OBJECTOS PERDIDOS
ENTREVISTA @ 22.11.1989
No vasto leque que
o panorama da música alternativa portuguesa nos oferece, a Associação Cultural
OBJECTOS PERDIDOS ocupa um papel importante por ser um dos poucos projectos que
oferece espetáculo e boa sonoridade com uma encenação elegante e sumptuosa, envolvendo também sexo, política, drogas ...
OBJECTOS PERDIDOS
foi formado em 1985 como um grupo multimédia que naquela altura era uma
actividade pouco conhecida em Portugal. Dois anos depois este grupo passará a
integrar a (A.I.C.O.P.) ASSOCIAÇÃO DE CULTURA DE INTERVENÇÃO OBJETOS PERDIDOS,
onde também estão reunidos PAULO ENO, CABARET DADA e PERESTROIKA.
A entrevista que se
segue dar-lhe-á uma ideia mais aprofundada da actividade da referida
Associação.
As respostas são de
PAULO ENO, diretor da Associação e foram enviadas de COIMBRA por correio no dia
22 de novembro de 1989.
ENTREVISTA COM OBJETOS PERDIDOS
- PAULO, suponho que já lhe tenham feito esta pergunta inúmeras vezes. Como surgiu essa profunda admiração por BRIAN
ENO? Por que razão os demais membros da Associação adotam sobrenomes de músicos
diferentes?
- A minha profunda admiração por BRIAN ENO deve-se às muitas semelhanças entre a pessoa de BRIAN e a minha. Simplificando:
o não-artista, o não-músico, multifacetação e pluridisciplinaridade.
Quando ouço um álbum como “ANOTHER GREEN
WORLD” sinto que me completo totalmente com a audição… é como se fosse o meu
próprio sangue.
Neste momento tenho cerca de 80 álbuns (que
incluem produções, colaborações, etc.), diversos vídeos, livros e outro
material sobre o BRIAN. Depois de analisar alguns de seus trabalhos, fico, ainda assim, insatisfeito e continuo a procura de mais informações, o que é fascinante.
Pelo seu posicionamento estético, acima
de qualquer catalogação, BRIAN ENO é para mim o artista mais importante do
nosso século.
Quase todos os membros da nossa
Associação têm apelidos de vários artistas devido, em primeiro lugar, às
referências recebidas de cada um deles e, em certa medida, para lhes retira um peso elitista que a sociedade assume para eles.
Porém os apelidos não são dados por
acaso e sem conhecimento dos factos, nesta altura um novo elemento foi
denominado VOSTELL e recebeu toda a documentação possível sobre este importante
mentor.
- Nos seus shows a música está sempre
vinculada ao vídeo. Na última apresentação realizada em GUIMARÃES, apresentou o espetáculo “SONS OF SILENT AGE JUNGLE”. Fale-nos sobre o seu
conteúdo.
- O espetáculo “SONGS OF SILENT AGE JUNGLE” é um espetáculo multimídia que se baseia na combinação de música etno com música eletrónica, dança com performance, slides com vídeo, nudez com body art.
Em suma, nesta mostra
fazemos uma mistura antropológica do primitivismo com o industrial.
Quanto à nossa ligação
contínua ao vídeo, isso está intimamente ligada à sociedade onde vivemos, dado
o aumento que os audiovisuais têm a cada dia que passa e, neste caso específico, a
videoarte.
- Na Associação Cultural
OBJETOS PERDIDOS estão reunidos quatro projetos: GRUPO MULTIMÍDIA OBJETOS
PERDIDOS, PAULO ENO ENSEMBLE, CABARET DADA E PERESTROIKA. Que tipo de
abordagens esses vários projectos seguem?
- A nossa Associação de
Intervenção Cultural OBJECTOS PERDIDOS (A.I.C.O.P.) tem várias componentes:
O grupo multimédia
OBJETOS PERDIDOS (que existe desde 1985 e foi o que deu origem à Associação em
1987) como o próprio nome indica atua dentro do espetáculo multimédia, onde
podemos apresentar música, performance, dança, vídeo, slides, etc. . …
CABARET DADA que
intervém na área da música electrónica repetitiva e minimalista.
O ENSEMBLE DE PAULO que
se dedica à música concreta e experimental.
O grupo PERESTROIKA que
pratica um som que podemos chamar de rock, mas na fronteira deste género.
DNA é a companhia de
dança, teatro e performance LOST OBJECTS.
Qualquer Associação pode
intervir colectivamente nestas áreas e individualmente nas artes plásticas,
fotografia, videoarte, cinema, etc. Também fazemos "happenings" quando achamos
adequado. Esclareço que a Associação está legalizada, tendo os seus
órgãos sociais, direção, assembleia geral e conselho fiscal, e é apoiada pela
Comunidade Económica Europeia.
- O Paulo editou ou está
a pensar editar material nalgum tipo de formato?
- Apesar de já termos
recebido ofertas de duas editoras discográficas, as condições exigidas para a gravação eram incompatíveis com a nossa filosofia, dado que em relação ao nosso
trabalho não aceitamos interferências, seja de onde for, preferimos ser como La
MONTE YOUNG ou GIACINTO CELSI , visto que para nós a gravação de um disco é uma
parte pouco importante do nosso trabalho, que é totalizante, cativante,
sensível e consequentemente libertador.
Porém, em Setembro
recebemos um simpático convite para lançar uma cassete do nosso trabalho, com
total independência, mas rejeitámos pois preferíamos lançar um álbum, fosse em
Portugal, Espanha ou outro lugar.
No entanto, temos uma videocassete “LOST OBJECTS SELECTION”, que é uma publicação própria que podemos
comercializar.
Não posso deixar de
referir que tudo isto é enfrentado dentro da normalidade e não nos incomoda de
forma alguma. Mesmo não ter uma edição em disco (talvez porque sabemos que
quanto mais tarde for lançada, mais procurada será) porque o que queremos acima
de tudo é que tudo seja feito nos espectáculos ao vivo. Se for possível editaremos o tal disco fora de
Portugal, porque não em Espanha? Porque a liberdade estética assume uma função
internacionalista que carregamos constantemente.
- Você está a preparar a
publicação de um livro cujo título “ENO-LOGIAS”, que suponho ser um estudo sobre a
obra de BRIAN ENO.
- Neste momento estou a
preparar dois livros: “ENO-LOGIAS” sobre BRIAN ENO, onde tentarei fazer uma
abordagem muito pessoal à obra desta personagem extraordinária e “TELECTU
ARBEIT – ANTES E DEPOIS” que é uma análise tão exaustiva quanto possível do
trabalho dos dois elementos do grupo TELECTU juntos e separadamente, tudo
complementado com comentários, entrevistas, etc...
O meu trabalho na área
da música remonta a 1976, com os meus trabalhos a incidirem sobre NICO, VELVET, CLASH,
SIOUXIE, WARHOL, PUNK, BOWIE, etc. Neste momento tenho dois programas de rádio:
“DIVERGENCIA – EL SONIDO TEMPORAL” que aborda todos os tipos de música e
“BERLIN” que é uma encomenda do GOETHE INSTITUT DE COIMBRA, onde se divulga a
cultura alemã nas suas mais variadas ramificações.
Para o próximo ano
criarei uma rede de musicologia que se chamará “MÚSICA CONTEMPORÂNEA EM
TODAS AS SUAS VERSÕES”.
- O que está
preparando em breve? Quais são seus projetos para o ano 90?
- Estamos a planear uma
viagem à Grécia e à Dinamarca e a participação numa exposição internacional de
artes plásticas na Hungria.
Estarei em Berlim em
setembro e outubro a convite do GOETHE INSTITUT para frequentar um curso na Universidade
Técnica, no Departamento de Música Eletrónica e Experimental.
A nível nacional, as
habituais actuações em escolas, universidades, galerias e outros espaços, além
de uma participação já regular com VICTOR RUA no seu projecto GNR.
Gostaríamos muito de
voltar a actuar em Espanha, desde que as condições sejam minimamente
aceitáveis.
A nossa Associação tem
sensibilidade em seguir os nomes mais interessantes de Espanha: DALI, BUNUEL, ALMODOVAR, FURA
DEL BAUS, ESPLENDOR GEOMÉTRICO, DERIBOS ARIAS e o magnífico SYNTORAMA.
OBJETOS PERDIDOS
C/O PAULO ENO
TOVIN DE BAIXO,
BARREIROS 13
3000 COIMBRA (PORTUGAL)
https://arquivos.rtp.pt/conteudos/jovens-e-o-gosto-pela-diferenca/
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