DN - Diário de Notícias
3 Agosto 2002
Apesar da curta expressão e limitada duração em que se
manifestou entre nós, a «new wave» chegou mesmo assim a conhecer alguns dignos
representantes. Um deles, foi caso inesperado, nascendo de um grupo com
importante projecção no panorama «progressivo» na recta final de 70: os Tantra.
Uma das maiores forças da música rock feita em Portugal
na segunda metade de 70, os Tantra surgem em 1976 da reunião de Manuel Cardoso
(que tinha já passado pelos Beatnicks), Armando Gama, Américo Luís e Tozé
Almeida, editando logo nesse ano o single «Alquimia da Luz». Um ano depois, o
álbum «Mistérios e Maravilhas» (já disponível em CD) revelava a maioridade de
um som rock de cenografia sinfónica e alma «progressiva», constituindo
imediatamente um fenómeno, que se cimenta num tempo de desertificação na
cultura pop/rock lusitana.
São, ainda nesse ano, o primeiro grupo rock português a
encher o Coliseu dos Recreios, feito que repetem, em 1978, no concerto de
apresentação do segundo álbum, «Holocausto» (recentemente reeditado em CD),
evolução natural do disco de 1977.
Quando o grupo regressou ao Coliseu, em 1978, já Armando
Gama havia saído (para formar os Sarabanda, com Kris Kopke), sendo então
substituído, nas teclas, por Pedro Luís. Segue-se então um tempo de longo
silêncio, durante o qual se começam a manifestar sinais de mutação interna, que
levam ao afastamento de Américo Luís.
Estávamos na viragem de década, e nomes como os de Rui
Veloso, UHF, Salada de Frutas, GNR, Jáfumega e Táxi começavam a mostrar um novo
som rock cantado em português ao qual aderiam, como nunca antes, as rádios e
público. Numa decisão contra-corrente, tal como então se verifica em grupos
como os Roxigénio e Arte e Ofício (estes já com tradição no recurso ao inglês),
os Tantra abandonam a língua portuguesa. E, reduzidos a três elementos,
contando com a colaboração de «Dedos Tubarão» (Pedro Ayres Magalhães), dos
Corpo Diplomático, editam em 1981 o terceiro álbum, «Humanoid Flesh».
O disco causou acesa polémica, sobretudo por acender a
chama da discórdia na classe «crítica» de 70, mais dada a elogiar os
sinfonismos de «Mistérios e Maravilhas» e «Holocausto» que as novas canções de
dinâmica rítmica mais evidente e recorte «new wave» com o qual o grupo se
apresentava. Todavia, a rejeição não chegou apenas da «crítica», já que o
público acabou também por ignorar este terceiro disco dos Tantra, que pecava
por «erro» estratégico de «timing» ao adoptar o inglês numa altura em que as
multidões descobriam e abraçavam um novo rock (mesmo mais «quadrado») cantado
em português. A opção pelo inglês foi então justificada por Manuel Cardoso (já
a responder como Frodo) numa entrevista ao «Se7e», onde explica que uma luzinha
lhe dissera que Deus não passaria os discos dos Tantra no Paraíso, se estes
cantassem em Português.
«Humanoid Flesh» tem os seus méritos. Musicalmente é um
interessante manifesto estético de um movimento tangencial Às linhas de força
pop/rock lusitanas na alvorada de 80. E não só exibe um lote de canções
interessantes (algumas a revelar uma proximidade estranha com o som dos Classix
Nouveaux), como ousa transformar os «Verdes Anos» de Carlos Paredes, naquela
que é uma das mais interessantes manifestações de homenagem do rock português
ao grande mestre.
O fracasso do álbum acabaria por determinar o fim do
grupo. Frodo seguiu carreira a solo. Tozé Almeida juntou-se aos Heróis do Mar.
E Pedro Luís formou os Da Vinci.
N.G.
TANTRA
«Humanoid Flesh»
LP Valentim de Carvalho, 1981
Lado A:
«Girl In My Head», «Crazy Rock’N’Roll», «What Have Your Eyes Done To Me?»,
«Magic», «Verdes Anos»;
Lado B: «Dangerous Works», «Humanoid Flesh», «Just
Another Lie», «African Sands»
Produção: Tantra e SR
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