DN - Diário de Notícias
27 Julho 2002
Discos Pe(r)didos
Tal como o californiano Darin Pappas nos anos 90 (ver
entrevista ao lado), Sheila Charlesworth encontrou em Portugal os estímulos que
a levaram a encetar uma carreira na música. Nascida em Toronto (Canadá) em
1949, viveu parte da infência e juventude em Montreal, onde conheceu os
primeiros sucessos como actriz e modelo.
Por ocasião de uma viagem a França, em 1970, assiste em
Paris a uma representação do musical «Hair», e algum tempo depois faz parte do
elenco, como actriz. É aí que conhece Sérgio Godinho, com quem terá uma relação
pessoal e em quem conhecerá um importante parceiro musical. Em 1971, Sheila
participa nas gravações de «Os Sobreviventes», álbum de estreia de Sérgio
Godinho, no qual surge depois creditada com «coros, sanduíches e amor».
Com Sérgio Godinho vive, então uma série de episódios
históricos. Juntam-se ao Living Theatre (com o qual vivem o «caso» brasileiro
de 71, com dois meses de prisão em Ouro Preto), residem temporariamente em
Amsterdão, regressam a Paris para gravar «Pré-Histórias» e, em 1972, partem
para o Canadá onde casam e se dedicam ao teatro.
Já com a filha Jwana, o casal regressa definitivamente a
Portugal. Sheila colabora então numa série de discos: «À Queima-Roupa» (Sérgio
Godinho, 1974), «Semear Salsa Ao Reguinho» (Vitorino, 1975), «De Pequenino Se
Torce O Destino» (Sérgio Godinho, 1976), «Fernandinho Vai Ao Vinho» (1976)...
Em 1977 grava finalmente, então já com o nome artístico
de Shila, um álbum de canções que conta com um lote de colaboradores de luxo já
que, além de Sérgio Godinho, estão presentes Fausto, Carlos Zíngaro, Júlio
Pereira, Paulo Godinho (ex-Pop Five Music Incorporated), Guilherme Scarpa,
Francisco Fanhais e uma bem jovem Eugénia Melo e Castro. O disco, que receb por
título «Doce de Shila» é um magnífico conjunto de canções, a maior parte delas
da autoria de Sérgio Godinho (duas em colaboração com Carlos Zíngaro, uma num
trabalho conjunto de adaptação de um tema popular com Fausto), uma de Júlio
Pereira e uma de Fausto (sobre poema de Reinaldo Ferreira). Os arranjos são
assinados por Godinho e Fausto, à excepção de «Entre a Flor e a Enxada», de
Júlio Pereira.
Tiveram particular exposição os temas «Chula»
(tradicional, com letra adaptada e transformada por Sérgio Godinho e Fausto,
dando origem ao conhecido refrão «P’ra melhor está bem está bem / P’ra pior já
basta assim») e «Mais Um Filho». Contudo, o «caso» deste álbum será
inevitavelmente o tema de abertura: «Espectáculo». Esta corresponde à primeira
gravação de um tema que Sérgio Godinho gravou, mais tarde em «Canto da Boca» e
que, recentemente, conheceu nova leitura na colaboração com os Clã para o
espectáculo (e disco) «Afinidades». Um ainda suave e delicioso «sotaque»
pontua, todavia, esta versão original de Shila, num momento histórico ainda à
espera de passaporte para a era digital.
Nos anos seguintes, Shila gravaria ainda o álbum
«Lengalengas e Segredos» (editado em 1979) e ainda alguns singles. Dedica-se
essencialmente ao teatro antes de, já em 1990, abandonar definitivamente a vida
artística.
N.G.
SHILA
«Doce de Shila»
LP, Lá Mi Ré (1977)
Lado A: «Espectáculo», «Chula», «Doce de Shila», «Mais Um
Filho», «Entre a Flor e a Enxada»;
Lado B: «Rapa Tira Deixa e Põe», «Parteira do Mar»,
«Dança de Amargar», «Rosie», «Gente Assim».
Engenheiro de Som: José Fortes
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