmente ainda com mais sentido que em 86. Com texto e contexto, «Divergências» é «o» retrato mais completo da cultura musical alternativa do Portugal de meados de 80, com algumas das suas faixas entretanto reeditadas na compilação «Sempre», retrato de fragmentos da história da Ama Romanta editada pela Música Alternativa em 1999.
N.G.

VÁRIOS 
«Divergências» 
LP duplo, Ama Romanta, 1986
Lado A: Bastardos do Cardeal, Mler Ife Dada, Jorge Martins, Miguel Morgado + Nuno Rebelo + Pedro Mourão, A Jovem Guarda; 
Lado B: Entrevista a Paquete de Oliveira, Pop Dell’Arte, Os Cães A Morte e o Desejo, Mário e Peter, Maguedesi; 
Lado C: Anamar, SPQR, Croix Sainte, Nuno Rebelo, Extrema Unção; 
Lado D: Bairro, Grito Final, João Peste, Bye Bye Lolita Girl, Essa Entente, Linha Geral
Colectânea organizada por João Peste e Maria João Serra










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