14.7.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (101) - Monitor #38


Monitor
Nº 38

Ano IV
Outubro de 97
III série

24 páginas - p/b - A5 landscape, papel fino tipo jornal

Assinaturas - 12 números - 2000$00
Tiragem 500 exemplares




Editores
Rui Eduardo Paes
Paulo Somsen
Colaboradores neste número
Pedro Ivo Arriegas
Chema Chacón
Vasco Durão
Gonçalo Falcão
Jorge Mantas
Carlos Branco Mendes
José António Moura
Pedro Santos
Jorge Saraiva

O Sonho Da Toupeira
por Rui Eduardo Paes

O presente fascínio pelas glórias do «krautrock» não é explicável, ao contrário do que acontece com o free jazz, pelo saudosismo setentista que vai marcando os cenários culturais europeu e norte-americano. E, no entanto, os Faust, os Amon Düül II, os Neu!, tornaram a juntar-se e a gravar. Brian Eno, The Orb, Sonic Boom e Bruce Gilbert remisturaram os temas dos Can e lançaram «Sacrilege». Joachim Roedelius e Dieter
Moebius, os fundadores dos Cluster, ganharam uma importância que durante a década de 80 não tiveram, apesar de todos os seus esforços. A cena alemã do rock renasceu com novatos como os To Rococo Rot e
os Kreidler. Significa isto que se está a regressar às velhas fórmulas do rock germânico? Não: busca-se, isso sim, outra filiação histórica e outras coordenadas para rumar a novos horizontes. Os «clássicos» dos
Popol Vuh, dos Ash Ra Tempel, dos Guru Guru e dos La Düsseldorf são reeditados em CD mas continuam a ser procurados apenas pelos coleccionadores e pelos indefectíveis; vão é surgindo nos locais mais
improváveis do mundo - os Estados Unidos, sobretudo - novas formações de alguma forma inspiradas no pioneirismo desses grupos. É muito relevante, aliás, o que se passa nas fileiras do rock experimental - o corte com toda uma tradição (a do «art rock» nas suas frentes mais representativas, a britânica e a francesa, dos HenryCow aos Univers Zero) e de uma refundação sobre bases distintas. Assistimos à morte de um modelo que teve como avatares, ainda recentemente, os God e os The Work (ambos EUA/Grã-Bretanha) de Tim Hodgkinson, uma figura lendária do «rock in opposition», ou os Fukkeduk (Bélgica) e os Miriodor (Canadá), para dar lugar a uma outra, com raízes na Alemanha, em que grupos tão diferentes entre si como os franceses Ulan Bator (1), os ingleses Main (2) e os americanos Tortoise (3) se têm revelado. A receita do «art rock» cansou. Misto de ritmos binários, desenvolvimentos free directamente inspirados no jazz ou na livre-improvisação e arranjos à maneira da música de câmara definiram três gerações do rock dito «alternativo». A nova vaga de músicos que se vem afirmando desde, pelo menos, 1995 prefere os mesmos ingredientes que serviram o «krautrock»: longas repetições hipnóticas, paroxismos convulsivos, cortes bruscos, colagens desconexas, fragmentação de discurso - isto para reproduzir exactamente os mesmos termos que foram utilizados para definir a música dos Faust ou dos Can. Sobretudo, o que faltava ao rock que não tinha alinhado pelo «noise» ou pelo «industrialismo» dos Throbbing Gristle era a visceralidade. O «art rock» dependia demasiado da composição e do virtuosismo instrumental, era excessivamente intencional, «culto» e objectivo. O «krautrock», pelo contrário - isso se excluirmos os Kraftwerk e os Tangerine Dream («Os Kraftwerk são matemáticos e bem ordenados, enquanto nós nos regulamos pelo prazer e paramos quando achamos que tudo está a ir bem, mesmo antes de chegarmos ao orgasmo», disseram os Faust por ocasião do lançamento de «You Know FaUSt», em 1996) -, teve sempre como linha de força a exploração do acaso e a carga afirmativa dos sons. Com uma vantagem adicional: as circunstâncias (leia-se: as regras do mercado) fizeram com que os seus ingredientes e metodologias depressa se desvirtuassem, pelo que foi mais um projecto do que uma realidade historicamente localizável. Disso se queixou, já nos anos 70, Ulrich Kaiser no livro «Das Buch der Neuen Pop Musik»: «O rock alemão, caracterizado pela manipulação electrónica, o primado da improvisação, o expressionismo verbal, a anti-espectacularidade cénica, foi afogado na abundância». Ou seja, não viveu plenamente o que tinha para viver, pelo que este retorno não é uma repetição mas a continuação finalmente tornada possível - e isso não obstante ainda parecer mais interessante que muita da produção musical sua descendente. Não há, pois - estou convicto disso -, nostalgia alguma neste processo.
E o curioso é que esta retomada do «krautrock» coincide com uma certa reemergência do minimalismo e, em particular, das suas primeiras fórmulas - os «drones», a longuíssima duração das peças, as estruturas
não-desenvovimentistas. No eixo destas movimentações encontramos Jim O'Rourke, o produtor e editor de «Rien», o álbum que deu arranque à nova etapa dos Faust, e o responsável pelo regresso do minimalista
Tony Conrad, assinando a produção de «Slapping Pythagoras» na Table of Elements. Vindo da música pós-industrial (Organum, Illusion of Safety) e com passagens e reincidências várias na área da música
improvisada (tocou com Derek Bailey, Henry Kaiser, Hugh Davies, Gunter Muller, Chris Cutler, etc.), ouvimo-lo agora no colectivo Gastr Del Sol ou a solo, em situações que vão do quase-pop à pura abstracção sonora, não surpreendendo que surja igualmente como intérprete de Phill Niblock, um herdeiro directo do minimalismo original. Nalguns dos seus concertos, não chega a tocar uma única nota, limitando-se a controlar o «feedback» e o tom.
Tem muito que se lhe diga, este papel de dinamização assumido por O'Rourke. As estratégias do «krautrock» são reconhecíveis nas suas canções e as do minimalismo nos continuuns tímbricos e de frequências de, por exemplo, "Happy Days", com a sanfona sobregravada dezenas de vezes. Há, neste guitarrista que sempre se desdobrou por outros instrumentos (para além da sanfona, o piano, o Moog analógico, «gadgets» electrónicos vários, o acordeão, o violino e... o gravador com que elabora as suas operações concretistas), alguma vocação para toupeira, mas a sua maior contribuição para a presente realidade musical não é essa.
Digamos que as escavações a que procede são somente o meio para chegar a algo de muito mais fundamental...
Jim O'Rourke desenterra da história recente da música, guiando-se apenas pelos critérios do seu próprio gosto, os elementos que lhe possam servir para uma tortuosa, mas divertida, tarefa: manipular os sons,
jogando com as suas formas, ou seja, despindo-as, trocando-as como se troca de roupa, destruindo-as, transformando-as. Em suma, realizando o grande desafio a que a Nova Música meteu ombros - o alargamento das fronteiras do som. Indiferente às estipulações idiomáticas dos vários géneros ou não-géneros que lhe interessam, o autor de «Terminal Pharmacy» vai ao ponto de dizer que não é um músico: «Os instrumentos, para mim, a começar pela guitarra, são apenas utensílios para fazer sons. Utilizo-os como se fosse dissecar alguma coisa.»

(1) Ainda que a sua matriz seja o «hardcore» e o «thrash», continuam o gosto do «krautrock» pelos ragas indianos e as situações «off-tempo».
(2) No início eram influenciados, sobretudo, pelo rock psicadélico de expressão inglesa (os Pink Floyd dos primeiros anos, por exemplo), mas depressa evoluíram para uma abordagem da electrónica com origens
localizáveis no rock alemão, embora estejam cada vez mais distanciados do rock enquanto género musical definido.
(3) Grupo de Chicago, EUA, herdeiro directo do «krautrock». Recupera a sonoridade típica dos sintetizadores analógicos, aquela que definiu a tendência.




Telectu
«Mimesis»
«Leonardo Internet»

[CD Strauss, 1997]
Nestes dois lançamentos da Strauss, editora habitualmente mais virada para os sucessos comerciais, abre-se um precedente que, esperemos, seja muitas vezes repetido com a música de outros portugueses
igualmente marginalizados nos circuitos do disco.
«Mimesis» reúne peças do trabalho com o mesmo nome, de 1990, que nunca chegou a ver a luz do dia com outras retiradas a obras minimalistas lançadas durante a década passada em vinil, como «Perfomance»,
«Halley» e «Digital Buiça». «Leonardo Internet» pelo seu lado, junta dois LPs históricos no que à sua actividade extra-fronteiras diz respeito: «Live At The Knitting Factory» e «Telefone», o primeiro gravado ao vivo naquele espaço de Nova Iorque em 1989 e o segundo no decorrer do XII Festival da Paz, 1985, em Moscovo.
A intenção do duo constituído por Jorge Lima Barreto e Vítor Rua é, pois, de recapitulação do percurso deste projecto já com cerca de 15 anos, um dos mais sólidos existentes no País e com certeza que caso único na cena (se é que já lhe podemos chamar assim) experimental portuguesa. Nem tudo o que está nestes discos representa o melhor dos Telectu (eu faria uma outra selecção), mas era tempo de mostrar com outro
relevo o que foicou para trás na enorme produção do também musicólogo e crítico (Barreto) e do líder do Vidya Ensemble (Rua).
Não obstante a simultaneidade destas edições, a audição que delas podemos fazer, neste momento, é diferente.
«Mimesis» é um documento em que o tempo deixou a sua marca. A música que os Telectu hoje praticam já é bem diferente daquela que aqui reencontramos. Para quem só agora conheceu o seu universo, fica
apenas esclarecido de onde vem, ou por onde passou, o seu ainda patente gosto pelas estruturas não-desenvovimentistas e pelo uso de ciclos estruturais ou de repetições rítmicas.
Já «Leonardo Internet», e sobretudo as faixas provenientes de «Live At The Knitting Factory», faz luz sobre a evolução do duo desde, pelo menos, «Evil Metal». Depois de vários «períodos» estéticos, foi a partir de
então que conciliou as suas múltiplas referências (a improvisação, o rock alternativo, o «jazz mimético», a electroacústica, o minimalismo) numa só perspectiva musical, a aplicada nas suas associações com Elliott
Sharp, Chris Cutler, Jac Berrocal, Louis Sclavis, Paul Lytton, Evan Parker e, mais recentemente, Daniel Kientzy.
[REP]







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