14.6.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (89) - Sub-Cave Letras


Sub-Cave de Letras
Nº 6 - Setembro de MCMXCVI
Publicação Mensal da Secção de Audio-Visuais da A.E.F.L.U.L.
Preço: 50$00
40 páginas A4, p/b, papel pesado.
Tiragem: 200 exemplares

Director: João Carlos Callixto
Director-Adjunto: José Maria Antunes
Redacção: Filipe Mateus Pedro, João Carlos Callixto, José Maria Antunes
Colaboradores: João Santos Marcelo, Paulo "Anarca", Fred, David Pires


Entrevista Em Letras


Sidónio Pai da Sida

Numa tarde de Maio bastante agradável, os Sidónio acederam a uma entrevista em exclusivo para a Sub-Cave. Actualmente, a banda prepara arduamente o segundo registo discogra´fico, o duplo-álbum Albicastrum, depois de no início terem causado sensação com a edição de R.E.D. S.E.V.E.N. A pressão e a expectativa no novo lançamento é bastante grande. Vejamos como decorreu a entrevista que teve como banda sonora bezerrante o clássico Algarismos, de Carlos Paião. Gostávamos de agradecer à Tuna Feminina pela cedência do local onde decorreu a entrevista.

Sub-Cave - O que vos levou a produzir o vosso álbum de estreia?
Biana - Sidónio é um estado de espírito para o qual o mundo não está preparado (...)
Putchy - Acho que nesse caso (...), não é para sermos vaidosos, mas há que perguntar aos principais membros fundadores o que os levou a criar Sidónio.
S.C. - E quem foram, já agora, esses fundadores?
Marcelo - Tudo nasceu um dia...
P. - ... quando estávamos na salinha da A.E. e pronto, não tínhamos nada para fazer, a verdade é essa, e começámos a fazer covers de Tony de Matos, e decidimos, isto é uma m*rda do c**alho, e então decidimos fazer música a sério, e lembrámo-nos do filme "As Super-Leiteiras", com aquela banda sonora fabulosa, e então o Marcelo disse: "Vamos tocar". E eu disse: "Yah". E então tocámos...
M. - Foi verdade (...)
S.C. - E foi assim que nasceu o tal estado de espírito?
P. - É difícil de responder. Nasceu assim: vamos fazer um projecto que nunca tenha sido feito até hoje. E então encarnámos as nossas tendências minimalistas, gótico-depressivas, baseadas no Pós Pessimismo
Norueguês...
B. - E nas carraças suecas (...)
M. - O mundo tal como o conhecemos está completamente prevertido por uma necessidade enorme de racionalização das coisas, contra a qual nós nos insurgimos, porque achamos que a verdadeira essência do ser está nos impulsos, nas vontades de cada um. (Entretanto, o Artur arrota) Trata-se de coisas que vêm lá do fundo, como o que acabámos de ouvir...
P. - No fundo é exteriorizar aquilo que interiorizamos...
M. - É aquilo que sentimos sem ter de andar à procura de uma razão para fazermos as coisas. Temos vontade de as fazer fazêmo-las...
P. - Ir para onde nos leva o vento.
S.C. A vossa música só poderia ser feita por vocês ou...
P. - Absolutamente, sem dúvida nenhuma.
S.C. - E caso integrasse um elemento estranho?
P. - É que se tivesse um elemento estranho, faríamos com que fosse absorvido pela nossa cultura musical que, no fundo, é Sidónio.
B. - É um bocado a teoria do Charles Darwin. Adapta-se à natureza e ao meio ambiente.
P. - exacto, e só os fortes sobrevivem, que no fundo somos nós...
M. - Não é uma questão de sermos ditadores, não é por aí que passa, não é uma pessoa que entra na banda e nós passamos a exigir dela uma série de comportamentos. Essa pessoa vai ter que se adaptar porque, mais cedo ou mais tarde, será confrontada com a realidade de que tem de haver uma impulsão dos sentidos e não uma racionalização de tudo aquilo que se passa à nossa volta.
Bruno - É exactamente por aí que se dá a adaptação ao espírito Sidónio, que passa por uma pessoa livrar-se desses preconceitos, dessas ideias pré-concebidas, que o levam a racionalizar a realidade tal qual lhe é apresentada, de uma maneira que lhe foi imposta, porque ele não racionaliza a realidade para si, mas para os outros (...) É um niilismo autêntico, que se traduz numa total ausência de ideias. Nem quer dizer que isto se reflicta na música, porque, como já foi observado pelos críticos, a nossa música passa muito pelos compassos quaternários (quatro por quatro). Mas não é isso que importa, o que importa é o nosso estado de espírito.
P. - É libertarmo-nos de todas as enfermidades musicais que nos rodeiam, o que no fundo se resume a duas palavras: cala-te e chupa.
S.C. - Então trata-se de um recomeçar de novo?
M. - É um bocado um regresso às origens.
P. - Não é tanto isso (...) No mundo musical, é um voltar atrás um pouco mais à frente.
B. - Quem ouvir atentamente Sidónio vê que há uma harmonia entre os instrumentos e, ao mesmo tempo, uma independência entre si, mas que se harmoniza.
P. - Eu discordo profundamente (...) Sidónio simboliza a liberdade musical.
B. - E porque não a liberdade prisional?
P. - No fundo, isto retrata toda a dialéctica entre compositor e ouvinte. No fundo Sidónio é isto: nós somos os ouvintes de nós próprios.
S.C. - Vocês são os ouvintes primários, mas procuram que mais pessoas vos ouçam, ou não?
P. - Quando uma pessoa ouve Sidónio, a primeira impressão que tem é que isto é um bocado estranho. No entanto, ao ouvir, vai entrando naquele doce embalar que é a nossa música, interiorizando e, sem dar por si,
é uma perfeita fã de Sidónio.
Br. - O que nos interessa é que as pessoas oiçam a música e não compreendam: e o que é não compreender? É aquilo que nós tentamos transmitir, devendo compreender segundo a sua própria visão da música; nós
não queremos transmitir uma ideia a alguém, queremos que essas pessoas fiquem com essa ideia transmitida por nós.
P. - É como se fôssemos a faísca que despoleta toda uma série de questões intrínsecas à própria pessoa. Somos os catalizadores entre as dúvidas pessoais de cada um e a m*rda que as rodeia (...) Porquê um
penso higiénico normal e um com abas?
M. - (...) A nossa intenção é fazer música por aquilo que vale, mesmo que não valha nada.
P. - (...) É o "toco, logo existo", ou será mais logo exausto (...) R.E.D. S.E.V.E.N. foi tocado num espaço mítico, num micro-espaço mitológico, ao nível da mitologia e foi tocado com grande sentimentalismo ao nível
do sentimento; era preciso ter estado lá e sentir o cheiro a bosta ressequida, da palha molhada (...)
M. - Não é preciso as pessoas gostarem, o fundamental é fazer aquilo que nós temos vontade e não nos estarmos a cingir a uma série de convenções que nos perturbam e que vão vincar a nossa existência.
Pretendemos fazer as coisas quando nos apetece faz~e-las, quando isso nos dá prazer, e é preciso encarar a vida de uma maneira alegre, de forma a não nos deixarmos perturbar pelas coisas más dela. É preciso
que esta seja entendida por nós como um processo em que temos coisas boas e coisas más, mas onde não é preciso arranjar subterfúgios de espécie alguma para esconder as coisas más que a vida tem. Temos
de as encarar e viver tal como se vivem as coisas boas.
P. - A música de Sidónio é um elemento de comunhão, no fundo, é como uma hóstia.
S.C. - Mas a música de Sidónio está mais relacionada com as pessoas da Faculdade, ou não?
P. - Não, essa é a associação directa do ouvinte. As pessoas da Faculdade são apenas o público que mais facilmente entra em contacto connosco.
B. - Sidónio é uma música abrangente a todas as classes sociais, desde o pessoal da Musgueira a Chelas.
M. - Face à Sub-Cave nº 3, a propósito do nosso primeiro mini-álbum, gostaria de referir que a participação do Artur não é especial, mas intrínseca.
Br. - Nós queríamos participação espacial, foi um erro na gráfica.
Artur - Eu sou a minoria silenciosa em Sidónio, portanto não me pronuncio sobre nada (...) MAS PORÉM gostava de dizer que participar em Sidónio é diferente (...) EMBORA seja diferente (:::) SE BEM que haja uma apetência especial para a igualdade na diferença (...) PORÉM...
M. - Essa questão não passa por todos diferentes todos iguais, mas por um problema muito maior do que esse, todos indiferentes, todos iguais.
S.C. - Mas a indiferença de quem? A vossa, também?
B. - Também nossa, estamo-nos cagando para os outros, o que interessa é curtirmos Sidónio.
Br. - Nós queremos prestar um grande favor aos outros, que é ajudá-los a sair desse estado híbrido, partir essa redoma baça que os envolve...
A. - SE BEM QUE...
Br. - ... Que os impede de olhar para a realidade...
A. - ... Apesar de tudo, haja alguém...
Br. - ... E ajudá-los a morrer para os fazer renascer.
A. - AINDA mais por isso, convém acrescentar que o que diferencia Sidónio da inúmera mole de bandas que se acotovelam por um lugar ao sol é o gozo que dá fazer as coisas.
Br. - Eu discordo profundamente e abandono Sidónio agora mesmo. Sidónio acabou.
P. - Não, ó Bruno anda cá.
Br. - Mas fico cá para combater esse espírito divisor.
A. - EU GOSTAVA DE ACABAR, já que... OK. Mas retomando a questão de que falava há pouco (...), o gozo que me dá fazer é tanto quanto o que dá ouvir e aí é que difere, é o gozo... e a droga.
S.C. - O que mais vos atrai em Sidónio?
P. - Nós próprios. Eu podia levar o dia todo a olhar-me ao espelho.
M. - Nós fazemos as coisas porque nos apetece.
A. - APESAR DISSO...
Br. - Como diria António Aleixo, poeta algarvio que nasceu e morreu analfabeto:
"É triste que a gente veja
Tanta gente que não come
Pão que a muitos sobeja
Matava bem essa fome"
Tanta gente que anda por essa realidade fora embuída de ideias que lhe são estranhas, exteriores, e que não pode comer a "realidade" que ele vê, não pode assimilar essa realidade segundo o seu próprio garfo e faca
e nós podemos dar de comer (comer espiritual) a todos esses infelizes que andam por aí.
M. - O que me chateia em Sidónio é que nós podemos estar aqui um dia inteiro a dizer m*rda porque nos apetece, mas o que nós queremos nunca pode ser feito porque a sociedade está de tal forma impregnada de
preconceitos que não há um lugar em que as pessoas possam abrir os seus horizontes e fazer aquilo que lhjes apetece. Nós próprios tentamos lutar contra isso, mas quando é que nós o conseguimos, só se
tivéssemos dinheiro e tempo, e não dispomos nem de um nem de outro.
P. - A verdade é que nunca nada assim foi feito...
A. - Já foi já, pelos Beatles (...)
P. - ... No seio da música portuguesa, saímos de todos os parâmetros musicais que existem. Nós exploramos os vazios da música portuguesa.
M. - Mas mais uma vez há que sublinhar que essa exploração não passa por uma coisa diferente, que seja uma alternativa. Nós somos aquilo que somos e acabou (...)
P. - Em 1907, o arqueólogo Luis Ciré, um verdadeiro profeta, afirmou que "foram os Sidónios que descobriram e exploraram o que os indígenas ainda não conheciam".
S.C. Mas então é daí que vem o vosso nome?
M. - Não, não. O nosso nome apareceu porque foi a primeira que nos ocorreu.
P. - É genético
M. - Já houve quem analogias para o nome como Sidónio Pais da Silva, mas surgiu porque tinha que surgir.
P. - Estava predestinado.
M. - Como dizia Orson Welles, "a ausência de provas não é a prova de ausência".
P. - No fundo, nós provamos que estamos cá, o que quer dizer que, por sua vez, é impossível provar que não estamos cá.
A. - Eu só queria dizer que gostava que o vocalista dos Oasis morresse de SIDA e se ele tiver c***ões que me responda ou vá lá a casa, que a minha mãe terá muito prazer em atendê-lo. E não quero iniciar aqui uma
guerra com os Oasis, nem com os Blur, porque eles são muito pequenos quando comparados com Sidónio (...).
B. - Sidónio não é regra, Sidónio é tudo contra a regra.
Colectivo Sidónio - Acho que lá em cima está o Tiro-liro-liro e cá em baixo está o Tiro-liro-ló, juntaram-se os dois à esquina, a tocar concertina e dançaram Sidónio.
A. - Para acabar, se quiserem adquirir a cassete, que tem o valor simbólico de 500$00, podem fazer os vossos pedidos na A.E.



















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