DN - Diário de Notícias
29 Junho 2002
Discos Pe(r)didos
Emigrado para França depois de uma recusa em combater na
Guerra Colonial, Luís Cília é um entre uma “família” de músicos portugueses que
desviam de Lisboa para Paris o palco de criação de alguns dos mais importantes
discos que a língua portuguesa conheceu na década de 60. É em Paris que conhece
figuras como as de Paco Ibanez, Colette Magny, Georges Brassens, Luigi Nono...
É também em Paris que enceta a sua obra discográfica, com o fundamental
“Portugal-Angola: Chants de Lutte” (editado em 1964 pela Chant du Monde).
Ainda durante a década de 60 edita “Portugal Resiste” (um
EP) e os três álbuns da série “La Poèsie Portugaise”. Em 1969 assina “Avante
Camarada”, canção que, gravada por Luísa Basto, se transformaria depois no hino
do PCP. E, ainda antes do regresso a Portugal, grava e edita “Contra A Ideia da
Violência, a Violência da Ideia”, disco que assinala o seu reencontro com a Le
Chant du Monde.
Quatro dias depois do 25 de Abril, Luís Cília regressa a
Portugal e logo causa polémica ao afirmar que Alfredo Marceneiro era um cantor
revolucionário. A ligação que era feita, pela turba revolucionária, entre o
fado e o regime deposto, não permitia a aceitação deste tipo de opinião de bom
grado.
A demarcação mais efectiva ainda de Luís Cília face a
alguns excessos desses tempos ganhou forma naquele que foi o primeiro álbum
editado após a revolução. Sem embarcar na multidão que então fazia do canto de
intervenção a linguagem musical do Portugal de todos os dias, Luís Cília
procura reunir num disco uma colecção de romances antigos, os mais recentes
datados do século XIX, os mais remotos do século XIII!
Para o processo de recolha não recorreu aos trabalhos de
Michel Giacometti e Lopes Graça (duas referências já devidamente reconhecidas),
mas antes a uma busca em nome próprio, para tal socorrendo-se do acervo da
biblioteca da Fundação Gulbenkian em Paris, na qual consultou uma série de
cancioneiros. De uma série de trabalhos de recolha que vinham de antes do 25 de
Abril nasceu a ideia de um álbum que, no agitado 18«974, rumou então contra a
corrente.
Para a concretização do projecto, Luís Cília regressou a
Paris. Por companhia levara, de Portugal, o produtor executivo José Niza, nomeado
pela Orfeu, com quem o músico havia assinado. Na capital francesa tinha todos
os músicos que julgara necessários para dar forma ao projecto. Em primeiro
lugar o guitarrista clássico Bernard Pierrot, que Cília conhecia por ter sido,
também, aluno do seu professor de composição Michel Puig. Pierrot assinou os
arranjos e, com o seu grupo de música antiga, participou na gravação de “O
Guerrilheiro”, cujas sessões tiveram lugar nos estúdios Sofreson, em Paris.
Disco esquecido, importante registo de referência de uma
atitude muito particular perante a recolha do legado da música tradicional
portuguesa, “O Guerrilheiro” deu à Intersindical o seu hino, mais concretamente
na música do tema-título (originalmente uma canção alentejana do século XIX,
aparecida em 1852, por ocasião das lutas civis de Patuleia e Maria da Fonte).
Oito anos depois (em 1982), Luís Cília voltou ao estúdio,
onde regravou as partes vocais do álbum que, então, a Sassetti reeditou com o
título “Cancioneiro”. Todavia, nem esta versão de 1982, nem a histórica versão
original, tiveram ainda luz verde para a reedição em CD.
Teremos ainda de esperar muito?
N.G.
LUÍS CÍLIA
“O Guerrilheiro”
LP ORFEU, 1974
Lado A: “O Adeus d’um Proscrito”, “O Conde Ni#o”, “Flor
de Murta”, “A Guerra do Mirandum”, “O Conde de Alemanha”;
Lado B: “D João da
Armada”, “Canção do Figueiral”, “D. Sancho”, “O Guerrilheiro”
Produtor delegado: José Niza
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