Monitor
Nº 37
Ano IV
Setembro de 97
III série
20 páginas - p/b - A5 landscape, papel fino tipo jornal
Assinaturas - 12 números - 2000$00
Tiragem 500 exemplares
Editores
Rui Eduardo Paes
Paulo Somsen
Colaboradores neste número
Victor Afonso
Pedro Ivo Arriegas
Vasco Durão
Gonçalo Falcão
Pedro Santos
Jorge Saraiva
Música Portuguesa em CD
por Jorge Lima Barreto
As edições de música portuguesa em disco, neste 1997, são na sua maioria votadas ao entretenimento e às variedades em curto-circuito na rádio e na TV. O domínio do espectacular e do visível em detrimento do
inefável e do invisível da Música - a música foi tornada servil de projectos altamente subsidiados de cinema, dança e teatro e, é usada arbitrariamente pela moda dos lobbies político-culturais.
No entanto, e correspondendo a um grande esforço de artistas e produtores, surgem obras discográficas de «Música de Arte Portuguesa».
Vamos anunciar algumas publicações dividindo-as em três secções:
Música Clássica, Jazz e Nova Música Improvisada.
Música Clássica
O destaque vai para a reedição em CD da criação de três composições de Filipe Pires para banda magnética: A primeira é «Canto Ecuménico» - uma colagem, parcimoniosa recolha de elementos etno-musicais; funciona como uma meta-ópera, um poema pós-modernista, uma especulação antropológica; contraponto de linguagens, estratificação polirrítmica - um canto à liberdade e pela igualdade de raças, uma afirmação da «diferença musical». Uma das mais importantes invenções da Música Portuguesa.
A segunda é «Litania», uma permanente modulação de texturas, com passagens subtis de uma matéria sonora a outra; transições misteriosas de sentimentos e oscilações da sensualidade; oposições tácteis
imaginárias. Toda a composição é uma reflexão meta-textual sobre a tecnologia e filosofia da Música.
A terceira é «Homo Sapiens», outro cúmulo da História da Música Portuguesa: refere a poesia concreta, trabalho experimental e exploratório - do grunhido hominídeo ao arfar do astronauta dentro do seu capacete - é uma projecção delirante do ponto de vista narrativo; traça metonimicamente a evolução da Humanidade; é a História da «respiração» do Homem.
Estas três obras, concretizadas depois do trabalho de Pires com Pierre Schaeffer, foram passadas da banda magnética para o LP (atraiçoadas na sua lisibilidade) e agora para o CD, onde refulgem todas as matérias
sonoras.
«Homo Sapiens» foi uma encomenda da Exposição Universal de Osaka, 1972 - eis um autor que a Expo 98 deveria ter tido em conta prioritariamente.
Pelo classicismo da sua realização e pelo seu imaginário, este CD oferece-nos a intuição do instante. Um disco imprescindível numa discoteca - a sua beleza é universal; fala de nós e por nós.
Outras edições da Portugal Som:
«Maria da Graça Amado da Cunha toca Lopes Graça», em dois volumes.
É a edição digital de interpretações em piano que o compositor achava as mais fidedignas, miniaturas, recolhas folclóricas de tipo neo-realista ou brilhantes invenções melódicas. Em «Onze Glosas», vol. 1 (CD
SP4082), são paradigmáticas «Uma Canção De Penamacor» (II) e outra, de Vinhais, «Senhor Deus Da Misericórdia» (XI).
Apesar da deficiente qualidade da gravação original, irrecuperável no CD, estes dois discos são testemunho raro daquela que foi um dos maiors intérpretes da obra insondável do mestre português.
Também de Lopes Graça o CD 870013PS: «Viola Concertino» (solista: Ana Bela Chaves) e «Piano Concertino» (solista: Helena Sá E Costa) - composições intimistas e plenas de imaginação numa escrita polivalente do compositor.
Luís de Freitas Branco: «Songs» (CD SP 4132) - Canções sobre poemas de Baudelaire, Maeterlink e Antero de Quental - uma execução inebriante do barítono Oliveira Lopes com o mítico Nöel Lee ao piano. Luís de Freitas Branco poderá ser considerado o compositor português que levou mais alto o enlevo entre a Poesia e a Música.
Do grande compositor e regente de orquestra Álvaro Cassuto foi editado um CD (SP 4102) que nos oferece o seu grande talento - são trabalhos de extremo modernismo, plenos de alegorias a inúmeros estilos da música contemporânea; de aparência descontínua, com climas de apoteose ou da mais enigmática subliminaridade. Especialmente, «Evocações», uma obra-prima, tem uma expressão luminosa e forjada por
requintada racionalidade. Pela sua manifesta e exímia técnica, pela recusa da tragédia, esta composição é rica em detalhes e dispõe de um fascinante painel sonoro. Outra das glórias da Portugal Som.
[Há outras edições em Portugal, nacionais ou multinacionais, de intérpretes portugueses que contemplam apenas compositores estrangeiros do passado; uma espécie de investimento perido para a Arte de Hoje, já
que a composição portuguesa contemporânea fica na gaveta à espera de melhores dias e concretizações felizes].
A Numérica, prestigiada editora de Passos de Brandão, publicou o CD duplo (Num 1053) «Música Portuguesa Do Séc XX». Conjunto de encomendas da Câmara Municipal de Matosinhos, promovidas por Manuel Dias Da Fonseca, inclui dois tipos de obras: no primeiro género são composições à volta de um poema de António Nobre, «Georges Anda Ver o Meu País de Marinheiros»; Lopes Graça optou pela forma cantata («o meu país de marinheiros...») e Peixinho criou uma tapeçaria de estilos e técnicas para três coros «a cappella». O segundo tipo inclui peças pianísticas: de Jorge Peixinho, o duo de pianos «Nocturno No Cabo Do Mundo», obra agógica e de cariz textural; «Pirâmides de Cristal» de João Pedro Oliveira, em execução magistral de Madalena Soveral, com evanescências minimalistas; «Estudos De Sonoridades», de Filipe Pires, pela mesma solista, com carácter experimentalista assumindo o conceito de «material sonoro»; «Intermezzo IV A/B» em duas partes para dois pianos e um piano, da Álvaro Salazar, é agitada pela brisa do lirismo; e, de Cândido Lima, «Aquiria», em auto-interpretação é um cenário tímbrico encantatório.
estas obras lapidares são da maior relevância para quem queira conhecer as tendências da nova literatura portuguesa para piano.
Num disco que contempla vários autores estrangeiros e de cronologia vária, o Duo Contracello (Miguel Rocha, violoncelo e Adriano Aguiar, contrabaixo) interpreta Alexandre Delgado - «Burlesca», em estilo pós-serial, onde a teatralização e a caracteriologia instrumental dão marca especial à obra burlesca, como ela própria se intitula.
O Quarteto de Cordas do Porto interpreta peças de câmara de Cláudio Carneyro; um high light é o «Quarteto de Arcos», elaborado em filigrana (CD Num 1058).
Uma composição sóbria mas elegante e de congeminada arquitectura é o «Concerto para Violoncelo e Orquestra» de César Morais, numa criação de Orquestra Clássica do Porto, com Martin Ostertag como solista e direcção de Manuel Ivo Cruz (CD Num 1057).
Uma obra de teor católico do cónego Ferreira dos Santos, «Requiem À Memória Do Infante D. Henrique», para coro e orquestra dirigidos por Manuel Ivo Cruz (CD Num 1965) e uma colecção de dezoito peças de piano do «Livro De Maria Frederica» de Frederico De Freitas, num modernismo incoercível, são também duas propostas da Numérica.
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