5.6.24

OBJECTOS PERDIDOS - entrevista a 22 de Novembro de 1989



OBJECTOS PERDIDOS 

ENTREVISTA @ 22.11.1989

No vasto leque que o panorama da música alternativa portuguesa nos oferece, a Associação Cultural OBJECTOS PERDIDOS ocupa um papel importante por ser um dos poucos projectos que oferece espetáculo e boa sonoridade com uma encenação elegante e sumptuosa, envolvendo também sexo, política, drogas ...

OBJECTOS PERDIDOS foi formado em 1985 como um grupo multimédia que naquela altura era uma actividade pouco conhecida em Portugal. Dois anos depois este grupo passará a integrar a (A.I.C.O.P.) ASSOCIAÇÃO DE CULTURA DE INTERVENÇÃO OBJETOS PERDIDOS, onde também estão reunidos PAULO ENO, CABARET DADA e PERESTROIKA.

A entrevista que se segue dar-lhe-á uma ideia mais aprofundada da actividade da referida Associação.

As respostas são de PAULO ENO, diretor da Associação e foram enviadas de COIMBRA por correio no dia 22 de novembro de 1989.


ENTREVISTA COM OBJETOS PERDIDOS

- PAULO, suponho que já lhe tenham feito esta pergunta inúmeras vezes. Como surgiu essa profunda admiração por BRIAN ENO? Por que razão os demais membros da Associação adotam sobrenomes de músicos diferentes?

- A minha profunda admiração por BRIAN ENO deve-se às muitas semelhanças entre a pessoa de BRIAN e a minha. Simplificando: o não-artista, o não-músico, multifacetação e pluridisciplinaridade.

Quando ouço um álbum como “ANOTHER GREEN WORLD” sinto que me completo totalmente com a audição… é como se fosse o meu próprio sangue.

Neste momento tenho cerca de 80 álbuns (que incluem produções, colaborações, etc.), diversos vídeos, livros e outro material sobre o BRIAN. Depois de analisar alguns de seus trabalhos, fico, ainda assim, insatisfeito e continuo a procura de mais informações, o que é fascinante.

Pelo seu posicionamento estético, acima de qualquer catalogação, BRIAN ENO é para mim o artista mais importante do nosso século.

Quase todos os membros da nossa Associação têm apelidos de vários artistas devido, em primeiro lugar, às referências recebidas de cada um deles e, em certa medida, para lhes retira um peso elitista que a sociedade assume para eles.

Porém os apelidos não são dados por acaso e sem conhecimento dos factos, nesta altura um novo elemento foi denominado VOSTELL e recebeu toda a documentação possível sobre este importante mentor.

- Nos seus shows a música está sempre vinculada ao vídeo. Na última apresentação realizada em GUIMARÃES, apresentou o espetáculo “SONS OF SILENT AGE JUNGLE”. Fale-nos sobre o seu conteúdo.

- O espetáculo “SONGS OF SILENT AGE JUNGLE” é um espetáculo multimídia que se baseia na combinação de música etno com música eletrónica, dança com performance, slides com vídeo, nudez com body art.

Em suma, nesta mostra fazemos uma mistura antropológica do primitivismo com o industrial.

Quanto à nossa ligação contínua ao vídeo, isso está intimamente ligada à sociedade onde vivemos, dado o aumento que os audiovisuais têm a cada dia que passa e, neste caso específico, a videoarte.

- Na Associação Cultural OBJETOS PERDIDOS estão reunidos quatro projetos: GRUPO MULTIMÍDIA OBJETOS PERDIDOS, PAULO ENO ENSEMBLE, CABARET DADA E PERESTROIKA. Que tipo de abordagens esses vários projectos seguem?

- A nossa Associação de Intervenção Cultural OBJECTOS PERDIDOS (A.I.C.O.P.) tem várias componentes:

O grupo multimédia OBJETOS PERDIDOS (que existe desde 1985 e foi o que deu origem à Associação em 1987) como o próprio nome indica atua dentro do espetáculo multimédia, onde podemos apresentar música, performance, dança, vídeo, slides, etc. . …

CABARET DADA que intervém na área da música electrónica repetitiva e minimalista.

O ENSEMBLE DE PAULO que se dedica à música concreta e experimental.

O grupo PERESTROIKA que pratica um som que podemos chamar de rock, mas na fronteira deste género.

DNA é a companhia de dança, teatro e performance LOST OBJECTS.

Qualquer Associação pode intervir colectivamente nestas áreas e individualmente nas artes plásticas, fotografia, videoarte, cinema, etc. Também fazemos "happenings" quando achamos adequado. Esclareço que a Associação está legalizada, tendo os seus órgãos sociais, direção, assembleia geral e conselho fiscal, e é apoiada pela Comunidade Económica Europeia.

- O Paulo editou ou está a pensar editar material nalgum tipo de formato?

- Apesar de já termos recebido ofertas de duas editoras discográficas, as condições exigidas para a gravação eram incompatíveis com a nossa filosofia, dado que em relação ao nosso trabalho não aceitamos interferências, seja de onde for, preferimos ser como La MONTE YOUNG ou GIACINTO CELSI , visto que para nós a gravação de um disco é uma parte pouco importante do nosso trabalho, que é totalizante, cativante, sensível e consequentemente libertador.

Porém, em Setembro recebemos um simpático convite para lançar uma cassete do nosso trabalho, com total independência, mas rejeitámos pois preferíamos lançar um álbum, fosse em Portugal, Espanha ou outro lugar.

No entanto, temos uma videocassete “LOST OBJECTS SELECTION”, que é uma publicação própria que podemos comercializar.

Não posso deixar de referir que tudo isto é enfrentado dentro da normalidade e não nos incomoda de forma alguma. Mesmo não ter uma edição em disco (talvez porque sabemos que quanto mais tarde for lançada, mais procurada será) porque o que queremos acima de tudo é que tudo seja feito nos espectáculos ao vivo. Se for possível editaremos o tal disco fora de Portugal, porque não em Espanha? Porque a liberdade estética assume uma função internacionalista que carregamos constantemente.

- Você está a preparar a publicação de um livro cujo título “ENO-LOGIAS”, que suponho ser um estudo sobre a obra de BRIAN ENO.

- Neste momento estou a preparar dois livros: “ENO-LOGIAS” sobre BRIAN ENO, onde tentarei fazer uma abordagem muito pessoal à obra desta personagem extraordinária e “TELECTU ARBEIT – ANTES E DEPOIS” que é uma análise tão exaustiva quanto possível do trabalho dos dois elementos do grupo TELECTU juntos e separadamente, tudo complementado com comentários, entrevistas, etc...

O meu trabalho na área da música remonta a 1976, com os meus trabalhos a incidirem sobre NICO, VELVET, CLASH, SIOUXIE, WARHOL, PUNK, BOWIE, etc. Neste momento tenho dois programas de rádio: “DIVERGENCIA – EL SONIDO TEMPORAL” que aborda todos os tipos de música e “BERLIN” que é uma encomenda do GOETHE INSTITUT DE COIMBRA, onde se divulga a cultura alemã nas suas mais variadas ramificações.

Para o próximo ano criarei uma rede de musicologia que se chamará “MÚSICA CONTEMPORÂNEA EM TODAS AS SUAS VERSÕES”.

- O que está preparando em breve? Quais são seus projetos para o ano 90?

- Estamos a planear uma viagem à Grécia e à Dinamarca e a participação numa exposição internacional de artes plásticas na Hungria.

Estarei em Berlim em setembro e outubro a convite do GOETHE INSTITUT para frequentar um curso na Universidade Técnica, no Departamento de Música Eletrónica e Experimental.

A nível nacional, as habituais actuações em escolas, universidades, galerias e outros espaços, além de uma participação já regular com VICTOR RUA no seu projecto GNR.

Gostaríamos muito de voltar a actuar em Espanha, desde que as condições sejam minimamente aceitáveis.

A nossa Associação tem sensibilidade em seguir os nomes mais interessantes de Espanha: DALI, BUNUEL, ALMODOVAR, FURA DEL BAUS, ESPLENDOR GEOMÉTRICO, DERIBOS ARIAS e o magnífico SYNTORAMA.

 

OBJETOS PERDIDOS

C/O PAULO ENO

TOVIN DE BAIXO, BARREIROS 13

3000 COIMBRA (PORTUGAL)


https://arquivos.rtp.pt/conteudos/jovens-e-o-gosto-pela-diferenca/


  





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