DN - Diário de Notícias
02 Março 2002
Sinais dos tempos, o Portugal de finais de 70 vivia ainda
os reflexos próximos da revolução. Na música era ainda notória a presença
protagonista dos espaços de intervenção e afins, notando-se sinais de reacção
apenas nas esferas de propostas mais ligeiras, que então começam a emergir. O
rock vivia uma existência meio adormecida, sem Norte, com pontuais focos de
agitação em aventuras próximas do som progressivo. Aventuras alheias às
dinâmicas dos espaços de divulgação radiofónicos e televisivos, quase votando o
tímido silêncio toda a força que eventualmente brotasse de um amplificador em
ensaios de garagem.
Enquanto por aqui se ensaiavam as primeiras eleições
livres da «era moderna», Londres e Nova Iorque acolhiam uma importante
revolução musical que reflectia as angústias e limitações de uma nova geração
de filhos de uma economia global desfavorável. Com um semelhante sentido de
urgência, apesar das francas diferenças entre as manifestações em Nova Iorque
(mais letradas e abraçadas pelos círculos intelectuais alternativos) ou em
Londres (com origens num proletariado urbano culturalmente desfavorecido) o
punk rompia os cenários da música feita teatro e negócio de meados de 70, e
apresentava ao mundo uma nova forma de estar na música. Rude, rápida, viva,
ansiosa, de concretização imediata, independentemente dos meios.
Apesar de pontuais faróis (um deles o fulcral programa
«Rotação», de António Sérgio, na Rádio Renascença), o fenómeno ameaçava passar
a Oeste do Cabo da Roca, já que nem a Phonogram (hoje universal) e Valentim de
Carvalho (hohe EMI-VC) mostravam vontade de editar Sex Pistols, The Clash,
X-Ray Spex...
Nos escaparates de algumas discotecas da baixa lisboeta
surge, de um dia para o outro, uma compilação de capa a preto e branco, de
«design» rude (onde não faltam alfinetes e lâminas de barbear). «Punk Rock /
New Wave ‘77» era o título, editado pela desconhecida Pirate Dream Records...
Com Zhe Guerra e Joaquim Lopes, António Sérgio havia formado a primeira
etiqueta independente da indústria discográfica, destinada assim a divulgar os
nomes do punk e new wave aos quais pareciam estar alheias as multinacionais do
ramo. O trio regista a editora e licencia temas dos Sex Pistols, Skrewdriver,
Motorhead, Eater, The Jam, London, The Rings, Generation X, The Radiators From
Space, Warm Gun e Hideous Strenght, que logo reúne para esta compilação que cai
no panorama nacional como uma pedrada no charco, decidida a representar e
divulgar sons que ameaçavam escapar à atenção dos portugueses.
A pax lusitana é, entretanto, interrompida por uma acção
judicial contra o disco, lançada pela Phonogram que acusa a editora de
pirataria e afirma serem seus os direitos dos Sex Pistols. A Valentim de
Carvalho despede, então, António Sérgio, que ali trabalhava emtão como
promotor. A acção do director de programas da Rensacença, Albérico Fernandes,
impede que semelhante cenário se repita no éter, que diariamente continua a
receber as emissões de «Rotação». O julgamento prolonga-se até 1981, sendo os
réus absolvidos sem que as acusações fossem provadas.
O disco, que teve uma tiragem de 500 exemplares, é hoje
peça cobiçada nos circuitos de coleccionismo. Quanto Às multinacionais
incomodadas com o «caso», apressaram-se a editar compilações e singles punk e
new wave! A palavra tinha passado.
N.G.
VÁRIOS
«Punk Rock – New Wave ‘77»
Pirate Dream Records
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