Música & Som
Nº 103
Maio de 1985
Publicação Mensal
Esc. 150$00
Director: A. Duarte Ramos
Chefe de Redacção: Jaime Fernandes
Propriedade de: Diagrama - Centro de Estatística e Análise de Mercado, Lda.
Colaboradores:
Ana Rocha, Carlos Marinho Falcão, Célia Pedroso, Fernando Matos, Fernando Peres Rodrigues, Hermínio Duarte-Ramos, José Guerreiro, José O. Fernandes, José Rúbio, Luís Maio, Manuel José Portela, Manuela Paraíso, Nuno Infante do Carmo, Pedro Cardoso, Pedro Ferreira e Trindade Santos.
Correspondentes:
França: José Oliveira
Inglaterra: Ray Bonici
Tiragem 20 000 exemplares
Porte Pago
56 páginas A4 + suplemento/destacável Computadores... & Vídeo (16 páginas) - Nº 4
capa de papel brilhante grosso a cores
interior com algumas páginas a cores e outras a p/b mas sempre com papel não brilhante de peso médio.
Bando Branco
por Luís Maio
O Concerto
Entre as questões que normalmente se colocam no domínio musical e, de uma maneira geral, nos vários horizontes da produção artística, o problema judicativo é daqueles que causa maior perplexidade e gera mais acesa controvérsia. Evidentemente, ajuizar implica assumir um determinado critério, um padrão ideal que funciona como termo de comparação para todos os casos análogos. Mas, no que diz respeito à música e à estética, não há critério de verdade, não há qualquer paradigma unanimemente aceite de uma vez por todas, universal e intemporal.
Consequentemente, em tal contexto, não obstante os predicados usados serem os mesmos, aquilo que um considera positivo pode ser aquilo que outro toma por negativo e precisamente pelos mesmos motivos.
Esta situação verificou-se mais uma vez, aliás com particular veemência, no concurso de música moderna organizado pelo Rock Rendez-Vous nos meses de Março e de Abril do presente ano. A julgar pelas pontuações atribuídas pelos júris da competição em cada um desses meses, uma regra táctica foi aceite pela grande maioria dos seus membros. Assim, não obstante as características distintivas de cada personalidade, notou-se que todos ou quase todos privilegiaram a competência instrumental em detrimento da novidade compositiva ou interpretativa. Assim se tornou possível que uma proposta sem a mínima originalidade, como foi a de António Duarte, tivesse obtido uma classificação bastante mais elevada que projectos bem mais inovadores, tais como os dos Pop Dell'Arte e dos Bando Branco.
O nosso ponto de vista é simetricamente oposto ao acima descrito - o que, como é óbvio, não significa reivindicar para ele um grau superlativo, mas apenas defender a sua diferença específica. Para nós, num concurso dete tipo, ajuizar os concorrentes em função da sua perícia no uso dos instrumentos, a qual só pode ser alcançada por experiência e rodagem, é contradizer o princípio mais básico do certame que é o dele ser exclusivamente destinado a formações musicais principiantes ou não consagradas - é exigir aos músicos aquilo que se requereu eles serem isentos. Se há que decidir em harmonia com aquela premissa, se de acordo com ela uns devem ser seleccionados e os outros excluídos, o critério que se nos afigura mais adequado e primordial é o da originalidade. O que é novo só faz sentido se for diverso ou mesmo oposto ao que o precede, se for alternativo ao pré-existente. Logo, essa mesma deve ser a sua medida.
Daí que as bandas em despique que temos vindo a eleger nestas páginas estejam precisamente entre aquelas que foram relegadas para segundo plano ou afastadas da final do concurso. Primeiro, no número precedente (M & S, nº 102, Abril 85, pp. 16-18), fizemos justiça aos 'proscritos' Essa Entente, a Jovem Guarda e Pop Dell'Arte, todos grupos procedentes de Campo de Ourique. Hoje vamos tratar de um outro conjunto excluído que nos impressionou muito favoravelmente, os Bando Branco.
Este agrupamento, também ele oriundo da capital, é constituído por quatro elementos: Pinela (baixista), Paulo (guitarrista), rui (baterista) e Toni (vocalista e também responsável pela realização dos vídeos dos BB). A sua actuação no RRV, sem rasgos espectaculares ou insólitos, foi na realidade uma agradável revelação. O som da banda é enérgica e poderoso, com especial destaque para a secção rítmica, as letras são declaradamente políticas mas bastante finas e sugestivas, e os vídeos denotam grande inteligência e perícia técnica, nomeadamente ao nível da montagem. Na linha de descendência dos grupos que sobreviveram criativamente ao punk sem adulterarem a sua ética, caso dos Clash ou dos Siouxsie, os Bando Branco são uma formação que já se vai libertando dessa paternidade cuja herança recria de acordo com a inspiração e os meios que se encontram ao seu alcance.
A Entrevista
Sob estas condições, depois do concerto do RRV, interpelamos os elementos constituintes dos Bando Branco no sentido de esclarecer quais as intenções subjacentes à sua produção musical. Começámos por questioná-los acerca do cariz político que, como já frisámos, é saliente nas suas canções. A resposta não se fez esperar. «A nossa atitude particular no plano musical é política, mas também é verdade que todas as atitudes confessada ou inconfessadamente, têm essa conotação. Mais concretamente, três das quatro composições que levámos ao concurso possuem uma carga política explícita. 'Castelos Na Areia' fala na herança traumática da nossa guerra colonial. Refere as castrações e fantasmas nocturnos que ela imprimiu para sempre no espírito de um antigo combatente.
'Nada de Nada', por sua vez, tematiza o problema juvenil, os ideais da adolescência que nunca se concretizam, que invariavelmente resultam em 'nada de nada'. Por último, 'Crise Total' é uma versão irónica sobre a nossa classe política que mascara as suas limitações de todo o género atribuindo os seus falhanços a coisas como a crise económica internacional e as FP 25 de Abril».
Mas qual é, de facto, o sentido da atitude política expressa na música dos Bando Branco?
Aparentemente, tudo aponta no sentido de uma ideologia de esquerda como contraponto à vivência social nacional que se regista e denuncia... Mas esta aparência é na verdade um equívoco prontamente desfeito pelos Bando Branco: «não subscrevemos o comunismo ou outra qualquer tomada de posição de feição esquerdista. Essas são ideologias de classe que envolvem uma tomada de posição e uma forma de activismo comunitários em que não acreditamos de modo algum. Do ponto de vista estritamente prático, todos os movimentos de massas resultaram em falhanços redundantes. Acreditamos na força e no poder individual, na capacidade de cada qual, por si mesmo, ser senhor do seu próprio destino: Esta forma de perspectivar as questões também se reflecte ao nível das nossas letras onde, ao lado de temas que assentam na crítica social, outros há com um cunho mais pessoal, caso de 'A Viagem', o quarto título que apresentámos no RRV».
Uma tal visão da nossa realidade social expressa-se e comunica-se em termos musicais. Qual é então a opção musical que complementa a convicção ideológica? Que género de sonoridades se cristalizam nas canções da jovem banda? A resposta não é talvez a mais ortodoxa, mas reflecte a consciência lúcida do estado presente da evolução do grupo. «É evidente que Portugal, devido à sua actual falta de capacidade de resposta neste domínio, é um país musicalmente colonizado. Assim sendo, não faz sentido defender orgulhosamente a nossa independência, porque pouco ou nada há para ser defendido. Em constraste, o que se deve fazer é aceitar e tentar assimilar as várias correntes que agitam o panorama musical internacional. Quem cria tem de criar a partir de algo e, no nosso caso, isso significa assumir um legado com assento no estrangeiro. É claro que também não se trata de copiar ciosamente tudo o que se vai fazendo lá fora, mas de privilegiar as tendências que mais concordam com a nossa perspectiva e reformulá-las em termos próprios. Hoje, há por um lado o funky, o break, de um modo geral, a música comercial de consumo puro; do outro, há as formas musicais menos simplistas e, nessa medida, mais marginais. É nas segundas que procuramos filiação».
Quererá isto dizer que os Bando Branco pertencem como que a uma nova geração de estrangeiros? Será que essa sua tendência para a importação de padrões musicais equivale à recusa de uma forma especificamente portuguesa de fazer música? Na realidade, para aquele agrupamento não há qualquer antítese entre as duas coisas - muito pelo contrário, a sua compatibilização faz parte integrante dos seus objectivos. «Podemos adoptar uma estética e um som inspirados no exterior, mas a nossa sensibilidade é irredutivelmente portuguesa. Temos uma cultura, uma história que, por maiores que sejam as similitudes, têm uma especificidade nacional. Não podemos recusá-las, porque somos delas consequência e vivemos em função da sua existência. Por isso mesmo, a nossa música surge como uma forma de compromisso entre aquelas influências musicais procedentes do exterior e a nossa vivência visceral do modo de ser português».
Alguns artigos interessantes, para futura transcrição:
. John McLaughlin - entrevista de José Oliveira
Discos em Análise:
. The Smiths - «Meat Is Murder» [Rough Trade TM/RT 81], por Luís Maio
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