24.7.15

Memorabilia: Revistas / Magazines / Fanzines (109) - Monitor #46


Monitor
Nº 46

Ano V
Junho de 98
III série

24 páginas - p/b - A5 landscape, papel fino tipo jornal

Assinaturas - 12 números - 2000$00
Tiragem 500 exemplares


Editores
Rui Eduardo Paes
Paulo Somsen
Colaboradores neste número
Vasco Durão
Gonçalo Falcão
José António Moura
Pedro Santos
Jorge Saraiva

Edgar Varèse
por Gonçalo Falcão

«Há sempre uma incompreensão entre o compositor e a sua geração. A explicação habitual deste fenómeno é que o artista avança em relação à sua época, mas parece-me absurda. De facto o criador é, de uma maneira particular, o testemunho da sua época; então, é porque o público - pela sua disposição e experiência - está 50 anos atrasado que há este desacordo entre ele e o compositor.»



Varèse morreu a 6 de Novembro de 1965, há 34 anos, e hoje parece que teremos de esperar mais 20 para que a sua música seja ouvida e apreciada pelo público. Mesmo em disco são raras as edições que lhe são exclusivamente dedicadas, tendo eu só encontrado duas: da Erato e da Sony Classical, dirigida por Pierre Boulez com a New York Philharmonic e o Ensemble Intercontemporain. Apesar da sua produção ter sido exígua (apenas 13 composições conhecidas), desassociou-se de toda a tradição e avançou. Depois das suas peças de juventude terem sido queimadas por um incêndio, partiu para os Estados Unidos em 1915. Entre 1918 e 21 compôs «Ameriques», título que não considerou «exclusivamente geográfico, mas símbolo de descobertas de novos mundos na terra, no céu e no espírito dos homens». E que mundos extraordinários abriu!
Concebia a música como espacial, movimentos de corpos sonoros no espaço - «a corporeização da inteligência que está dentro dos sons» - libertando-se do temperamento da escala, através da «recusa dos limites impostos pelos instrumentos em uso, e por todos estes anos de maus hábitos a que chamamos, erradamente, de tradição», e procurando nos instrumentos de altura indeterminada (percussão) ou variável (sirenes), um novo universo de relações sonoras: «... o músico pode obter vibrações sonoras que não correspondem necessariamente a tons e meios tons tradicionais, mas que variam de um som para o outro. Não poderemos explorar verdadeiramente a arte do som (ou seja, a música) se não procurarmos meios de expressão completamente novos.» Procurou a abertura da composição para todo o universo dos sons e antecipou o uso dos instrumentos eléctricos e electrónicos: «Estou pouco a pouco a convencer-me de que, na nova e autêntica música, as máquinas serão necessárias e terão um papel importante. Talvez até a indústria tenha algo a desempenhar no desenvolvimento e metamorfose da estética.»
«Que a música soe! O nosso alfabeto é pobre e ilógico. A música que deve viver e vibrar necessita de novas formas de expressão e a ciência apenas lhe pode incutir uma seiva adolescente»; a sua música é emotiva. Varèse compôs com um profundo sentido do desenvolvimento musical: «Tudo o que não é síntese de inteligência e vontade, é inorgânico.» Além disso, recusou o primado da razão na arte e encontrou na mudança a via para o belo. No ritmo procurou não somente a vida, mas também a coerência e a coesão: «A base do ritmo é a carga imóvel da sua pujança.» O ritmo é o seu elemento de estabilidade. No entanto, tem pouco a ver com a cadência, ou seja, com a sucessão regular de tempos e acentuações. O ritmo nas suas obras provém de «efeitos recíprocos e simultâneos de elementos independentes que intervêm em lapsos de tempo previstos, mas irregulares. Isto corresponde à concepção do ritmo na física e na filosofia, que é uma sucessão de estados alternativos opostos ou correlativos».
Os seus elementos musicais, feitos de fricção, percussão, assobios, estalos, conduziam-no para a integração no movimento futurista, filiação essa que recusou com vigor, criticando-a pela sua simplicidade, ao limitar-se a reproduzir a «trepidação do quotidiano».
«A nossa época tem demasiada sede de desconhecido para que o artista aceite obedecer a sistemas arbitrários, ou de seguir a influência estéril da ortodoxia coerciva. À questão: o que pensa deste ou daquele movimento, escola ou tendência, a resposta resume-se sempre a: «... depende... quem é o compositor?»






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