ELECTRÓNICOS LUSITANOS
Já era altura de dedicarmos um espaço ao que se faz no país vizinho. Tudo o que se segue surgiu-nos na ideia após a audição de um concerto dado pelos TELECTU a propósito da bienal de Barcelona 87.
Apesar de deixar algumas coisas para outra ocasião, isto é, de momento, o que compilei relacionado com a música electrónica portuguesa. Seguir-se-á mais informação nos próximos números.
TELECTU
Surgiram no ano de 1982 em Lisboa. Eles começaram no Jazz e na música Rock, cada um por seu lado. VÍTOR RUA foi um dos fundadores dos GNR (Grupo Novo Rock), um dos grupos mais inovadores neste campo. Jorge Lima Barreto já faz música desde 1968 (Jazz e música electrónica).
Além de se dedicarem a tocar desenvolvem outras actividades, como a crítica, vídeo-arte, programas de rádio. Colaboraram com uma grande diversidade de gente; Por isso não vou continuar a contar a sua trajectória, já que a mesma se encontra reflectida na entrevista que fizemos a um dos responsáveis, Jorge Lima Barreto e que aparecerá mais à frente.
TELECTU. – Música multimédia, electronic live, jazz mimético, música minimal repetitiva. Música para vídeo, performance, teatro, cinema e dança.
JORGE LIMA BARRETO. – Piano, sintetizadores, electrónica, saxofone digital, sampler.
VÍTOR RUA. – Guitarra electrónica, electrónica, engenharia de som, vídeo, guitarra digital, sampler.
ANTONIO PALOLO. – Diapositivos, vídeo, artes gráficas.
VÍDEOS DE VÍTOR RUA:
1985 – HALLEY (50 min)
1986 –
EBRAC (30 min); AUTO LOOP (10 min)
1987 – ALIENADO (20 min); AS AVENTURAS DO CARRO AMARELO (25 min)
1988 –
COMPGRAF 2 (30 min); MIMESIS (37 min. 50 seg)
DISCOGRAFIA TELECTU
- “CTU TELECTU” – EMI 1982
- “BELZEBU” – CLICHÉ 1983
- “OFF-0FF” (duplo) – 3 MACACOS 1984
- “PERFORMANCE” – 3 MACACOS 1984
- “TELEFONE” – LIVE IN MOSCU 1985
- “ROSA-CRUZ”. LIVE GULBENKIAN 1985
- “HALLEY” – ÁLBUM DE LUXO COM TEXTO E SERIGRAFIA DE a. PALOLO – CENTRO NACIONAL DE CULTURA / ALTAMIRA 1986
- “DATA” – (MÚSICA PARA VÍDEO) 1986
- “CAMERATA ELETTRONICA” (DUPLO) - AMA ROMANTA 1988
- “MIMESIS” (LP e CD) – TRANSMEDIA 1988
- “BEM JOHNSON (DUPLO LP e CD) – 1989
VICTOR RUA
SINGLES: Com GNR – “Portugal na CEE” e “Sê Um GNR”
LP’s: Com GNR – “Independança – EMI Valentim de Carvalho, 1981
“Pipocas” – Ama Romanta, 1988
“Mimi” – Transmedia, 1989
JORGE LIMA BARRETO
“Anar Band” – Alvorada, 1976
“Encounters”,
com Sahed Sarbid – Alv, 76
TELECTU
JORGE LIMA BARRETO
R/da Imprensa Nacional, 83-2ºD
1200-Lisboa (Portugal)
ENTREVISTA TELECTU
ROGELIO PEREIRA – Seria interessante se nos contasses como começaram.
JORGE LIMA – Primeiramente temos que considerar que os TELECTU provêm da reunião de dois músicos diferentes, na concepção musical e na vivência.
Eu toco desde 1968, primeiro em grupos de jazz-off, depois tendo fundado com CARLS ZÍNGARO a ASSOCIAÇÃO DE MÚSICA COCEPTUAL que abriria novos rumos à música portuguesa contemporânea, no sentido de uma investigação em electrónica-live (sintetizadores, piano electronicamente preparado, banda magnética), desde logo com uma actividade paralela como crítico musical e musicólogo (escrevi já 87 livros sobre música, que vão desde “REVOLUÇÃO DO JAZZ” a “MUSICÓNIMOS” (este último sobre filosofia da música e intensas observações sobre o rock).
VÍTOR RUA tinha formado em 1978 o grupo GNR (grupo novo rock) que era sem dúvida o melhor grupo de rock nacional.
Nesse tempo eu andava entre os EUA e o Brasil e quando regressei, conheci-o. Eu tinha gravado ANAR BAND (música experimental para piano, sintetizador e banda magnética) e “ENCOUNTERS” com o grande músico português de jazz, SAHEB SARBIB (música para contrabaixo, flauta e electrónica).
O VÍTOR tinha gravados vários singles de grande êxito e o LP “INDEPENDANÇA”, sempre com os GNR.
Formámos um grupo com o baterista dos GNR, um vocalista e fizemos uma obra de fusão “CTU TELECTU” pioneira na sua linguagem de ART-ROCK. A partir daí e depois de uma grande controvérsia com os princípios da multinacional para quem gravávamos, decidimo-nos pela edição independente. Introduzimos o minimalismo em Portugal, escrevi “música minimal repetitiva” e fizemos uma série de obras minimais como “BELZEBU”, “OFF-OFF”, “PERFORMANCE”, “TELEFONE”, “FUNDAÇÃO”, “ROSA CRUZ”, “HALLEY”, “DATA” e, recentemente, sintaxes repetitivas em “MIMESIS” e “BEN JOHNSON”.
Os princípios que geraram a nossa música foram muito diversos e de foro estético multifacetado; vão desde a investigação em texturas tímbricas, coordenação de dispositivos sonoros, banda magnética, instrumentos acústicos tratados (guitarra e piano), estruturas miméticas, inclusão de computador, processos multifónicos, mistura de média, multimédia, aproveitamento de novos sentidos da improvisação, nova notação musical, enfim, um processo que não deveria ajustar-se a uma definição normalizadora de tantas e tão díspares actividades.
O VÍTOR RUA trabalha essencialmente com a guitarra e engenharia de som e eu em teclados e percussão electrónica.
R. PEREIRA – Nos poucos anos que levais como duo, já garavaram um bom número de LP’s, e apesar disso na altura de editar os vossos discos recorreram, na maioria dos casos, à autoprodução e autoedição. Neste último disco “MIMESIS” gravado numa etiqueta tão importante como é a TRANSMEDIA. Pensma que, finalmente, encontraram uma editora estável para futuras gravações?
JORGE LIMA – O problema da edição independente não se pode pôr nesses termos. Como somos independentes não temos proprietários. Assim estamos livres para fazer a música que queremos e editá-la onde nos pode dar mais acessibilidade e dignidade.
R. PEREIRA – A vossa música serviu de suporte a bandas sonoras de filmes. Para que filmes contribuíram com a vossa música?
JORGE LIMA – Fizemos uma banda sonora para o filme experimental de ANTONIO PALOLO “OHM”, mas fundamentalmente fizemos músicas funcionais para performances (no CENTRO POMPIDOU de Paris), para vídeo, poesia, teatro.
O VÍTOR RUA é um vídeo-artista inovador e as nossas realizações musicais têm sido sempre uma interacção musical com o vídeo, a instalação e a performance (prémio AICA no ano de 86 pela instalação “EBRAC” com Câmara Pereira). O ANTÓBIO PALOLO é parte dos TELECTU (diapositivos, capas de discos, vídeo-arte…)
R. PEREIRA – Na vossa obra “CAMERATA ELETTRONICA” escutamos uma música mais próxima do jazz, abandonando de certa forma a formas minimalistas de anteriores álbuns. Pensam seguir nesta linha ou foi apenas mais uma experiência?
JORGE LIMA – Como já disse, eu também sou musicólogo de Jazz. Em obras como “PERFORMANCE”, “TELEFONE”, e especialmente na peça “BAKU RESTAURANT”, gravada em Moscovo, abordámos mimetismos do Jazz. Dizemos mimetismos porque não sendo músicos de Jazz, pretendemos simular a partir de instrumentos acústicos e electroacústicos, a linguagem do Jazz.
Consideramos em 87 que poderíamos ultrapassar-nos, sem abandonar os processos minimalistas, e inflectimos a nossa música para um tipo de Jazz-Off electrónico, dando mais relevo à improvisação electrónica ao vivo.
A segunda parte da pergunta tem como resposta evidente que nós continuaremos num Work In Progress das nossas concepções musicais, sem qualquer compromisso determinado com esta ou aquela tipologia musical. O futuro nasce da própria acção criativa, depende das circunstâncias tecnológicas e de novas percepções sonoras, ou seja, para além do disco e do concerto temos muitas outras situações para compor e executar a nossa música.
R. PEREIRA – Aparte de fazer música, também se dedicam a escrever em semanários musicais. Por outro lado, tu, Jorge, tens escrito algum outro livro? Tens projectos no campo literário?
JORGE LIMA – Apenas escrevo em semanários musicais. Tenho 12 livros escritos, todos no âmbito da musicologia, estou a iniciar o meu doutoramento na Universidade Nova de Lisboa, em música e mass media, tenho livros e textos já traduzidos (espanhol, italiano, inglês e francês). Neste momento estou a elaborar a minha tese e paralelamente estou a escrever um livro sobre Novas Músicas. Dei também conferências sobre este tema tão aberto, em Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro, São Paulo, Cuzco, Moscovo, Macau, Génova, …
R. PEREIRA – Como avalias o panorama da música electrónica Portuguesa?
JORGE LIMA – Temos de verificar que a minha opinião não pode ser encarada como a opinião de um músico apenas. Como musicólogo tenho reflectido desde sempre sobre a electrónica na música portuguesa, fui pioneiro na Electric live neste país. Escrevi um “breviário de música electrónica” onde está escrito o que penso sobre a música electrónica portuguesa. Consideremos dois tipos: 1 de estúdio, 2 ao vivo. Na electrónica de estúdio, músicos como JORGE PEIXINHO, FILIPE PIRES e sobretudo EMANUEL NUNES (residente na Alemanha), fizeram abordagens electrónicas sobre serialismo, tape music, computação, electro-acústica e, ultimamente, novos valores têm-se revelado.
Na “electrónica live” temos o CARLOS ZÍNGARO que toca com TEILTELBAUM, TELECTU, TÓ-ZÉ FERREIRA e toda uma série indiscriminada de culturas dentro de músicas mais dirigidas a uma massificação estética que inclui o rock, pop, new age e ambientes e funcionalismos musicais. Num panorama pobre, sem um estúdio de música electrónica, e que provém da própria iniciativa dos músicos, sem um eco notório na imprensa musical, praticada normalmente por ignorantes de música, tirando uma ou outra excepção.
R. PEREIRA – Há um par de anos chegaram a actuar na bienal de Barcelona, actuação da qual usaram uma parte em “CAMERATA ELETTRONICA. Têm vontade de tocar de novo em Espanha?
JORGE LIMA – Não temos apenas vontade, queremos profundamente fazer uma tournée em Espanha. Parece impossível que, tendo tocado em todos os continentes, não tenhamos quase conseguido tocar em Espanha, que é o nosso país vizinho. Temos um monte de propostas que incluem concertos, instalação, vídeo musical, performance, conferências, edição de traduções dos meus livros, mas tudo é muito difícil de concretizar; é que o governo português está muito longe de se interessar pela música portuguesa e muito menos por música portuguesa a ser tocada no estrangeiro, lugar que não interessa para captar votos para as eleições. Mas oxalá esta entrevista possa servir como incentivo para essa realizações.
R. PEREIRA – Conheces alguma da música electrónica feita em Espanha?
JORGE LIMA – Evidentemente. Tive contactos pessoais e entrevistei para o meu livro “Musicónimos” o LUIS DE PABLO, gosto muito especialmente da peça “Chaman”, também obras acústicas de BENGUEREL, MESTERES QUADRENY, SOLER, TALTABULL, POLONIO …
Em Espanha, como em Portugal, não há um importante Centro de Música Electrónica e são poucas as multinacionais do disco, que são evidentemente as mesmas que dominam o mercado musical português, que mostrem algum interesse por esta estética musical. E claro que se entendemos o termo música electrónica como toda e qualquer prática instrumental electrónica (ligada ao rock, Jazz, novas músicas, e a música comercial), torna-se muito difícil poder apreciar a música electrónica espanhola, já que os instrumentos não fazem a música sem os músicos. Gostaria de poder aprofundar o meu conhecimento, que é tão superficial, da música electrónica espanhola…
R. PEREIRA – Que outros LPs editaram separadamente?
JORGE LIMA – Eu gravei “ANAR BAND” (76) e “ENCOUNTERS” com o SAHEB SARBIB (77). Por seu lado o VÍTOR tem três LPs: Com os GNR, sob o nome de PSP-PIPOCAS (87) e MIMI (89).
R. PEREIRA – Quais são as vossas preferências musicais?
JORGE LIMA – É um campo vasto de desejo: etnográficas, clássica (que engloba obras orquestrais e de carácter solístico), electrónica, acusmática, concreta, Jazz, rock, pop, música de massas, sons naturais, obras para banda magnética, colagem musical… enfim, somos observadores conscientes de toda a música sem excepção, a não ser uma indiferença e até uma repulsa pelo comercialismo e pela indecorosa conduta das editoras e dos pseudo-músicos que contaminam, com propostas anti-estéticas, todo o consumo musical. É como dizer que se prefere BACH a CAGE, MONK a FRIPP, TEATRO CAGAKU (Japão) a uma RAGA HINDU, se todos são mundos tão maravilhosos para ouvirmos.
R. PEREIRA – Algo que queiras acrescentar?
JORGE LIMA – Penso que numa entrevista o mais importante é o que fica por dizer. Assim, poderíamos estar horas e horas a falar de música, da experiência literária, das novas notações, dos meios de comunicação, de uma composição, de um solista, de um concerto… enfim, seria uma infinidade de considerações a tecer sobre o que se ama: a música.
O desejo de poder ir, tocar e mostrar a nossa criatividade em Espanha, como interesse primordial.
E finalmente, que nos seduz imensamente o movimento estético-musical da vossa revista SYNTORAMA, que denota uma qualidade cultural e gráfica, como também pelo carácter de intervenção que revela.
Esta entrevista com JORGE LIMA BARRETO, membro dos TELECTU, foi realizada por correio, em Abril de 1989.
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