21.4.17

DN - Série: Discos Pe(r)didos (19)



DN - Diário de Notícias
3 Agosto 2002

Discos Pe(r)didos


Apesar da curta expressão e limitada duração em que se manifestou entre nós, a «new wave» chegou mesmo assim a conhecer alguns dignos representantes. Um deles, foi caso inesperado, nascendo de um grupo com importante projecção no panorama «progressivo» na recta final de 70: os Tantra.
Uma das maiores forças da música rock feita em Portugal na segunda metade de 70, os Tantra surgem em 1976 da reunião de Manuel Cardoso (que tinha já passado pelos Beatnicks), Armando Gama, Américo Luís e Tozé Almeida, editando logo nesse ano o single «Alquimia da Luz». Um ano depois, o álbum «Mistérios e Maravilhas» (já disponível em CD) revelava a maioridade de um som rock de cenografia sinfónica e alma «progressiva», constituindo imediatamente um fenómeno, que se cimenta num tempo de desertificação na cultura pop/rock lusitana.
São, ainda nesse ano, o primeiro grupo rock português a encher o Coliseu dos Recreios, feito que repetem, em 1978, no concerto de apresentação do segundo álbum, «Holocausto» (recentemente reeditado em CD), evolução natural do disco de 1977.
Quando o grupo regressou ao Coliseu, em 1978, já Armando Gama havia saído (para formar os Sarabanda, com Kris Kopke), sendo então substituído, nas teclas, por Pedro Luís. Segue-se então um tempo de longo silêncio, durante o qual se começam a manifestar sinais de mutação interna, que levam ao afastamento de Américo Luís.
Estávamos na viragem de década, e nomes como os de Rui Veloso, UHF, Salada de Frutas, GNR, Jáfumega e Táxi começavam a mostrar um novo som rock cantado em português ao qual aderiam, como nunca antes, as rádios e público. Numa decisão contra-corrente, tal como então se verifica em grupos como os Roxigénio e Arte e Ofício (estes já com tradição no recurso ao inglês), os Tantra abandonam a língua portuguesa. E, reduzidos a três elementos, contando com a colaboração de «Dedos Tubarão» (Pedro Ayres Magalhães), dos Corpo Diplomático, editam em 1981 o terceiro álbum, «Humanoid Flesh».
O disco causou acesa polémica, sobretudo por acender a chama da discórdia na classe «crítica» de 70, mais dada a elogiar os sinfonismos de «Mistérios e Maravilhas» e «Holocausto» que as novas canções de dinâmica rítmica mais evidente e recorte «new wave» com o qual o grupo se apresentava. Todavia, a rejeição não chegou apenas da «crítica», já que o público acabou também por ignorar este terceiro disco dos Tantra, que pecava por «erro» estratégico de «timing» ao adoptar o inglês numa altura em que as multidões descobriam e abraçavam um novo rock (mesmo mais «quadrado») cantado em português. A opção pelo inglês foi então justificada por Manuel Cardoso (já a responder como Frodo) numa entrevista ao «Se7e», onde explica que uma luzinha lhe dissera que Deus não passaria os discos dos Tantra no Paraíso, se estes cantassem em Português.
«Humanoid Flesh» tem os seus méritos. Musicalmente é um interessante manifesto estético de um movimento tangencial Às linhas de força pop/rock lusitanas na alvorada de 80. E não só exibe um lote de canções interessantes (algumas a revelar uma proximidade estranha com o som dos Classix Nouveaux), como ousa transformar os «Verdes Anos» de Carlos Paredes, naquela que é uma das mais interessantes manifestações de homenagem do rock português ao grande mestre.
O fracasso do álbum acabaria por determinar o fim do grupo. Frodo seguiu carreira a solo. Tozé Almeida juntou-se aos Heróis do Mar. E Pedro Luís formou os Da Vinci.
N.G.

TANTRA
«Humanoid Flesh» 
LP Valentim de Carvalho, 1981
Lado A: «Girl In My Head», «Crazy Rock’N’Roll», «What Have Your Eyes Done To Me?», «Magic», «Verdes Anos»; 
Lado B: «Dangerous Works», «Humanoid Flesh», «Just Another Lie», «African Sands»

Produção: Tantra e SR






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