Música & Som
Nº 84
Setembro de 1983
Publicação Mensal
Esc. 120$00
Director: A. Duarte Ramos
Chefe de Redacção: Jaime Fernandes
Propriedade de: Diagrama - Centro de Estatística e Análise de Mercado, Lda.
Colaboradores:
Amílcar Fidélis, Ana Rocha, Carlos Marinho Falcão, Célia Pedroso, Fernando Peres Rodrigues, Hermínio Duarte-Ramos, João Gobern, José Guerreiro, José Tavares, Manuel José Portela, Manuela Paraíso, Nuno Infante do Carmo, Pedro Ferreira, Pedro Tomás, Rui Monteiro,Trindade Santos.
Correspondentes:
França: José Oliveira
Holanda: Miguel Santos e João Victor Hugo
Inglaterra: Ray Bonici
Tiragem 16 000 exemplares
Porte Pago
56 páginas A4
capa de papel brilhante grosso a cores
interior com 16 páginas (centrais) a cores de papel brilhante como a capa e as restantes a p/b de papel fino, tipo jornal.
Ontem, A Música De Hoje
por Trindade Santos
Duma coisa começamos (finalmente!) a estar certos: a música acabou. A aventura desordenada, cujos episódios mais brilhantes chegamos agora a conhecer perfeitamente, terminou por volta da segunda década deste século.
Cerca de duzentos anos antes, Bach tinha perfeitamente estabelecido as regras do sistema tonal. Depois dele, o reportório das formas fixou-se definitivamente, enquanto o órgão, por excelência, da música Ocidental - a orquestra - atingia a estrutura e um modo de funcionamento insusceptível de ulterior evolução. Restavam ainda algumas pequenas transformações na técnica de escrita e interpretação deste ou daquele instrumento e de toda a orquestra, até se atingir o virtual esgotamento da paleta sonora. Chegou, por fim, a revolução intelectual e literária do serialismo: o primeiro - e até aqui único - sistema teórico inspirado em princípios abstractos e alheios à prática musical. A Música dera tudo o que tinha a dar.
A partir daí, todas as transformações ocorreram noutros campos: nos meios de comunicação, nas tecnologias de criação e reprodução da mensagem, nas técnicas de concepção e distribuição do produto final; em suma, tudo o que tinha a ver com as mudanças da própria sociedade, globalmente considerada.
Entre a música que continuava a tradição clássica e a outra, ligada à electricidade, a diferença principal residia na circunstância de, na primeira, o criador perder o contacto com o consumidor, enquanto, na segunda, essa comunhão continuar a ser a verdadeira razão de ser do espectáculo.
O sé. XVIII mostra-nos os primeiros casos de insatisfação do músico, perante as exigências a que o submete o seu patrão aristocrático. No séc. XIX, o Crítico aparece como elemento de ligação entre o artista e o seu público, moderador do ímpeto renovador do indivíduo e formador e educador da massa dos consumidores "cultivados". No séc. XX, a emergência da vanguarda e a ideologização das "estéticas" consumaram a ruptura entre o pólo emissor e o pólo receptor. De ora em diante, o público divide-se em "clássico" e "contemporâneo", praticamente separado em universos incomunicáveis. O reportório fixo da sala de concertos alimenta-se de um star-system ferozmente controlado por maffas rácicas. A vanguarda, acantonada em posições puramente defensivas, tenta disparar uma acção formativa, restrita Às élites das élites, quase que, apenas, música para os músicos.
Ao contrário, a música popular torna-se num rentável negócio. A qualidade é ofuscada pelo marketing, as vendas assumem o papel determinante e regulador da criação e o consumo dinamiza-se por automimetismo; toda a gente quer ser igual a toda a gente. O precário equilíbrio das cortes provinciais centro-europeias perdeu-se definitivamente. O gosto e a criatividade separaram-se, a ponto de se desconhecerem de todo. A renovação deteve-se perante o esgotamento das formas e fórmulas de criação. Há algum futuro para a música?
Parece que, a partir de agora, o futuro da música é o da própria sociedade e, num momento em que esta se encontra globalmente em perigo, nem adianta muito falar do assunto em termos puramente musicais. A única solução que se pode prever é ainda a da evolução dos próprios músicos. À medida que a diferença entre o insucesso e o reconhecimento público se vai tornando capital, vão surgindo indivíduos livres e soltos, triunfadores, capazes de impor novidades e formas de renovação mais adequadas ao progresso e à satisfação dos interesses das várias partes de um jogo.
Todavia, para podermos compreender o que esse futuro nos reserva, convirá dar uma volta pelo jazz. É o que faremos a partir do próximo número da M&S.
Trindade Santos.
Músicas do Quotidiano
por Carlos Marinho Falcão
Notas Sobre Um Quotidiano Absurdo
"Afinal de contas tá tudo maluco, ou quê!?..."
- Sr. Francisco, 78 anos, reformado -
As alterações dos comportamentos processam-se na maioria dos aspectos da vida social com grande lentidão. As atitudes novas são incorporadas noutras já existentes, parecendo por vezes, à primeira vista, formas de atitudes antigas que receberam uma nova aparência. Os indivíduos vivem assim, simultaneamente, em climas mentais diferentes. Se bem que as atitudes "antigas" sejam mais evidentes nas pessoas de meia idade para cima, as novas influências também nelas se fazem sentir. Por outro lado, um jovem que de maneira geral reúna todas as características comportamentais da adolescência actual, nem por isso deixará de conservar atitudes que lembram as do seu avô. Em suma, se bem que as atitudes "antigas" se mantenham ainda evidentes, as novas influências fazem-se simultaneamente sentir - ainda que de forma embrionária e, por vezes, pouco consistente.
Entre a recusa radical do antigo e a inconsistência provisória do novo, as perspectivas contemporâneas apresentam-se em Portugal de uma maneira geral confusas e geradoras de angústia: na falta de objectos identificatórios estáveis e proporcionadores de segurança chafurdamos no vazio, vociferamos aos quatro ventos, atolamo-nos inquietos no lodo da descrença e do cinismo da moda.
Hoje, numa sociedade como a nossa em que impera a insegurança e que tende cada vez mais para uma crescente despersonalização dos indivíduos, o antigo "espírito criativo de grupo" vai-se progressivamente diluindo na anomia, a antiga solidariedade bonacheirona e saloia de outros tempos vai-se transformando em conformismo arrogante e deliberado, ao mesmo tempo que, um pouco às cegas, se começa a correr atrás de uma determinada e redentora noção de progresso retirada à pressa de uma certa ideia mítica de Europa e de riqueza - tão vaga como abstracta.
Tem muito que se lhe diga essa coisa aliciante e promissora a que chamamos progresso. Fundamentalmente, há que ter em conta dois tipos, qualquer deles pouco ou nada tendo a ver com o outro: aquele que produz bem-estar melhorando as condições de vida daqueles que presentemente não beneficiam desse bem-estar e, por outro lado, o chamado "progresso pelo progresso", que nada tendo a ver com o bem-estar das populações, surge directamente relacionado com a mera promoção e consumo de bens, em sociedades definitivamente caracterizadas pela competitividade febril e pela ilusão de poder obtida a partir da posse antropofágica de bens.
A ideia geral veiculada é que só pode ser feliz aquele que possui a maior quantidade possível de bens. A tentação, tal como vulgarmente nos é apresentada, exerce-se no sentido de uma mera satisfação primária dos desejos egoístas, do incremento de uma espécie de individualismo hedonista, em tudo semelhante ao narcisismo infantil. Por outro lado, a tendência de preferir o fácil ao difícil, o lugar comum à imaginação criativa, as meias palavras que realçam a fraqueza, à apresentação escorreita e directa do facto "duro de roer", que choca e ofende - mas que tempera os caracteres.
Actualmente, a sociedade portuguesa parece ter-se "especializado" no desenvolvimento de técnicas de condescendência mútua e de mediocridade indulgente e auto-satisfeita. Em contrapartida, à medida que as sanções tradicionais vão desaparecendo e perdendo o seu peso no consenso geral, os técnicos de marketing - com o seu arsenal inesgotável de engenhocas e estratagemas de persuasão - vão ficando com o campo cada vez mais livre para, sob o totem protector e todo-poderoso do deus progresso, engendrarem todo um arsenal de meios para a vulgarização da mediocridade nos indivíduos através não só de um linguajar fácil e demagogicamente estéril, como, sobretudo, de divulgação maciça e embrutecedora de valores que o não são.. De facto, para o publicitário interessado em promover determinado produto pouco importará a originalidade ou o valor das ideias que expõe, esforçando-se, isso sim, por encontrar a melhor maneira de conseguir que elas sejam apreendidas (em versão simplificada e/ou distorcida) pela compreensão colectiva. Por outras palavras, sempre que o público por qualquer motivo é influenciado por determinada ideia, tal influência não é exercida pela ideia na sua qualidade de ideia, isto é, esta não é intelectualmente recebida e examinada, limitando-se a ser adoptada sob a forma de um qualquer lugar-comum. Mas, no fundo, esta deve ser a própria essência de toda a comunicação de massas...
Espartilhado entre a recordação fugidia e vaga de um passado (mitificado) a que, de qualquer forma, sabe que não é possível regressar e uma perspectiva de futuro cujo acesso se afigura cada vez mais incerto e inseguro, ao português de hoje resta refugiar-se no imediato, devorando-o - mais que não fosse, pela razão que os promotores de prazeres "ao alcance de todas as bolsas" são peritos em abafar a ideia subversiva de que é possível pensar-se na existência de regiões mais calmas...
No cômputo geral, a ideia de catástrofe (qualquer que ela seja) vai tomando forma lentamente, instalando-se progressivamente e entranhando-se no espírito confuso deste nosso quotidiano cada vez mais absurdo. Protagonistas forçados desta espécie de grande farra da série B, vamos sonhando com a liberdade (?) enquanto devoramos o presente - sempre com o mesmo doloroso desespero de quem sente o universo a esboroar-se entre os dedos e um certo acanhamento em confessá-lo.
Nunca como hoje se falou tanto em liberdade. Quiçá por esse motivo, esta ideia acabou por se tornar tão lata, que a liberdade passou a ser, afinal, a liberdade de não "ser", de não pensar - de existir simplesmente, passivo e pactuante, discreto no apresentar (nunca ruidoso, e muito menos caótico...) e sabendo, sobretudo, rodear estas facetas de uma auréola superstar de actividade e dinamismo máximos. Mais do que qualquer outra coisa, é-se livre no sentido de não ser livre, pois se porventura se quiser utilizar essa liberdade para escolher qualquer coisa diferente dos outros é-se de imediato acusado de intolerância, fanatismo, dogmatismo, presunção, ou, muito simplesmente... de loucura. Quem insistir em optar por outra via que não a convencional arrisca-se (hoje mais do que nunca) a ser catalogado como desviado, doido ou idiota, eventualmente até "um bom rapaz mas (coitado!) demasiado idealista para poder vencer na vida". Louco ou apenas imbecil, quem assim se comportar pode não ser perigoso, pode até ser engraçado e útil de vez em quando para enfeitar a monotonia taciturna de uma ou outra conversa mais filosófica; mas não deixa de ser chato pois que, para todos os efeitos, se atreve a pôr em prática aquilo que para a maioria pode ser pensado e dito, desde que não seja feito, ou seja, que "é preciso ser-se bem maluco para aguentar (sobre)viver numa sociedade como esta" (jovem de 22 anos, actualmente em tratamento psiquiátrico).
Rapazinho linguareiro e inconveniente ao ponto de se atrever a gritar que "o rei vai nu!" no meio de uma floresta de rotinas mais ou menos silenciosas, o louco dos nossos dias (o pobre de espírito, o pária, o vencido da vida) é, acima de tudo, um desmancha-prazeres.
Esse o seu prazer. Por vezes, o seu drama também...
As Capas Da Música Rock
por Amílcar Fidélis
A música do nosso tempo é, cada vez mais, um produto destinado ao consumo de massas.
As grandes multinacionais discográficas (que, obviamente, se preocupam muito mais com os largos cifrões que irão amealhar, do que com a qualidade da música que vendem ao público) são exímias em fabricar êxitos à pressão e em catadupa que, em escassas semanas, sobem aos píncaros das charts e dos top's de vendas. Depois de haverem corrido os ouvidos de toda a gente (até fartar) e de terem sido espremidos até à última gota (ou seja, de terem rendido o lucro desejado pelas editoras), esses três minutos de graça imediata, essas canções efémeras, essas modas passageiras, a mergulham para sempre no abismo do esquecimento. Mas, como, evidentemente, a grande máquina do show-business não pode parar, as multinacionais têm logo um novo êxito na manga, uma nova moda a lançar - e o ciclo volta a repetir-se, vezes sem fim, alimentando o grande negócio da música de consumo imediato: é o gigantesco fenómeno da MÚSICA COMERCIAL.
A Embalagem Do Produto - A Capa
Sendo a música um produto vendável, comerciável e rentável, ela é lançada no mercado sob várias formas: disco (a forma mais vulgarizada), a cassete, vídeo (ainda em reduzida escala). Debrucemo-nos então sobre a forma mais vulgarizada: o disco (a única que nos interessa para este nosso artigo).
Todos nós conhecemos os discos, rodelas (quase sempre) negras de vinil, ora de sete polegadas (singles) ora de doze polegadas (longplay's).
Os produtos que circulam no mercado, devem possuir uma embalagem, um invólucro próprio. Os discos, como tal, não são excepção. Comecemos então a aflorar uma das partes mais importantes na apresentação final de um disco - A CAPA.
De facto, a capa de um disco desempenha, indiscutivelmente, um papel fundamental no sucesso do mesmo junto do grande público; somos até tentados a afirmar que, em certos casos, a capa de um disco é tanto ou mais importante, do que propriamente o conteúdo sonoro do vinil em si!
Não será difícil concluir porquê, se atendermos ao facto de a capa de um disco ser um cenário potencial para a aplicação das técnicas de marketing. O marketing joga pois, fortemente, na embalagem do produto que pretende vender. Para isso, recorre a estudos de mercado, estatísticas, psicologia e a um dado fundamental: a capa (embalagem) deve suscitar atracção - porque os olhos também comem (neste caso, leia-se ouvem - por parte dos consumidores de discos. Exemplo. A primeira capa do álbum "Aproved by... The Motors", que consistia numa horrível fotografia dos quatro elementos da banda, provocou baixas vendas, impossibilitando, em grande parte, o êxito desse disco, que continha os então célebres "Airport" e "Forget about you". A capa seria substituída numa segunda edição. Um exemplo contrário, sucede, porém, com alguns grupos neo-românticos ou futuristas, em cujas capas aparecem os elementos da banda em excelentes (?) poses, obtendo assim um notório incremento nas suas vendas.
Claro que existem bastantes formas de fazer com que uma capa atraia as atenções do público: desde as formas mais burlescas e kitsch, até Às mais sofisticadas e artísticas; tudo depende da relação que existe (ou que se pretende fazer existir) entre o conteúdo visual da capa e o conteúdo sonoro do vinil.
Não raras vezes, os criadores de capas apostam também na extravagância e no impensável. Ex.: "Emotional Rescue", dos Rolling Stones, cuja capa original se desdobra em três metros; uma edição do duplo "Still", dos Joy Division, em que a capa é de serapilheira; "Sticky Fingers", dos Stones, que inclui um fecho de correr verdadeiro, adaptado à imagem de uns jeans; "Metal Box", dos Public Image Ltd., que tem uma capa (?) metálica e circular (idêntica a "Cairo", dos Táxi).
Como se constata, a capa é um elemento de vital importância, quer em termos de imagem de marca veiculada por um grupo, quer, principalmente, em termos de vendas de discos e consequente sucesso comercial.
A evolução das capas (do rock'n'roll até ao punk)
Vejamos, então, como evoluíram as capas dos discos, ao longo do deenrolar da música popular anglo-americana.
Nos anos cinquenta, surge o rock'n'roll, que dos Estados Unidos atravessa o Atlântico, e começa a alastrar, na Europa. Com o rock'n'roll, começa a crescer a máquina do negócio discográfico. Para lá do ritmo fortemente inovador, as letras não passavam do vulgar e do banal; as capas desses discos também eram despreocupadas: uma sorridente foto da vedeta em causa, títulos das canções em destaque e pouco mais.
Tal situação não iria sofrer alterações notórias até aos inícios dos anos sessenta. Mas, havia que pensar que a capa de um disco poderia servir também, tal como a música, para manifestar uma ideia, um estado de espírito, a imaginação, um modo de estar, e muito mais; só que até aí todos utilizavam a capa, apenas como um meio de promover a imagem do artista. As capas dos dois primeiros álbuns dos Rolling Stones (I e II), de 1964 e 1965, vieram trazer algo de novo - os cinco Stones em fotografia que ocupa toda a capa, mas (e aqui está a diferença) com expressões faciais preocupadas, desencantadas, em total oposição às bem dispostas fotografias das capas dos grupos da época (inclusive os Beatles, que só mudariam de estilo após o álbum "Revólver", de 1966). As capas começavam, assim, a ser portadoras de alguma mensagem específica. Passa a existir um determinado paralelismo entre a mensagem da imagem/capa e a mensagem da música/vinil.
Entretanto, surgem os primeiros álbuns duplos da história do rock: primeiro, "Freak Out", de Frank Zappa, em 1966, e "Blonde on Blonde", de Bob Dylan, também de 66. Apareciam assim os primeiros concept-albums da história do rock. Em 1967 surge "Seargeant Pepper's Lonely Heart's Club Band" dos Beatles, um álbum charneira, quer em termos sonoros, quer em termos de capa: uma imagem onde são evocadas as mais marcantes personagens da civilização contemporânea. Esta capa seria, pouco tempo depois, gozadamente plagiada em "We Are Only In It For The Money", de Frank Zappa.
Por outro lado, começam a surgir as capas beat, produzidas pelos cultores da pop-art e do movimento underground, de que o célebre Andy Warhol foi um dos principais impulsionadores - a tónica da sua criação artística, era elevar o mais vulgar realismo ao estatuto de arte. Das mais célebres capas concebidas por Andy Warhol, destacam-se a famosa capa da "banana", do álbum "Velvet Underground and Nico", e a capa de "Sticky Fingers", que realizou para os Stones.
Nascia também o psicadelismo na West Coast e, claro, as capas dos discos também o espelhavam: fantásticas, ácidas, de sonho psicadélico. Ex.: "After Bathing at Baxter's" dos Jefferson Airplane; "Live-Dead" dos Gratefull Dead.
No virar da década de 60 para 70 assiste-se ao nascimento do rock cósmico e progressivo por intermédio de bandas como os Pink Floyd, King Crimson, Yes, Genesis, Van Der Graaf Generator, Moody Blues, que foram, de certo, as mais importantes. As capas dos discos desses grupos (quase sempre duplas) eram habitualmente povoadas (na parte exterior) por motivos imaginérios, figuras fantásticas e insólitas, ambientes de sonho, surrealismo, imagens psíquicas, enquanto no interior, a predominância ia quase sempre para as letras das composições.
Ganham então especial destaque como criadores de capas: o colectivo Hipgnosis, cujo estilo assentava sobretudo no uso da fotografia em motivos fantásticos e espectaculares, e que se notabilizou principalmente pelas criações das capas dos álbuns dos Pink Floyd; e Roger Dean, um conceituado designer britânico, que se distinguiu pela originalidade e rigor com que desenhou as capas e o logotipo dos Yes. São, de facto, trabalhos históricos, em termos de criação de capas discográficas. Desenhos de linhas rigorosas e fantásticas ilustraram capas tão geniais como "Tales From Topographic Oceans" e "Relayer", dos Yes, ou "Welcome Home", dos Osibisa. Roger Dean trabalhou ainda com os grupos Nucleus, Magna Carta e Palladin, entre outros.
Quanto às capas dos Genesis, destaca-se o trabalho do ilustrador Paul Whitehead, responsável pelas excelenetes capas de "Trespass", "Nursery Crime" e "Foxtrot" - ilustrações imaginárias e irreais, muito de acordo com as personagens dos contos tradicionais ingleses (e, afinal, com as letras do grupo), os "nursery rhymes", que são vulgarmente contados às crianças. "Selling England..." ainda em pintura, embora diferente das precedentes, é da autoria de Betty Swanwick, enquanto "Lamb Lies Down..." é da Hipganosis, e está já noutro estilo - a ilustração deu lugar à fotografia.
Referência, ainda nos anos setenta, para as capas da discografia do chamado glamour-rock - a imagem extravagante, luxuriante, fascinante, e decadente - onde David Bowie, Marc Bolan (T. Rex) e os Roxy Music foram os mais brilhantes expoentes. Bowie aparece quase sempre como um personagem andrógino, travestizado, transbordante de make-up. Ex.: "Honky Dory", "Aladdin Sane", "Space Oddity".
Os Roxy Music, com a ajuda de Nicholas deVille, revestiram todos os seus álbuns com fotografias de sensuais pin-up's - estilo capas de revistas americanas dos anos quarenta - que, de disco para disco, deram ao grupo uma imagem de marca, um conceito de beleza e de fascínio.
Breve reparo nas capas dos grupos de heavy-metal que, regra geral, são caracterizadas por uma forte mensagem agressiva e/ou sexual.
As Capas Do Pós-Punk
Após a explosão do movimento punk, e durante o período subsequente até aos nossos dias, o estilo de criação de capas discográficas voltou a sofrer algumas alterações. Os grandes criadores da primeira metade da década de setenta, a Hipgnosis, Roger Dean e alguns outros, deixaram de assinar as capas das novas produções discográficas de finais de 70 / inícios de 80, dando lugar a um lote de novos criadores de capas, até aí ilustres desconhecidos.
As novas capas evidenciam uma notória economia de meios e, muitas vezes, um minimalismo austero. O uso de uma exactidão geométrica na procura de uma estética global, é outro dos aspectos mais significativos.
Dos novos criadores de capas, a figura de proa é, sem dúvida, Peter Saville. Os seus trabalhos com os Joy Division, New Order, Cabaret Voltaire, entre muitos outros, tornaram-no o mensageiro gráfico mais cobiçado do Reino Unido. Ex.: As capas que concebeu para os Joy Division, "Closer", "Love Will Tear Us Appart" e "Atmosphere", são solenes e tristes, naturezas mortas, enquanto a de "Unknown Pleasures" é negra, rugosa e hermética - todas elas espelham a música (e, infelizmente, o triste destino) dos Joy Division. O minimalismo que, por vezes, Saville utiliza, chega a ser impressionante. Ex.: "Movement", "Procession" e "Temptation" dos New Order, os dois últimos não contêm qualquer referência a temas, nem ao nome do grupo (este estilo de capas foi recentemente apontado por uma revista britânica, como sendo baseado em posters futuristas do italiano Marinetti).
Peter Saville é um apaixonado pela técnica do "hairbrush", a qual vem desenvolvendo desde os tempos que frequentou o Art College de Manchester. Para ele existe um dado que é fundamental - "O mais importante num desenho é comunicar, transmitir uma mensagem ou uma informação específica. Se para isso for suficiente um nome num pedaço de papel, no tipo certo e no tamanho exacto, então é isso que devemos desenhar."
Porém, das bandas para quem tem trabalhado, afirma ter apenas gostado dos Orchestral Manouvres In The Dark, nada se identificando com os sons dos Cabaret Voltaires, nem mesmo com a música dos Joy Division. Depois de Saville, v~em nomes como Martin Atkyns, Malcolm Garrett ou Neville Brody, entre outros, sendo eles os grandes responsáveis pelas capas dos novos grupos.
Melhores Capas
Para finalizar este artigo, indicamos uma vasta lista de capas (seleccionadas entre aquelas que conhecemos e que de momento temos em memória), as quais consideramos das mais importantes de sempre, atendendo, principalmente, à sua concepção, inovação, espectacularidade e, naturalmente, a muitos outros aspectos que ficarão por nomear.
A nossa lista divide-se em duas sub-listas: as melhores capas realizadas até ao punk e as melhores capas do pós-punk.
Melhores capas da música popular anglo-americana (até ao punk: Kevin Ayers - The Confessions of Dr. Dream / The Band - Music From Big Pink / Syd Barrett - Barrett / Beach Boys - Surf's Up / Beatles - Sgt. Pepper's... / Marc Bolan (T. Rex) - My People Were Fair And Had Sky In Their Hair... / David Bowie - Hunky Dory / Crosby, Stills, Nash and Young - Deja Vu / Doors - Strange Days - Free / Genesis - Nursery Crime / Gong - Angel's Egg / Roy Harper - Life Mask / Jefferson Airplane - After Bathing at Baxtar's / Jethro Tull - Aqualang, Thick As A Brick / Janis Joplin - Cheap Thrills / King Crimson - In The Court Of The Crimson King / Led Zeppelin - II, IV, Physical Grafitti / Loggins and Messina - On Stage / Van Morrison - Tupelo Honey / Osibisa - Welcome Home / Pink Floyd - Atom Heart Mother, Meddle, Wish You Were Here / Rolling Stones - II, Get Yer Yaya's Out! Sticky Fingers / Roxy Music - I Country Life / Soft Machine - Seven / Velvet Underground and Nico / Tom Waits - Small Change / Yes - Tales From Topographic Oceans.
Melhores capas do pós-punk (artista gráfico) Orchestral Manoeuvres In The Dark - O.M.D. (P. Saville) / Magazine - The Correct use of Sopa (M. Garrett) / Joy Division - Closer, Love Will Tear Us Apart (edição inglesa), Atmosphere, Unknown Pleasures (todas de Saville) / Philip Glass - Dances 1 & 3 / John Hassell & Eno - Possible Musics / Monochrome Set - Strange Boutique (Saville), Love Zombies (M. Atkyns) / Public Image Ltd. - Metal Box / Stiff Little Fingers - Nobody's Heroes / David Bowie - Scary Monsters (Edward Bell) / Talking Heads - Remain In Light / Au Pairs - Playing With a Diferent Sex / Teardrope Explodes - Kilimanjaro (edição inglesa) (M. Atkyns) / Tom Tom Club (James Rizzi) / Funkapolitan (Saville) / The Fun Boy Three / New Order - Movement (Saville) / Durutti Column - LC (Les Thompson) / Bow Wow Wow - See Jungle... / A Certain Ratio - Sextet (Ben Keley) / Rolling Stones - Emotional Rescue / Cabaret Voltaire - 2x45 (N. Brody / Dead Kennedys - Plastic Surgery Disasters / Material - Temporary Music 1 (Felipe Orego) / Peter Gabriel III (Hipgnosis).
Alguns artigos interessantes, para futura transcrição:
. Kinks - O Carrocel Do Desencanto, artigo por Manuel José Portela
. Devo - Neuroses, artigo por Manuel José Portela
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