Diário de Notícias
Crítica de Discos
ARRIBA AVANTI!
Sete anos depois do magnífico «Sex Symbol», os Pop
Dell’Arte quebram finalmente o silêncio com um notável EP de seis temas.
Editado por uma multinacional (a PolyGram), era um disco
de impressionante visão, rasgando conceitos em diversos sentidos, da
electrónica ao mais clássico rock, traduzindo então um momento de maioridade
criativa naquele que é um dos mais cativantes dos projectos da história moderna
da música portuguesa.
Uma série de concertos nos últimos anos foi devolvendo o
grupo à actividade, abafando o temor de um fim muitas vezes falado. Pelo
contrário, pontualmente, nesses espectáculos, brotavam novos temas. Por vezes
ainda em busca de formas definitivas. A ideia de um regresso aos discos começou
a desenhar-se então, com um conceito de agenda não rígida ao qual há muito nos
habituámos por estes lados. «No problemo»! Pelo caminho, eram reeditados em CD
os álbuns «Free Pop» (1987) e «Ready Made» (1993) e a compilação «Arriba Avanti
Pop Dell’Arte» (1990), assegurando à discografia do grupo uma vida na era
digital. No Natal de 2001, uma mão cheia de amigos afortunados recebia, em
jeito de prenda no sapatinho, com sabor a cartão de visita para uma futura
edição em disco, um CD-R com uma versão para um clássico da quadra («Little
Drummmer Boy»), devidamente assimilada pela teatralidade Pop Dell’Arte: «Little
Drama Boy».
Agora, após longa espera, o reencontro com todos é
finalmente possível num fabuloso EP de seis temas onde prefiro saborear a
novidade, e deixar o «sabe a pouco» em segunda fila, certo de, mais mês, menos
mês, se poder vir a concretizar a gravação de todo um novo álbum de originais.
É certo que, após sete anos de silêncio discográfico,
pode parecer escassa a oferta mas, escutado o conteúdo do EP (com 20 minutos de
música) a certeza é a de termos aqui uma das mais interessantes e inteligentes
edições do Portugal pós-2000, num disco que só o pânico que conduz as
«playlists» das rádios e define a ditadura do gosto nas televisões, poderá
impedir de chegar aos ouvidos de quem pensa que, entre nós, nos limitamos a
assimilar estéticas ensaiadas e rodadas lá fora, adaptando-as depois à lusitana
paixão. Como os Mão Morta e, em tempos, os Mler Ife Dada, os Pop Dell’Arte são
um dos mais notáveis casos de genuidade criativa, com o valor acrescentado de
conhecerem João Peste não só uma das mais únicas vozes do burgo, como o único
verdadeiro artista / performer da praça, num todo que define uma proposta
estética com implicações que vão além da pele da música, até à carne do
conteúdo.
«So Goodnight» em nada decepciona quem tinha conhecido já
em «Free Pop» e «Sex Symbol» dois discos de absoluta referência no panorama
musical português. Denuncia uma aproximação do grupo a estéticas de construção
e composição musical características de uma idade em que a obra vive da recolha
e gestão de fragmentos. As electrónicas são usadas como ferramenta, mas não
esgotam em si as metas da composição. «Mrs Tyler», «So Goodnight» e «Little
Drama Boy» são as três geniais canções incluídas no alinhamento, qualquer delas
palco de inteligentes jogos de teatro para voz, melodia e cenografia sonora. Transpiram
a «tal» genuinidade que desde meados de 80 reconhecemos na música de João Peste
e das várias formações dos Pop Dell’Arte, e definem uma ideia da expressão em
2002 de uma identidade estética até hoje nunca comprometida.
Além das três magníficas canções, o EP apresenta um
soberbo momento de poesia falada, com as palavras de Ezra Pound embebidas num
envolvente caldo bem temperado, suportado por uma cama de guitarras
distorcidas, sob a qual se desenha ainda um bailado tranquilo de notas ao
piano.
Dois pequenos interlúdios completam no alinhamento. No
primeiro, «The Sweetest Pain» quase se sugere uma ideia de canção disfuncional,
com a voz de João Peste a moldar um frágil espaço de equilíbrio / desequilíbrio
vocal (num registo «clássico» Pop Dell’Arte em episódios tranquilos), numa
virtual corda bamba sobre linhas minimalistas para electrónica, guitarra e
ruído. «The Witch Queen Of The USA», por outro lado, é um breve fragmento de
aparente caos que, afinal, revela camadas de acontecimentos e ruídos que se
entrelaçam, construindo juntos uma textura que sugere uma espécie de concentração,
num ponto, das imagens sonoras de uma grande metrópole num só instante. Este
tema é da autoria de Zé Pedro Moura, que aqui assinala o seu regresso aos Pop
Dell’Arte, após mais de dez anos de ausência (nos Mão Morta).
Este magnífico regresso dos Pop Dell’Arte junta mais um
disco incontornável à discografia fundamental do ano e do Portugal de início de
milénio e, mesmo «sabendo a pouco», não deixa de fazer já muito, nem que pelo
simples reactivar discográfico de um grupo que só não é «maior» dada a soma histórica
de ausências... Mas, no fundo, o que é a quantidade quando a qualidade brilha
mais alto?
P.S. Pena apenas que, num grupo de tão reconhecidas
cumplicidades visuais, se apresente um «artwork» tão aquém da oferta musical...
POP
DELL’ARTE
«So
Goodnight EP»
Candy Factory / Música Alternativa
+++++
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