DN - Diário de Notícias
Discos Pe(r)didos
Lisboa, 1978. Os Tantra enchiam o Coliseu, José Cid
apostava em «10 Mil Anos Depois Entre Vénus e Marte», os Petrus Castrus
regressavam aos álbuns com «Ascensão e Queda»... O rock de alma sinfónica
tentava borbulhar à superfície num tempo ainda dado a protagonismos nas esferas
da intervenção política, suas sequelas e primeiras reacções opostas em domínios
ligeiros...
Em espaços de ebulição no restrito circuito underground
da capital, dois projectos encabeçaram então uma vaga de reacção ao sistema,
assimilando a essência da revolução punk que varrera Londres em 76. São eles os
Faíscas (de quem nasceriam os Corpo Diplomático), que acabam por não editar, e
os Aqui d'El Rock.
Os Aqui d’EL Rock são uma banda nascida em filhos do
proletariado urbano de 70, com uma crueza punk primordial no seu discurso,
diferente dos Faíscas, filhos da classe média. A violência verbal é a arma
primordial, e a seu favor pende ainda uma rodagem maior dos quatro elementos,
em tempos conhecidos como Osíris, numa encarnação formal bem diferente. Com uma
linguagem muito próxima das manifestações de raiz do punk londrino, os Aqui
d’El Rock são o primeiro e, na absoluta verdade, o único grupo punk português a
editar discos, já que os restantes praças do movimento que também chegaram ao
registo discográfico o fizeram já em momentos das suas carreiras em que o punk
havia já evoluído uma linguagem própria, ou no sentido da new wave (Corpo
Diplomático) ou para um novo, e menos espartano, rock urbano, mais temperado
(Xutos & Pontapés).
A estreia dos Aqui d’El Rock faz-se com o single «Há Que
Violentar O Sistema», single que incluía «Quero Tudo» no lado B, duas canções
que traduzem hoje a essência possível do punk português, fenómeno que viveu
mais de boas intenções e desejos de mudança que de factos realmente consumados.
A sua importância seria, sobretudo marcante ao nível da abertura de frestas na
consciência de alguns divulgadores e editores, preparando, inconscientemente, o
caminho para a revolução que assolaria o país musical em 1980.
Sem papas na língua e «speedados» (como se anunciam),
desferem golpes no sistema, que violentam por uma música não sofisticada, directa.
Todavia, estávamos em tempos de poucas atenções mediáticas por fenómenos
corrosivos a um sistema que ensaiava uma ideia de democracia de facto, que só
seria devidamente estabilizada (social e economicamente) depois. E excluindo
timoneiros da divulgação como António Sérgio, a revolução punk ficou sem
amplificação para o país real.
N.G.
AQUI D’EL ROCK
«Há Que Violentar O Sistema»
Metro-Som,
single, 1978
Lado A: «Há Que Violentar O Sistema»;
Lado B: «Quero Tudo»
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