DIÁRIO DE NOTÍCIAS | 20 DE JANEIRO DE 2001
POP/ROCK
VAN DER
GRAAF GENERATOR
VISÕES E FICÇÕES
A importante memória dos Van der Graaf Generator é
revisitada numa caixa que percorre a obra mais importante do rock progressivo
cuja redescoberta faz hoje todo o sentido.
Por oportuno exercício de memória, que poderá ter
conhecido importante catalizador de atenções na maneira como o percurso recente
dos Radiohead devolveu à ordem do dia alguns nomes do chamado rock progressivo,
eis que chega finalmente aos escaparates aquela que parece ser a primeira
manifestação de saudável restauração da inesquecível obra dos Van der Graaf
Generator, sem dúvida a mais importante e marcante das bandas do seu tempo
nesta mesma área.
O simples enunciar da expressão «prog rock» assustou,
durante muitos anos, muitas almas que o associaram, sobretudo, à má memória dos
subprodutos que gerou. Nomeadamente os tristes depoimentos de uns Yes, Emerson
Lake And Palmer e de uns Genesis pós-Peter Gabriel... Afastada das atenções
«grossitas», a obra dos Van der Graaf Generator marcou, todavia, o seu tempo.
As letras plenas de um misticismo que Peter Hammill sempre cultivou e um
inteligente suporte instrumental que nunca mostrou sinais de açúcar
desnecessário, rasgaram o seu presente vislumbrando novos patamares de
consciência estética, sugerindo uma noção de música acima de fronteiras e
convenções que, regra nos nossos dias, era motivo para ditatorial jogo de
política de fronteiras na alvorada de 70. O todo da proposta dos Van der Graaf
Generator, contra o que nos mostravam então uns Pink Floyd ou Genesis, apontava
à essência dos sons, em detrimento dos complementos directos (sobretudo os
visuais). A sua música era mais profunda, negra e, sobretudo, desafiante, que a
de outros contemporâneos. E hoje, quase 30 anos depois, soa estranhamente
familiar e contemporânea. As visões de futuro além das formas, afinal, eram
pertinentes.
EM BUSCA DE UMA IDENTIDADE
As origens dos Van der Graaf Generator remontam a uma
viagem de Chris Judge Smith a São Francisco no marcante Verão de 1967. De
regresso a Manchester, onde em pouco tempo se viu a trabalhar com o cantor e
compositor Peter Hammill e o teclista (então usava-se o termo «organista») Nick
Peame. Como nome escolheram um dos que Chris trazia da lista escrita na viagem
à Califórnia, Van der Graaf Generator (para abreviar, VdGG: uma máquina que
cria electricidade estática)...
Vencida uma etapa de troca de line-up (situação
recorrente ao longo de toda a história dos VdGG), que determinou inclusivamente
a saída de Chris Judge Smith e Nick Peame, editado um primeiro single por uma
etiqueta que não aquela à qual se encontravam ligados por contrato (o que determinou
a sua imediata retirada do mercado), o soberbo álbum de estreia «The Aerosol
Grey Machine» (que começou a ser gravado como se de um disco a solo de Hammill
se tratasse) mostrava interessantes sinais de uma banda que procurava um
caminho seu, emergindo directamente das recentes e marcantes experiências no
domínio do psicadelismo.
A resposta minimal do público não demoveu os VdGG, que
entre 1969 e 1971 gravam três álbuns determinantes na definição da ideia de uma
música que parte de estruturas rock para, por processos de desconstrução,
procurar contaminações por via da abolição de fronteiras com o jazz e a música
clássica. Contra a corrente, a música demarcava-se imediatamente pelo desvio do
centro melódico para o jogo entre as teclas dos órgãos de Hugh Banton e o
saxofone de David Jackson. Não havia guitarrista protagonista, e a própria
presença de um baixista não foi constante em todos os períodos da vida do
grupo. Sem a pompa excessiva e flácida de outros contemporâneos, a música dos
VdGG evidencia uma consistência invulgar, em muito sugerida pela excelência do
edifício instrumental e pela presença vocal de Hammill, cuja teatralidade e
escrita determinam uma das forças maiores da visão que na alvorada de 70 era
proposta pelos VdGG. O épico «A Plague Of Lighthouse Keepers» (do álbum «Pawn
Hearts, de 1971), será talvez o expoente maior da versatilidade cromática e da
complexidade interior característica da música dos VdGG e que, ao vivo, fez do
grupo uma das grandes referências de palco na alvorada de 70, em absoluta
oposição à cenografia mais garrida da contemporânea primeira geração do
emergente glam rock.
A SEGUNDA GERAÇÃO
Separados em 1972 depois de um calendário de intensa
actividade na estrada, os VdGG reuniram-se em 1975 depois de três anos de percursos
a solo. Os três álbuns editados entre 1975 e 76 reflectem uma maturação da
ideia original, refinando arestas, implodindo as energias em favor de
manifestos de procura de novas formas dentro das formas. Genial, o clássico
«Still Life» (de 1976), recolhe os momentos mais significativos desta segunda
etapa da vida do grupo. A canção volta a merecer nova abordagem estrutural, e
sentem-se claras manifestações de ordem «clássica» nos arranjos com que os
novos temas se apresentam. Se a etapa 69-71 definiu as linguísticas mais negras
e desafiantes do rock progressivo, o período 1975-77 reflecte a busca de um
sentido de «belo» determinado pelas regras reveladas nos dias da
pós-adolescência criativa do grupo. É também deste frutuoso período que datam
as referências «prog rock» que alguns grupos revisitaram na recta final de 90.
Escute-se o tema-título do álbum «Still Life» e todo o percurso dos Radiohead
depois de «The Bends» terá nova leitura.
A segunda etapa da vida dos VdGG não foi, como a
primeira, alheia a convulsões internas, determinando mudanças de alinhamento. A
mais marcante destas mudanças deu-se depois de terminada a digressão de 1976,
com a saída (sem substituição possível) do organista Hugh Banton, que levou o
colectivo sobrevivente a mudar de nome para Van der Graaf. Com a derradeira
formação foi gravado mais um álbum de originais «The Quiet Zone The Pleasure
Dome», ao que se seguiu a digressão mundial que os trouxe a Portugal para três
concertos em Lisboa, Coimbra e Porto em Setembro de 1977. Desta digressão
nasce, depois, o álbum ao vivo «Vital» que assinala, em 1978, o final da
carreira do grupo.
CAIXA DE SURPRESAS
A edição desta caixa, que poderá prenunciar a reedição
integral da obra dos VdGG (certamente bem vinda numa altura em que muitos novos
admiradores serão certamente cativados pelas memórias aqui recolhidas). Mas
antes de sonhar com a devolução aos escaparates dos álbuns do grupo, «The Box»
permite-nos um olhar representativo do seu legado. Elaborada em estreita
colaboração com os antigos elementos dos VdGG (Peter Hammill foi frequentemente
consultado no decurso da produção), a caixa propõe mais que uma simples recolha
antológica. É certo que parte de uma ordenação cronológica dos eventos, mas
evita a simples compilação de faixas dos álbuns e singles dos VdGG. Pelo
contrário, usa frequentemente sessões gravadas para a BBC e inúmeros registos
de concertos ao vivo (muitos provenientes de velhos «bootlegs», em alguns casos
denotando o envelhecimento dos originais, nem todos de restauro fácil) para
completar a história que os álbuns (todos reeditados em CD) já contaram. Os
velhos admiradores encontrarão nestas raridades e na própria remasterização do
som das faixas retiradas da discografia oficial motivos suficientes para
justificar o reencontro com a banda que mais interessantes visões
«progressivas» nos mostrou em inícios de 70. Falha, apenas, a informação do
«inlay» de designa apelativo mas de conteúdo diminuto, sobrevalorizando a
listagem integral das datas ao vivo em detrimento de uma biografia mais cuidada
e de uma discografia devidamente ilustrada.
Na essência, a obra dos VdGG está aqui devidamente
recordada. «The Box» é um monumento a uma memória marcante e um documento de
absoluta referência. Venham, agora, as reedições remasterizadas álbum a
álbum...
N.G.
VAN DER
GRAAF GENERATOR
«The
Box»
Virgin / EMI-VC
+++++
DISCOGRAFIA
ÁLBUNS
1968. «Aerosol
Grey Machine»
1969.
«The Least We Can Do Is Wave To Each Other»
1970. «H
To He Who Am The Only One»
1971.
«Pawn Hearts»
1972.
«68-71»
1975.
«Godbluff»
1976.
«Still Life»
1976.
«World Record»
1977.
«The Quiet Zone The Pleasure Dome»
1978.
«Vital»
1994.
«Maida Vale (BBC Sessions)»
2000.
«Introduction»
2000.
«The Box»
SINGLES
1969.
«People You Were Going To»
1970.
«Refugees»
1972.
«Theme One»
1976.
«Wondering»
Sem comentários:
Enviar um comentário