Factory
Nº 10
ABRIL-JUNIO 1996
700 PTAS.
ESPANHA
68 páginas
formato A4 (um pouquinho maior)
interior - papel grosso e a p/b
Capa a cores
Coil
A Sombra No Espelho
O Sol Negro ilumina as criações de um projecto insano, surgido da visceralidade mais extrema.
Radicalismo post-industrial embebido em atmosferas obscuras e mananciais de águas turvas. Sangue de cenobites, banhos de terror e paixões intensas, dolorosas e muito perigosas
Génese
Em 29 de Maio de 1991 "The Last Live Perfomance Of T.G." pôs ponto final a um dos eventos mais violentos dos últimos trinta anos. Que o techno-pop está em dívida perpétua para com os Throbbing Gristle não é de todo rigoroso, pois, ainda que, considera um dos seus fundadores, Chris Carter, um génio do género, o motor que os impulsionava era bem distinto, mais perto da violência e da virulência que dos traçados musicais. A equação de ruído, arte e música que desenharam não pode ser resolvida através da sua continuação lógica: Psychic TV. Engendrados pelo extremado, mas não extremista, Genesis P-Orridge e o factor técnico dos Throbbing Gristle, Peter "Sleazy" Christopherson, o discurso derivado trazia terrenos menos criativos; The Temple Ov Psychick Youth era a Bíblia de não se sabe bem o quê, dos desvarios de Genesis. Uma postura tão firmemente impactante que se esgotou depois de um par de discos, enquanto uma diminuta célula crescia à margem do dogma.
John Balance era um rapaz homossexual de Brighton sem passado algum e com vocação de groupie. enamorado da violência mental com que o sacudiam os Throbbing Gristle, decide contactar com eles. As relações estreitam-se e Christopherson é convidado para as sessões de "Heathen Earth", nas quais participa episodicamente. Uma vez dissolvida a banda, Balance entra para a formação dos Psychic TV, mudando-se para Londres e partilhando a morada com Sleazy. A relação entre ambos vai avançando através dos gostos comuns pela simbologia, pela magia negra e pelas ratas que tinham em casa como animais de companhia. Sleazy, porém, gastava tempo no negócio, desde que a partir dos anos setenta trabalhava para a Hypnosis, uma companhia de desenho de capas de discos que trabalhou para os Pink Floyd ou Led Zeppelin, por exemplo. A soma de ambas as forças adoptou o nome de Coil, ainda que os seus primeiros trabalhos só incluíam John Balance (Peter Christopherson só se incorporará no grupo em 1984): uma série de cassetes de limitadíssima tiragem e temas em diversas compilações, alguma coisa na etiqueta Power Focus, que meses antes havia sido montada pelo próprio Balance com a intenção de trazer à luz algumas sessões live dos Throbbing Gristle.
No princípio, Coil nasceu como um projecto com forte tendência para a perfomance, necessidade que se foi apagando ao longo do tempo. De facto, desde que em 1984 se consolidam como um duo com a terapia de "How To Destroy Angels", a rejeição dos cenários apareceu como pressuposto e naturalmente. A gravação em si consistia numa montagem de sons não precisamente musicais e insignificantes com a finalidade de obter um todo em que aí sim se poderia colocar o rótulo de "música". "How To Destroy Angels" e, por extensão, toda a obra dos Coil supõe um ponto de intersecção entre uma maneira muito funcional de entender a música e a reafirmação teórica da mesma. Premeditado ou não, Coil, juntamente com o trabalho de músicos como Current 93 ou Steve Stapleton, abriram as portas a um mundo que não se partia de permissa alguma relacionada com o circuito rock, incluindo o alternativo. 95% inacessível se desejas que a música te ofereça o que esperas dela, nem mais nem menos; desde logo, como muitos pensarão de pois de escutar o disco, actua como um excelente relaxante no banho, abre os poros e alivia as tensões, além de ilustrar além de mostrar um ritual em que nem todos participamos. Na altura da sua edição, o selo Laylah só lhes financiava um 12". A reedição em 1992 recupera as sessões em toda a sua extensão, com design exclusivo de Derek Jarman e remisturas de Steve Stapleton, um tipo conhecido pelas suas colagens sonoras como Nurse With Wound, os seus desenhos de pénis para as capas de discos de Whitehouse ou dos próprios Coil e, assombrem-se, algumas colaborações com os Stereolab.
Génese Escatológica
Os primeiros espectáculos da banda confirmam-na como uma das propostas mais subversivas que estavam a aparecer no Reino Unido. Além disso, os Coil não eram uns desconhecidos. Quem não tinha seguido a sua trajectória anteior dizia que sim com a cabeça quando descobria este seu companheiro de excessos estéticos: Marc Almond. Até "Love's Secret Domain" (Threshold House, 91), o ex-Soft Cell colaborou em quase todas as aparições dos Coil, desde perfomances, em que recitava poesia, enquanto Balance aplicava baldes de sangue sobre o cenário, até papéis predominantes em vídeo-clips. A versão que fizeram de "Tainted Loved" era acompanhada por um vídeo que jogava com a estupidez britânica e deixava de rabo no ar a distribuidora do seu material em São Francisco. O tema não era outro que não a sida, com a notável diferença que que ao enfermo se negava a esperança e a piedade, com um Marc Almond desempenhando cinicamente o papel de Anjo da Morte. A distribuidora interpretou tanta confusão como uma postura anti-gay, o que despertou a sua ira, ao ponto de boicotarem todas os produtos da Wax Trax! (distribuidora nos EUA). Logicamente, tiveram de entrar em tribunal para comprovar como os royalties da produção iam parar a uma associação que estava a trabalhar em programas de investigação sobre a sida, a Terence Higgins Trust. Ainda assim o trabalho cumpriu os seus objectivos: a estultícia e a hipocrisia do negócio ficou patente. Máxime, se tivermos em conta que o vídeo, realizado por Sleazy, pôde ser visto por 35 milhões de espectadores, alcance que era o da TV por cabo na altura em que Steve, chefe da Some Bizarre e uma das pessoas que mais confiaram nos Coil, o emitiu num dia de 1984.
"A única coisa que há a temer é o medo em si mesmo". Era esta a mensagem de "Panto", que foi single do LP "Scatology" (Force & Form, 84), quiçá uma das peças mais directas e de menor conteúdo estético de toda a sua obra. "Scatology" foi concebido como um disco multi-conceptual, polvilhado com partículas com vida própria e história intransferível, que convence, quiçá pela sua habilidade descritiva, mais do que pelos seus argumentos ideológicos. A pureza das ideias e o sacrifício corporal são postos a nu perante a violência do som, suportada por todo um sistema icónico propriedade de satanistas como Alistair Crowley ou cosmólogos alucinados como Austin Spare. Concretamente de Crowley nasceu o símbolo do Sol Negro, uma ferramenta de ritualistas em que inclusivamente participaram grupos como All About Eve ou The Shamen na hora de desenhar as capas dos seus discos.
O Apocalipse De Uma Génese
Se "Sactolgy" resultava numa obra rica em conteúdo, mas dificilmente obtinha a cumplicidade do fan, "Horse Rotorvator" (Force & Form, 86) rompe a distância e erege-se como um disco de cabeceira. Po r aquela altura, o duo é convidado por um amigo a passar uma temporada na Tailândia, onde afirmam ter descoberto métodos mais satisfatórios para trabalhar o espírito. A partir dali também tiraram as toneladas de lirismo em bruto que que posteriormente filtraram em "Horse Rotorvator". Sem cair em demasiados efeitos, um dos mais bonitos que escutei deles, até aí. Foi o meu primeiro encontro com a banda e lembro-me de ter caído e adulador perante a lenda que acompanhava o vinilo. Que podia esperar-se daquilo? Salmos de apocalipse, relatos de um Marc Almond mascarado como Raoul Revere, abusos de Foetus, títulos como "Ostia", "Tha Anal Staircase" ou "The First Five Minutes After Death", a versão de "Who By Fire", de Leonard Cohen, e uma fotografia capazes de amortizar qualquer decepção depois de escutá-lo. Não havia tal coisa. Juntamente com "Eskimo" dos Residents, as almofadas de terror mais paralisantes que recordo. Creio que os Coil conseguiram dar um passo mais além do alcance que poderiam ter companheiros de (des)geração como Foetus ou Diamanda Gàlas. É uma aptidão que nem todos possuem; como William S. Burroughs, as suas ideias sempre avançavam até um milímetro adiante daquelas que tu poderias imaginar. Imagine um mundo aparentemente razoável, aparentemente bonito, mas sustentado em cimentos repulsivos, no caos, na negação de todo o real. E, no fundo, "Horse Rotorvator" recorre a bandas sonoras de filmes que cremos ter já visto mas que nos são impossíveis de recordar, como pesadelos cercando a memória e uma de cada vez no tempo. O disco contou com a colaboração de Stephen E. Thrower (ex Possession) dentro do grupo.
A compilação "Gold Is The Metal (With The Broadest Shoulders" (Force & Form, 87) multiplica a atracção ao recuperar incunábulos cantados por Sleazy, como a miniatura "Boy In The Suitcase", outtakes dos LPs anteriores e as bases sonoras sobres as quais desenvolveram outros temas mais conhecidos. Numa linha arqueológica similar desenvolve-se outra pérola, "Unnatural History" (Threshold House, 90), que acaba de ver editada a sua segunda parte, "Stolen & Contaminated Songs" (Theshold House, 93).
O Inferno De Uma Génese
Em Hollywood andava-se atrás de uma ideia de realizar um filme de terror baseada no guião de "Hellraiser". O escritor-realizador Clive Barker, com o encargo nas suas mãos e alertado das tendências dos Coil, vai ao apartamento da dupla em Londres com o fim de obter material para ilustrar a película. Barker desejava que o filme fosse repulsivo, e nada melhor que revistas sobre perfurações, relatos extraídos de "Maldoror", de Lautremont, e material pornográfico abundante. Pensando num complemento ideal, persuade a produtora para que os Coil se encarreguem da banda sonora, mas quando a cassete chega a Hollywood a devolução não se faz esperar.Devolveram a cassete obrigam Barker a refazer muitas das cenas do filme, sobretudo modificar as abundantes cenas de sexo explícito. Multiplicam o pressuposto por dez e, com a intenção de controlar o produto, trasladam o cenário para os Estados Unidos. Pouco depois, os Coil editariam um mini-LP com a música rejeitada do filme.
A série de acontecimentos falhados com o cinema continuará com a adaptação que foi realizada por David Cronenberg da novela de Burroughs, "O Festim Nu". Quando a companhia de Burroughs se inteirou do projecto contactaram os Coil, por ordem expressa do escritor. Contudo as portas de Hollywood mantiveram-se fechadas a sons tão esotéricos. Além disso, a intenção de Cronenberg era contar com o seu habitual Howard Shore para a banda sonora.
No final, os canis para conduzir o trabalho fazia um cinema de conotações gays. Com Jarman, as posturas eram mais próximas, tanto no forte conteúdo estético de ambas as obras como pela sua militância homosexual, ainda que as colaborações se cinjam quase exclusivamente à música do seu quarto filme, "The Angelic Conversation". Gravado em 1985, a banda sonora não seria editada durante dez anos. O resto é composto por um curto exercício de cut-up ("Disco Hospital") que levariam a "Blue", o último testemunho de um Jarman enfermo de sida, dirigido poucas semanas antes de morrer e já totalmente cego. Em troca, com Gregg Araki, a postura dos Coil não foi tão vinculativa nem comprometida. Um tema sujo aparece tanto em "The Living End" como na volta heterosexual que deu o realizador com "Maldita Generación", um suplício saturado de pretensiosismo que nem a selecção de termas consegue salvar do descrédito.
A Terence Higgins Trust, no seu labor de difusão de vídeos não adequados a menores, encontrou um recipiente mais lúcido para a música dos Coil. Contaram com eles para elaborara o "guai de sexo seguro para o homem gay", de que uma versão heterosexual chegou a distribuir-se por escolas, respeitando o muzak original dos Coil. A série continuou com outro manual de apoio sexual: "como satisfazer o seu par usando utensílios de cozinha".
Lucy In The Sky With Diamonds
O maxi "Windowpane" a o primeiro anúncio da ressurreição depois dos quatro anos que passaram de "Horse Rotorvator". O LP "Love's Secret Domain" parece unicamente um ponto de inflexão. Haveria que esperar por "The Snow EP" para observar a trajectória que aponta a curva em sentido contrário. Voltamo-nos para um novo conjunto de pequenos conceitos extraídos das teorias astrológicas de Austin Spare e do seu consequente poder sobre as pessoas. é o que denominam como o início de um novo ambiente, o som sideral. Este som, não muito bem definido todavia em "Love's Secret Domain", conseguirá a sua máxima expressão nos doze minutos de experimentação que incluirão na compilação "Chaos In Expansion". É "Love's Secret Domain", em troca, um disco technicolor onde se aprecia um esforço de investigação das possibilidades da técnica para confeccionar música e não fotografia de estados psicológicos terminais. A audição resulta muito mais hedonista, ainda que não amável, com os Coil centrados em sensações desenhadas pelas drogas (daí o jogo das iniciais do título do disco), como em sentimentos mais mundanos. As canções correm serenas, sem textos complementares nem prédisposição alguma para a sua escuta, o que é uma excepção até agora irrepetível. A sua prometida continuação ("International Dark Skies"), que era para contar com as colaborações de Burroughs e Tim Simenon (Bomb The Bass), parece ter ficado na gaveta.
Trance Como Dança
Um dos temas de "Love's Secret Domain", "The Snow", destacava-se do resto pela sua invocação inata de um deep listening, termo que os Coil utilizavam para descrever um lento estado de hipnose no ouvinte provocado por atmosferas rítmicas que fluem num segundo plano dentro da canção. Referências que podem ver-se reflectidas no trabalho de Mick Harris com os Scorn, muito fielmente desde "Evanescence"; inclusive desde a época dos Napalm Death, tanto Shane Embury como ele têm vindo a reafirmar a sua admiração pela capacidade dos Coil para recriar ambientes fronteiriços com extremismo em todas as suas encarnações.
Para realizar as remisturas de "The Snow" convidaram Jack Dangers (Meat Beat Manifesto), que é quem o faz em duas das seis que formam um EP diametralmente oposto ao que se poderia esperar dos Coil.Agora mesmo, tendo em conta o ostracismo a que têm sido relegados dentro da obra dos Coil, o EP cumpre dignamente o papel de referência de toda a corrente hardcore-techno de há quatros anos a esta parte.
Também por ampliar o leque de fans dentro da música industrial e exercer influência saudável em grupos como os Nine Inch Nails; DE facto Trent Reznor conseguiu parte da mediocridade da sua banda com a remistura que Christpherson fez para "Gave Up". Por graça divina, Reznor não lhes devolveu o favor e os Coil, com a mensagem esgotada e a mente posta noutras paragens, decidem dar nova volta de 180 graus.
Os Coil passaram a última parte do século debaixo do signo da abstracção. Com a Wax Trax na bancarrota, absorvida posteriormente pela TVT Records, decidem criar a sua própria editora, a Eskaton, e adoptar diferentes pseudónimos para realizar um trabalho autogestionado na sua totalidade e sem um passado a que prender-se. A primeira referência da etiqueta parece ser um EP repartido com um grupo desconhecido, de nome Elph. Dentro do disco, duas vertentes muito definidas: um tema, "Protection", dirigido aos clubes, e três esboços cubistas à beira da irritabilidade. Após pequenas pesquisas pode concluir-se que por detrás dos Elph não existe nada tangível, apenas um começo e um novo aparte: o do epitáfio de "Protection". Os outros três temas têm a sua continuação em "Worship The Glitch"; minimalista, esquivo, ambiental, sintético, elaborado com o apoio de Drew McDowell, quem, com a saída de Stephen E. Thrower e Otto Avery (que fez parte dos Coil na época de "Love's Secret Domain"), se converteu no terceiro elemento da banda. Uma tendência reforçada com a sua participação no disco de remisturas de Chris & Cosey ("Twist") aparecido há uns meses. As novas máscaras dos Coil (Black Light District, Backwards,...) são incógnitas de que ainda não temos informações explícitas. São os avais, quiçá o último esforço, que os Coil oferecem 'para preservar o nosso isolaconismo' (John Blanace).
Discografia
Resenha das primeiras edições europeias; existem edições posteriores de quase todos os discos com novas versões e temas acrescentados; nos Estados Unidos o material só pode ser distribuído pela Wax Trax. Todas as referências são LPs salvo explicitação em contrário.
"Transparent" - Cassete como Zos Kia (Nekrophile Records, 83)
"How To Destroy Angels" EP (Laylah Anti-Records, 84)
"Panic" / "Tainted Love" 12" (Force & Form, 84)
"Scatology" (Force & Form, 84)
"Nightmare Culture" EP como Sickness Of Snakes (Laylah Anti-Records, 85)
"The Anal Staircase" EP (Force & Form, 86)
"Horse Rotorvator" (Force & Form, 86)
"The Unreleased Themes For Hellraiser" 10" (Solar Lodge, 87)
"The Whee" 7" (Threshold House, 87)
"Gold Is The Metal (Whit The Broadcast Shoulders" (Force & Form, 87)
"Penetralia II" 7" (Shock Records, 87)
"Unnatural History" (Threshold House, 90)
"Wrong Eye" 7" (Shock Records, 90)
"Windowpane" 12" (Threshold House, 90)
"Love's Secret Domain" (Threshold House, 91)
"The Snow" EP (Threshold House, 91)
"Is Suicide A Solution?" 7" (Clawfist, 93)
"Theme For Derek Jarman's 'Blue'" 7" (Threshold House, 93)
"Stolen & Contaminated Songs" (Threshold House, 93)
"The Nodding God Unveiled" CD 5" como The Apocalyptic Folk (World Serpent, 93)
"The Angelic Conversation" (Threshold House, 94)
"The Gay Man's Guide To Safer Sex" (Music From The Vídeo) Cassete (Threshold House, 94)
"Nasa Arab" 12" (Eskaton, 94)
"Protection" CD-EP como Coil vs Elph (Eskaton, 94)
"Philm" 10" como Elph (Eskaton, 95)
"Worship The Glitch" como Elph vs Coil (Eskaton, 95)
"Unnatural History II" (Threshold House, 95)
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