Ano I
Nº 1
11 de Fevereiro de 1977
Música & Som publica-se à 5ª feira, de quinze em quinze dias.
Esc. 25$00
Director: António L. de Mendonça
Propriedade de: Diagrama - Centro de Estatística e Análise de Mercado, Lsª
Este número de Música & Som foi escrito por: A. Amaral Pais, A. Duarte Ramos, F. Costa, H. Duarte-Ramos, Ivan H. Hancock, João Alves Da Costa, João David Nunes, Jaime Fernandes, José Niza, Manuel Bravo, João de Menezes Ferreira, Manuel Cadafaz de Matos, Paulo Gil e Rui Neves.
Fotografias de: J. Lobo Pimentel
Tiragem 30 000 exemplares
56 páginas A4
capa de papel brilhante grosso a cores
interior com algumas páginas a cores e outras a p/b mas sempre com papel não brilhante de peso médio.
NB: Esta capa está recortada. Na altura tinha a mania dos "recortes" :-(
Discolagem
artigo por João David Nunes
Ouvir um disco é uma frase simples. No entanto, é uma actividade um tudo nada complicada.
Tentemos explicar, com maior detalhe, as várias fases necessárias à acção de ouvir um disco. Assim:
1 - Convém que esteja bom tempo, no dia aprazado para se ouvir o disco.
2 - Se estiver bom tempo vista-se desportivamente, se estiver mau tempo arranje uma protecção simples, mas eficiente.
3 - A fim de conseguir um bom lugar deve dirigir-se ao local onde vai ouvir o disco com uma certa antecedência, sobre a hora marcada.
4 - Tente obter rapidamente o bilhete.
5 - Convença o porteiro de que para ouvir bem o disco precisa de estar bem perto.
6 - Se o porteiro estiver de acordo, agradeça-lhe, se não estiver d~e-lhe uma gorjeta maior.
7 - Ultrapassado este obstáculo, deve em seguida preparar-se para ouvir o disco, escolhendo o melhor sítio para a audição.
8 - Verifique se não será perturbado por quaisquer elementos não participantes na audição.
9 - Verifique se quem vai manusear o disco está na correcta posição.
10 - Verifique se quem vai manusear o disco o limpa cuidadosamente, para evitar quaisquer acidentes de percurso.
11 - O disco deve ser virado com cuidado e observado de ambos os lados.
12 - Por sua parte deve verificar se os sulcos estão em boas condições e se o rótulo corresponde ao anunciado.
13 - Se chegar, entretanto, à conclusão de que ouvirá melhor o disco estando um pouco mais afastado pode fazer esse movimento de afastamento, antes do início da audição.
14 - Começa assim a fase mais delicada, redobre de atenção.
15 - Deve verificar se o braço está devidamente colocado.
16 - Deve verificar se o disco está em posição.
17 - Observe cuidadosamente as rotações.
18 - O disco começa a rodar.
19 - Se se manteve perto, deve conservar a posição de EM PÉ, se está a meia distância deve optar pela posição de DE CÓCORAS, se preferiu estar mais longe deve observar rigorosamente a posição de DEITADO.
20 - Neste último caso deve sempre proteger devidamente a cabeça e os ouvidos, devido ao impacto.
21 - Ainda neste último caso deve sempre observar as distâncias convenientes e colocar-se perpendicularmente à linha de som.
22 - Se tiver em frente o número 16, fique de pé, se for o 33 opte pela posição de cócoras, se for 45 deve estar já deitado. O 78 propicia-lhe uma má audição, por falta de condições acústicas correctas e más condições de captação, pelo que deve ser preterido.
23 - O disco roda e você delicia-se com o som.
24 - Primeira posição (perto, de pé) ouve: AAHHhhh! ZZzzzt!
25 - Segunda posição (meia distãncia de cócoras) ouve ZZZZZZzzzzt! com maior intensidade.
26 - Terceira posição (maior distãncia, deitado) ouve longinquamente Aaahh!, com certa qualidade ZZZzzzt! e com ALTA FIDELIDADE: Plof!
27 - Eventualmente, nesta última posição ouvirá um AAAah! final, mais forte e prolongado.
28 - Este AAAah! seria emitido pelo ouvinte que não tivesse respeitado as distâncias e não se tivesse protegido do impacto.
29 - Nesta grave eventualidade seria desejável não chamar «Cara de disco» ao atingido mas preferir designações mais românticas (v. g. «Cara de Lua Cheia»). Em qualquer caso nunca se deverá chamar-lhe chato!
30 - Voltando aos casos normais, depois do PLOF! ouvirá aplausos, como será natural depois da execução.
31 - Terá que observar de seguida se o disco que ouviu é bom ou mau, para isso existe um júri.
32 - Normalmente será constituído por dois juízes: se ambos levantam a bandeira branca o disco é bom, se não é mau.
33 - Não há nesta modalidade de audição discos assim-assim.
34 - Finda a audição deve retirar as protecções e limpar-se da relva (e da lama se estiver mau tempo) no caso da posição deitado.
35 - Ao abandonar o Estádio deve pensar que também existem outros discos, mas nenhum faz PLOF! tão bem como aquele que ouviu.
36 - Os outros fazem CRAQUE! quando você os deixa cair e todos se zangam consigo.
37 - No Estádio você vê o CRAQUE!, ele deixa cair o disco e todos aplaudem.
38 - Acabrunhado com estas diferenças de tratamento, voc~e começa a ficar pensativo.
39 - Ainda pelo caminho toma uma decisão.
40 - Chega a casa estafado, pega num copo e vai... ouvir um disco!
DISCO - (L. discu, G. diskos), m.
Peça circular e chata; redonda e achatada, se muito peso e que era arremessada à distância pelos ginastas antigos; o aspecto redondo do SOL e da LUA.
(in Dicionário Complementar da Língua Portuguesa)
Quarteto 1111
Lança Perguntas À Música Portuguesa
Tudo é uma questão de tratamento. De tratamento musical. Utilizando como banca de ensaio a melodia, achamos urgente fazer reconhcer que a música portuguesa é igual à estrangeira. Repete-se: atenção à forma como o mais novo Quarteto 1111 trata os seus temas, os seus mais recentes motivos de inspiração naciona - vidé Lisboa à Noite e Canção do Mar - aos quais aplica (sem dor) um trabalho de inegável qualidade profundamente associada à tecnologia - roupagem sonora, instrumental, rítmica do funkie. Os músicos deste país que ainda se preocupam com o sinal da evolução devem o seu progresso ao autodidactismo, à carolice, porque, infelizmente, não dispõem de amparo, condições, estímulo, instrumentos, locais de actuação, mercado, cultura discográfica generalizada entre a população, livros, pontos de aprendizagem e intercãmbio. O 1111 consta de uma razoável família em número: Vítor Mamede (bateria), Armindo Neves (viola), Rui Reis (piano), Luís Duarte (baixo), Zé Alberto (engenheiro de som), Moniz Pereira (supervisor técnico) e Coelho Dias (relações públicas). E também no que diz respeito ao som. Da música do single lançado em Dezembro passado. Treze elementos da Orquestra Gulbenkian (nove do sector de cordas e quatro metais) trabalharam - e bem - com os jovens do Quarteto, após algumas pouco felizes peripécias havidas com outro tipo de músicos (?) profissionais (de quê?), os quais, como soe dizer-se na gíria futebolística, não acertaram na borracha... Adiante, porém.
Servidos de excelente aparelhagem, apurada técnica de execução e um dinamismo, tipo sangue na guelra, que nunca será demais sublinhar, o 1111 compareceu ao encontro com o jornalista, a fim de debater com ele a crua realidade musical em que se movimenta. A inércia, a colonização no gosto do que se ouve, os impostos elevados, a falta de protecção de que goza o músico, os aparelhos e instrumentos (ferramentas em linguagem laboral) que atingem numerários exorbitantes - considerados, aliás, artigos de luxo tal qual o champanhe francês, a gravatita italiana, o Chevy americano ou a sopa chinesa... Acrescidos da diminuta habituação das pessoas por espectáculos ao vivo em Portugal, as educações falhadas quanto à viabilidade de conceitos e regularidade prática que assegurem um não-boicote à imaginação individual, uma não ruptura de estímulo ou encanto, e interesse, nas deficientes (poucas) escolas musicais existentes - esta a enumeração arbitrária de ideias conversadas. A identidade do grupo saltou, pois, à tona de água. Que tocam, para quem tocam, onde tocam? Este Governo não deve gostar de música - concluíram - Os músicos também necessitam de comer... pelo menos de vez em quando! As medidas governamentais tudo têm feito para nos fazer a vida cara! Mais cara. Por que não anda a música portuguesa para a frente no nosso país? Ninguém se esquivou a responder: Gostávamos de realizar actuações ao vivo com a nossa música, divulgar o jazz, temas clássicos, o rock, mas não temos dinheiro, nem hipóteses de congregar músicos a sério no nosso concerto para acompanhamento. Os músicos, sabe-se, vivem de ganchos, quase impossível seria juntá-los regularmente, ensaiar com eles, dar de comer às bocas...
Sem Professores, Nem Livros
Métodos de Ensino, Subsídios
Tudo o que se faz baseia-se no autodidactismo e carolice, não existem oportunidades de educação, direcção e aprendizagem. Não dispomos de professores, livros, método de ensino, subsídios e nos campos da técnica de improvisação / harmonia podemos classificá-los de rudimentares.
Depois contaram-me histórias do gigante Adamastor relacionadas com a miséria dourada da música em Portugla. Por exemplo, a chamada de atenção a fazer ao Governo para que cuide da condição de quem tem esta vida. A estagnação de valores é um facto e não é por acaso que continuam na liderança os nomes dos anos 60. São precisas escolas, condições, instrumentos! De que vale o queixume de Mamede: Que me interessa que a minha bateria já em 72 tivesse custado 80 contos, se ela na origem custa 30... É um automóvel que está ali... só não lhe posso é pôr rodas... bem vistas as coisas, nem interessaria, dado o preço da gasolina!...
1111 prossegue no dorido ataque. Mais histórias desveladas: Os 40 por cento de imposto de transacção na compra de uma viola, por exemplo, mesmo que seja produto nacional, quem o explica? A lamentação de não haver locais de estudo apropriados humana e tecnicamente. A Gulbenkian acabou e pena foi, porque tinha acesso a bons professores e métodos - quanto ao Conservatório, o seu sistema rígido, frustrante corta o instinto natural da criança, a sua pureza e entusiasmo, o seu espírito de iniciativa, depois garrotado e desmoralizado. Ou ainda o saber-se que, em Portugal, uma fita de gravação de 1200 pés custa cerca de 1200 escudos, enquanto em qualquer país civilizado ronda o equivalente a 80 escudos... Os bons conhecimentos teóricos que por cá vão existindo não são postos em prática. A técnica de execução é deficiente e ela advém da aludida falta de prática. Entra-se num círculo vicioso - quanto menos se sabe, toca e aprende, menos se avança. Caminha o marasmo, a especulação. Faltam conhecimentos de harmonia e melodia para obter um arranjo de qualidade. E um dedo final na ferida grande: Sem qualidade não se pode pensar em competir com o estrangeiro, de alguém se interessar pelo que se musica no nosso país, mesmo que melodicamente seja mais belo... A lei é esta.
Dura lex, sed lex...
Texto de João Alves Da Costa
Alguns artigos interessantes, para futura transcrição:
. O Prazer de Conhecer (coluna de Manuel Cadafaz de Matos) - Rossini (artigo dessa coluna)
. Artigo de Manuel Cadafz de Matos sobre o lançamento do disco de Júlio Pereira, intitulado, o artigo (Fernandinho (Que Vai Ao Vinho)
... & Som (coluna de Manuel Bravo, neste número:
- Tal como a música não é penas som também som não é só música
. Se o som se ouve é porque existe
. Produção de sons
.. Lãmina metálica em vibração
.. Corda de guitarra em vibração
.. Copo de cristal em vibração
.. Diapasão de pega e de caixa ressonante
.. Circuito eléctrico ressonante
- Alternativa: Música por altifalantes ou música por auscultadores
. Faça você mesmo
- Rádio: O mundo ao seu alcance
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